Transparência na Administração Pública. Da lei e do efetivo controle social
O modelo burocrático ideal surgiu como reação ao nepotismo e à corrupçã
Administração e Gestão
25/06/2014
TRANSPARÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA. Da lei e do efetivo controle social[1]
Cristhyane Moreira dos Santos[2]
Leandro Tortosa Sequeira[3]
RESUMO
Partindo da Teoria da Burocracia weberiana até chegar ao Public Service Orientation da Administração Pública Gerencial, este trabalho teve a intenção de fazer ponderações relevantes e atuais sobre a transparência na gestão administrativa do Brasil, por meio de uma síntese da evolução da Administração Pública brasileira, abarcando o progresso do conceito de cidadania, o desenvolvimento da cultura de amplo acesso a informações públicas pelos cidadãos e a importância da participação popular na gestão administrativa do país. Para restringir o campo de pesquisa, foi analisada a cultura de transparência vivida e disseminada pela Controladoria-Geral da União (CGU), expondo algumas de suas iniciativas, em especial a Lei de Acesso à Informação Pública (LAI).
[1]Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-graduação lato sensu a distância em Gestão Pública pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) em parceria com o Portal Educação, apresentado como requisito parcial para obtenção do título de especialista.
[2] Bacharel em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB). Servidora Pública da Controladoria-Geral da União (CGU). Pós-graduanda em Gestão Pública pela UCDB. E-mail: chrys.moreira@globo.com.
[3] Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Orientador do Artigo. E-mail: leandrotortosa@ymail.com.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve por objetivo inicial demonstrar que tão somente a disponibilização de informações acerca da gestão administrativa do país, por cumprimento à legislação em vigor, não é capaz de alavancar o controle social. Então, se existem instrumentos que permitem a transparência na gestão pública, por que não há o controle social efetivo?
Partindo deste questionamento, considerando a existência de legislação e políticas favoráveis à transparência da gestão pública brasileira que, simultaneamente, possibilitam o controle social e incitam os cidadãos a praticá-lo, este trabalho pretende fazer ponderações relevantes, por meio de pesquisas explicativa, bibliográfica e documental, sobre a realidade prática da transparência na gestão da Administração Pública brasileira, oferecendo ao gestor público uma possibilidade de compreender o atual alijamento do controle social no Brasil.
Devido ao seu processo de colonização, o Brasil foi durante muito tempo um país patrimonialista, no qual a participação popular não era vista com bons olhos. Aliada a isso, existia a rigidez administrativa, havendo a presença dominante e autoritária do Estado. Após diversas revoluções e crises, sociais e econômicas, nacionais e mundiais, o país se tornou um Estado Republicano Democrático de Direito, e como tal, exigia uma reforma administrativa.
A partir da década de 90, iniciou-se a construção de um Estado gerencial, voltado para o cidadão e suas necessidades, tentando quebrar a rigidez burocrática do aparelho administrativo para se aproximar da população. Contudo, séculos culturais não são erradicados assim tão facilmente, conseguindo-se transitar de uma forma de administração para outra tão somente com a mudança da legislação. Assim, atualmente, o Brasil vive um momento de mudança de paradigmas, de disseminação e legitimação da cultura de transparência na gestão da administração pública, com participação e controle sociais efetivos.
1 BUROCRACIA: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
A burocracia, enquanto forma de dominação e organização humana fundamentada na racionalidade, tem sua origem na antiguidade, havendo relatos de sua existência nas antigas Grécia e Índia, e até mesmo na Mesopotâmia, quando o homem identificou a necessidade de regular as relações entre as pessoas e entre estas e o Estado e, consequentemente, elaborou os primeiros códigos sociais que regulavam as organizações, sociais e públicas. Entretanto, a burocracia moderna, como a conhecemos atualmente, teve sua origem na Era Renascentista, quando surgiram novas normas sociais, religiosas e morais, denominadas “ética protestante” por Weber.
Max Weber era sociólogo e durante suas observações dos processos de modernização da sociedade e das organizações formais, após a Revolução Industrial, percebe uma série de mudanças orientadas para o capitalismo e para a racionalização: o trabalho profissional, a poupança, o investimento do excedente. A racionalização, então, é identificada nas organizações como a ênfase na aquisição de conhecimento técnico-científico, o estabelecimento de estruturas formais de autoridade, a profissionalização dos funcionários, a ascensão por mérito, a codificação de regras, a impessoalidade, entre outros. Para Weber, o uso estrito da razão pelo administrador, sem levar em conta fatores emocionais, resulta na tomada de decisões que favorecem a organização, enquanto que as regras, a estrutura formal de autoridade e a hierarquização resultam na obediência dos subordinados às decisões. Ao conjunto formador da racionalização, Weber deu o nome de burocracia ideal1.
O modelo burocrático ideal surgiu como reação ao nepotismo e à corrupção, típicas do patrimonialismo pré-capitalista e pré-democrático, o qual era forjado sob a dominação tradicional, bem como sob a carismática.
Dominação é uma relação de poder na qual o governante acredita ter o direito de exercer o poder e os governados acreditam que têm por obrigação obedecer as suas ordens. Logo, o poder é a possibilidade de imposição da vontade de um sobre vários; a autoridade proporciona o poder, mas precisa de legitimidade para justificar seu exercício. Se a autoridade é aceita pelas pessoas, ela é legítima. Se a autoridade é legítima e ainda proporciona poder, ela leva à dominação.
É necessário esclarecer que, para Weber, cada tipo de sociedade corresponde a um tipo de autoridade: (i) na sociedade tradicional predomina a autoridade tradicional e, consequentemente, a dominação tradicional. Nela se destacam características patriarcais e patrimoniais, como a satisfação a priori das necessidades pessoais do soberano2, a confusão entre domínios público e privado, a não distinção entre patrimônio público e privado, a submissão dos funcionários exclusivamente ao soberano, a arbitrariedade de deveres e direitos do quadro administrativo, etc.; (ii) na sociedade carismática há a figura da autoridade carismática. Nela o líder se impõe por ser uma pessoa extraordinária e a legitimação de sua autoridade provém de devoção afetiva, pessoal e emocional, inexistindo, assim, racionalismo e estabilidade. Esse tipo de autoridade, depois de estabelecida, acaba se transformando em tradicional; e (iii) na sociedade legal, racional ou burocrática, cujo pilar é a autoridade legal, racional ou burocrática, há a predominância de normas racionais e impessoais, devidamente escritas e universais.
A burocracia weberiana corresponde ao aparato administrativo da autoridade legal, racional ou burocrática, representando seu tipo mais puro. Esse tipo de autoridade tem por características: delimitação de direitos e deveres, por meio de normas; delimitação da área de competência/atuação de cada cargo; definição clara dos instrumentos coercitivos, bem como da limitação de seu uso; hierarquização de cargos; especialização técnica e profissional; separação entre propriedade e meios de produção da organização e propriedade pessoal dos funcionários; impossibilidade de apropriação do cargo pelo seu ocupante; registro documental de atos administrativos, normas, decisões e comunicações.
Apesar de ter adquirido uma denotação negativa ao longo do tempo, a administração burocrática está presente em toda organização moderna, das mais simples às mais complexas, em maior ou menor grau, pois apresenta um arcabouço de princípios superiores aos das estruturas administrativas anteriores, em termos de precisão, eficiência, estabilidade, normatização, previsibilidade e confiabilidade.
E, embora muitos se queixem dos “pecados da burocracia”, seria ilusão imaginar que o trabalho administrativo contínuo pudesse ser executado, em qualquer setor, sem a presença de funcionários trabalhando em seus cargos. Todo môdelo (sic) de vida quotidiana é talhado para se adequar a esta estrutura. Porque a administração burocrática é sempre, observada em igualdade de condições e de uma perspectiva formal e técnica, o tipo mais racional. Ela é, atualmente, indispensável para o atendimento das necessidades da administração de massa. (WEBER, apud CAMPOS, 1971, p. 25)
E, embora tenham existido administrações burocráticas no passado, o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito permitiu a ampliação da burocracia moderna, de tal forma que o desenvolvimento de um alimentava o do outro. Recentemente Evans e Rauch (1999) publicaram um artigo afirmando que a substituição da administração patrimonialista pela burocrática foi necessária ao desenvolvimento dos países no século XX.
Para Weber, o modelo burocrático, por ser racionalmente lógico, científico e previsível, era ideal e não passível de falhas. Contudo, à medida que o Estado se desenvolveu economicamente e a sociedade se conscientizou de seus direitos, passando a reivindicá-los, o modelo burocrático começou a apresentar seus efeitos indesejados, as chamadas disfunções. Porém, apesar de suas disfunções, a administração burocrática foi uma grande evolução dos modelos administrativos até então vigentes.
Foi um grande progresso o surgimento, no século XIX, de uma administração pública burocrática em substituição às formas patrimonialistas de administrar o Estado. Weber (1992), o principal analista desse processo, destacou com muita ênfase a superioridade racional-legal sobre o poder patrimonialista. Apesar disso, quando, no século XX, o Estado ampliou seu papel social e econômico, a estratégia básica adotada pela administração pública burocrática – o controle hierárquico e formalista dos procedimentos – provou ser inadequada. Essa estratégia podia talvez evitar a corrupção e o nepotismo, mas era lenta, cara, ineficiente. (BRESSER-PEREIRA, 2005, p. 26)
Quadro 1 – Características e Disfunções da Teoria da Burocracia
Características
Disfunções
Caráter legal das normas e regulamentos: normas e regulamentos previamente estabelecidos, os quais devem estar escritos, de forma exaustiva, a fim de cobrir todas as áreas da organização, prevendo todo tipo de ocorrência e rotina.
Internalização das regras, apego aos regulamentos e superconformidade às rotinas e aos procedimentos: as regras e regulamentos deixam de ser meios para se tornarem objetivos da organização, limitando, com o tempo, a capacidade criativa e a espontaneidade dos funcionários.
Caráter racional e divisão do trabalho: divisão sistemática do trabalho, dos deveres, dos direitos e do poder.
Caráter formal das comunicações: a correspondência oficial escrita proporciona a comprovação adequada dos atos administrativos praticados, para a devida fiscalização da sociedade.
Excesso de formalismo e de papelório: essa talvez seja a disfunção mais evidente da burocracia, pois a necessidade de formalizar e documentar todas as comunicações resulta em um volume demasiadamente grande de papéis e formulários.
Competência técnica e meritocracia: a admissão e promoção dos agentes públicos são feitas com base no mérito e na competência técnica e não em preferências pessoais.
Hierarquia da autoridade: todos os cargos estão dispostos em níveis hierárquicos que possuem privilégios e obrigações específicos.
Categorização como base do processo decisório e despersonalização: quem decide é aquele que ocupa o posto hierárquico mais elevado, independente do seu conhecimento sobre o assunto.
Separação entre propriedade organizacional e propriedade pessoal: bens pessoais e bens de propriedade da organização não se confundem.
Completa previsibilidade do funcionamento: padronização dos comportamentos e rotinização das atividades.
Resistência a mudanças: a rotinização, a padronização e a previsibilidade proporcionam estabilidade e segurança ao funcionário e as mudanças são interpretadas como algo desconhecido que pode pôr em risco sua segurança e tranquilidade.
Profissionalização dos participantes: necessidade de especialização técnica/científica e cargo como a principal ou única fonte de renda.
Fonte: Autoria Própria, com base em Chiavenato, 1987.
2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL
Quando a Administração Pública adotou o modelo burocrático, vislumbrou apenas sua superioridade em relação ao modelo patrimonialista. Porém, o pressuposto de sua eficiência não se revelou ideal em um Estado em expansão econômica e social – Assim que o Estado liberal deu lugar ao Estado social e econômico verificou-se que não havia, de fato, garantia de celeridade e eficiência dos atos administrativos.
Ao ser aplicado em um Estado contendo uma estrutura organizacional, administrativa e social, mais complexa, o modelo burocrático puro se revelou lento, dispendioso e extremamente impessoal, indo, desse modo, de encontro às políticas públicas e aos anseios sociais que despontavam com grande força à época.
O Estado liberal possuía apenas quatro ministérios; contudo, quando assumiu uma grande demanda de serviços sociais, bem como o papel regulador da economia do país, a ineficiência, o acúmulo de papelório, a rigidez e a impessoalidade da burocracia ficaram gritantes e passaram a ser alvo de críticas dos teóricos e, principalmente, dos usuários dos serviços, que passaram a reivindicar seus direitos, desafiando as autoridades em todas as instituições públicas.
Além disso, nos anos 70, a economia mundial sofreu várias crises, pois, após anos de crescimento, a maioria dos governos não tinha caixa para financiar suas atividades e a sociedade pressionava pelo atendimento adequado de suas demandas e pela manutenção de seus direitos. Logo, a única solução era uma reforma estatal, porque a burocracia se tornara inadequada.
O combate à ineficiência burocrática veio por meio da “new public management” (NPM), a Nova Gestão Pública, difundidas nos governos Thatcher e Reagan, que resultou na administração pública gerencial.
A NPM pode ser dividida em três estágios: o gerencialismo puro (redução de custos e aumento da eficiência); o consumerism (prestação de serviços de qualidade ao cidadão-cliente) e o Public Service Orientation – PSO (ainda vigente, agregou princípios atrelados à cidadania).
Segundo Abrucio (1997), “toda a reflexão realizada pelos teóricos do PSO leva aos temas do republicanismo e da democracia, utilizando-se de conceitos como accountability, transparência, participação política, equidade e justiça”.
Nesse estágio mais atual, o termo cliente – embora ainda utilizado – fica em segundo plano, e o termo cidadão ganha força. (...) O termo cidadão traz consigo a noção de tratamento isonômico e a noção de bem comum. (...) o termo cidadão não é uma via de mão única, não tem apenas direitos, mas também obrigações como a de fiscalizar a coisa pública e cobrar o accountability (prestação de contas dos responsáveis) dos gestores pelos atos praticados. (PALUDO, 2012, p. 73)
A Administração Pública Gerencial brasileira fundamenta-se no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), de 1995, idealizado pelo então Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira, o qual afirma que a administração pública gerencial surgiu como resposta aos problemas apresentados pelo modelo burocrático durante a expansão econômica do Estado brasileiro.
Administração Pública Gerencial - Emerge na segunda metade do século XX, como resposta, de um lado, à expansão das funções econômicas e sociais do Estado, e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados à adoção do modelo anterior. A eficiência da administração pública - a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário - torna-se então essencial. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações. (PDRAE, 1995, p. 15-16)
Ainda durante a elaboração do PDRAE já foi possível verificar que a transição para a Administração Pública gerencial só seria possível se houvesse mudanças na legislação, no aparato administrativo, na forma de gerir e, principalmente, na cultura administrativa do Brasil. Assim, o Plano definiu objetivos, de curto, médio e longo prazos, que possibilitassem iniciar, continuar e consolidar as mudanças necessárias e ações que permitissem o aperfeiçoamento contínuo da gestão governamental, resultando em uma Administração Pública focada no cidadão e na profissionalização do servidor, partindo de um redesenho institucional e gerencial baseado no controle social direto e na participação da sociedade.
Essa nova forma de administrar, embora não tendo rompido totalmente com o modelo burocrático, representou um avanço na direção da cidadania e da democracia, pois, por trás do objetivo direto de tornar o aparelho estatal mais eficiente, o PDRAE buscou defender os direitos republicanos e afirmar a cidadania, fazendo valer a Constituição Federal e a democracia.
O Pdrae afirma que a administração gerencial: até certo ponto é um rompimento com a administração burocrática, e afirma também que, em muitos pontos, não se diferencia da administração burocrática. Claro! Rompe com o que é contrário à nova forma de administrar e não se diferencia dos pontos com os quais concorda!
A Administração Pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente de seus serviços. (...) Atualmente tem-se uma dimensão ainda maior de cidadão: a de titular da coisa pública. Assim, o cidadão é ao mesmo tempo: usuário, financiador e titular da coisa pública. (PALUDO, 2012, p. 66)
Além dos objetivos e das ações, criaram-se, também, diversos projetos, destinados à implantação da gestão gerencial, dos quais, dentro da perspectiva de controle e participação social, podemos destacar a Rede do Governo, que visava à criação de uma rede de dados, que permitisse, de forma segura e ágil, repassar à sociedade e, também, ao governo, a maior quantidade possível de informações; os Sistemas de Gestão Pública, cujo objetivo era permitir a transparência na implementação das ações governamentais, possibilitando seu acompanhamento e avaliação, bem como a disponibilização de informações não privativas e não confidenciais para o governo e para a sociedade; e o Projeto Cidadão, que pretendia aperfeiçoar as relações entre os órgãos da Administração Pública e os cidadãos.
3 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Na Administração Pública, controlar significa examinar se a atividade governamental atendeu à finalidade pública, à Constituição Federal, à legislação infraconstitucional e aos princípios administrativos básicos aplicáveis ao setor público.
A forma de controle exercida pela própria Administração Pública é chamada de controle institucional, o qual encontra seu respaldo legal nos artigos 70, 71 e 74 da Constituição Federal brasileira de 1988, cujos textos estabelecem que o controle institucional é realizado essencialmente pelo Congresso Nacional, responsável pelo controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, e, também, por cada um dos Poderes da União, por meio de um sistema integrado de controle interno.
O controle interno, na esfera federal, é feito pela Controladoria-Geral da União (CGU), à qual compete desenvolver funções de controle interno, correição, ouvidoria, além das ações voltadas para a promoção da transparência e para a prevenção da corrupção.
3.1 CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
Segundo a Controladoria-Geral da União (2010), “o controle social, entendido como a participação do cidadão na gestão pública, é um mecanismo de prevenção da corrupção e de fortalecimento da cidadania”, funcionando, ainda, como um complemento ao controle institucional.
Para Lock (2004), o controle social pode ser entendido como a participação de cidadãos, individual ou coletivamente, na provocação dos órgãos administrativos, com base na legislação, para a defesa do patrimônio público e dos direitos fundamentais idealizados pela Constituição Federal.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88), a Constituição cidadã, nasceu, justamente, do anseio de permitir o controle social, por meio da ampliação dos direitos e garantias individuais e sociais. Contudo, embora tenha institucionalizado mecanismos de participação e controle social da gestão pública, a CF/88, aumentando a quantidade e a rigidez nas normas, tornou a Administração Pública mais burocrática e dificultou a transparência administrativa. Em um paradoxo, a sociedade possuía respaldo legal para participar e controlar a gestão pública, mas eram tantas normas esparsas e volumosas, numa linguagem tão distante da prática popular, que caímos no “excesso de formalismo e papelório” e na desinformação.
No Quadro 2, abaixo, é possível verificar a quantidade de normativos sancionados pela Presidência ou órgãos diretamente vinculados à ela, surgidos a partir da década de 80, relacionados ao acesso às informações da gestão pública pela sociedade civil, no que tange, expressamente, à transparência, aos gastos e atos administrativos e à regulamentação do sigilo de informações de interesse público; excluindo-se, é claro, o Plano Plurianual (PPA), renovado a cada quadriênio, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), ambas renovadas a cada exercício.
Quadro 2 – Normas Relacionadas ao Acesso à Informação Pública
Ano
Tipo
Designação
Sinopse
1988
Constituição
CF/1988
Constituição da República Federativa do Brasil
1991
Lei
Lei nº 8.159/1991
Política Nacional de arquivos públicos e privados
1997
Lei
Lei n.º 9.507/1997
Rito processual do habeas data
1999
Lei
Lei n.º 9.784/1999
Lei do processo administrativo
2000
Lei Complementar
LC n.º 101/2000
Lei de Responsabilidade Fiscal
2002
Lei
Lei n.º 10.520/2002
Pregão Eletrônico
2002
Decreto
Decreto n.º 4.073/2002
Regulamenta a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados
2002
Decreto
Decreto n.º 4.553/2002
Salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos
2004
Decreto
Decreto n.º 5.301/2004
Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas
2005
Decreto
Decreto n.º 5.482/2005
Portal da Transparência e Páginas da Transparência Pública
2005
Decreto
Decreto n.º 5.450/2005
Ampliação do Pregão Eletrônico
2005
Portaria
Portaria CGU n.º 262/2005
Relatórios de Auditoria na Internet
2007
Decreto
Decreto n.º 6.170/2007
SICONV – Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de repasse do governo federal
2008
Decreto
Decreto n.º 6.370/2008
Fim das contas tipo “B”/ Cartão de Pagamento do Governo Federal obrigatório
2009
Lei Complementar
LC n.º 131/2009
Lei Capiberibe – acrescenta dispositivos à Lei de Responsabilidade Fiscal
2009
Decreto
Decreto n.º 6.932/2009
Carta de Serviços ao Cidadão
2010
Portaria
Portaria CGU n.º 516/2010
Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Sancionadas (CEIS)
2011
Lei
Lei n.º 12.527/2011
Lei de Acesso à Informação (LAI)
2012
Decreto
Decreto n.º 7.724/2012
Regulamenta a Lei de Acesso à Informação
2012
Portaria
Portaria conjunta MPOG/CGU/MF/MD n.º 233/2012
Remuneração de servidores e agentes públicos
Fonte: Autoria Própria
Fica evidente que existe uma vasta fundamentação jurídica que visa possibilitar ao cidadão o acesso às informações sobre os atos de gestão da administração pública, o que, em termos de controle social, significa transparência. Contudo, também, fica evidente que a sociedade, mesmo as classes com maior acesso à educação de qualidade, não tem condições de conhecer e compreender todo esse arcabouço legal. Assim, o controle social fica alijado, pois para tornar-se útil, a legislação e a informação precisam ser conhecidas, assimiladas, aplicadas e obedecidas.
Um povo, portanto, só será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade, de tal modo que a obediência a essas mesmas leis signifique, na verdade, uma submissão à deliberação de si mesmo e de cada cidadão, como partes do poder soberano. Isto é, uma submissão à vontade geral e não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo de indivíduos. (NASCIMENTO, apud WEFFORT, 2000, p. 196)
De acordo com Platt Neto (2005), a transparência implica na existência de três dimensões simultâneas: (i) publicidade, entendida como a ampla divulgação das informações à população, por múltiplos meios de baixo custo, em tempo hábil para a tomada de decisões; (ii) compreensibilidade das informações, relacionada à apresentação visual, ao uso da linguagem simples e acessível, visando ao entendimento das informações pelos usuários; e (iii) utilidade para decisões, que se fundamenta na relevância das informações para os interesses dos usuários.
No universo das tentativas do governo de publicar seus atos e estimular o controle social por meio de iniciativas de baixo custo, estão os sítios de domínio “gov.br”, dentre os quais se destaca os sítios criados e mantidos pela Controladoria-Geral da União (CGU).
3.2 TRANSPARÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
À medida que um novo contexto democrático se estabelecia no Brasil, as tecnologias da informação e comunicação (TICs), dentre elas, a internet, também, deu um grande salto, possibilitando a universalização das informações a um baixo custo. A internet possibilitou, segundo Castells (1999), o estabelecimento de um novo tipo de relação entre cidadãos e governos diversos, já que aqueles teriam à disposição informações de qualidade sobre os atos e gastos públicos, em qualquer tempo ou lugar e com baixo custo.
No Brasil, o contexto histórico-social mundial e o arcabouço legal nacional culminaram da edição e sanção da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI), a qual vincula os órgãos e entes à obrigatoriedade de permitir, de forma ágil, clara e transparente, o acesso às informações da gestão pública pelos cidadãos. Para isso, definiram-se dois tipos de transparência: ativa (informações disponibilizadas espontaneamente pelo Estado) e passiva (obtenção de informações mediante provocação pelos cidadãos, por meio dos SICs – Serviços de Informações ao Cidadão).
O rol mínimo de informações para se configurar transparência ativa, qual seja: (i) registro das competências e estrutura organizacional, endereços e telefones das unidades e horários de atendimento ao público; (ii) registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros; (iii) registros das despesas; (iv) informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados; (v) dados gerais para acompanhamento de programas, ações, projetos e obras; e (vi) respostas às perguntas mais frequentes da sociedade, bem como a obrigatoriedade de sua divulgação em sítios oficiais na internet, foram regulamentados pelo Art. 8º da LAI.
Já o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), responsável pelo recebimento, processamento, gerenciamento e envio da resposta aos pedidos de acesso à informação e pela orientação dos cidadãos, obedece, dentre outras, às seguintes regras: (i) instalação em local de fácil acesso e devidamente identificado; (ii) telefones e e-mails exclusivos; (iii) pelo menos dois servidores treinados para dedicação específica ao SIC; (iv) quando possível, concessão de acesso imediato à informação; e (v) possibilidade de envio de consultas pelo sítio oficial do órgão na internet.
4 CGU: UMA CULTURA DE CONTROLE E TRANSPARÊNCIA
Todo o conteúdo exposto até aqui, incluindo pesquisas bibliográficas e documentais, visa contextualizar o caminho e a importância da transparência da gestão pública brasileira, que, a partir de agora, será analisada no âmbito da Controladoria-Geral da União (CGU).
Criada em 2003, a Controladoria-Geral da União agregou quatro áreas (auditoria e fiscalização, corregedoria, ouvidoria-geral e prevenção da corrupção) para ampliar e fortalecer o controle interno da gestão pública.
Devido a sua finalidade precípua de defesa do patrimônio público, por meio do controle e do incremento da transparência na gestão pública, a CGU mantém desde sua criação um sítio oficial destinado a dar publicidade aos atos da gestão pública brasileira, no âmbito do Poder Executivo, no que tange ao controle, institucional e social, e à transparência, ativa e passiva.
Além do sítio oficial, há o Portal da Transparência, lançado em 2004 e atualizado diariamente desde 2009, o qual já recebeu diversos prêmios de excelência em tecnologia da informação, sendo reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2008, como uma das cinco melhores práticas de gestão pública do mundo. Sendo relevante destacar que a média dos acessos mensais ao portal passou de 30 mil, em 2005, para 800 mil, em 2012.
Como resultado dessa cultura de transparência e controle, em 2008, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Instituto Vox Populi publicaram uma pesquisa em que 75% dos entrevistados reconheciam que o crescimento da quantidade de notícias sobre corrupção divulgada pela mídia devia-se ao aumento das apurações dos casos de corrupção, e não ao aumento da corrupção em si. Além disso, em 2009, o International Budget Partnership, uma organização não-governamental (ONG) criada para analisar e monitorar a transparência dos processos orçamentários de governos e instituições sociais relevantes, colocou o Brasil na oitava posição do ranking dos países mais transparentes do mundo, pelo critério de qualidade e quantidade de recursos que a população dispõe para acompanhar os gastos e os planos da Administração Pública Federal.
E, foi a partir de debates ocorridos no âmbito do Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU que se iniciou o projeto da LAI, o qual recebeu o apoio e colaboração de diversos ministérios e órgãos a eles relacionados. Durante as discussões identificaram que o direito de acesso às informações garantido pela Constituição aos cidadãos precisava de uma regulamentação unitária e sistemática que assegurasse efetivamente o amplo acesso às informações e aos documentos públicos.
Até então, as informações e documentos produzidos pela Administração Pública eram tidos como pertencentes ao Estado – resquício da administração patrimonialista –. Logo, os cidadãos, mesmo quando da provocação, não tinham amplo acesso às informações, já que, segundo DaMatta (2011), na prática, os servidores analisavam as solicitações de acordo com distintos critérios de conveniência e factibilidade, determinando se as mesmas possuíam motivação e/ou eram de interesse do solicitante. Com o advento da LAI, o solicitante deve informar tão somente sua identificação e a especificação da informação a ser prestada, não sendo necessário apresentar motivação e podendo solicitar informações de interesse individual ou coletivo.
Além disso, o cidadão era “infantilizado” pelos servidores, precisando, desse modo, ser tutelado pelo Estado no que tange à propriedade, acesso e compreensão das informações, não sabendo, portanto, como utilizá-las devidamente, podendo permitir seu aproveitamento por grupos sociais com fins políticos, maliciosos e/ou tendenciosos. Atualmente, com esta política de amplo acesso, determinou-se que as informações, desde que não classificadas como sigilosas ou estritamente pessoais, são públicas e cabe ao cidadão decidir o que fazer com elas, arcando, obviamente, com as consequências pelo seu mau uso.
De acordo com dados da própria CGU, em 31 de dezembro de 2012, foram realizados 55.214 pedidos de acesso à informação, dos quais 81,4% foram respondidos de forma satisfatória, por meio da prestação da informação requerida, sendo que a maioria das informações negadas (2.122) se referia a dados estritamente pessoais.
A LAI estabeleceu, também, a obrigatoriedade de transparência ativa e passiva usando a internet, gerando economia de tempo e recursos para a Administração e para a população e enxugando o excesso de papelório. Contudo, se antes a publicação das informações era um ato de “fazer apenas por fazer”, hoje deve seguir critérios de acessibilidade e clareza. Isto é, há uma forma de prestar informações a entidades governamentais, cujos dados são brutos, e outra de prestar informações à população, cuja linguagem deve ser clara, objetiva e acessível a todos, inclusive a portadores de necessidades especiais e pessoas com baixo grau de escolaridade, por meio da linguagem cidadã, segundo denominação da CGU.
O portal da Controladoria-Geral da União (www.cgu.gov.br) apresenta um visual “amistoso”, agregando textos com linguagem simples e imagens para facilitar a navegação do usuário, trazendo links diretos para o Portal da Transparência (informação espontânea), para o e-SIC (informação provocada), bem como para diversos outros portais de transparência da Administração Pública. As notícias relacionadas na página inicial tem sua relevância social definida por meio da avaliação das questões encaminhadas à ouvidoria, ao “fale conosco” e ao e-SIC. Além disso, há serviços destinados a grupos específicos: servidores, crianças, estudantes, etc..
Esse sítio é o mais visivelmente desenvolvido para o controle social, pois apesar de não divulgar informações para o controle em si, explica como ele pode e deve ser feito. Já o Portal da Transparência, também criado e mantido pela CGU, traz informações de todas as receitas, despesas, convênios, licitações, contratos e servidores do governo Federal, dos estados e municípios, providos com recursos do Orçamento Geral da União.
Em um contexto geral, o sítio apresenta as três dimensões de transparência definidas por Platt Neto. Também apresenta todas as informações obrigatórias estabelecidas na LAI. Porém, está aquém de ser um efetivo instrumento de controle social, pois, sendo o Brasil um país com mais de 140 milhões de cidadãos3 – aqui entendidos como os nacionais detentores de direitos políticos –, uma média mensal de aproximadamente 7 mil pedidos de informações4, de janeiro de 2013 a fevereiro de 2014, demonstra que menos de 0,07% dos cidadãos brasileiros se interessa pela gestão da Administração Pública.
4.1 A LAI NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS FEDERAIS
Em 2014, quando a Lei de Acesso à Informação completa dois anos de vigência, algumas organizações não-governamentais se dispuseram a divulgar avaliações de seu cumprimento pelos órgãos públicos, permitindo uma perspectiva diferente das autoavaliações realizadas pelos mesmos. A “Artigo 19”, criada em Londres (1987), atuante em mais de 30 países, que se autodenomina como defensora da liberdade de expressão e do direito ao amplo acesso a informações de interesse público, elaborou um relatório intitulado “Monitoramento da Lei de Acesso à Informação Pública em 2013”, que levanta alguns pontos preocupantes.
Segundo a “Artigo 19”, o relatório se baseou em um estudo feito junto a 51 órgãos públicos federais brasileiros, por meio do envio de 474 pedidos de informação: 350 para o poder executivo, 106 para o poder judiciário e 18 para o poder legislativo. Do total, 94,5% foram respondidos, mas apenas 60% foram respondidos integralmente, de acordo com a metodologia adotada pela ONG.
Quadro 3 – Análise da Artigo 19 sobre a transparência passiva no órgãos públicos federais brasileiros em 2013
Executivo
Legislativo
Judiciário
Quantidade de pedidos
350
18
106
Percentual de retornos no geral
98,9%
100%
79,2%
Percentual de retornos com acesso integral à informação
64,9%
40%
48,1%
Percentual de retornos com acesso parcial à informação
30,3%
60%
30,2%
Percentual de retornos satisfatórios
70,9%
40%
54,7%
Percentual de respostas incompletas
25,4%
44,5%
23,6%
Percentual de respostas com fundamentação inadequada
3,7%
0%
21,7%
Pedidos sem resposta
1,1%
0%
20,8%
Pedidos negados
2%
0%
0,9%
Fonte: Autoria própria, com base no “Monitoramento da Lei de Acesso à Informação Pública em 2013” (Artigo 19, 2014, p. 21 a 32)
De modo geral, os órgãos do Executivo foram os que melhor se adaptaram à LAI. Entretanto, em detrimento do alto índice de respostas integrais e satisfatórias há casos de órgãos que descumprem o mínimo de transparência ativa e outros (Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério das Relações Exteriores e Secretaria de Comunicação Social) que deram respostas em que se infere que o entendimento no Executivo é de que a CGU é o único órgão responsável por políticas e atividades de promoção da Lei de Acesso à Informação.
O Poder Judiciário está no extremo oposto ao Executivo, já que apresenta os maiores percentuais de respostas com fundamentação inadequada e pedidos sem respostas ou negados. Aqui o problema encontra respaldo, paradoxalmente, no texto legal, pois, apesar de a LAI ser o instrumento legal destinado a promover o acesso às informações públicas, alguns órgãos do Judiciário usam suas falhas para se esquivarem de seu cumprimento: a Lei dispõe que a necessidade de identificação do interessado pelo órgão não contenha exigências que inviabilizem o pedido de informação. Desse modo, como não determina literalmente quais são essas exigências, cada tribunal cria suas próprias regras e podemos encontrar tribunais exigindo números e cópias físicas de CPF, RG e comprovante de residência, como condição para liberar as informações, que levam, às vezes, 2 ou 3 meses, para serem disponibilizadas, quando o são.
4.2 A TRANSPARÊNCIA NOS ESTADOS BRASILEIROS
Em março de 2014, a CGU divulgou que 7 estados brasileiros ainda não haviam regulamentado a Lei de Acesso à Informação, são eles: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Rio Grande do Norte e Roraima. E, em alguns estados onde já existe a regulamentação não há setores específicos destinados aos SICs e nem sítios oficiais destinados à promoção e divulgação das informações de interesse público.
Sendo uma das precursoras da LAI, a Lei Complementar (LC) nº 101/2000, alterada pela Lei Complementar nº 131/2009, determina a transparência na execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Com base nessa LC, a ONG “Contas Abertas” divulga, desde 2012, um levantamento dos gastos governamentais realizados pelos estados brasileiros, elaborando um ranking com as notas obtidas (0 a 10), que são atribuídas após análise de mais de 100 parâmetros, divididos em 3 grandes temas, os quais abrangem as informações divulgadas espontaneamente sobre os gastos públicos: conteúdo (55% da nota final), usabilidade (40% da nota final) e histórico e frequência de atualização (5% da nota final).
Pelo ranking da “Contas Abertas”, o Espírito Santo (nota 8,96) é o estado mais transparente na divulgação dos gastos governamentais, seguido por Pernambuco (nota 8,14), em segundo lugar, e São Paulo (nota 7,95), em terceiro; no outro extremo está Rondônia com nota 0,85. Com uma média geral de 5,66; apenas cinco estados obtendo nota acima de 7 e dez estados com notas abaixo de 5, é perceptível a necessidade do controle social efetivo, provocando os órgãos administrativos para usarem corretamente o patrimônio público e para prestarem contas dos gastos de forma clara e frequente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de a Controladoria-Geral da União desenvolver e tentar disseminar uma cultura de transparência das informações públicas e de estímulo ao controle social, parte relevante de suas iniciativas de incentivo à participação da população na gestão administrativa do país – como cursos à distância, material paradidático para crianças, cartilhas informativas, dentre outras – se restringe à divulgação e/ou disponibilização em seu próprio sítio, ou seja, parte-se do pressuposto que o cidadão possui um subsunçor5 capaz de ancorar seu interesse e sua atuação na participação da gestão da Administração Pública, e que, desse modo, ele vai buscar a utilização dos instrumentos de gestão transparente disponíveis.
Tendo em vista que o Brasil viveu durante anos sob a influência da Administração patrimonialista; que a administração pública gerencial não rompeu definitivamente com a burocrática, havendo uma coexistência – complementar, mas imperfeita – de ambas; bem como que a democracia no Brasil, segundo Weffort (1992), vive um conflito, já que não há organização social e tampouco participação popular efetiva e relevante na gestão pública, é paradoxal pretender o controle social e o exercício da cidadania esperando que a população busque por iniciativa própria, em um rompante de autodidatismo em massa, o aprendizado mecânico dos mesmos.
Se não houver a mudança da ideologia acerca da participação da população nos rumos do país, se não houver a construção de uma cultura sócio-política participativa que alcance a maioria da população desde a infância, para que haja o entendimento e incorporação do conceito de cidadania em sua amplitude, o direito de amplo acesso às informações públicas não atingirá seu fim precípuo de possibilitar o controle social da gestão pública. E, infelizmente, somente o controle institucional e a obrigatoriedade legal da gestão transparente, sem controle e participação social, não poderão, em virtude da imensidão territorial e demográfica do País, promover o exercício de fato da cidadania e da democracia e a LAI corre o risco de se tornar apenas mais uma norma legal burocrática sem aplicabilidade prática.
Assim, o futuro da democracia, da cidadania ampla, da transparência e do controle social efetivos na administração pública brasileira pode encontrar suporte, em longo prazo, na inclusão da disciplina “Direito Constitucional” na grade curricular dos ensinos fundamental e médio, em escolas públicas e particulares. Pois com a educação dos jovens haveria a formação de cidadãos – e, consequentemente, de gestores e agentes públicos – mais conscientes de seus direitos e de seus deveres junto à sociedade e ao Brasil.
NOTAS
1 - Os tipos ideais ou puros não podem ser encontrados de fato, situando-se apenas em um plano de total abstração teórica, para apresentar características extremadas de um determinado fenômeno.
2- Soberano era a forma de se dirigir aos reis e senhores feudais – autoridades tradicionais típicas das sociedades patrimonialistas.
3 - Fonte: TSE, disponível em www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleicoes-2012 .
4 - Fonte: Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), disponível em www.acessoainformacao.gov.br/sistema/Relatorios/Anual/RelatorioAnualPedidos.aspx .
5- Subsunçor, segundo a Teoria de Ausubel, é uma estrutura cognitiva prévia que permite a assimilação de novos conceitos e conteúdos.
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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Cristhyane Moreira dos Santos
Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade de Brasília (UnB).
Especialista em Gestão Pública pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Servidora Pública Federal.
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