09/04/2017
“Nem sempre podemos construir o futuro para nossa juventude,
mas podemos construir nossa juventude para o futuro.”
(Franklin Roosevelt)
Ministrar aulas era um desejo recorrente. Não que realizar palestras fosse insuficiente para amainar meu espírito. Mas o coração sentia a necessidade de um contato mais próximo, estreito e contínuo com a plateia.
Até que surgiu o convite para ocupar uma cadeira numa instituição de ensino superior. Era a oportunidade de realizar o antigo sonho de unir teoria e prática, conhecimento acadêmico e vivência profissional.
Ousado, impus uma única condição: “Quero a última aula da sexta-feira à noite”. O coordenador do curso julgou insólito o pedido, questionando-me o motivo. A resposta: “Porque pretendo concorrer com o boteco que vende a refrescante cerveja, com as cartas do divertido truco e com o cansaço natural que abate a todos quando a semana se finda. Se minha aula tiver quórum será porque estou no caminho certo”.
Uma das bases do bom ensino é a disciplina. Não a disciplina autocrática e coercitiva, mas aquela propositiva e construtivista. Meu problema inicial seria ir além de conquistar a atenção e assiduidade dos alunos. Era preciso convencê-los da necessidade de cem minutos semanais para juntos desenvolvermos um trabalho consistente de aprendizado. E, para isso, seria imprescindível iniciar a aula às 21 horas.
Pensando nisto, acrescentei novos aliados ao apagador e ao giz. Um balde vazio e outro com água, um copo descartável e uma pequena toalha.
Primeiro dia de aula e apresento com descontração as “regras do jogo”. Entrar na sala após as 21 horas: água! Fumar, beber ou comer durante a aula: água! Falar ao celular: água! Ler jornais e revistas ou engatar conversas paralelas: água!
A palavra “água” assumiu status de signo. Passou a simbolizar ser gentilmente “batizado” com um copo de água entornado na fronte do aluno “infrator”. Eu, professor, passei a ser apenas o carrasco deste ritual. Os próprios alunos assumiram o papel de juízes, exigindo punição aos desobedientes sob o coro de... “água!”.
Mas o ponto alto deste procedimento deu-se na terceira aula de sua aplicação, quando o expediente corria o risco de virar uma grande galhofa, convertendo a proposta disciplinadora em uma ação anarquista. Minha intervenção:
“Podemos encarar este rito de duas maneiras. A primeira, de forma lúdica, como uma grande brincadeira que leva ao riso fácil. A segunda, como um aprendizado. Quero que vocês percebam quando levarem “água na cabeça” uma sensação de desconforto, um sentimento de frustração. Porque na vida real, lá fora, advogados perderão prazos para interpor recurso, prejudicando irreversivelmente seus clientes. Profissionais de vendas chegarão tardiamente para uma licitação, desqualificando sua empresa e talvez a levando à bancarrota. Executivos chegarão atrasados a uma reunião com um cliente importante, sepultando suas chances de contratação. Em todos estes casos, serão pessoas que, talvez por um único minuto, terão levado ‘água na cabeça’, perdendo receitas, ceifando empregos e comprometendo sua própria autoestima”.
Desde então, tenho a sala cheia, até o final da aula. E cada vez menos alunos precisam levar... “água na cabeça”!
* Tom Coelho é educador, palestrante em gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de nove livros. E-mail: tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.br e www.setevidas.com.br.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Formação em Publicidade pela ESPM e Economia pela USP, especialização em Marketing e em Qualidade de Vida no Trabalho, mestrado em Gestão Integrada. Diretor da Lyrix Desenv. Humano e da Editora Flor de Liz, diretor do NJE/CIESP e CJE/FIESP, membro do Consocial/FIESP. Palestrante em temas sobre gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de 8 livros.
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