01/01/2008
A aquicultura pode ser definida como o processo de produção em cativeiro, de organismos com habitat predominantemente aquático, tais como peixes, camarões, rãs, entre outras espécies. Apesar de ser uma atividade produtiva muito antiga, o crescimento mundial da aquicultura, nos últimos anos, tem preocupado os pesquisadores. Eles dizem que a aquicultura deve ser desenvolvida de maneira sustentável para que o ambiente seja utilizado de forma racional e a atividade possa ser praticada por muito tempo.
A aquicultura tem garantido cada vez mais a presença do peixe na mesa do consumidor. Enquanto muitos estoques pesqueiros naturais já se encontram em seu limite máximo de exploração, a produção de pescado pela aquicultura tem aumentado muito nos últimos anos. Atualmente, este é o setor de produção de alimentos de maior crescimento no mundo. O Brasil é um país com grande potencial para o desenvolvimento dessa atividade, mas enfrenta um grande desafio: utilizar seu potencial de forma sustentável.
O professor da Universidade de Brasília (UnB), Marcel Bursztyn, afirma que o conceito de sustentabilidade surgiu há pouco tempo, e tem como idéia central o princípio da precaução, ou seja, antes do desenvolvimento de uma atividade produtiva deve ser feita uma avaliação de todos os tipos de impactos que essa atividade pode causar. A implantação dos projetos deve ser cautelosa para que não cause danos irreversíveis. "A tecnologia deve ser usada de forma apropriada e em uma escala de produção tolerável pela natureza", diz o pesquisador.
A Tilápia do Nilo é espécie exótica cultivada no Brasil.
No caso da aquicultura, as criações exigem água de boa qualidade em abundância. Se a água utilizada nessa atividade for poluída, o produtor vai comprometer a continuidade do cultivo. Para que isso não aconteça, ele pode investir financeiramente no restabelecimento da qualidade da água e, assim, continuar a sua produção. Porém, muitos produtores preferem mudar o empreendimento de lugar ao invés de gastar dinheiro com o recurso hídrico que já foi poluído, pois no Brasil a água ainda é abundante e barata.
Bursztyn esclarece que o conceito de sustentabilidade vai além da associação com meio ambiente. Ele explica que o conceito é mais amplo e não está relacionado apenas aos aspectos ambientais das produções, mas diz respeito também às dimensões econômica, social, cultural, territorial e político-institucional.
Para ele, a dimensão político-institucional é a mais importante e precede as demais porque é a que cria as condições para o desenvolvimento de uma produção sustentável, direcionando a atividade através de normas, programas e políticas específicas. Sob o aspecto econômico, um empreendimento é sustentável quando é capaz de gerar lucros para os produtores. Mas isso não é suficiente, e Bursztyn salienta que a sustentabilidade econômica não depende mais das estratégias puramente econômicas.
Na dimensão social do conceito de sustentabilidade existe a preocupação de não prejudicar as populações envolvidas. "As possibilidades de utilização da aquicultura para o desenvolvimento social são muito promissoras", afirma o pesquisador. Para explicar essa dimensão social ele utiliza o exemplo da instalação de um projeto moderno em uma região tradicional, como ocorre freqüentemente na zona costeira. Se a tecnologia apresentada é sofisticada do ponto de vista tecnológico, existe o risco de que populações sejam expulsas da região, pois o produto deles não será competitivo. Muitas vezes, esses indivíduos não conseguem nem mesmo um emprego na nova atividade e são obrigados a vender suas posses e migrar para a cidade, potencializando as conseqüências desastrosas do êxodo rural.
A outra dimensão apontada por Bursztyn é a territorial. Deve-se evitar que os empreendimentos sejam concentrados em grandes aglomerações pontuais do território, o que intensifica os impactos ambientais locais e pode causar conflitos com as regiões vizinhas.
A última dimensão envolvida na avaliação da sustentabilidade dos projetos de aquicultura é a cultural: "É preciso respeitar as culturas, entendendo que a diversidade social é uma riqueza", diz o pesquisador.
Certificação
Na opinião de Newton Castagnolli, professor do Centro de Aquicultura da Universidade Estadual de São Paulo (Caunesp), as exigências do mercado externo quanto à certificação de produtos provenientes de criações sustentáveis é mais um motivo para investir nessa área. "A sustentabilidade é importante em qualquer atividade. Uma atividade sem sustentabilidade não dura muito", afirma Castagnolli. Para ele, há uma forte relação entre a a sustentabilidade e a produção com qualidade ambiental. "Hoje, a exigência maior é a ISO 14000 aplicada à aquicultura, o que significa produzir sem agredir o meio ambiente. Além de atestar a qualidade do pescado é preciso atestar também a qualidade do meio ambiente onde o pescado é produzido", diz o professor do Caunesp.
Para ele, a aquicultura está enfrentando um grande impasse no momento. "O caminho é expandir a atividade pela industrialização. Mas, para isso, a sustentabilidade é imprescindível. Para atender ao mercado interno e até mesmo ao mercado externo, se não houver um sistema de rastreabilidade no processo produtivo, não haverá compradores." A rastreabilidade garante a qualidade dos produtos, informando os consumidores sobre todas as etapas envolvidas na produção, desde onde o peixe foi criado até o local da venda. Tanto o Brasil, como o mercado externo (principalmente de países de maior poder aquisitivo), estão cada vez mais exigentes nesse sentido.
Bursztyn também ressalta que o controle de qualidade terá que ser cada vez mais rigoroso. "Fatalmente ocorrerá a cobrança da qualidade ambiental. O diferencial 'qualidade ambiental' pesa e vai pesar cada vez mais, sobretudo a partir do momento em que o país tiver competitividade nos custos", complementa.
Castagnolli admite que o cuidado com o meio ambiente é imprescindível, mas diz que o excesso de cuidados pode ser prejudicial ao desenvolvimento da atividade, do ponto de vista legal. Para ele, o problema ambiental da aquicultura não é tão grave quanto se propaga: "Existem muitos problemas em relação à licença ambiental, que 'atravanca' nossa aquicultura por excesso de zelo e falta de conhecimento". Ele diz que no estado de São Paulo, por exemplo, há tantas restrições que o pequeno proprietário fica impedido de desenvolver a aquicultura. "Geralmente, as pessoas que avaliam esses projetos não conhecem aquicultura, e fazem recomendações precipitadas. Eu concordo, e muito, que é preciso respeitar o meio ambiente, mas sem exageros", destaca Castagnolli.
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Na opinião de Bursztyn, o grande entrave para o Brasil desenvolver a aquicultura sustentável é o não cumprimento das leis ambientais. "O problema do Brasil é, por um lado, normativo e, por outro, fazer com que as normas sejam cumpridas. O problema normativo não é tão grave, pois nossa legislação ambiental evolui com certa dinâmica e rapidez. O problema é fazer com que as normas sejam cumpridas", afirma.
O "ambientalmente sustentável" tem predominado nos debates sobre aquicultura. Apesar de esses debates ainda não terem gerado medidas práticas de grande amplitude, pelo menos no Brasil, uma coisa já é certa: a produção sustentável é um quebra-cabeça de muitas peças, e que todas tem que ser muito bem conhecidas para poderem ser ordenadas. O problema é que os estudos sobre sustentabilidade ainda estão muito voltados para os aspectos ambientais das produções. Os aspectos sócio-econômicos, por exemplo, são pouco conhecidos e pouco estudados.
Para Bursztyn, isso deve-se ao fato de que as universidades brasileiras ainda estão impregnadas com uma cultura institucional de que o pesquisador precisa ser cada vez mais competente em um campo específico do saber. Segundo ele, faltam pessoas com uma formação multidisciplinar, o que é fundamental para desenvolver atividades sustentáveis. "É preciso reconhecer as instituições que sejam de fato interessadas na generalidade, não no sentido pejorativo. Pessoas que tenham uma visão abrangente do tema. Nas universidades, deve haver espaço para colocar lado a lado engenheiros, sociólogos, biólogos e economistas. Tem que ter o especialista, mas também o generalista", conclui Bursztyn.
Fonte: www.conciencia.br
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