Você sabe o que é Agricultura Urbana?

A importância de quintais como focos de conservação da biodiversidade
A importância de quintais como focos de conservação da biodiversidade

Biologia

25/04/2014

Diante do cenário de degradação ambiental que vem se estendendo há décadas em todo o mundo, principalmente em áreas tão preciosas e necessárias à sobrevivência humana como as florestas dos trópicos, devemos considerar modos de uso alternativos da terra, pois os modelos atuais demonstram claramente sua insustentabilidade.


Originalmente mais de 80% da área do Estado de São Paulo era recoberta por florestas, no entanto, o intenso processo de ocupação do interior paulista conduzido pela expansão da agricultura, especialmente monocultural, levaram, nos últimos 150 anos, a uma drástica redução dessa cobertura que hoje corresponde à cerca de apenas 7% da área do Estado (Attanasio et al, 2006).


O termo “sustentabilidade” é um conceito que se refere à habilidade de manter certa condição ou coisa, por um determinado prazo. Hoje em dia, este conceito vem sendo transformado em um princípio, segundo o qual “o uso dos recursos naturais para a satisfação de necessidades presentes não pode comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras”, o que requereu a vinculação da sustentabilidade no longo prazo, porém um longo prazo de termo indefinido. (Declaration of the United Nations Conference on the Human Environment, 1972).


Assim, esta palavra “sustentabilidade”, ou este conceito, vem sendo largamente utilizado atualmente em diversos meios de comunicação, tem em seu significado um peso muito grande, pois pode envolver diversos ramos da vida, podendo se referir desde a conservação de ecossistemas inteiros, incluindo meios bióticos e abióticos, de modo a mantê-los intocados. O conceito também relaciona-se à sustentabilidade da vida humana no planeta, atentando então para aprimoramento dos processos de obtenção de energia, matérias-primas em geral e principalmente alimentos.


Como Segurança Alimentar entende-se “Garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais nem o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases sustentáveis. Todo o País deve ser soberano para assegurar sua segurança alimentar, respeitando as características culturais de cada povo, manifestadas no ato de se alimentar. É responsabilidade dos Estados Nacionais assegurar este direito e devem fazê-lo em obrigatória articulação com a sociedade civil, cada parte cumprindo suas atribuições específicas”. (Instituto Cidadania, 2001).


Com o desenvolvimento das Ciências Ambientais, os responsáveis por planejamento e desenvolvimento espacial de cidades começaram a enfatizar a importância das relações entre o homem e a natura no ambiente urbano, e consequentemente, a importância dos quintais ou jardins, pois estes estão se tornando cada vez mais raros em metrópoles, apesar de serem, para um número crescente de comerciantes e consumidores, o contato mais imediato e facilitado com algo natural em seu cotidiano. (Madaleno 2001a; 2001b; Amaral & Guarim-Neto 2008).

A importância de quintais como focos de conservação da biodiversidade terá mesmo que se intensificar nos próximos anos. Embora raramente avaliada formalmente, a biodiversidade urbana e peri-urbana virá a desempenhar um papel cada vez mais significativo, uma vez que estima-se que em 2030, cerca de 61% da população mundial viverá nas cidades (United Nations, 2004). No Brasil, de acordo com o Censo Populacional de 2000 (IBGE 2002), 81% da população já é urbana. No entanto, uma vez que este valor inclui habitantes de municípios com características predominantemente rurais, tais como área urbanizada pouco e economia ligada ao uso direto dos recursos naturais, alguns autores acreditam que este número é superestimado, e que os brasileiros 60% vivem, efetivamente, na teia urbana (Veiga 2003).


Segundo a RUAF (Resource Centre on Urban Agriculture and Food Security), agricultura urbana pode ser definida como o cultivo de plantas e a criação de animais dentro ou em volta de cidades. As características mais marcantes da agricultura urbana, é que esta é diretamente ligada a um novo ecossistema gerado pelas atividades da cidade, e também ligado à economia da cidade. Por isso, o manejo dos produtos agrícolas quando ligados à cidade, é totalmente diferente do manejo rural de grande escala (Ruaf, 2011).


Esta nova agricultura, que costumava ser tradicionalmente do campo (ou oposto do urbe), se relaciona com a cidade de diversas maneiras, utilizando de novos recursos como resíduos particulares (por exemplo, lixo orgânico e água reutilizada, das casas), além de estar mais próxima do mercado consumidor. Além disso, tem impactos positivos e negativos na ecologia urbana, podendo contribuir tanto quanto a floresta urbana já contribui em fatores como diminuição da temperatura média e auxílio à fauna urbana.


Características desta relação incluem, entre outros:
• Participação no sistema econômico urbano de forma mais efetiva;
• Disputa de espaço com outras atividades urbanas;
• Influência de normas que podem ser mais restritivas que as rurais (gerando conflitos);
• O agricultor urbano está sujeito à planejamentos de crescimento da cidade (loteamentos e condomínios que tomam as áreas de agricultura);


Em cada cidade o processo ocorre de uma forma, porém alguns parâmetros podem ser observados:

1. Partes envolvidas:
Grande parte das pessoas que praticam agricultura em cidades é de classe baixa (pobres), segundo a RUAF. Ao contrário do que a maioria da população de cidades pensa, eles não são imigrantes rurais que invadiram a cidade, e já estão lá há muito tempo, visto que é necessário certo tempo para se estabelecer um plantio e conseguir todos os recursos necessários (sementes, água, terra, etc).


Por outro lado, grande parte dos consumidores é de classe média e alta, principalmente no caso de hortas. Essas pessoas busca, a fuga dos supermercados, e buscam alimentos locais e naturais. É paradoxal o fato de que a classe média e alta tenha condições de ter consciência ambiental, tendo conhecimento dos benefícios do consumo local, porém quem faz esse produto local pode não ter a mesma educação e consciência.
1. Localização: Agricultura pode acontecer em vários locais de uma cidade, ou em seus arreadores (peri-urbano), por exemplo em quintais, em terrenos próprios para isso como hortas, em locais públicos (parques, canteiros centrais, áreas abandonadas, terrenos baldios); ou em locais chamados de semi-públicos como hortas escolares, projetos comunitários, ONGs e outros atores de baixa visibilidade porém extrema importância para o progresso da segurança alimentar baseada em ações populares.


2. Produtos:
Agricultura Urbana sempre inclui comida diretamente consumível (não dependente de industrialização para ser utilizada), muito similar às espécies já citadas neste trabalho no trecho sobre a composição de quintais agroflorestais. Caracteriza-se também pela policultura (contrário de monocultura), e em geral pequena escala. Também podem ser produzidas espécies aromáticas e medicinais, dependendo do conhecimento de cada produtor ou da demanda de mercado.
A característica dos produtos é um dos fatores que mais fortemente mostra a semelhança entre os agricultores urbanos e os que fazem agrofloresta em setores mais rurais ou peri-urbanos.


Segundo a Ruaf, a agricultura urbana difere da agricultura de grande escala tradicional porque tem interação entre as diferentes unidades. Isso quer dizer que numa fazenda urbana, em geral, ocorrem ciclos fechados de nutrientes, enquanto que nas grandes fazendas tradicionais a entrada de insumos externos é muito grande, especialmente se essa fazenda seguir os moldes da revolução verde.


1. Atividades econômicas envolvidas:
Na agricultura urbana, o mercado tende a ser mais pessoal e localizado. Além de ter ciclos mais rápidos, que respondem aos estímulos de entrada de insumos (como lixo orgânico, composto, e águas residuais) e ao acelerado ritmo urbano.


As feiras urbanas, que costumam ser semanais, também movem a agricultura das cidades no seu próprio ritmo. Existe ainda o comércio de casa em casa, com carrinhos, que ocorre muito em cidades do interior. Segundo a Ruaf, existe ainda uma terceira categoria da produção agrícola urbana, que vai para consumo próprio de quem planta, tendo o comércio de excedentes ou a troca como característica.


1. Escala e Tecnologia:
Segundo a Ruaf, a esmagadora maioria das fazendas urbanas são de pequena escala. Algumas podem se unir em cooperativas, fornecendo em maior escala para supermercados e feiras, além de ter clientes individuais. O nível de tecnologia é baixo, sendo administrado por família ou grupos, como já foi mencionado.
Temos ainda muito o que aprender sobre Agricultura Urbana, mas com certeza estará presente na vida de muitas pessoas no futuro próximo.
Abaixo seguem algumas referências que ajudaram a compor este artigo:

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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Juliana P. Arthuso

por Juliana P. Arthuso

Sou Engenheira Florestal, com foco em Arborização Urbana e Planejamento de Cidades. Morei fora do brasil por 2 anos. Escrevo o blog "Virando Gringa", sobre as minhas experiências de viagem, intercâmbio e vida fora do país. No Portal Educação escrevo artigos sobre Biologia, Ciências Ambientais, Engenharia Florestal, Aprendizado do Inglês, e Intercâmbios.

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