17/02/2016
A atividade de conservação ambiental é verdadeiramente multidisciplinar. Tal área de conhecimentos envolve monitoramento, gerenciamento, relações públicas e com autoridades. Além do forte caráter biológico na disciplina de Biologia da Conservação, outras cadeiras tem sido recentemente incorporadas no debate, a exemplo da Economia. As ciências econômicas tem importante papel nas políticas de conservação. Através destas relações emergiu um novo campo de estudo voltado a economia ecológica, onde grande parte das discussões dos problemas ambientais são vistos mediante ideias econômicas, políticas e sociais. A biologia da conservação se consolidou como ciência durante a última década e vem sendo continuamente aprimorada de forma a cumprir com plenitude os seus principais propósitos, havendo concomitantemente a necessidade de profissionais com capacitação nas múltiplas formações exigidas ou na configuração de grupos heterógenos de trabalho, com profissionais de áreas variadas.
A economia [ciência] tem uma cargo muito útil em conservação, ela demonstra que a biodiversidade pode ter um valor econômico mensurável e mostra as pressões sociais e econômicas que afetam a integridade da biodiversidade. Para alguns conservacionistas o processo de valoração é repulsivo e arbitrário. Porém uma coisa é tratar a valoração da biodiversidade como um jogo de adivinhação ou como um conjunto de problemas teóricos no que concerne o bem estar econômico. Se nós não pudermos expressar o valor de aspectos naturais ou da biodiversidade em termos econômicos, então há um grande perigo de que os tomadores de decisões assumam como tópico não-importante.
As mudanças na forma de olhar as questões ambientais surgem pelo aumento dos problemas relacionados a esse, e do reconhecimento de que a diversidade biológica é uma fonte essencial para a sobrevivência humana. Este pensamento é posterior as pesquisas em conservação, a consciência da relação de dependência do homem com o ambiente tornou-se contundente no fim do último século. Conservação tem, efetivamente, atraído o interesse da minoria, tendo pequena influência nas aspirações das pessoas e em seus estilos de vida (não se engane pelo seu círculo social de amigos ambientalmente corretos e antenados), devendo ser cada vez mais popularizada nas correntes sociais e econômicas.
Uma das imediatas e principais estratégias adotadas, a exemplo de modelos de outros países, é a criação de parques e áreas protegidas. Enquanto o governo tem a responsabilidade de assegurar que algumas áreas devam ser destinadas a proteção da vida selvagem (equivalendo a uma pequena porcentagem da área total), as necessidades da conservação não são levadas em conta em atividades econômicas fora das áreas designadas à proteção. Uma consequência inevitável disso é que as áreas protegidas, embora parte de um habitat extenso e contiguo, frequentemente tornam-se ilhas ecológicas que são muito pequenas ou muito isoladas para manter todas as espécies originalmente presentes. A atual destruição de habitas está ocorrendo em um ritmo mais intenso que a criação de reservas. Conservacionistas precisam encontrar formas de preservação em uma proporção substancial dos ecossistemas intocados ao redor do mundo sem esperar para ver como estas áreas irão ser chamadas, administradas ou utilizadas.
Alguns dos principais problemas ambientais que tem sido enfrentados são a eutrofização de corpos d’agua, acidificação, eventos de inundação extrema, mudanças climáticas e destruição da camada de ozônio. Além disso, a taxa de extinção de vertebrados e plantas vasculares estão 50-100 vezes maiores que os cenários esperados, e a perda de espécies aumentou de 1.000 a 10.000 vezes comparado a antes de qualquer intervenção humana.
Entre 1960 e 2000 a demanda por serviços ecossistêmicos (benefícios que as pessoas obtém dos ecossistemas) cresceu significativamente a medida que a população mundial dobrou de tamanho e a economia global aumentou mais que seis vezes. Todos nós, para nossa sobrevivência dependemos de processos como produtividade biológica, ciclagem de nutrientes e ciclagem da água que, por sua vez, fornecem ar e água puros, manutenção da fertilidade do solo e ajudam a manter o clima regular. Estes são simples e factuais exemplos de serviços ecossistêmicos inconscientemente utilizados rotineiramente por todos.
A prática do reconhecimento do valor dos atributos naturais é custosa especialmente pela falta de entendimento público sobre o assunto. Além disso possui pouco peso na tomada de decisões políticas, isso porque não são totalmente englobados em mercados comerciais em termos comparáveis com serviços manufaturados e de capital econômico. Não obstante, inferir valores é essencial para estabelecer uma primeira aproximação da magnitude global dos serviços ambientais, criar uma média de potenciais valores, apontar as áreas com maior necessidade de pesquisas adicionais e estimular pesquisas e debates.
A formulação do conceito de serviços ecossistêmicos foi uma tentativa deliberada de incluir os processos ecológicos em domínios econômicos. Um passo desafiador, mas de fundamental importância nesse processo, é definir convencionalmente recursos não-mensuráveis como produtos ou serviços que possam ser quantificados em termos econômicos. A natureza do valor econômico total engloba diversas categorias, incluindo valores utilizáveis e não-utilizáveis. Por exemplo, as árvores de uma floresta produzem madeira que é um produto potencialmente utilizável, já o valor histórico de uma região natural não pode ser utilizado efetivamente, mas também não deixa de ter um valor. A seguir será detalhado todos as categorias e formas em que os recursos ecológicos podem ser empregados.
O valor da natureza vai além dos bens cotidianos e conscientes dos quais fazemos uso. O uso extrativo direto é a forma mais clara de obtenção de produtos naturais, sendo, por exemplo, os alimentos, madeira e minerais. Similar a este, o uso direto não-extrativo está voltado a bens que não exigem a exploração do recurso que possa findá-lo, como uso recreativo e turístico. Os serviços ambientais enquadram-se na categoria de usos indiretos, e são os provedores de benefícios como controle de inundações, regulação do clima, fotossíntese, ciclagem de nutrientes, dentre outros. Os prováveis usos (optimal uses) são todos os possíveis usos que nem sequer serão acessados caso haja a destruição da natureza, no que diz respeito a uma espécies que poderia ter um papel importante em uma nova tecnologia, ou na produção de uma molécula que poderia ser usada como droga farmacológica ou mesmo genes, como os de resistência, que podem ser perdidos antes de conhecermos seu valor. Esta categoria é imaginariamente ampla pois pode incluir possibilidades diversas, além dos atuais conhecimentos. Existem ainda os valores naturais que não implicam em um uso do recurso, o valor existencial e o valor do legado são medidas que expressão o valor passivo do ambiente. Só pelo fato de um espécie existir e durante milhares de anos no processo evolutivo ter composto o ambiente já representa um valor intrínseco, que independe de nossa audiência, além disso a valor do legado implica na imparcialidade entre gerações, ou seja, no consciência mais altruísta de que devemos preservar os recursos para as gerações vindouras.
Algumas frentes de pensamento argumentam que a valoração dos ecossistemas é tanto impossível quanto imprudente, que nós não seremos hábeis em dar valor a coisas intangíveis como a vida humana, estética da natureza e benefícios ecológicos de longo prazo. Outro ponto contrário a valoração é que nós deveríamos proteger os ecossistemas puramente por razões morais e estéticas, ou seja, apenas pela satisfação de poder usufrui de bens naturais tão estimados e valores morais do sentido de questionar o próprio direito e responsabilidades sobre o meio ambiente. Porém, certamente se considerarmos a redundância de que devemos preservar só pelo fato de que ‘é preciso preservar’, sinto muito, mas não serão tomadas medidas de proteção e essa falta de comprometimento e proatividade nas discussões e ações apenas contribui para o agravamento da crise ambiental.
Existe muita discussão sobre qual é a melhor maneira de dar um valor financeiro aos serviços ambientais. Nesse contexto, somos forçados a considerar todos os benefícios que nós obtemos da natureza, e não simplesmente aqueles que são negociáveis. Muitos estudos buscam a melhor forma de valoração, sendo essa justa e aplicável. São duas as formas até agora mais comuns. Pode ser feita uma estimativa dos custos necessários para substituir um serviço ambiental que foi perdido. Por exemplo, seu um rio que provia água limpa fora contaminado, qual é o valor econômico necessário para descontaminar esse rio?! Assim, este também será o valor da água limpa. Outro modo é através de um levantamento de quanto os indivíduos consultados estão dispostos a pagar por serviços ambientais (willigness-to-pay). Este método é aplicado por meio de questionários e através da média de valor que as pessoas estarias dispostas a pagar- pensando em um valor justo- para ter um bem. Por exemplo, quanto você pagaria passa desfrutar de uma hora na sombra fresca de uma árvore em um dia ensolarado? O principal problema desta última é que a maioria das pessoas desconhece, tanto conceitualmente quando compreensivamente, a biodiversidade e as relações estreitas do homem para com os organismos e ecossistemas. Além disso, me parece que mesmo instigadas a serem justas, as pessoas acabam dando menos valor ao serem questionadas de forma pessoal ‘o quanto estariam dispostas a pagar’. Tal métrica pouco regular poder fornecer dados pouco confiáveis. Como vemos, dar o valor, no final das contas, ainda é um dos pontos chave.
O pagamento por serviços ambientais (PSA) tem atraído um crescente interesse como um mecanismo de ‘traduzir’ os valores externos e de fora do mercado que o ambiente possui em incentivos financeiros reais para atores locais para proverem tais serviços. Por definição o PSA é um transação voluntária onde um serviço ambiental bem definido é comprado por um (ou mais) comprador de um provedor do serviço, com a garantia de que o provedor garanta a manutenção do serviço ambiental- princípio da condicionalidade.
Fazendeiros, madeireiros e donos de terras geralmente tem poucos benefícios com a conservação das florestas. Sendo, tais benefícios, frequentemente menores que os que poderiam ser adquiridos com usos alternativos das terras como para plantações ou pastagens. Porém a desflorestação pode implicar num custo para as populações a jusante que não mais receberão os benefícios dos serviços ambientais prestados pela floresta como a filtração da água, e sobre a comunidade global devido a redução da biodiversidade, estoque de carbono, entre outros. É preciso tornar a conservação uma opção mais atrativa financeiramente além de promover a conscientização dos gerenciadores de terra, quando aliadas, estas estratégias podem ter grande impacto na manutenção da biodiversidade.
Para ficar mais claro, precisamos saber quem são os compradores dos serviços ambientais, podendo ser o atual usuário do serviço ou outros (governo, organizações não-governamentais e agências internacionais) que atuem em favor de quem utiliza o serviço ambiental. A principal distinção entre financiamento governamental e não-governamental não é apenas quem paga a conta, mas também quem tem a autoridade para tomada de decisões sobre os pagamentos dos serviços. Tendo em vista que a maioria dos serviços são bens públicos é difícil delimitar e identificar quem utiliza os serviços, isso traz a questão para uma discussão de aspecto social e político, onde os governos devam incentivar a criação e discussão de projetos acerca do PSA.
Quem são os vendedores? Podem negociar pelos serviços os atores que estão em posição de salvaguarda de algum bem natural, sendo os donos de terras, especialmente privadas. Ainda é possível que o PSA seja aplicado- total ou parcialmente- em áreas públicas, como parques e áreas protegidas. Como a participação na venda é voluntária, os agentes provavelmente não aceitarão um pagamento menor que os custos na manutenção daquele serviço ambiental e este valor, principalmente, deve exceder ao do uso alternativo da propriedade.
Quando a proposta de PSA envolve uma alteração no uso das terras, como reflorestar uma área totalmente desflorestada, os custos tendem a ser muito maiores comparados com o foco apenas na manutenção de áreas verdes existentes. As situações vão depender muito no uso da terra e essa pode ter um impacto na economia local. Manter uma floresta ao invés de convertê-la em campos de agricultura tende a reduzir a demanda de trabalho local, porém substituir extensivas áreas degradadas ou de pastagens por sistemas silvipastoris ou agroflorestais tende a aumentar a demanda de trabalho. Para o completo funcionamento dos programas de PSA é preciso elaborar planos singulares e com propósitos sociais unificando conservação com fonte de renda. Os usos sustentáveis das terras são mais eficientes que a restrição estrita de uso como meio de alcançar objetivos conservacionistas. Além disso, muitas comunidades pobres ou isoladas dependem das florestas como meio de subsistência e a imposição de restrições de uso pode criar dificuldades econômicas e induzir conflitos sociais. O ideal seria integrar conservação com projetos de desenvolvimento, com a finalidade principal de promover uma alternativa de trabalho local, com atividades benéficas ao ambiente tais como turismo e processamento de produtos.
Um dos principais desafios do PSA é originar um mecanismo que assegure que os danos ambientais não sejam transferidos para outros locais. As causas dessa ineficiência podem dar-se pelo oferecimento de pagamentos que sejam insuficientes para a adoção de usos socialmente desejáveis, promover um uso de terra adequado mas a um custo muito maior que o serviço ambiental, ou ainda pagar pela adoção de práticas que já deveriam, naturalmente, ser adotadas. Deve estar claro que o PSA é um mecanismo para aumentar a eficácia no gerenciamento de recursos naturais e não um mecanismo para redução da pobreza, apesar de poder ser um aliado. Caso os serviços ambientais fossem realmente pagos, em relação a sua contribuição real para a economia global, o sistema de preços adotado deveria ser totalmente diferente do praticado atualmente.
Proteger áreas naturais devido ao serviço ambiental que elas promovem é uma maneira de contribuir na preservação de muitas espécies, mesmo aquelas que não tem um papel direto na manutenção daquele serviço. A diversidade é muito importante para a sustentabilidade dos ecossistemas. Evidentemente há coisas que a economia não pode e dificilmente estará apta a fazer. Nós não podemos estimar o valor de cada espécie e nem mesmo podemos usar uma análise econômica para capturar o valor intrínseco ou moral das espécies. Ecologistas e economistas devem focar no valor geral dos ecossistemas e preservar integralmente a diversidade de espécies que esses contem. Cada vez mais essas discussões são pertinentes frente as ameaças a biodiversidade. É preciso que toda a sociedade esteja bem informada sobre a importância da conservação e que a consciência ambiental seja estimulada respeitando um equilíbrio entre os aspectos naturais, econômicos e sociais.
Bibliografia especializada:
Peter J. Edwards; Cyrus Abivardi. The value of biodiversity: where ecology and economy blend. Biological Conservation, vol. 83, 1998.
Robert Costanza & colaboradores. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, vol. 387, 1997.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Bacharel em ciências biológicas e mestre em Genética. Trabalho com pesquisas em mutagênese e conservação ambiental. Envie dúvidas ou sugestões para
UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93