17/03/2016
José Pio Martins*
Recentemente, deparei-me com duas situações. Na primeira, eu almoçava com dois amigos, ambos na faixa dos 55 anos de idade, funcionários públicos bem remunerados e entrando na aposentadoria. A conversa girava em torno do que fazer com os muitos anos de vida à frente. Na outra situação, conversava comigo uma mulher que trabalha como voluntária em uma instituição de câncer infantil, e ela me dizia que essas instituições enfrentam dois grandes desafios: conseguir doações e recrutar pessoas para trabalho voluntário no atendimento às crianças.
Um dos amigos comentava que muitos funcionários públicos bem pagos se acomodam no salário elevado e na estabilidade do emprego, não se interessam por outras atividades e, quando vem a aposentadoria, entram em inatividade e preenchem seus dias em viagens e ócio. Passados alguns meses, começam a ficar angustiados, surge o vazio existencial e muitos entram em depressão. Alguns não conseguem se desapegar da repartição e ficam retornando a ela como se não tivessem saído dali.
Essa situação se repete, ou pode se repetir, com qualquer um que se aposenta e fica perdido sem saber o que fazer com o tempo livre. Falei aos amigos sobre o relato da mulher voluntária e lembrei-lhes uma frase de Divaldo Franco, conhecido orador espírita. Perguntado sobre que conselho daria aos que sofrem de solidão nas grandes metrópoles, ele respondeu: “a solidão da metrópole não é a solidão que o rodeia, é a solidão que o habita”. E então ele disse: “Pratique a solidariedade, pois não é solitário quem é solidário”.
Divaldo mencionou as centenas de pessoas que jazem em leitos de hospitais, muitas delas sozinhas, apenas aguardando a hora de morrer, desejosas de que apareça alguém para conversar ou contar-lhes uma história. Para um aposentado de boa renda e com o tempo livre, as opções do que fazer são muitas. O ócio, o tédio e a falta de motivação derivam da falta de projeto. Fazer cursos, estudar um idioma, dar aulas gratuitamente, fazer trabalho voluntário, dedicar-se a atividades sociais... as opções são muitas.
A solidariedade faz bem a quem a pratica. A bem dizer, o brasileiro não é dado a atividades sociais de benemerência. Doar alimentos no Natal, distribuir roupas usadas no inverno ou ainda contribuir com doações quando ocorre uma enchente é muito pouco, e é uma forma de disfarçar nosso baixo índice de solidariedade. Em países adiantados, é alto o número de pessoas com atividade social rotineira e que fazem doações filantrópicas regularmente. Aqui no Brasil, é difícil as pessoas enfiarem a mão no bolso para ajudar as instituições de caridade.
Lembro-me de certa reportagem que falava da falta de papel higiênico em uma universidade pública de São Paulo. Um dirigente da instituição afirmou: “Há empresários muito ricos que se formaram aqui e nunca doaram um centavo à instituição. A universidade de Harvard recebe US$ 30 bilhões em doações anualmente”.
No Brasil, muitas pessoas justificam a falta de disposição para doar sob o argumento de que há muito desvio. É verdade. Mas há formas de doar seu tempo ou dinheiro diretamente aos necessitados sem que nenhum malandro roube no meio do caminho. O trabalho voluntário é uma delas, e ainda ajuda a diminuir o tédio derivado de nada fazer. Infelizmente, a corrupção e os desvios reduzem o grau de confiança da sociedade nas instituições. E a falta de confiança reduz a benemerência. Mas dá para contornar o problema, basta querer.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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Celso Maurício Hartmann
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