Ato e altruísmo - conto da escritora Valéria Guerra Reiter de seu livro

Conto da escritora Valéria Guerra Reiter de seu livro
Conto da escritora Valéria Guerra Reiter de seu livro

Cotidiano e Bem-estar

09/02/2015

EXPECTATIVAS E CONTOS


ATO E ALTRUÍSMO


Chovia absolutamente naquele sábado primaveril, e Ângela encontrava-se sonolenta dentro de um quarto de paredes azuis e janelas de alumínio; de vez em quando a moça loira, alta e atlética chegava à janela e espiava o movimento urbanoide daquela metrópole tão hostil.


A sua veste cinza e seu anel de noivado mostravam a ela o quanto o mundo ainda oferecia oportunidades de tradição em pleno século XXI. Na televisão a morte de Steve Jobs era anunciada, mas a mulher nem via...


Absorta estava em seus pensamentos mais relevantes: Ricardo (o noivo), o casamento (festa), a lua de mel (viagem) e todo o ócio que isso significava, a vibração e toque estridente de seu celular tornou tudo, de súbito, em fumaça, e a mulher percebeu estar no tempo do destino... Sem espaço para respirar...


O olhar de Ângela era azul, como a cor daquele mar de manhãzinha e a noite havia transcorrido sem maiores problemas, dentro daquele mundo espetacular que era o apartamento desta pintora e professora de educação física.


A sua rotina era quase perfeita, já que seu ritual de vida incluía horários cumpridos à risca, o trânsito não era incomodo; isto porque seu cotidiano erguia-se à sua volta. Bem perto dela. Tudo ao alcance, a Academia, onde trabalhava, e o ateliê onde exercia com esplendor sua fecunda arte que fazia de sua existência um gáudio.


Seria amor? Seria mesmo amor... O questionamento da esguia e tranquila moça acontecia religiosamente, quando ela se via solta em suas mais profundas reflexões (durante o banho, ou mergulhando) ela sempre meditava: Sobre o compromisso assumido há dois anos com Ricardo Lúcio.


Ao passar nas transitórias vias, com seus passos lentos ou fugidios, de um local para outro, em meio à selva de pedra que se tornou a Barra da Tijuca, Ângela Martins sentia um gosto de fel na boca, e cada vez mais, expectativa algo além... Daquela rotina cheia de sol, e de mar, onde viver era atender aos apelos egocêntricos de uma sociedade robótica.

No dia anterior ao encontro com Ricardo, um empresário de moda, que já voava para o exterior com sua grife de renome nacional, a filha de respeitáveis políticos, ficou impressionada com o rapaz cortês e tranquilo que surgia a sua frente, naquele jantar oferecido por sua mãe, em casa. Ele fora apresentado à Ângela por sua prima, que fazia da vida uma festa constante... A ponto de sair os sete dias da semana, e dormir mais sete, num revezamento sui generis.


Ricardo que era amigo de Ana Carla desde a faculdade, e parecia um homem avesso as Futilidades, apesar de sua origem tão burguesa, seus 40 anos de idade, e a fama de Don Juan e naquela noite tão especial, ficou muito à vontade e sereno diante de pessoas tão politizadas e inconstantes, mas seu maior desafio foi escolher o momento correto para investir nos sentimentos da bela artista que surgia em sua vida; com suas colocações humanistas diante do modelo capitalista, que parecia incomodá-la muito.


No dia seguinte esperando por Ângela em frente à Academia que fica dentro de um Shopping bem movimentado do bairro mais cobiçado do Rio de Janeiro, estava o noivo mais converso do momento, segundo amigos íntimos do casal, que aguardavam ansiosos pelo dia da Celebração religiosa de casamento que já estava marcada para o dia vinte e três de dezembro, do corrente ano de dois mil e onze, e seria às margens do Lago Paranoá, na capital do país.


Às duas horas de espera enfrentadas pelo empresário não combinavam com a pontualidade de Ângela, que tornava a espera de Ricardo uma via crucis, naquela tarde de segunda-feira, dia marcado pelo casal para escolher as alianças; passaram-se três horas, e dezenas de chamadas forma feitas para o celular da moça e todas em vão. Esperar mais, não seria o melhor caminho...


E então o homem foi direto ao apartamento da especialista em educação física, pintora e encantadora mulher, a campainha foi tocada, e nada. Ricardo ficou um pouco preocupado e foi até o ateliê (refúgio preferido de Ângela), só que lá também não havia ninguém.


Ele resolveu voltar para a casa, e esperar, acabou dormindo, e acordando no dia seguinte com seu celular apagado, sem bateria, tratou de carregá-lo ansioso por notícias da noiva.


Assim que ligou o aparelho, o som de mensagem alertou seu ânimo, apreensivo, ele viu escrito assim: Eu te amo, porém preciso de mais, preciso além, e isto eu só posso fazer só, estou aqui, em meio ao solo mais caro deste país, deste sertão, onde estarei desenvolvendo um projeto social apaixonante; revigorando para a saúde física de jovens muito aquém de tudo, e isso aliado à pintura, as expectativas são inúmeras, e meu coração anseia por começar... Quem sabe um dia, seu caminho possa ser o mesmo.


Ser ou não ser, já não bastava para sua vida tão admoestada pelo destino mais secundário: Apenas seguir biologicamente o que a vida quer e adquirir o status familiar para sorrir para o mundo lá fora... Como quem teve mais sorte... Talvez fosse o caos...


Talvez estar feliz, fosse conhecer a verdade que escorre de vozes cheias de mazelas, e de tormentos sem fim.



Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Valéria Sá Guerra de Araujo

por Valéria Sá Guerra de Araujo

Professora de História e Biologia. Escritora, poeta, atriz, com várias peças escritas e encenadas, livros publicados, Antologias poéticas e prêmios em ambas as áreas. Atualmente dirige o Grupo teatral "Os Atemporais" na cidade de Petrópolis, na Cidade de Petrópolis, onde reside. Ocupa a Cadeira 56 da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro. Cursa cinema também.

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