A concepção de natureza na geografia e a dicotomia geografia física e humana
O conceito de Natureza é fundamental na Geografia
Cotidiano e Bem-estar
15/04/2016
A CONCEPÇÃO DE NATUREZA NA GEOGRAFIA E A DICOTOMIA GEOGRAFIA FÍSICA E HUMANA
O conceito de paisagem é hoje dotado de um caráter polissêmico, devido aos usos da palavra para designar variados elementos. Na Geografia, as opiniões não são homogêneas, mas prevalecem as reflexões que denotam a um estado de primeira natureza, sendo o ambiente terrestre não alterado pela ação antrópica, portanto, transformado apenas pela própria ação do meio. E uma segunda natureza, assim denominada devido às alterações sofridas pela presença do homem, despossuindo o lugar de originalidade. As contradições existentes na Geografia em referência aos conceitos são próprias de uma Ciência que tem em seu cerne conflitos ainda ativos, como àquele do paradigma Geografia Humana – Geografia Física.
Diversos autores se propuseram, e hoje ainda se propõem a discutir o paradigma da Ciência geográfica. A dicotomia entre Geografia Física e Geografia Humana não está estagnada, mas permanece viva na academia, gerando conflitos e motivando o diálogo. Ruy Moreira aponta que a origem da divisão na Ciência geográfica remete-se à Linneus e Kant, quando o primeiro baseia seu estudo através de um sistema lógico, classificando de forma lógica os elementos na superfície terrestre. Enquanto, a partir de Kant, a Geografia transfere suas preocupações para os estudos do espaço. A ambiguidade da Geografia de compreender a superfície terrestre ou o espaço geográfico advém das mudanças de conceitos e objetos ao longo da história.
A dificuldade em perceber a relação entre o físico e o humano deriva de uma construção histórica, através de diversos teóricos, como Alexander Von Humboldt, considerado o “pai” da Geografia moderna. Ele próprio afirmava a existência de duas disciplinas nos estudos sobre natureza, sendo elas a Física e a Geografia Física. A dificuldade em se perceber uma análise integrada na Geografia era, e ainda é, mais difícil devido ao sistema mecanicista ao qual as Ciências são adeptas. O paradigma mecanicista concebe o mundo de forma fragmentada, considerando os elementos de forma isolada. Ao fragmentar os estudos na Geografia, ignora-se o próprio objeto da Ciência geográfica, que é análise do espaço geográfico. Rejeitando a interação entre o homem e a natureza.
Até os anos de 1970, o conceito de região era recorrente na Geografia, mas este também entrou em um processo de substituição frente às mudanças do mundo. A partir da década de 1970, novas visões de mundo e preocupações ganham espaço na Geografia, através da crise socioambiental, mas principalmente devido à globalização. Se fortalece o uso do conceito de “redes”, alegando que o conceito de região não seria mais suficiente para explicar a complexidade do espaço geográfico.
Várias correntes foram incorporadas à Geografia ao longo do tempo, na explicação dos diversos fenômenos que esta Ciência propõe-se a estudar. Dentre elas, e talvez a mais expressiva, a corrente Marxista, que nos anos de 1970 chegou de fato até a Geografia. Além disso, surgem tentativas de análises integradas na Geografia, em contraponto a visão fragmentada de mundo apresentada pelo paradigma mecanicista. O paradigma sistêmico se mostra necessário para a compreensão do espaço, fazendo-se importante na Geografia, devido à complexidade dos temas a que se dispõe estudar tal Ciência. O caráter multidisciplinar da Ciência geográfica cria a necessidade desta percepção integrada dos fenômenos e elementos.
A chamada Geografia Física na atualidade tem, em muitos casos, cedendo espaço em suas análises para incorporação de aspectos sociais. Há uma forte tendência nos estudos sobre a natureza, o que em grande parte se deve a degradação ambiental que tem se intensificado em meio ao mundo globalizado. “A particularidade da questão ambiental é ser interdisciplinar por natureza” (SUERTEGARAY; NUNES, 2011, p. 06). Portanto, nenhum estudo exclusivamente físico ou humano será capaz de comportar os diversos aspectos desta problemática. Neste sentido, estudos integrados entre homem e meio tem sido amplamente realizados entre os geógrafos brasileiros.
Em meio às transformações no modo de produção, distribuição e consumo mundiais, os geógrafos veem-se forçados a dar importância aos estudos de resultados em curto prazo, em detrimento àqueles que percebiam as consequências em longo prazo. Isso decorre das rápidas transformações que são presenciadas, devido à massiva retirada de recursos naturais do meio, e ainda às transformações no espaço geográfico de modo a facilitar os fluxos de pessoas e bens, e por último o descarte de enormes quantidades de lixo na natureza. Estes fenômenos se intensificaram com o processo de globalização, que tem transformado o ritmo das pesquisas e direcionado os objetos de estudos dos geógrafos.
Embora possa ser percebido um desenvolvimento por parte dos cientistas em conceber de forma integrada suas análises, a divisão dentro da Geografia ainda não foi superada. A dificuldade entre os geógrafos, da aceitação da existência de uma Geografia fato de que uma abordagem exclusivamente física se torna descompromissada dos aspectos sociais, políticos e econômicos (NETO, 1998, p. 21). O problema maior reside no fato de que, vários geógrafos não percebem uma crítica quanto ao seu próprio estudo, pois ficam presos na inacabada discussão sobre Geografia Física – Geografia Humana. Quando, o ideal seria que cada qual questionasse a importância de seu estudo para a sociedade, independente da linha no qual ele se enquadra. Apenas atentando ao fato de que análises demasiadamente fragmentadas ficam inconclusas, não representam uma contribuição à Ciência e a sociedade. De modo que a visão de apenas descrever os elementos da natureza já não é bem aceita entre os geógrafos, a partir do momento em que a Geografia crítica rompeu com as bases da Geografia tradicional. O Encontro Nacional de Geógrafos que se realizou em Fortaleza no ano de 1978 foi um marco neste sentido, dando início ao processo de questionamento e reflexão acerca da Ciência Geográfica. Através do lançamento do livro “Por Uma Geografia Nova: da crítica da Geografia a uma Geografia crítica”, Milton Santos apresenta uma sistematização de ideias que seriam as novas bases da Geografia, uma Ciência crítica.
Apesar dos esforços, um equilíbrio dentro da Geografia ainda está um pouco longe de ser concretizado. É uma tarefa difícil delimitar os temas e conceitos da Geografia devido à amplitude de possibilidades de estudos que esta Ciência permite. É pertinente perceber que as discussões que hoje se apresentam na Geografia são heranças das transformações nas Ciências que ocorreram no decorrer do tempo. A Ciência não é estática, mas está em constante transformação a partir da quebra dos paradigmas vigentes. Certamente os conceitos que são utilizados e considerados adequados na atualidade, em alguns anos não serão mais suficientes para explicar o mundo, sendo necessária, portanto, uma constante reflexão acerca das diversas Ciências, de modo a acompanhar as transformações sociais, ambientais, econômicas, políticas, de mundo.
Os conceitos inerentes à Ciência Geográfica sofreram transformações em seu entendimento no decorrer da história. A percepção acerca do conceito de natureza continua sendo motivo de discussões na academia. “A natureza é ao mesmo tempo o inorgânico e o orgânico, o fragmentário e o unitário, o mecânico e o vivo” (MOREIRA, p. 73). É pertinente neste sentido, perceber que as incertezas e os debates são os aspectos motivadores da Ciência e proporcionam a constância das pesquisas. Há um processo contraditório onde em um mesmo momento é possível perceber uma negligência dos cientistas em relação ao termo paisagem e uma significativa análise da paisagem relacionada ao fenômeno da preocupação ambiental. Houve uma disseminação da palavra paisagem, de modo que o significado geográfico do termo não é relevado em alguns estudos.
Na afirmação de Moreira (p. 75),
a natureza é o movimento em que as formas saem umas das outras, a vida da matéria sem vida, a matéria sem vida da matéria viva, num mundo que dialeticamente ora é equilíbrio e ora desequilíbrio, ora ordem e ora desordem, ora cosmos e ora caos, um saindo do outro, um outro sendo o ser e o não-ser, num devir em que o real não é um nem outro, e ao mesmo tempo é um e o outro, o equilíbrio dando luz ao desequilíbrio e o desequilíbrio dando luz ao equilíbrio, a ordem à desordem e a desordem à ordem, esta sucessão de mediações sendo o real-concreto. Do qual a senso-percepção só alcança o lance, confundindo o verdadeiro como um mundo de formas.
Neste sentido é relevante pensar na natureza como um todo, onde os diversos elementos estão integrados, mas não um todo homogêneo, e sim um todo baseado em multiplicidade. E embora tamanha vastidão, é possível encontrar o equilíbrio que mantém a vida. A relação de tudo que existe forma, portanto, a natureza. Referências
MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em Geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia do espaço geográfico. Editora Contexto, p. 119-129.
______, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? Por uma epistemologia crítica. p. 38-75.
SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza da Geografia Física na Geografia. Revista Terra Livre, São Paulo, nº 17, p. 11-23, 2011.
NETO, João Lima Sant'Anna. A Geografia Física no limiar do século XXI: Discursos e Perspectivas. Anais do Encontro Nacional dos Geógrafos, Vitória da Conquista, p. 20-22, jul. 1998.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Luana Caroline Künast Polon
Mestra em Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE. Especialista em Neuropedagogia pelo ALFA/Umuarama. Licenciada em Geografia pela UNIOESTE. Integrante dos Grupos de pesquisa: Ensino e Práticas de Geografia - ENGEO e Cultura, Fronteira e Desenvolvimento
Regional. Concentra suas pesquisas na área da Geografia Humana.
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