A aplicabilidade do Estatuto do Idoso na questão dos alimentos
O Estatuto do Idoso é hoje uma lei de eficácia questionável
Direito
21/06/2012
RESUMO:
O Estatuto do Idoso vem como mecanismo adicional para reafirmar as necessidades de auxílio às pessoas acima de sessenta anos, entretanto, devido a impropriedades em sua formulação e a não observância do devido processo legal, parece-nos ser impossível sua utilização simplesmente pela sua não adequação à Constituição Federal em vigor.
1 INTRODUÇÃO
O Estatuto do Idoso vem como mecanismo infraconstitucional, tendo como intenção do legislador, dar maior ênfase ao disposto no art.3º, inciso III da Constituição Federal de 1.988, que diz ser um dos objetivos fundamentais da Carta Magna : “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
Entretanto, salvo poucos artigos, o Estatuto do Idoso, lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2.003, em nada acrescenta aos direitos do cidadão em si, vindo somente a reafirmar o texto constitucional sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, elencados em seu artigo 5º, que é considerado o coração da Constituição justamente por proteger, sobretudo, os direitos humanos, sendo por este motivo, nossa Constituição chamada de “Constituição Cidadã”.
No afã de criar um novo mecanismo que permitisse um maior acesso do idoso aos alimentos garantidores de sua subsistência, o legislador passou claramente por cima não somente do disposto em nosso código civil, como na Carta Magna de 1.988, desta forma, com a devida vênia, eivando de inconstitucionalidade o Estatuto, e tornando sua aplicabilidade comprometida pela simples não adequação da mesma ao texto constitucional, bem como ao novo código civil.
2 A PUBLICAÇÃO DO ESTATUTO
Foi publicado em 3 de outubro de 2003, e com vigência a partir de 02 de Janeiro de 2004, ou seja, com 90 dias de vacatio legis, o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, visando a consolidar alguns direitos e a assegurar outros a todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos , conforme elencado na redação do artigo 1º da referida lei.
Entretanto, em seu Capítulo III, que tange às obrigações alimentares, determina o art. 11 da referida Lei que os alimentos serão prestados ao idoso com fundamento na legislação alimentar em vigor, de forma que passa a incidir, ressalvadas as peculiaridades da lei especial, a Lei n. 10.406/2002 (Código Civil, arts. 1.694 a 1.710), além da Lei n. 5.478/68.
Grande foi a preocupação do legislador no que diz respeito ao acesso ao pedido de alimentos, de forma a criar um novo mecanismo para que o idoso possa ter garantido o direito a alimentos.
A Lei n. 5.478/68 já vem garantindo maior acesso, autorizando o credor a comparecer pessoalmente no foro de seu próprio domicílio, foro da residência do alimentando (art. 100, II, do CPC), para ali ser encaminhado ao serviço de Assistência Judiciária Gratuita ou à Procuradoria de Assistência Judiciária para formular seu pedido e requerer alimentos provisórios, se for o caso (art. 4.º da Lei n. 5.478/68).
Muito embora esse acesso mencionado já seja eficaz, estabelece o art. 13 do Estatuto do Idoso, com as alterações promovidas pela Lei 11.737/08, que o Promotor de Justiça ou o Defensor Público poderão referendar os acordos sobre alimentos, passando, portanto, a terem força de título executivo extrajudicial.
Dessa forma, outras valiosas funções institucionais foram determinadas ao Ministério Público Estadual, quais sejam a de atender pessoas com idade superior a 60 anos, carentes, e de buscar o acordo alimentar, que automaticamente passará a ser título executivo.
Conforme já determina o art. 43, XIII, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, passa a ser dever do membro do Parquet atender o interessado idoso, a qualquer momento, sobre pedido de auxílio alimentar, a fim de promover a transação entre o idoso e seus obrigados, na própria Promotoria de Justiça, e, após referendá-la e até executá-la em caso de descumprimento da referida obrigação, gerando proteção integral por meio de um mecanismo ágil e que em muito contribuirá para a celeridade e o desafogo da Justiça, caso ganhe efetividade e apoio dos Órgãos de Cúpula do Ministério Público.
3 OFENSA À PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COM RELAÇÃO AO ESTATUTO DO IDOSO X ECA
Ao lado da ampliação do acesso ao direito aos alimentos, determinou o legislador que os prestadores da obrigação alimentar para o idoso passam a ser solidariamente responsáveis (art. 12 da Lei n. 10.741/2003).
Conforme disciplina o art. 1.694 do Código Civil, três são os obrigados a prestar alimentos ao idoso: a) os parentes na linha ascendente, descendente e irmãos; b) os cônjuges e c) os companheiros.
No caso previsto no Estatuto do Idoso, tratando-se da obrigação alimentar como solidária e podendo o idoso optar entre os prestadores, acredita-se, porém, haver incompatibilidade e desigualdade de tratamento entre o referido instituto criado e o anterior Estatuto da Criança e do Adolescente, face à princípios Constitucionais fundamentais, o que ensejaria a incompatibilidade dos alimentos garantidos aos idosos, com referidos princípios da Carta Magna.
Com a devida vênia, acredita-se frontal a ofensa do disposto no art. 12 do Estatuto em questão face ao princípio fundamental da reciprocidade do art. 1.696 do Código Civil que estabelece que a obrigação alimentar se aplica na mesma medida entre pais e filhos.
De acordo com o Código Civil, entre os parentes, a obrigação tem caráter sucessivo, de forma que só na falta dos ascendentes é que podem ser chamados os descendentes e, na falta destes, podem ser chamados os irmãos, conforme o art. 1.697 que diz: “Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais”.(CÓDIGO CIVIL, 2003)
Isso significa que, pela regra do Código Civil, no caso de uma pessoa de 70 anos necessitar de alimentos, poderá acionar seus descendentes (já que normalmente não tem ascendentes), recaindo a obrigação primeiramente em seus filhos. Caso estes sejam incapazes de prestar integralmente os alimentos de que necessite, poderá acionar os netos, respondendo cada qual na medida das suas possibilidades e subsidiariamente. Se os filhos e os netos não tiverem condições de prestar os alimentos necessários, poderão ainda ser chamados os irmãos do autor necessitado.
A obrigação se esgota nos irmãos. Trata-se, portanto, de uma obrigação conjunta, sem nenhum caráter solidário.
Já por força do Estatuto do Idoso, o necessitado maior de 60 anos poderá, se quiser, acionar qualquer de seus netos, filhos, irmãos, sem qualquer ordem de preferência, ficando ao seu livre-arbítrio e subjetivismo, o que fere frontalmente o princípio da reciprocidade das obrigações alimentares, até porque se um neto (criança ou adolescente) necessitar de alimentos não poderá acionar seu avô diretamente, por mais abastado que seja, sem obrigatoriamente passar pelo pai.
É fácil verificarmos que o novo sistema afronta a teleologia do art. 227 da Constituição Federal, que determinou a absoluta prioridade na proteção da criança, do adolescente e do jovem, sendo essa prioridade mitigada na norma infraconstitucional ora em discussão, a qual visa a dar efetividade ao art. 230 da Carta Magna.
Por razões ontológicas e teleológicas, é fácil concluirmos que os benefícios da solidariedade e da opção na escolha do obrigado no que se refere a obrigações alimentares deverão também ser estendidos às crianças, adolescentes e jovens, sob pena de o novo sistema ferir o princípio fundamental da reciprocidade e, principalmente, a proteção prioritária de crianças e adolescentes, imposta pela Carta Magna.
Determinou ainda o legislador, por fim, no art. 14 do Estatuto em questão, que, se o grau de necessidade for extremo, de forma que nem o idoso, nem seus familiares possuam condições econômicas de prover o sustento, competirá ao Poder Público, por intermédio da Assistência Social, fazê-lo, de forma a mitigar a miséria na terceira idade, garantindo a dignidade do idoso nos termos do art. 1.º, III, da Constituição da República.
Todavia, referida extensão assistencialista não se aplica às crianças, adolescentes e jovens, sendo que a norma do art. 227, §1º da Carta Magna limita-se a garantir à criança, adolescente e ao jovem, a assistência somente no âmbito da saúde.
Assim sendo, não existindo obrigatoriedade assistencial integral do Estado para com as crianças, adolescentes e jovens necessitados, estes jamais tornar-se-ão adultos, quiça idosos, momento no qual poderiam contar com a integral proteção estatal conforme infere-se dos dispositivos legais mencionados.
4 CONCLUSÃO
Não acompanhando o processo de progressividade das leis, o Estatuto do Idoso é hoje uma lei de eficácia questionável no tocante às questões dos alimentos, uma vez ser irrazoável utilizá-lo juridicamente para uma fundamentação processual ante a não observância de princípios constitucionais explícitos, como o da igualdade, da proteção primordial às crianças, adolescente e jovens e, ainda, o princípio da reciprocidade já mencionado.
As técnicas de elaboração legislativa, que não foram devidamente observadas no ato da criação e tampouco na promulgação da lei, principalmente no tocante à adequação material da Lei 10.741/03 demonstram um descaso do legislador em uma questão que atinge a própria dignidade humana, conforme citado no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988.
A inobservância da ordem de sucessão cria um precedente no qual, ou perde-se a validade do art. 12 do Estatuto do Idoso, retornando ao costumeiro uso do art. 1.694 do Código Civil ou, inclui-se, através de Emenda Constitucional ao art. 227 da Constituição Federal, às crianças, adolescentes e jovens, a possibilidade de opção entre os prestadores da obrigação alimentar, devendo-se , também, através de Decreto-lei, alterar-se o Código Civil em seu art. 1.697, extinguindo assim a ordem de sucessão para obrigações alimentares.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Civil. Lei 10.406 de 10/01/2002. 62 ed. São Paulo: Saraiva, 2011
BRASIL. Constituição Federal (1988). Brasília, DF. Senado, 1988
BRASIL. Estatuto do Idoso. Lei 10.741 de 02/01/2004. Brasília, DF. Senado, 2012
Matheus Magnus Santos Iemini
O autor é advogado criminalista, pós graduado em ciências criminais pelo IPAN/UNIDERP/LFG, Aluno Especial do Programa de Mestrado em Constitucionalismo e Democracia da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, Professor da Faculdade de Direito do IMES/FUMESC, Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da FUMESC, Membro do Núcleo Docente Estruturante do IMES, . E-mail: matheusmagnus@hotmail.com
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