1-Introdução
A população brasileira encontra-se em processo de envelhecimento. O aumento significativo no número de idosos - Segundo o Censo-2010 do IBGE cerca de 11% da população do país conta com 60 anos ou mais - é o ponto de partida para que se perceba que a estrutura familiar e social no Brasil está mudando. Demonstra que o país tem passado por uma significativa mudança em sua qualidade de vida, pois o índice resulta da redução da taxa de mortalidade e aumento da longevidade populacional.
Além disso, reafirma a luta que nosso país tem travado para sair dos estereótipos terceiro-mundistas, que incluem altas taxas de natalidade e taxas de mortalidade em processo de diminuição, resultando em uma população extremamente jovem. A alteração do panorama social ocasionou uma alteração em toda a estrutura social, exigindo que o Poder Público adotasse políticas que subsidiem os interesses básicos de uma parcela da população que vem crescendo e reivindicando seu espaço: os idosos.
A Constituição Federal de 1988, inaugurou uma era de proteção mais ampla ao idoso, conferindo-lhe diversos direitos e assegurando sua proteção integral. A atual Carta Constitucional já trazia em seu bojo normas de caráter geral e programático tornando expresso o que já se tinha por óbvio: que o idoso, como pessoa humana que é, merece ter sua dignidade preservada e, pela sua especial condição, merece ser protegido e amparado por sua família, pela sociedade e pelo Estado. Entretanto, a proteção que se buscava no âmbito jurídico ainda carecia de alcance prático.
Nesse enfoque, foi posteriormente editada a Lei nº 8.842/94, dispondo sobre a política nacional do idoso. Trata-se de política que objetiva assegurar aos idosos os direitos sociais, buscando promover sua "autonomia, integração e participação efetiva na sociedade" (art. 1º, Lei nº 8.842/94). Contudo a referida lei não deu maior concretude à norma constitucional, guardando o mesmo caráter programático já traçado pela Constituição Federal.
Assim, nosso ordenamento jurídico precisou se adaptar também para propiciar que os cidadãos com idade superior a 60 anos não ficassem desassistidos em seus direitos. Contexto em que foi criado o Estatuto do Idoso, aprovado em 2003 por unanimidade pelo Congresso Nacional. Tal Estatuto (Lei nº 10.741/03) configura-se como um marco na defesa dos direitos dos idosos, complementando as normas constitucionais sobre o tema e conferindo a elas a eficácia que o constituinte originário deixou ao encargo do legislador ordinário.
Desse modo, conferiu aplicabilidade fática às normas constitucionais e, ademais, consolidou em um único diploma as disposições da legislação esparsa. Tem-se, portanto, que o referido Estatuto trouxe para o nosso ordenamento jurídico meios específicos de se buscar a efetividade dos direitos que constitucionalmente já eram garantidos aos idosos, como cidadãos que são e em respeito ao basilar princípio da dignidade humana, observando, contudo, a especial condição do idoso em seu meio social.
É possível citar como exemplo de modificação inaugurada pela Lei 10.741/03 a disciplina instituída em relação ao direito aos alimentos, assunto ao qual o legislador destinou um capítulo específico dentro do Estatuto, compreendendo os arts. 11 a 14. O referido direito, embora já esboçado no seio do art. 229 da nossa Constituição Federal, e tratado pormenorizadamente no Código Civil (arts. 1.649 a 1.710), na Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos) e no Código de Processo Civil (arts. 732 a 735 e 852 a 854), merecia um enfoque mais específico, que foi dado pelo art. 12 do Estatuto do Idoso.
Estabeleceu-se que, quando no polo ativo da demanda figurar pessoa idosa, a ação de alimentos terá dinâmica processual diferente, sendo inaplicável a regra geral do Código Civil em detrimento do Estatuto do Idoso, lei especial sobre o assunto. Assim, diante dos princípios da proteção integral e do atendimento prioritário ao idoso, a lei 10.741/03 estabeleceu a obrigação alimentar solidária entre todos os prestadores, não se aplicando, portanto, os dispositivos do Código Civil sobre a matéria.
O tema relaciona-se com a dignidade da pessoa humana e com a persecução da isonomia e da ordem jurídica justa. Destarte, a seguir se discorrerá mais esmiuçadamente sobre tal matéria, apontando-se as principais diferenças no que tange a ação de alimentos em que o idoso figure como autor ou réu na demanda, lançando mão, para tanto, do aporte da doutrina e jurisprudência pátrias, para a melhor apreensão do tema exposto. 2 A obrigação alimentar: breve conceituação
As primeiras linhas a respeito do direito aos alimentos, para a verdadeira apreensão do tema a seguir tratado, partem da conceituação do referido instituto dentro do nosso direito civil.
Acerca da amplitude do termo "alimento", Clóvis Beviláqua (citado por CERQUEIRA, 2000, p. 181) aponta que "a palavra alimento tem, em direito, uma acepção técnica, de mais larga extensão do que a da linguagem comum, pois que compreende tudo que é necessário à vida: sustento, habitação, roupa, educação e tratamento de moléstias". Nessa linha de raciocínio, Marcelo Cerqueira (2000, p. 181) assim explicita: De fato a prestação de alimentos não se destina unicamente a possibilitar o sustento, ou solucionar a fome, da pessoa com ela favorecida, mas também o atendimento de outras necessidades básicas do ser humano, inclusive a instrução e educação, quando o favorecido ainda não atingiu a maioridade.
À guisa de síntese, plausível é a lição de Yussef Said Cahali (2009, p.16), lecionando que "alimentos são, pois, as prestações devidas, feitas para que aquele que as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)". Nesse sentido, tem-se que os alimentos são uma espécie de assistência que a alimentante presta ao alimentando para a manutenção de sua subsistência, não só do ponto de vista físico, mas abrangendo também todos os aspectos de uma sobrevivência com dignidade no aspecto do bem-estar psíquico e moral.
Os alimentos são, portanto, indispensáveis à sobrevivência do ser humano, em razão de sua ampla abrangência, posto que se referem não somente a alimentação, o que se poderia pensar diante da interpretação literal do termo, mas também a outros direitos como moradia, vestuário, educação, saúde e lazer, necessários a uma sobrevivência sadia e com dignidade. O dever de prestar alimentos, observe-se, é obrigação decorrente da noção de dignidade humana e solidariedade familiar (DINIZ, 2010, p. 589). É o que se pode entender das lições doutrinárias acima colacionadas, bem como da leitura do art. 1.694 do Código Civil, que inaugura o subtítulo que trata dos alimentos, dispondo que "podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação".
Diz-se que o dever de prestar alimentos relaciona-se com a dignidade humana, pois o texto da nossa lei civil explicita que os alimentos poderão ser exigidos pelo alimentante quando deles necessitar "para viver de modo compatível com a sua condição social", ou seja, para viver de forma digna, considerando que sem tal prestação suas necessidades básicas não estariam satisfeitas. Maria Berenice Dias (2009, p. 458) esclarece que: Todos têm direito de viver, e viver com dignidade. Surge, desse modo, o direito a alimentos como princípio da preservação da dignidade humana (CF 1.º III).
Por isso os alimentos têm a natureza de direito de personalidade, pois asseguram a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física. Nesse mesmo viés, Cahali (2009, p. 30) também aponta: Paulatinamente, assim, esse dever de assistência em favor daquele que se encontrasse necessitado, como simples imperativo moral de solidariedade humana imposto a quem estivesse em condições de fazê-lo, foi se transformando em obrigação jurídica, como decorrência direta da lei, e desde que verificados certos pressupostos estabelecidos na própria lei.
Noutra monta, o aspecto da solidariedade familiar também encontra guarida no precitado art. 1694 do Código Civil, visto que ele estabelece que entre os parentes, os cônjuges e os companheiros haverá um dever recíproco de prestar alimentos, ou seja, estipula que tal dever existirá entre pessoas que estão unidas por vínculos socioafetivos, priorizando a prestação dos alimentos pela família. Sobre o tema, Maria Berenice Dias (2009, p. 458) pontua que: Os parentes são os primeiros convocados a auxiliar aqueles que não têm condições de subsistir por seus próprios meios. A lei transformou os vínculos afetivos das relações familiares em encargo de garantir a subsistência dos demais parentes. Trata-se do dever de mútuo auxílio transformado em lei. Aliás, este é um dos motivos que leva a Constituição a emprestar especial proteção à família (CF 226).
Assim, parentes, cônjuges e companheiros assumem, por força de lei, a obrigação de prover o sustento uns dos outros, aliviando o Estado e a sociedade desse ônus. Destarte, identifica-se na obrigação de prestar alimentos uma manifestação de um dos mais essenciais direitos de personalidade, qual seja: o direito à vida. Nesse sentido é indiscutível que o Estado deve ter papel ativo na proteção desse direito, preparando o seu ordenamento jurídico para subsidiar a proteção e preservação da vida humana, visando o interesse social. A instituição do dever de prestar alimentos como obrigação legal, prevista no ordenamento jurídico pátrio, emerge justamente da importância da manutenção da vida como sendo matéria de relevante interesse social. Assim, por mais que tal direito seja individualmente exercido por cada pessoa, a sua proteção excede os limites de um direito meramente privado e passa a ter alcance público. Por esse motivo é que a doutrina entende que as normas que disciplinam a obrigação alimentar são normas de ordem pública e, portanto, cogentes, de observâncias obrigatórias e oponíveis erga omnes.
É nesse entender que se manifesta Yussef Said Cahali (2009, p. 33), verbis: (...) orienta-se a doutrina no sentido de reconhecer o caráter de ordem pública das normas disciplinadoras da obrigação legal de alimentos, no pressuposto de que elas concernem não apenas aos interesses privados do credor, mas igualmente ao interesse geral; assim, sem prejuízo de seu acendrado conteúdo moral, a dívida alimentar veramente interest rei publicae; embora sendo o crédito alimentar estritamente ligado à pessoa do beneficiário, as regras que o governam são, como todas aquelas relativas à integridade da pessoa, sua conservação e sobrevivência, como direitos inerentes à personalidade, normas de ordem pública, ainda que impostas por motivo de humanidade, de piedade ou solidariedade, pois resultam do vínculo de família, que o legislador considera essencial preservar.
Portanto, diante da impossibilidade do Estado de socorrer a todos os cidadãos que necessitam de amparo é que se estipula a obrigação alimentar a ser prestada pelos parentes, cônjuges ou companheiros, com previsão expressa no nosso Código Civil.
3 Pressupostos da obrigação alimentar
Das normas do nosso diploma civilista que disciplinam a prestação alimentícia, extraímos os pressupostos de tal obrigação. O art. 1.695 do Código Civil prescreve que "São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento".
A melhor hermenêutica aplicável exige que a interpretação do artigo supracitado se dê de forma combinada com o texto do § 1º do art. 1.694 do mesmo diploma legislativo, que pontua que "Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada". Da leitura de tais dispositivos, bem como dos excertos doutrinários sobre a matéria, extraem-se os seguintes pressupostos de configuração da obrigação alimentar: existência de um vínculo de parentesco, vínculo conjugal ou de companheirismo entre o alimentando e o alimentante; necessidade do alimentando; possibilidade econômica do alimentante; e proporcionalidade entre as necessidades do alimentando e os recursos econômicos do alimentante quando da fixação dos alimentos .
3.1 Existência de Vínculo de Parentesco, Vínculo Conjugal ou de Companheirismo entre o Alimentando e o Alimentante
Conforme já se discorreu em linhas anteriores, o art. 1.694 do Código Civil prevê que entre os parentes, os cônjuges e os companheiros existe um dever recíproco de prestar alimentos. Tal dispositivo legal encerra o conteúdo do primeiro pressuposto da obrigação alimentar, qual seja: a existência de vínculo de parentesco, vínculo conjugal ou de companheirismo entre o alimentando e o alimentante.
Em princípio, cabe apontar que, apesar de o cônjuge e os companheiros não serem parentes, foram mencionados pelo legislador como sujeitos da obrigação alimentar, uma vez que integraram, ainda que em tempo pretérito, o núcleo familiar do alimentando. Entre o credor de alimentos e seu ex-cônjuge ou ex-companheiro existia, quando unidos pelos laços de afetividade, um dever de sustento, decorrente da reciprocidade de direitos e obrigações que permeiam o matrimônio e a união estável. Com a dissolução do vínculo, esse dever de sustento converte-se em obrigação de prestar alimentos , desde que presentes também os demais pressupostos desta obrigação, conforme a diante se demonstrará.
Maria Helena Diniz (2010, p. 594), discorrendo sobre aqueles que podem ser chamados a prestar alimentos, menciona o cônjuge e explicita que este "apesar de não ser parente, é devedor de alimentos ante o dever legal de assistência em razão do vínculo matrimonial". A doutrinadora trata também da hipótese do pleito de alimentos envolver ex-companheiros, acrescentando que: (...) dissolvida a união estável por rescisão, o ex-companheiro, enquanto tiver procedimento digno e não vier a constituir nova união (CC, art. 1.708 e parágrafo único), sendo o concubinato puro, poderá pleitear alimentos ao outro, desde que com ele tenha vivido ou dele tenha prole, provando sua necessidade por não poder prover sua subsistência (DINIZ, 2010, p. 594).
Assim, observa-se que a obrigação de prestar alimentos só surge para o cônjuge ou companheiro após a dissolução do vínculo afetivo que o unia ao alimentando, obviamente combinando-se tal fator ao preenchimento dos pressupostos específicos de tal obrigação. O fim do vínculo matrimonial ou do vínculo afetivo, portanto, é o aporte fático que permite o surgimento de tal obrigação, visto que, nessa circunstância, a obrigação alimentar deriva do dever de sustento, existente quando da constância do matrimônio ou da união estável. Noutro vértice, ainda que o Código Civil exija a existência de vínculo de parentesco, é preciso aduzir que não são todos os parentes que podem figurar na pretensão alimentícia. O referido diploma legal especifica nos arts. 1.696 e 1.697 que, em linha reta, poderão ser chamados a prestar alimentos tantos os ascendentes quanto os descendentes, inexistindo limitação quanto ao grau, e, na linha colateral, somente os irmãos, sejam germanos ou unilaterais. Quanto a tal limitação importa observar os apontamentos de Maria Berenice Dias (2009, p. 484) que, ao discorrer sobre a obrigação dos parentes em prestar alimentos, assim leciona: Com relação aos parentes, a obrigação alimentar acompanha a ordem de vocação hereditária (CC 1.829). Assim, quem tem direito à herança tem dever alimentar. Quanto aos parentes em linha reta, como o vínculo sucessório não tem limite (CC 1.829 I e II), é infinita a reciprocidade da obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes (CC 1.696).
Tanto pais e avós devem alimentos a filhos e netos, quanto netos e filhos têm obrigação com os ascendentes. Entre os ascendentes, o ônus recai sobre os mais próximos. Os primeiros obrigados a prestar pensão são os pais, que devem ser acionados antes dos avós. Na ausência de parentes em linha reta, busca-se a solidariedade dos colaterais (CC 1.592). Entre estes a obrigação alimentar também acompanha a ordem de vocação hereditária (CC 1.829 IV). Ou seja, tem dever de prestar alimentos quem tem direito de receber herança. Especifica a lei (CC 1.697) que os irmãos, parentes em segundo grau, têm obrigação alimentar independentemente de serem irmãos germanos (ou bilaterais, isto é, filhos de mesmo pai e mãe) ou unilaterais (identidade somente com relação a um dos pais).
Maria Helena Diniz (2010, p. 611), aponta que "somente pessoas que procedem do mesmo tronco ancestral devem alimentos, excluindo-se os afins (sogro, genro, cunhado etc.), por mais próximo que seja o grau de afinidade". Assim, a conclusão a que se chega é que, ainda que os vínculos afetivos demonstrem a proximidade entre os parentes afins, entre eles não se pode estabelecer, mas tão somente no parentesco consanguíneo.
3.2 Necessidade do Alimentando O pressuposto em questão exige, para o surgimento da obrigação alimentar, a existência de necessidade do alimentando. Configura-se, portanto, na exigência de que o titular do direito não possa manter-se por si mesmo, ou seja, não disponha de patrimônio suficiente para garantir sua sobrevivência, conforme preceitua o art. 1695 do Código Civil, que assegura o direito aos alimentos "quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença". Explicando tal pressuposto, merece destaque, o apontamento de Yussef Said Cahali (2009, p. 512), que se colaciona em seguida: A regra tradicional é que cada pessoa deve prover-se segundo suas próprias forças ou seus próprios bens: a obrigação de prestar alimentos é, assim, subsidiária, eis que só nasce quando o próprio indivíduo não pode cumprir esse comezinho dever com a sua pessoa, que é o de alimentar-se com o produto de seu trabalho e rendimentos.
Assim, tem-se que a obrigação de prestar alimentos é indissociável da existência de uma situação de insuficiência de recursos por parte de quem os pretende. É imperioso que o alimentando não tenha condições de manter-se às suas próprias expensas, visto que cessado o dever de sustento entre os parentes, ex-cônjuges ou ex-companheiros não haveria qualquer obrigação de sustento não fosse a premente necessidade do alimentando.
3.3 Proporcionalmente entre as Necessidades do Alimentando e os Recursos Econômicos do Alimentante
Este último pressuposto reflete a noção de razoabilidade e proporcionalidade que deve ser resguardada pelo direito em todas as hipóteses. Implica uma análise subjetiva da realidade pelo julgador, pois a análise do pedido de alimentos deve ser feita caso a caso. Aqui se impõe a observância do binômio "necessidade-possibilidade", quando da estipulação da prestação alimentícia. O interesse de uma parte, por mais urgente que se afigure, não pode se sobrepor às possibilidades da outra, devendo sempre se buscar um equilíbrio entre os interesses em litígio.
Assim, ao estipular a existência de uma obrigação alimentar e fixar o seu quantum, deverá o magistrado atentar para o fato de que as possibilidades do alimentante são limitadas, independentemente da necessidade do alimentando. Em outras palavras, ao tentar atender às necessidades daquele que reclama os alimentos, não pode olvidar de perquirir os limites patrimoniais daquele que é obrigado a prestá-los. Ademais, é de se concluir com Arnaldo Rizzardo (2006, p. 745) que na fixação da pensão alimentícia "deve-se dar realce às particularidades das pessoas envolvidas, como idade, sexo, estado de saúde, formação profissional, situação econômica, patrimônio e renda mensal". Destarte, diante da regra insculpida no § 1º do art. 1.694 (Código Civil de 2002), depreende-se que é impossível que a fixação da obrigação de alimentos obedeça a um legalismo exacerbado. Tanto é assim que o nosso diploma civilista não estabelece qualquer parâmetro objetivo a ser seguido pelo julgador, deixando a seu encargo a fixação do montante a configurar prestação alimentícia, a depender de cada caso concreto.
Entende Cahali (2009, p. 518-519) que mais acertado não poderia ter sido o posicionamento do legislador: Tal como os pressupostos da necessidade e da possibilidade, a regra da proporção é maleável e circunstancial, esquivando-se o Código, acertadamente, em estabelecer-lhe os respectivos percentuais, pois a final se resolve em juízo de fato ou valorativo o julgado que fixa a pensão. Mais adiante, complementa dizendo: Daí dizer-se que, quando o Código Civil determina que alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades da reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, está deixando ao prudente critério do juiz a estimativa, para que bem se pesem aquelas e estes, não estando o julgador adstrito ao princípio da estrita legalidade. (CAHALI, 2009, p. 519).
A busca da proporção e da razoabilidade, portanto, é fundamental na formação do convencimento do juiz. Conforme bem explicita Maria Helena Diniz (2010, p. 595), na fixação dos alimentos deve haver proporcionalidade "entre as necessidades do alimentário e os recursos econômico-financeiros do alimentante, sendo que a equação entre esses dois fatores deverá ser feita em cada caso, levando-se em consideração que os alimentos são concedidos ad necessitatem". 4 Fixação da obrigação alimentar aos avós
Conforme já se discorreu anteriormente, em linha reta, a reciprocidade do dever alimentar é infinita, considerando, entretanto, que os parentes mais próximos excluem os mais remotos. Assim, em outras palavras, a responsabilidade alimentar recai primeiramente sobre os genitores daquele que pleiteia alimentos.
A jurista Maria Helena Diniz (2010, p. 612) com maestria explica a ordem vocacional da obrigação de prestar alimentos, trazendo à baila o magistério também aclamado de Yussef Said Cahali, conforme a seguir se colaciona: A obrigação alimentar recai nos parentes mais próximos em grau, passando aos mais remotos na falta uns dos outros (CC, arts. 1.696, 2ª parte, e 1.698; RT, 805:240, 519:101). Como diz Yussef S. Cahali, há uma ordem sucessiva ao chamamento à responsabilidade de prestar alimentos. O alimentando não poderá, a seu bel-prazer, escolher o parente que deverá prover o seu sustento. Acrescenta o art. 1.697 que "na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais". Aquele que estiver na condição de alimentante deverá arrolar primeiramente, via de regra, o pai ou a mãe. Somente na falta destes ou na impossibilidade de suportarem o encargo é que o dever alimentar se transmitirá aos avós . Tal entendimento é consectário lógico da disposição do art. 1.698 do Código Civil, que estabelece, noutros termos, que, a priori, deverá ser observada a ordem vocacional entre os parentes, de modo que, somente se aquele sobre o qual a obrigação alimentar recaia em primeiro plano não puder satisfazê-la, é que serão chamados a concorrer os parentes de grau imediato.
Assim, quando os genitores não puderem satisfazer a obrigação alimentar que lhes compete sem prejuízo de seu próprio sustento, excetua-se a regra geral, para que se possa atender ao pressuposto da proporcionalidade entre as necessidades do alimentando e os recursos econômicos do alimentante, que integra a própria natureza da obrigação. Desse modo, a pensão será in totum pleiteada em face dos avós. Outra exceção à regra de que os parentes mais próximos excluem os mais remotos verifica-se no caso em que o genitor não tiver meios para satisfazer a totalidade do quantum fixado inicialmente pelo juiz.
Nessa hipótese, após o curso da ação de alimentos, ficando comprovado que o genitor somente pode prover parte da pensão fixada, poderá o alimentante pleitear alimentos complementares de seus avós, ou dos bisavós, na falta destes, de modo que a complementaridade da obrigação recaia sobre os parentes de grau imediatamente superior. A possibilidade encontra guarida na segunda parte do art. 1.698 que preceitua que "sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas elas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos e, intentada a ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide".
Nesse ponto, é “mister” destacar que havendo pluralidade de obrigados não haverá solidariedade entre eles, destarte, em razão da divisibilidade da obrigação alimentar cada um dos coobrigados responderá ao encargo que lhe competir em face das suas possibilidades econômicas. Sendo a ação interposta contra somente um dos devedores poderá o demandado chamar os demais a integrar a lide, através de uma das formas de intervenção de terceiros, para que contribuam com uma quota proporcional aos recursos financeiros de que dispõem. Tratando da possibilidade de complementação da obrigação alimentar pelos avós, Maria Helena Diniz (2010, p. 614-615) é bastante específica, in verbis: Todavia, não se deve afirmar que os mais próximos excluem os mais remotos, porque, embora haja um parente mais chegado, o mais distante poderá ser compelido a prestar pensão alimentícia, se aquele não tiver condições de fornecê-la (RT, 418:180), ou, se não tiver meios para suportar totalmente o encargo alimentício, será possível pleitear alimentos complementares (RT, 776:318) de parentes de grau imediato (CC, art. 1.698, 1ª parte). O reclamante poderá, p. ex., investir contra avô pleiteando alimentos complementares. Se o pai só pode arcar com 30% do quantum, o avô contribuirá com 70%.
Ante o exposto, é possível afirmar que a obrigação alimentar recairá sobre os avós somente em caráter subsidiário. Este é o entendimento esposado também no Enunciado nº 342 do Conselho da Justiça Federal, que aponta que os avós serão obrigados a prestar alimentos aos netos em caráter não-solidário (supracitado), mesmo porque não há qualquer previsão legal que enuncie expressamente a solidariedade . A medida legislativa tem o fulcro de evitar que o credor de alimentos escolha a seu bel-prazer parente mais distante, por este dispor de melhores condições financeiras e, portanto, maiores possibilidade de prover integralmente a obrigação alimentar.
Evita-se, assim, que pessoa que não concorreu para a formação da obrigação alimentar seja onerada indevidamente com o encargo da pensão alimentícia, enquanto aquele que de fato tem a obrigação de prover o sustento do alimentante se exima de seu dever. A jurisprudência pátria, felizmente, já consolidou tal entendimento, atribuindo a responsabilidade de prestar alimentos aos avós somente na impossibilidade do genitor prover, no todo ou em parte, a obrigação alimentar. Importante se faz, neste ponto, fazer uma análise de um julgado que reflete de forma bastante completa o posicionamento dos tribunais do nosso país sobre a referida temática. Trata-se de Acórdão proveniente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no qual a Sétima Câmara Cível resolveu, por unanimidade, negar provimento à Apelação Cível interposta com o objetivo de reformar a decisão de primeiro grau que julgou improcedente o pedido dos autores de condenação dos avós paternos ao pagamento de alimentos complementares. Na referida ação de alimentos figuram como alimentantes L.F.F.N., H.P.F. e T.C.P.F. , representados processualmente pela mãe, pleiteando alimentos contra o pai.
No curso do processo o juízo de primeira instância fixou a obrigação alimentar em face de F.R.F, pai dos alimentantes, tendo sido firmado, em 30/03/2005, um acordo que estabeleceu o pagamento aos filhos do montante de 105% do salário mínimo, sendo 45% para o filho L.F.F.N. e 30% para cada um dos outros dois filhos. Diante do inadimplemento do referido acordo, voltaram-se os alimentantes contra os avós paternos, demandando a condenação destes ao pagamento de alimentos, no valor total de três salários mínimos - um para cada um dos alimentantes -, além de convênio médico. Analisando o mérito do pedido, o relator - Des. Ricardo Raupp Ruschel -, quando do voto, manifestou-se pelo desprovimento do recurso tecendo plausível argumentação a respeito da subsidiariedade da obrigação alimentar dos avós, conforme se transcreve a seguir: Com efeito, a obrigação dos avós de prestar alimentos aos netos é complementar e admitida quando comprovada a impossibilidade ou insuficiência do atendimento pelos pais. Somente em casos excepcionais, quando esgotada a possibilidade financeira dos genitores, é que se pode, à luz do caso concreto, impor aos avós a obrigação alimentar.
O exaurimento das vias cabíveis deve estar devidamente demonstrado, de modo que a mera recalcitrância do devedor ou atitudes furtivas por parte deste não autorizam que a obrigação seja devolvida aos avós, já que a disposição legal acerca da matéria é bastante clara e não admite elastérios, pois a intenção da lei não é estimular a irresponsabilidade dos pais (no caso, do genitor). (grifo nosso). Aduz também que somente em casos excepcionais, quando esgotadas as possibilidades financeiras dos genitores, é que se pode impor aos avós a obrigação alimentar, a depender, obviamente, de cada caso concreto.
Noutro trecho de seu voto o julgador assim se posiciona: A obrigação alimentar deve ser imposta, em primeiro lugar, aos pais dos menores, não podendo a mera circunstância dos pais auferirem renda menor do que a dos avós para impor a estes a responsabilidade pela manutenção dos netos. Ressalto que a obrigação dos avós é apenas subsidiária e não solidária, devendo tal disposição ser aplicada somente quando não houver outro parente de grau mais próximo que possa prestar os alimentos. Desta forma, mostra-se descabida a condenação dos ascendentes, no caso, os avós paternos, de prestar alimentos quando inexiste demonstração cabal de que o grau mais próximo, no caso, os pais, não pode satisfazê-lo. Além do que, não se mostra razoável permitir que os menores, toda vez que seus genitores faltem com a responsabilidade que lhes cabe ou não possam lhes dar tudo o que pretendem, se dirija aos avós por ser mais cômodo e mais fácil. A obrigação alimentar por parte dos avós para com os netos não é de mesma intensidade daquela existente por parte dos pais. (grifo nosso).
Por fim, arremata demonstrando que, além da inerente subsidiariedade da obrigação alimentar dos avós, é preciso considerar também a situação financeira dos pretensos alimentantes, posto que a fixação do quantum da pensão alimentícia depende da ponderação de valores entre o binômio necessidade-possibilidade (necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante). Desta feita, no caso em comento, restou comprovado nos autos da ação de alimentos que os avós paternos dos autores não possuem condições financeiras para assumir o encargo alimentar, ainda que superada a questão da responsabilidade primária do genitor, tendo em vista que ambos contam apenas com aposentadorias provenientes do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para seu sustento.
Diante de todo o exposto, observa-se que os dispositivos legais que regem a matéria vêm sendo bem aplicados por nossos órgãos jurisdicionais, refletindo o posicionamento esposado pela doutrina, posto que o julgado ora analisado consubstancia entendimento já cristalizado na jurisprudência pátria. 5 Inovações trazidas pelo estatuto do idoso e seus reflexos sobre a disciplina do código civil no tocante ao alimentos Considerando que o Estatuto do Idoso (Lei 10.714/03) é lei recente, editada em 2003, é preciso novamente ressalvar o seu caráter inovador da ordem jurídica. Maria Berenice Dias (2006, p. 54) discorrendo a respeito da importância da edição desse Estatuto para o nosso ordenamento jurídico, faz o seguinte apontamento: Trata-se de lei nova que acabou incorporando uma série de direitos e garantias que de há muito vinham sendo reclamados por importante parcela da população que vem não só aumentando numericamente, mas também se impondo como merecedora de destaque e de respeito cada vez maior. Atendendo ao comando constitucional, que veda a discriminação em razão da idade (CF, art. 3º, III) e assegura especial proteção ao idoso (CF, art. 230) e lhe garante assistência social e alimentos (CF, 203, V) a Lei 10.741/2003, o chamado Estatuto do Idoso, empresta maior efetividade à proteção dos maiores de 60 anos, concedendo-lhes o mesmo tratamento cuidadoso que é dispensado aos jovens.
Agora, também o ancião goza, com absoluta prioridade, de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana que a Constituição Federal (art. 227) e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) garantem aos cidadãos de amanhã. Utilizando-se de sua qualidade de norma especial - que tem, portanto, prevalência sobre as regras gerais - o Estatuto confere em determinadas situações, tratamento diferenciado ao idoso. É o caso, por exemplo, da hipótese em que ele esteja no polo ativo da pretensão de alimentos, que ora se analisa. Conforme já explicitado em linhas anteriores, o Código Civil elenca quem pode figurar como parte legítima na ação de alimentos. A dicção dos arts. 1.694, 1.696 e 1.697 do diploma civil especifica a reciprocidade do dever alimentar (art. 1.696) entre os cônjuges; companheiros; pais e filhos, estendendo-se aos demais ascendentes; descendentes, na ausência de ascendentes; e irmãos, na ausência de todos os anteriores. Apesar do legislador não ter manifestado expressamente a respeito da ordem de vocação, a práxis tem demonstrado que a ordem acima transcrita é exatamente a que deve ser observada ao definir quem é parte legítima para figurar no polo passivo de uma ação de alimentos.
Observa-se, portanto, que o Código Civil, através de seu art. 1.698, estabeleceu a possibilidade de o credor de alimentos, havendo pluralidade de devedores, optar por um dos coobrigados ou ingressar contra todos. Merece destaque, contudo, que nessa hipótese a responsabilidade entre os múltiplos devedores não é solidária, posto que a obrigação alimentar é divisível. Haverá para o credor de alimentos a possibilidade de escolher contra quem deseja litigar, devendo ele, contudo, "assumir o ônus por essa escolha, expondo-se ao risco de ver a pensão fixada apenas no montante correspondente à parte demandada, cabendo ao alimentando, para obter o todo, ingressar judicialmente contra os demais coobrigados" (RIBEIRO, 2006, p. 123). Assim acontece na prática, pois, de acordo com o Código Civil, não há solidariedade entre os coobrigados. Havendo mais de um devedor, a obrigação deverá ser estipulada com observância da possibilidade de cada um em assumir o encargo, desde que os demais devedores também integrem a lide.
Nesse mesmo entender é o posicionamento de Maria Berenice Dias (2006, p. 60-61), em obra que trata especificamente do direito aos alimentos, proclamando que: Diante da faculdade assegurada ao credor de acionar qualquer um dos obrigados, ainda assim não foram derrogados o princípio da proporcionalidade (CC, art. 1.694, § 1º) e da sucessividade na escolha do alimentante (CC, arts. 1.696 e 1.697). Assim, em sede de alimentos, a sentença que reconhece a obrigação de mais de um devedor deve individualizar o encargo de cada um deles, quantificando o valor dos alimentos segundo a possibilidade de cada um dos obrigados. Ainda que haja mais de um devedor, cada um deles não pode ser obrigado a responder pela dívida toda (CC, art. 264). No entanto, como o credor pode dirigir a ação de alimentos contra qualquer dos obrigados, dispõe o réu da faculdade de convocar para a demanda os outros obrigados (CC, art. 1.698). Ainda assim, quando da execução, não dispõe o credor da faculdade de exigir o pagamento da totalidade da dívida de somente um dos devedores, não se podendo falar em dívida comum.
Noutro vértice, a dinâmica inaugurada pelo Estatuto do Idoso traz outro enfoque aos devedores coobrigados. Se qualquer pessoa com idade superior a 60 anos figurar na posição de credor da obrigação de alimentos, não será aplicado o art. 1.698 do Código Civil, mas sim o art. 12 da Lei 10.741/03, por ser norma de caráter especial e em decorrência da aplicação dos princípios da proteção integral e do atendimento prioritário. O artigo em debate dispõe que "a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores". O regramento trazido por este dispositivo não exclui, como se pode interpretar de primeiro plano, a característica da divisibilidade da obrigação alimentar, porém procura estabelecer um meio mais rápido e fácil de o idoso ter sua pretensão atendida.
Desse modo, havendo pluralidade de devedores, poderá o idoso intentar a ação de alimentos contra qualquer um deles, exigindo a prestação na sua integralidade, tendo em a vista a solidariedade dos coobrigados. Para aquele que adimplir a obrigação no todo haverá, por óbvio, o direito de regresso contra os demais devedores solidários, conforme preceito encartado no art. 283 do Código Civil . Precisa é a análise de Maria Danielle Simões Veras Ribeiro (2006, p. 125) em comentário ao art. 12 do Estatuto do Idoso, que diz: Diferencia-se a ação de alimentos ingressada pelo idoso com base no artigo 12 da Lei 10.741/2003 da fundamentada no artigo 1.698 do NCCB pelo aspecto em que naquela, além do fato do idoso poder optar por qualquer dos prestadores irá lhe fornecer alimentos (filhos, netos, irmãos), poderá ainda exigir deste o valor total suficiente para suprir suas necessidades por ser a dívida alimentar do idoso solidária; ao passo que na obrigação conjunta do artigo 1.698 do NCCB, o parente escolhido pelo alimentário, existindo outros coobrigados, só poderá ser condenado na proporção de sua responsabilidade, devendo o credor de alimentos exigir, em outra ação cabível, o complemento da obrigação alimentar pelos demais prestadores.
Nesse caso, diferente do que ocorre com a ação de alimentos fundamentada no art. 1.698, não poderá haver qualquer das formas de intervenção de terceiros. Em primeiro lugar porque a intervenção de terceiros não é admitida no rito sumário e em se segundo lugar pela própria aplicação do art. 12 da Lei 10.741/03, que dispensa o chamamento dos demais coobrigados para integrar a lide, uma vez que, quanto ao idoso, a obrigação alimentar é solidária. Assim, poderá o idoso ter sua pretensão adimplida na totalidade por qualquer dos coobrigados, sendo despicienda a formação de litisconsórcio passivo ulterior. Mister apontar que o critério para a condenação do parente em prestar alimentos ao idoso é objetivo, segue os mesmos pressupostos que já foram aqui elencados em passagem anterior, principalmente a observância do binômio necessidade-possibilidade.
O Código Civil vigente foi feliz em não repetir a disposição do parágrafo único do art. 399 do anterior Código Civil de 1916, cujo texto se reproduz a seguir: Art. 399. Omissis. Parágrafo único. No caso de pais que, na velhice, carência ou enfermidade, ficaram sem condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojaram de bens em favor da prole, cabe, sem perda de tempo e até em caráter provisional, aos filhos maiores e capazes, o dever de ajudá-los e ampará-los, com a obrigação irrenunciável de assisti-los e alimentá-los até o final de suas vidas. Isso porque, ao estabelecer o dever dos filhos em amparar os pais na velhice, o legislador deu enfoque maior aos pais que "se despojaram de bens em favor da prole", abrindo margem para que se analisasse a estipulação da pensão alimentícia com certa subjetividade, o oposto do que se tem com a vigência do Código Civil de 2002. Destaque-se o comentário de Braga (2011, p.17-18): [...] para a aplicação da lei e para o direito, pouco importa se o pai que pede os alimentos foi um bom pai ou um pai omisso. Pouco importa se quem pede alimentos não tem uma boa relação com os filhos ou mesmo se ficou sem contato com os filhos por vários anos. Parece injusto mas não é! Nenhum pai pode se escusar de pagar alimentos a um filho rebelde ou grosseiro. Nenhum pai pode deixar de pagar alimentos ao filho que recusa visita-lo, assim, da mesma forma, nenhum filho ou descendente pode deixar de alimentar um ascendente alegando que não tiveram um bom relacionamento ao longo da vida. Além disso, outro aspecto importante da disciplina legal inaugurada pelo Estatuto do Idoso é a sua importância não só no aspecto privado das relações familiares, mas também estendeu seu alcance sobre o direito penal, de caráter publicista, pois a própria sociedade deixou de considerar as situações de abandono de idosos por seus familiares como uma espécie de negligência que integra somente a intimidade e vida privada dos envolvidos.
Nesse ponto, merece vênia o apontamento de Pérola Melissa Vianna Braga (2011, p.17) ao preconizar que: A partir do Estatuto do Idoso, começaram a surgir ações de alimentos movidas por idosos contra seus descendentes. Esta situação deve ser vista como uma grande quebra de paradigma, pois idosos abandonados por seus descendentes começaram a identificar o abandono familiar como crime e não como algo natural e aceitável. Assim, a obrigação primeira de assistir o idoso é de sua família, somente recaindo sobre o Estado na ausência ou impossibilidade destes.
Nesse diapasão, por tudo o que aqui se expôs, tem-se que é indubitável que o Estatuto em comento trouxe diversos benefícios para as relações jurídicas que envolvem idosos, pois traz em seu bojo inclusive disposições de caráter penal. 6 Considerações finais O princípio, já tão debatido, da dignidade da pessoa humana, encartado pela Constituição Federal de 1988 com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III), foi o ponto de partida para a análise aqui traçada. Impossível se falar em direito a alimentos dissociando-o de tal princípio, posto que este direito refere-se, para além da concepção literal do termo, a tudo aquilo de que uma pessoa necessite para viver com o mínimo de dignidade. Além deste, importante também ressaltar a noção de que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (Art. 5º, caput, CF/88), bem como a importância da aplicação do princípio da isonomia no nosso ordenamento jurídico, conferindo-se tratamento desigual àqueles que não estejam em igualdade de condições, na medida de suas desigualdades.
Os princípios acima apontados, encontram representação no Estatuto do Idoso, a Lei nº 10.741/03, que, como visto, foi editado em atenção às novas necessidades emergentes entre aqueles com mais de 60 anos, parcela da população que vem crescendo a cada dia em virtude da melhoria da qualidade de vida no país e, consequentemente, da expectativa de vida. A pessoa idosa deve ter, assim como todos os cidadãos do país, acesso a condições que permitam exercer de forma plena e digna os direitos à saúde, alimentação, moradia e demais assegurados pela Constituição Federal. Unindo duas temáticas de grande relevância, tanto para o ordenamento jurídico quanto para o meio social, - o direito aos alimentos e as inovações trazidas pelo Estatuto do Idoso à legislação vigente - a presente análise teve por norte colocar em confronto o Código Civil e a Lei nº 10.741/03, demonstrando que, quanto à pretensão de alimentos, a especial condição do idoso já exigia de há muito tratamento diferenciado pela legislação, no entanto esse clamor somente foi ouvido em 2003, com a edição do Estatuto do Idoso. Felizmente a doutrina e jurisprudência pátrias já têm consolidado o entendimento de que, caso o idoso figure no polo ativo em uma demanda de alimentos, a obrigação alimentar que recaia sobre mais de um devedor é solidária, podendo este exigir de qualquer dos devedores a totalidade da pensão. O art. 12 da Lei 10.741/03 foi feliz ao estabelecer a solidariedade, primeiramente pelo fato de que esta não se presume, dependendo de estipulação legal expressa, e em segundo lugar pela aplicação dos princípios da proteção integral e da prioridade no atendimento que devem ser observados quando se trata de pessoa com idade superior a 60 anos.
Nesse contexto, inaplicável à hipótese a regra geral do Código Civil, prevista no art. 1.698, cuja estipulação decorre do entendimento de que não há solidariedade entre os devedores. Desse modo, havendo pluralidade de obrigados, se torna incabível pleitear contra um deles o pagamento da dívida alimentar in totum e verifica-se imprescindível, para a satisfação integral da obrigação, que os demais devedores sejam chamados a integrar a lide em curso ou então sejam posteriormente acionados com pedido de alimentos complementares. Diante todo o exposto, observa-se que, quanto ao tema, nossa legislação tem acompanhado o evoluir do desenvolvimento social. Este é o primeiro passo para a consecução do objetivo de igualdade social que tanto se discute na atualidade, sendo imprescindível, de outra monta, que os aplicadores do direito e a própria sociedade saibam fazer uso desse valiosíssimo instrumento - o Estatuto do Idoso - que garante aplicabilidade fática ao tratamento isonômico que preconiza a nossa Constituição Federal e que é mais do que merecido pela população idosa do país. De nada vale o fato de o nosso ordenamento jurídico dispor de mecanismos de proteção se, na prática, não se conferir ao idosos o devido respeito por parte da família, da sociedade e do Estado. Essa, portanto, a motivação de estudar tema afeito ao direito do idoso, posto que ainda há muito que se galgar na seara dos direitos de tais cidadãos e o conhecimento sobre o tema é o primeiro passo na construção de uma proteção ao idoso que não seja só princípio e, de fato, seja integral.
Referências
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011.
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2009.
CERQUEIRA, Marcelo. Obrigação alimentar e possibilidade de restituição dos alimentos pagos indevidamente. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n.27, p. 181-200, 2000. Disponível em: . Acesso em: 13 nov. 2011.
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre alimentos. 1.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
_____ . Manual de Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito de família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
RIBEIRO, Maria Danielle Simões Veras. Dos alimentos. In PINHEIRO, Naide Maria (Coord.). Estatuto do idoso comentado. Campinas: LZN, 2006.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Thuanny da Costa Silva
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Advogada regularmente inscrita nos quadros da OAB/RN; pós-graduanda em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte.
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