O auditor interno ambiental pode ser responsabilizado por um crime ambiental em sua empresa?
Introdução
Empresas que implantam sistemas de gestão ambiental devem atender a determinados requisitos, em especial, devem estabelecer um sistema de auditorias internas para avaliar, de tempos em tempos, a eficácia do sistema implantado. Neste processo, são designados alguns funcionários da empresa para receberem treinamento específico como auditor interno ambiental. A atividade do auditor interno ambiental envolve, normalmente, a execução de auditorias internas em determinados setores da empresa, para verificar, entre outras atividades, se a política ambiental está sendo adequadamente entendida e atendida, se a legislação ambiental aplicável ao setor está sendo cumprida, se os procedimentos ambientais estão sendo seguidos e como se dá a participação de cada um do setor auditado no cumprimento das metas ambientais da empresa. De início, cabe a pergunta: será que um auditor interno ambiental poderia ser responsabilizado civil e criminalmente por um acidente ocorrido na empresa em que trabalha, causando danos ao meio ambiente, por não ter constatado ou registrado, durante a auditoria interna ambiental, alguma falha claramente identificável e que, por negligência não quis ou não foi capaz de identificar? Esta é a pergunta que tentaremos responder neste artigo, usando como referência as atividades de um auditor interno ambiental em uma empresa.
O Que diz a Constituição Federal Brasileira
Estabelece o parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal brasileira que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados." Como se observa, a Constituição menciona sanções penais que estão associadas à responsabilidade criminal e sanções administrativas, associadas à responsabilidade civil.
Vejamos cada um desses conceitos:
Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva
Normalmente - a culpa (com a idéia de identificação do responsável por determinado ato) é subjetiva, está no sujeito, e há que se provar a responsabilidade do agente, quanto ao dolo ou à culpa em relação ao fato ocorrido, para que se possa punir este agente. O ato pode ter sido praticado "com dolo" ou "com culpa", ou seja: dolo - intencional, ação voluntária (Ex.: o agente joga efluentes líquidos altamente poluentes (por exemplo, com alto teor de mercúrio) diretamente na Baía de Guanabara); ou culpa - como exemplo, por negligência do responsável por um almoxarifado, onde são armazenados produtos tóxicos, e que tem por tarefa verificar regularmente o estado das embalagens para evitar que vazem e poluam o meio ambiente, e não o faz, constando-se posteriormente o vazamento. Conforme o ato tenha sido praticado com dolo ou culpa, a punição será obviamente maior ou menor, respectivamente. Diz o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 186, que "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Complementando, em seu artigo 927, estabelece o Código Civil que "Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo." Mais ainda, define o Código Civil no parágrafo único do artigo 927 que " Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. " Assim, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil brasileiro admite a responsabilidade objetiva, nos casos especificados em lei, isto é, independente de a culpa (responsabilidade civil) estar no sujeito. Em outras palavras, não é preciso provar a culpa (responsabilidade civil), basta que se demonstre o nexo causal (a relação de causa e efeito) entre o resultado e a ação do agente; basta que seja possível ligar o resultado ao agente. Tomemos, como exemplo, uma empresa que contrata Pedro como seu motorista e Pedro, em alta velocidade, atropela Maria; a empresa tem responsabilidade civil objetiva; a empresa não atropelou Maria, mas é responsável objetivamente porque Pedro, seu motorista contratado, atropelou Maria; não é necessário provar a culpa da empresa em relação ao acidente; existe o nexo causal: se a empresa não tivesse contratado Pedro como seu motorista, Pedro não teria atropelado Maria. Em suma, a empresa tem culpa objetiva e pode ser punida, independente de culpa direta no acidente. Já o caso de Pedro é diferente: ele, dirigindo em alta velocidade, imprudentemente, atropelou Maria: neste caso, a culpa de Pedro é subjetiva (está no sujeito Pedro) e terá que ser provada, para que Pedro possa ser punido.
O Que diz a Lei 6938/1981 – Política Nacional do Meio Ambiente
A Lei 6938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, é um caso típico de lei especial (ou também chamada "lei extravagante") ao qual se aplica o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, ou seja, cabe punição por responsabilidade objetiva. Diz o artigo 14 da lei 9638/1981 que "Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: à multa simples ou diária; à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; ou à suspensão de sua atividade".
Diz ainda, em seu parágrafo 1º que " Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Assim, a lei 6938/1981 igualmente estabelece que, no caso de crimes ambientais, a responsabilidade (civil) é objetiva, isto é, independe de ser provada a culpa da empresa. Além disso, a responsabilidade é solidária; se alguém poluiu a água, a sociedade não quer saber quem poluiu, quer que a água seja despoluída imediatamente por todos os que têm responsabilidade pelo dano ambiental
Exemplos de Danos Ambientais
Tomemos o seguinte exemplo: se, em um aterro sanitário, vulgarmente chamado de "lixão", são encontrados tambores com resíduos oleosos, e se apura que foram entregues por um navio a uma empresa de coleta de lixo a bordo de navios (embora credenciada pela Autoridade Portuária) e esta, em vez de dar o destino adequado, jogou no lixão, a responsabilidade civil (objetiva) é do Comando do navio (que contratou a empresa que poluiu - nexo causal). Esta culpa será atenuada, na medida em que o Comando do navio puder provar que está de posse do certificado de credenciamento da empresa contratada por ele para coleta de resíduos oleosos de navios, emitido pela Autoridade Portuária local e de um recibo referente ao material coletado, onde a empresa de coleta registra que vai dar o descarte adequado. Já a culpa da empresa de coleta de lixo é subjetiva, através de um de seus administradores (que teria mandado o motorista do caminhão jogar os tambores no lixão) ou do próprio motorista, se este tiver praticado o ato por sua livre iniciativa.. Outro exemplo: Se junto aos sacos de lixo, na frente de um edifício comercial, são colocadas lâmpadas fluorescentes queimadas, sem qualquer proteção, se estas lâmpadas se quebrarem e o mercúrio vazar, poluindo o ambiente, a responsabilidade civil (objetiva) é da administração do condomínio, mesmo que seja um ato isolado de um servidor do edifício, já que existe lei definindo como se deve descartar adequadamente lâmpadas fluorescentes queimadas.
Tomemos ainda outro exemplo: um caminhão de uma empresa de transporte de óleo vira na estrada, polui um rio e o óleo polui uma praia, onde está um hotel e uma colônia de pescadores. A empresa de transporte terá que arcar com os custos da coleta do óleo, da despoluição das áreas afetadas (responsabilidade civil ambiental) e de indenização aos pescadores locais (responsabilidade civil coletiva) e ao dono do hotel que teve as suas reservas canceladas (responsabilidade civil individual). Cabe ao Ministério Público (responsabilidade civil patrimonial difusa) propor a ação contra a empresa causadora do acidente (que responde por responsabilidade objetiva). Trazendo os exemplos para uma empresa de navegação, se esta contrata uma empresa de transporte de óleo diesel, em tambores, para abastecer um de seus navios e o caminhão dessa empresa vira na estrada, polui o rio e polui uma praia, essa empresa de navegação tem responsabilidade objetiva, pois existe o nexo causal entre a empresa de navegação e o resultado (poluição do rio e da praia). No caso será a empresa de navegação a acionada pelo Ministério Público e, por sua vez, a empresa de navegação exercerá o direito de regresso contra a empresa de transporte de óleo, para se ressarcir dos prejuízos. Há que se notar que, até o momento, estávamos falando em responsabilidade civil, abrangendo a responsabilidade por indenizar os prejudicados e, no caso de crime ambiental, adicionalmente, a responsabilidade por despoluir o meio ambiente.
Responsabilidade Criminal - A LEI 9605/1998
Vamos falar agora em responsabilidade criminal, que vai permitir a aplicação de sanções penais ao infrator que causa danos ao meio ambiente. A lei 9605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, define em seu artigo 2º que "Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la". Como se percebe, a lei fala claramente, entre outras, na responsabilidade do auditor por deixar de impedir uma prática criminosa, quando podia agir para evitá-la. Já o artigo 3º da mesma lei define que "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Mais ainda, estabelece no parágrafo único do mesmo artigo que "A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato." Constata-se que a lei não exclui de aplicação das sanções qualquer pessoa da empresa que, de alguma forma, tenha participado do ato que causou a poluição, seja por ação, seja por omissão, seja por dolo, seja por culpa.
Voltemos novamente ao conceito de responsabilidade subjetiva - que está no sujeito (por dolo ou por culpa) e esta culpa deve ser provada, para que o sujeito possa ser punido. A lei fala em responsabilidade penal da pessoa jurídica que é independente da responsabilidade penal da pessoa física. Como responsabilizar penalmente uma pessoa jurídica? Obviamente uma "empresa" não pode ser presa, mas pode ser punida através de várias formas indicadas na lei 9605/1998. Diz o artigo 8º da citada lei que "As penas restritivas de direito são: I - prestação de serviços à comunidade; II - interdição temporária de direitos; III - suspensão parcial ou total de atividades; IV - prestação pecuniária; V - recolhimento domiciliar."
Crime de Poluição Ambiental
Vejamos agora os conceitos de responsabilidade civil e responsabilidade criminal aplicados ao crime ambiental. Primeiramente, há que se definir o que seja crime ambiental. Como o próprio termo indica, é qualquer conduta ou atividade lesiva ao meio ambiente, ou melhor dizendo, capaz de causar impacto ambiental deletério ao meio ambiente . A lei 9605/1998 tipifica os seguintes crimes ambientais: crimes contra a flora; crimes contra a fauna; poluição ambiental; crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural; e crimes contra a administração ambiental. Vamos tratar exclusivamente, neste artigo, sobre o crime de poluição ambiental, que está previsto no artigo 54 da lei 9605/1998 e que consiste, basicamente, em "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora." Para se caracterizar o crime ambiental, há que se "tipificar" o crime, isto é, indicar o artigo da lei ou ato normativo municipal, estadual ou federal que foi violado.
Responsabilidade do Auditor Interno Ambiental
Voltemos ao caso da responsabilidade do auditor interno ambiental. Vamos, afinal, responder à pergunta: "Pode o auditor interno ambiental ser responsabilizado por um crime ambiental ocorrido na empresa em que trabalha?" Para responder, devemos analisar as tarefas do auditor interno ambiental. Normalmente, o auditor se prepara para a auditoria em determinado setor da empresa, identificando, inicialmente, as responsabilidades ambientais dos empregados daquele setor, abrangendo os procedimentos e a legislação ambiental aplicáveis, bem como os medidores de desempenho e metas ambientais. Posteriormente, o auditor deve se dirigir ao departamento de Recursos Humanos e verificar os registros de treinamento de cada um daqueles entrevistados por ele. Todo aquele que executa tarefas de auditor interno costuma preparar uma lista de verificação, que vai preenchendo no decorrer da auditoria. Consideremos o caso fictício em que o auditor interno ambiental, após auditar um setor da empresa responsável pelo armazenamento de produtos altamente tóxicos, e constatar que determinado empregado não tinha conhecimentos sólidos sobre a política ambiental, não conhecia os procedimentos aplicáveis, não tinha qualquer idéia sobre a legislação ambiental aplicável, já que tinha sido admitido recentemente e não passara por nenhum treinamento específico sobre o sistema de gestão ambiental, mas já executava funções de alta responsabilidade. O auditor, simplesmente por comodidade (na verdade, por negligência), vira-se para o empregado e para o seu chefe e comenta que "vai quebrar o galho deles, não reportando a não conformidade".
Suponhamos que, no dia seguinte, ocorre um grande vazamento de produtos tóxicos exatamente daquele almoxarifado, causando poluição em um rio próximo. Quem seria responsabilizado pelo crime ambiental? De início, conforme estabelecido no parágrafo 1º da lei 6938/1981, a empresa independentemente da existência de culpa, se obriga a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. Da mesma forma, como definido no artigo 3º da lei 9605/1998, a responsabilidade da empresa não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato e, no caso, o empregado e seu chefe auditados na véspera, da mesma forma que o auditor interno que não registrou a não conformidade são coautores ou partícipes no crime de poluição ambiental. Ainda, como definido no artigo 2º da mesma lei, todos os que concorreram para a prática do crime ambiental incidem nas penas, na medida das respectivas culpabilidades, incluído entre estes, o auditor, quando comprovado que poderia ter agido para impedir a sua prática.
Conclusão
O auditor interno ambiental é uma função de grande responsabilidade dentro de uma empresa, pois da sua atuação pode depender não só o sucesso da empresa na prevenção de acidentes ambientais, como também, em caso de ocorrência de tais acidentes, se, de alguma forma, o auditor interno poderia ter identificado, durante a auditoria, não conformidades e não o fez ou, o que é pior, identificou mas não as registrou, ele será considerado partícipe no crime de poluição ambiental, sendo passível de receber as penas cominadas a tal crime.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Elcio Leite
Elcio Leite, Capitão-de-Mar-e Guerra (Reformado), Engenheiro Naval (USP, 1972), MSc em Engenharia Metalúrgica (COPPE-UFRJ, 1978) , MSc em Engenharia Naval (USP, 1983), Pós- graduação em "Management of Ship Operations" (University of Strathclyde-Scotland, 1996), advogado (UGF 2009), especialista em implantação de sistemas de gestão ISO 9001, ISO 14001, IMO-ISM Code, IMO-ISPS Code e IMO-IMDG Code.
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