O Estado deve incentivar os fornecedores a tomarem medidas para solução
Direito
17/01/2013
Assim como todo ramo do Direito, o Direito do Consumidor possui seus princípios próprios. Princípios são diretrizes fundamentais, os conceitos básicos, as ideias estruturais de uma ciência. Nos dizeres de José Cretella Júnior: "Princípio é uma proposição que se coloca na base de uma ciência, informando-a".
Os princípios possuem três finalidades:
- Orientar o legislador;
- Auxiliar o intérprete;
- Integrar a norma.
A Política Nacional de Relações de Consumo deve estar baseada nos seguintes princípios:
1) Princípio da Vulnerabilidade - primeiro princípio e um dos mais importantes. Diz respeito ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor. Vulnerabilidade esta que se manifesta, conforme já estudado anteriormente, de forma tríplice: técnica, econômica e fática.
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
2) Princípio do Dever Governamental - não cabe ao Estado, uma vez reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor, apenas editar leis. É dever dele, também, protegê-lo de forma efetiva, fiscalizando os produtos e serviços posto no mercado, conforme o inciso II, do artigo 4º, da lei de consumo.
II - Ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) Por iniciativa direta;
b) Por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) Pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) Pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
Conhecido do público, os Procons são órgãos públicos de defesa do consumidor e surgem como verdadeira atuação governamental.
3) Princípio da Harmonização dos Interesses e da Garantia de Adequação - conforme explica Leonardo de Medeiros Garcia, "o objetivo da política nacional das relações de consumo deve ser a harmonização entre os interesses dos consumidores e dos fornecedores, compatibilizando a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico com a defesa do consumidor". Com isso, o Código de Defesa do Consumidor não pode servir como bloqueio ao incentivo de novas pesquisas e tecnologias e nem como obstáculo para o desenvolvimento econômico, consequentemente.
Visualizamos, também, o Princípio da Segurança, no qual o consumidor tem direito básico à proteção de sua vida e saúde. Assim, o fornecedor não pode colocar no mercado produtos ou serviços que possam oferecer riscos ao consumidor. Os riscos advindos devem ser claramente advertidos ao consumidor, inclusive com orientações seguras de como minimizar esses riscos.
É com base nesse princípio da segurança que o CDC trouxe a mudança no que se refere à responsabilidade civil, que agora é regida pela Teoria do Risco, o qual será visto mais adiante quando formos estudar Responsabilidade Civil do Fornecedor.
III - Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal)...
4) Princípio do Equilíbrio nas Relações de Consumo - como visto, o fundamento para que se criasse o CDC veio na busca da verdadeira igualdade substancial. Percebeu-se que o consumidor é vulnerável perante o consumidor. Tendo isso em mente, essa busca por uma igualdade deve sempre nortear o legislador na hora de criar leis e o magistrado na hora de interpretá-las e aplicá-las.
III -... equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
5) Princípio da Boa-fé Objetiva - o CDC inovou quando trouxe o princípio da boa-fé objetiva, o qual posteriormente foi trazida pelo Código Civil de 2002.
É que, naquela época, em que ainda estava em vigor a Carta Civil de 1916, predominava o individualismo e um regime puramente patrimonial. Posteriormente, em 1988, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, trazendo novas características existencialistas, pautadas na solidariedade e fraternidade, enterrando de vez o individualismo.
Visualizamos a boa-fé objetiva nos artigos 4º, III, como um princípio que orienta as relações de consumo, e no art. 51, IV, como fator fundamental que, uma vez violando-o, gerará a abusividade da cláusula. Em 2002, com a entrada em vigor do novo Código Civil, a boa-fé objetiva passou a ser regida em todos os campos obrigacionais privados, não só mais nas relações de consumo.
Tudo isso, para se compatibilizar com a nova Constituição Federal de 1988.
No novo código podemos analisar esse princípio sobre dois enfoques: 1º) interpretativo (art. 113, CC); 2º) controlador (art. 187, CC); e 3º) integrativo (art. 422, CC). Este princípio, acerca do enfoque integrativo, estabelece um dever de conduta entre ambas as partes, devendo-as agir de forma leal, ética e confiável antes (fase pré-contratual), durante (execução) e depois do contrato, protegendo, assim, as expectativas tanto do consumidor quanto do fornecedor.
Na função integrativa, a doutrina aponta, ainda, novos deveres na relação de consumo. São chamados os deveres anexos. Estes, por sua vez, são divididos em: a) Dever anexo de informação (Princípio da Informação); b) Dever anexo de cooperação; c) Dever anexo de proteção.
a) Dever Anexo de Informação: a relação contratual deve-se mostrar clara para as partes. Esse princípio é de suma importância, primordialmente, na fase pré-contratual, em que as partes ainda estão estipulando condições para contratação. É aqui que o fornecedor tem o dever de informar ao consumidor todas as características sobre o produto ou serviço. Podemos apontar também quanto ao abuso das práticas que se faz normalmente, trata-se daquelas cláusulas cuja letra é escrita de forma minúscula e com cores claras, visando o cansaço da leitura. É com base nesse dever de informação que tais cláusulas são consideradas nulas.
b) Dever Anexo de Cooperação: é dever de o fornecedor cooperar com o consumidor para que este possa adimplir o contrato, fornecendo meios para que este possa concluir o contrato.
A título de exemplo, podemos citar os contratos bancários. A instituição financeira não pode ficar inerte, esperando que a dívida aumente astronomicamente com as taxas de juros. Esta deve, sim, uma vez constatando que o consumidor esteja com dificuldade para adimplir sua parte, ajudá-lo, dando-lhe mecanismos como uma novação, por exemplo, para que este possa adimplir o contrato, levando à satisfação de ambas as partes.
c) Dever Anexo de Proteção: podemos também ligá-lo ao princípio da Segurança. Aqui, impõe-se ao fornecedor uma conduta de preservação da integridade do consumidor e seu patrimônio, pois, quando violados, acarretará danos materiais e/ou morais.
Quanto ao caráter interpretativo, o juiz deve interpretar as cláusulas de forma a retirar sempre aquelas de caráter maliciosas e individualistas. Por fim, a função controladora visa coibir qualquer abuso do direito subjetivo, limitando condutas e práticas comerciais abusivas.
6) Princípio da Educação e Informação dos Consumidores - cabe não só ao Estado, mas também às entidades de defesa do consumidor, educar e informar o consumidor acerca de seus direitos, com vistas à melhoria do mercado de consumo. É que quanto maior for o grau de informação e educação existente, menor será o índice de conflitos nas relações de consumo e, com isso, criar-se-ia uma sociedade mais justa e equilibrada, uma vez que isto se trata de um dos objetivos da República Federativa do Brasil - artigo. 3º, I, da Constituição Federal.
IV - Educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.
7) Princípio do Incentivo ao Autocontrole (ou Controle de Qualidade e Mecanismos de Atendimento pelas Próprias Empresas) - O Estado deve incentivar os fornecedores a tomarem medidas para solução de eventuais conflitos, visando assim maior proteção ao consumidor. É com base nisso que as empresas devem sempre manter um controle qualitativo em seus produtos e serviços juntamente com o atendimento aos consumidores.
V - Incentivo à criação, pelos fornecedores, de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo.
8) Princípio da Coibição e Repressão de Abuso no Mercado - O que se quer neste princípio já está fundamentado na Constituição Federal, em seu artigo 170, tratado no título da ordem econômica e financeira. Tal princípio visa proteger a ordem econômica, possibilitando, assim, uma concorrência leal, sempre denunciando o monopólio para que a empresa monopolizadora não aja com abusividade perante os consumidores, pois ela seria "dona" do mercado.
Para efetivar esse princípio, as leis 4.137, de 10 de setembro de 1962, e 8.884/94 criaram o CADE, uma autarquia, entidade de direito público integrante da administração pública indireta. Cabe destacar seu artigo 1º:
Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
VI - Coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos que possam causar prejuízo aos consumidores.
9) Princípio da Racionalização e Melhoria dos Serviços Públicos - quando uma entidade, seja público ou privada, atua como fornecedora de serviços públicos, não se exime dos deveres do código de defesa do consumidor. Com isso, o consumidor, destinatário desses serviços, tem o direito de exigir um serviço público efetivo, com qualidade e segurança.
VII - Racionalização e melhoria dos serviços públicos.
10) Princípio do Estudo das Modificações do Mercado - a sociedade tem como característica a mutabilidade constante. Estamos em constantes evoluções sociais. A cada dia são criadas novas tecnologias, práticas, tendências, etc. Foi com base nisso que o legislador ordinário idealizou esse princípio. Um estudo dessas modificações visa evitar que as normas fiquem ultrapassadas e, consequentemente, sem eficácia.
VIII - Estudo constante das modificações do mercado de consumo.
11) Princípio do Acesso à Justiça no Código de Defesa do Consumidor - este princípio não está positivado em um único inciso ou artigo. Ele é analisado como um sistema, por meio de artigos espalhados na lei de proteção ao consumidor. O legislador percebeu que em nada adiantaria criar todos esses direitos que o CDC dá ao consumidor, se este não tivesse como reclamar e exercer esses direitos em juízo, uma vez violados.
Não é demais dizer, sempre relembrando, que esses institutos que beneficiam o consumidor vieram para restabelecer a igualdade e o equilíbrio entre o consumidor e o fornecedor, pois este, geralmente, dispõe de melhores condições econômicas e técnicas para a disputa no judiciário.
Podemos indicar alguns institutos especiais do CDC quanto ao acesso à justiça.
a) Foro Competente é o do consumidor - conforme o artigo 101, I, do CDC, quando se tratar de relação de consumo, a ação pode ser proposta no domicílio do autor.
b) Inversão do ônus da prova - diz o artigo 6º, VIII do CDC, que são direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, ao seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
A regra geral do processo civil é de que a prova cabe a quem alega, ou seja, ao autor cabe provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu cabe alegar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, I e II, do CPC). O Código de Processo Civil adotou, então, a distribuição estática do ônus da prova.
O CDC, de forma inovadora, adotou a distribuição dinâmica do ônus da prova, ou seja, o magistrado tem o poder, agora, de distribuir (inverter) o ônus probatório, caso verifique os requisitos do art. 6º, VIII: verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor. Sendo assim, quando o magistrado verificar tais hipóteses, poderá de ofício ou a requerimento das partes, inverter o ônus da prova, presumindo como verdadeiros os fatos alegados pelo consumidor, dispensando-o de produzir outras provas, cabendo ao fornecedor a obrigação de produzi-las.
Verossímil é aquela alegação que parece verdadeira, que é possível ou provável por não contrariar a verdade. Já a hipossuficiência, que não se confunde com vulnerabilidade (esta é fenômeno de direito material com presunção absoluta), é fenômeno processual que deve ser analisada em cada caso concreto pelo magistrado segundo regras ordinárias de experiência.
c) Ações Coletivas - visando dar maior efetividade aos direitos do consumidor, o CDC permitiu, além das ações individuais, as coletivas.
No art. 81, a defesa do consumidor dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. As ações coletivas, na verdade, fundamentalmente, visam buscar o pleno acesso à ordem jurídica justa. Influenciada pelo jurista italiano Mauro Cappelleti, reconheceu-se três grandes ondas de desenvolvimento do acesso à justiça, cabendo aqui neste estudo de direito do consumidor, indicar a segunda.
A primeira era dar assistência gratuita aos necessitados. Todavia, verificou-se que, mesmo assim, nem todos os direitos seriam tutelados. O CPC teve grande influência também do individualismo, assim, só permite que alguém vá a juízo, em regra, na defesa de seus próprios interesses, como se pode ver no art. 6º do CPC: "ninguém poderá pleitear em nome próprio direito alheio". Com base nesse culto ao individualismo, os direitos considerados supraindividuais, ou seja, aqueles que não são próprios a ninguém, ficavam de fora. Assim, a segunda onda do acesso à justiça foi a proteção dos interesses metaindividuais.
Foi nesse entendimento que o CDC abriu espaço para as ações coletivas, porque muitas vezes esses direitos não só visam a um só indivíduo como toda uma coletividade. As ações coletivas de consumo estão estipuladas mais nos artigos 81 e seguintes do CDC.
d) Proibição de Denunciação da Lide - trata-se de uma das modalidades de intervenção de terceiro, cuja fonte é uma ação regressiva. Tal procedimento acarreta sempre um retardo na prestação jurisdicional. É com base nessa demora que o legislador, em se tratando de relação de consumo, proibiu tal instituto processual, pois o consumidor esperaria muito mais para ver sua pretensão satisfeita.
O art. 88 do CDC especifica que: "na hipótese do art. 13, parágrafo único, deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide".
Podemos ainda indicar alguns mecanismos de efetivação da política nacional das relações de consumo:
• Assistência jurídica integral e gratuita às pessoas hipossuficientes;
• Órgãos de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor;
• Delegacias de Polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
• Juizados Especiais e Varas Especializadas para a solução de litígios decorrentes da relação de consumo; etc.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Colunista Portal - Educação
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