O aborto e a legislação Brasileira

Os dispositivos legais que criminalizam o aborto foram recepcionados pela Constituição
Os dispositivos legais que criminalizam o aborto foram recepcionados pela Constituição

Direito

06/02/2013

Vejamos então o tratamento dado, até o presente momento, pela ordem jurídica brasileira à polêmica questão do aborto. A lei civil considera a existência da pessoa humana desde a concepção.

LIVRO I

Das Pessoas

TÍTULO I

Das Pessoas Naturais


Capítulo I

Da Personalidade e da Capacidade

Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (CÓDIGO CIVIL, art. 2º, grifo nosso).

O direito positivo brasileiro protege o direito do nascituro desde a concepção. O que significa essa proteção? Quais as implicações advindas dessa determinação legal? Em primeiro lugar é importante que tenhamos definido o termo “concepção”. Se consultarmos um dicionário da língua portuguesa vai encontrar a definição do substantivo concepção como o ato de conceber, de gerar, e ainda, seu sentido biológico como o conjunto de fenômenos que levam à formação do ovo. E é essa segunda definição, a definição da biologia, que nos importa para que saibamos a partir de que momento o legislador considera a existência do sujeito de direitos.

Biologicamente, o momento da concepção é o momento em que o gameta masculino encontra e fecunda o gameta feminino. Para a lei civil, neste momento começa a existência do sujeito de direito e se nascer com vida adquirirá personalidade jurídica material. Não importa aqui se a fertilização é natural ou assistida. Trataremos então da lógica jurídica para a criminalização do aborto em nosso ordenamento.

A Constituição Federal, quando cuida Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no Art. 5º, que se encontra supratranscrito, garante a inviolabilidade do direito à vida, significando que o Estado tem a obrigação de zelar pela vida. O Código Civil, como examinamos, considera o nascituro sujeito de direitos desde a concepção.

É de fácil verificação, portanto, que os dispositivos legais que criminalizam o aborto foram recepcionados pela Constituição, ou seja, embora datem de antes da Constituição Federal de 1988, estão em perfeita consonância com seus valores, princípios e determinações e, por via de consequência, suas regras permaneceram no ordenamento jurídico.


CÓDIGO PENAL – DECRETO-LEI 2.848/1940
PARTE ESPECIAL

TÍTULO I


Dos Crimes Contra a Pessoa

Capítulo I

Dos Crimes Contra a Vida

Aborto Provocado pela Gestante ou com seu Consentimento

Art. 124 - Provocar Aborto em si mesmo ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Art. 126 - Provocar Aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma Qualificada


Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico:
Aborto Necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (CÓDIGO PENAL, art. 124, 126, 127 e 128, grifo nosso).

Não vamos nos ater às designações médicas que diferenciam aborto e parto prematuro, pois o que nos interessa é a interrupção da gravidez criminalizada pela ordem jurídica. Nossas reflexões estão adstritas ao aborto provocado.

Classificações do aborto segundo a motivação:

- Aborto Terapêutico: engloba o Aborto Necessário e o Aborto para Evitar Enfermidade Grave:

- Aborto Necessário: é o aborto praticado por médico quando for a única alternativa para salvar a vida da mãe, conforme permissivo legal do artigo 128, inciso I (aborto necessário). Nesse caso não é necessária a autorização da gestante. Para que o procedimento seja realizado basta a constatação médica de que a vida da mãe corre perigo. É inexigível a autorização judicial em face de situação emergente. É recomendável, porém, que o médico que constatou a gravidade do caso solicite o parecer de um colega para confirmar a necessidade do aborto.

O entendimento é de que em casos em que a vida da mãe exclui a vida do feto, quando é necessário optar entre a vida materna ou vida fetal a recomendação é de que se salve a vida da mãe, que neste caso é preponderante. Pensamos que mesmo constatado o risco de vida pela gestante deveria haver um consenso para o abortamento, inclusive com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pela mulher ou, em caso de não ser possível, por um responsável. É o mínimo que o respeito ao princípio da autonomia e da dignidade exige.

Sabemos de casos em que ao ser avisada a mulher decidiu assumir o risco, assinando inclusive um termo de responsabilidade, e levou até o fim a gestação. Hoje vivem muito bem, mãe e filha. Para alguns autores avessos à prática do aborto, conta-nos Maria Helena Diniz, o aborto do art. 128, inciso I, deveria nos dias atuais denominar-se “Aborto Desnecessário” diante dos avanços biotécnicos de que dispomos.

Afirmam que haveria a possibilidade de tentativas terapêuticas, cirúrgicas ou não, que poderiam evitar a morte materna, ainda que pusessem em risco a vida fetal. Repudiam a opção entre a vida materna ou a do feto quando seria possível a tentativa de salvar a ambos:

- Aborto para Evitar Enfermidade Grave: praticado quando a saúde materna corre risco de ser abalada por doença grave iminente. Esta prática NÃO é legalmente autorizada. A interrupção da gravidez, que tem por finalidade evitar doença grave da mãe, será penalizada conforme a lei criminal.

- Aborto Sentimental:
denominação dada pelos tribunais. É autorizado legalmente em caso de estupro.

- Aborto Eugênico:
É o aborto praticado quando a gestação é interrompida por suspeita de que doenças congênitas acometeram o nascituro, graves lesões físico-mentais, tais como, mongolismo, idiopatia, epilepsia genuína, dentre outras.

- Aborto Econômico: seria a interrupção da gravidez sob o argumento de que a gestante, ou o casal, não possui recursos materiais para arcar com o sustento da criança, ou ainda, que o nascimento da criança viria tornar mais penosa a vida financeira familiar. Não há autorização da lei para o aborto econômico.

- Aborto Estético: é aquele praticado pela mulher que não quer ficar com o corpo disforme. Não tem permissão legal. Sua prática será criminosa.

- Honoris Causa: sua prática ocorre quando a gestante não deseja que sua gravidez seja socialmente conhecida. Seja efetuado pela própria gestante, seja com concurso de outra pessoa, médico ou não, a prática será criminosa, uma vez que não há permissão legal.

Cremos que tais classificações são importantes para as reflexões acerca das motivações da prática do aborto. Sendo contra ou a favor não nos cabe fazer julgamentos. Nem de quem o pratica, nem de quem o ataca. A ética deve pautar nossas atitudes. Não se pode esquecer-se do princípio da dignidade humana, que deve sobrepairar nossos atos. O julgamento é oficio do juiz. Para nós, enquanto seres humanos, compreender, respeitar, colaborar, orientar, encaminhar e, acima de tudo, respeitar o outro, é o melhor caminho.

A Legislação Criminal


As classificações são criações doutrinárias e jurisprudenciais. Sob a ótica da lei brasileira o aborto será sempre legal ou ilegal.

Legal: será o caso de aborto não punível. Casos em que a lei extingue a punibilidade em razão de valores preponderantes: a vida da grávida e a saúde psíquica da vítima de estupro.
Ilegal: é o caso de interrupção da gestação, em qualquer fase, ainda que não haja a expulsão do feto do ventre materno, uma vez que nos ensina a literatura médica que é possível que o produto da concepção fique retido no ventre materno mesmo após sua inviabilidade.

É possível que ocorra o aborto sem que tenha havido a intenção de cometer o crime. Se, por exemplo, o médico, tendo conhecimento da gravidez da cliente prescreve um medicamento abortivo ou arrisca uma manobra que interrompe a gravidez. O crime terá a modalidade culposa e ensejará a responsabilidade civil do médico, por negligência, imprudência ou imperícia. O aborto criminoso é, na legislação brasileira, um delito contra a vida, conforme verificado quando transcrevemos os artigos do Código Penal.


Configuração do Crime de Aborto


Estará configurado o crime de aborto quando presentes os seguintes requisitos:


- Gravidez, que se inicia com a fecundação do óvulo e termina com o início do parto;

- Dolo, que é a intenção de interromper gravidez provocando a morte do concepto;

- Técnicas Eficientes para a produção da morte fetal.

- Morte do concepto no ventre materno.

Temos ainda como questões a serem refletidas o uso do “DIU, Dispositivo Intrauterino” e a “Pílula do Dia Seguinte” que são métodos contraceptivos com uso permitido pela legislação brasileira, mas que ainda geram polêmica pelo fato de, segundo afirmam alguns, serem métodos abortivos. Juridicamente não há qualquer dúvida quanto ao uso em razão da permissão legal. O que ainda não temos pacificados são entendimentos de ordem médico-científica quanto à questão de serem abortivos ou não e fica então a critério ideológico e moral de cada um o uso do método.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


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