Teorias que explicam o crescimento de processos contra médicos

Uma das causas mais frequentes é a falta de harmonia entre médicos e pacientes
Uma das causas mais frequentes é a falta de harmonia entre médicos e pacientes

Direito

15/04/2013

A toda semana a imprensa divulga uma nova matéria impactante sobre supostas irregularidades ocorridas no Sistema de Saúde. Cidadãos demonstrando revolta e indignação contra o médico. Denúncias de eventos danosos por falha médica que não param de crescer, algumas embasadas, outras não.  Médicos temidos. Pacientes desconfiados.

Infelizmente o cristal se rompeu. A relação médico-paciente não é mais a mesma de 20 (vinte) anos atrás. Ambos são vítimas da evolução dos tempos, que nos traz inquestionáveis benefícios, mas, por um paradoxo, nos acarreta decepções e angústias.

Repito que a soma dos anos nos proporcionou conquistas imemoráveis, como o advento da Constituição Federal e Código de Defesa do Consumidor, que encamparam em seu corpo a valorização da dignidade da pessoa humana. O consumidor passou a ser cuidado e defendido, especialmente os hipossuficientes. O dever de informar passou a ser medida cogente.

Graças a esses triunfos é que adquirimos liberdade e respaldo para reivindicar por nossos direitos. O consumidor de hoje não se cala e quando resolve ficar inerte, pode ter certeza que o seu vizinho orientar-lhe-á, pelo caminho certo ou errado. Mas declamará. O cidadão que se diz vítima de erro médico é fruto desse panorama. É um indivíduo que não mais acredita na palavra do médico e, portanto, luta incessantemente por sua verdade. Procura outras opiniões profissionais. Consulta advogados. Formaliza denúncias no Conselho Regional de Medicina. Enfim, não mede esforços para proclamar sua conquista.

Logo, é incontestável que o acesso irrestrito dos pacientes às informações de seus direitos é um dos fatores que justifica o crescimento de processos contra médicos.  Outros elementos de peso estão também abarrotando o Judiciário de demandas. Um deles é ignorância do profissional da área da saúde quanto aos preceitos e regras que norteiam a sua atividade profissional, cuja maioria não dimensiona que, determinado ato, aparentemente inofensivo, é reprovável pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Mas o que mais tem levado pacientes a demandar contra médicos é a quebra da relação harmônica entre eles (médico/paciente). Veja-se que, nos dias atuais, profissionais da saúde trabalham aterrorizados com a ideia de terem a sua imagem e patrimônio abalados e com o seu nome associados em processos criminais, éticos e cíveis. Do outro lado, pacientes desconfiados, exigentes, informados e descontentes quanto aos serviços médico-hospitalares que recebem.

O medo acabou forçando naturalmente o médico a trabalhar na defensiva, de forma extremamente técnica, a tal ponto de fazer desaparecer a figura do amigo que antes transmitia confiança ao seu assistido. E não tenham dúvidas: o paciente insatisfeito terá mais disposição e coragem de litigar contra alguém estranho a processar uma pessoa com quem tenha uma relação de intimidade.

Mas esse paradigma precisa mudar, apesar de termos consciência de que conflitos sempre existirão, aliás, como em toda e qualquer relação. Contudo, se o ideal não existe, é possível que nossos comportamentos sejam ordenados de tal forma para atingi-lo, o que reduzirá sobremaneira os conflitos que redundam em processos éticos e judiciais em face dos profissionais.

O primeiro passo é restaurar a relação de confiança que existia antigamente, onde havia respeito mútuo. Estudos têm demonstrado a importância de se resgatar a figura do médico de família. Até mesmo as falhas técnicas são vistas com outros olhos e inclusive relevadas quando a paz transita na relação. Ao revés, quando é conturbada, até o que é certo passa a ser errado.

Para isso, cada um deve fazer a sua parte. O profissional deve reservar um tempo em sua agenda para verificar quais situações que são mais suscetíveis a conflitos, isto é, levantar as principais causas de descontentamento do paciente e, a partir de então, traçar um planejamento para sanar esses vícios. Deve organizar a sua vida profissional. Por exemplo, muitos litígios ocorrem porque o profissional não informou adequadamente o paciente sobre a sua doença, cirurgia, riscos e malefícios, justamente porque desconhecia esse seu dever, que tem relevante valor probatório. E quando um dano ocorre, o paciente se volta contra o médico, mesmo que este não tenha sido culpado. Veja-se, se o médico informar, por exemplo, que determinada cirurgia pode causar certa complicação, o paciente ficará mais tranquilo, satisfeito e confiante e, portanto, não atribuirá ao médico a culpa pelo ocorrido.

Assim, o ideal é que os profissionais da saúde façam prevenção dos danos jurídicos que podem acometer sua vida profissional, não somente com a intenção de se livrar de um processo, mas como objetivo de tornar a relação com seu paciente mais saudável e trabalhar com tranquilidade, o que trará benefícios ao seu rendimento e desempenho.

De outro vértice, pacientes devem depositar mais confiança no profissional, se entregar ao tratamento, confiar na proposta terapêutica engendrada pelo médico, não ameaçar e se sentir ameaçado, porque o médico que trabalha ameaçado, nem sempre justamente, acaba também se blindando, se defendendo, se distanciando do cliente.

Este quadro necessita ser redefinido, senão caminharemos para uma medicina extremamente defensiva, assim como ocorre nos Estados Unidos, o que pode fulminar de vez com o resquício de afeto que ainda permeia nas relações sob enfoque, qualidade esta indispensável para unir cliente e médico e, por conseguinte, coibir que novos litígios e contendas se deflagrem.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Giovanna Trad Cavalcanti

por Giovanna Trad Cavalcanti

Advogada militante na Área do Direito Médico-Hospitalar e da Saúde, Pós- graduada em Direito Processual Civil pela Unissul, Pós- graduanda em Direito Médico pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIAASELVI), Membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB/MS e Membro da World Association for Medical Law. Você também encontra esse artigo no link: www.fatonotorio.com.br

Portal Educação

UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93