15/04/2013
Erradicação. Esta matéria foi veiculada na Folha de São Paulo, edição de 04.01.09, tratando-se de avaliação do delegado de Polícia Federal em Salgueiro (PE) e da PM de Cabrobó (PE). Ligações clandestinas beneficiariam plantações de maconha em Pernambuco ao longo das passagens dos canais de água.
Pernambuco faz parte do chamado polígono da maconha, formado também pelos Estados do Piauí, Bahia e Maranhão. A região produz 20% do total da maconha consumida no Brasil, mas sua qualidade é inferior à produzida no Paraguai, responsável por 80% do consumo brasileiro. Já ouvi de um traficante que um dos grandes sonhos do consumidor desse polígono é poder usar maconha paraguaia.
A Folha informa, ainda, que a Polícia Federal, só no Estado de Pernambuco, nos últimos três anos, erradicou 702.598 (2006), 294.716 (2007) e 2.131.687 (2008) pés de maconha, totalizando 3.129.001 pés. Um bom resultado, tendo em vista as dificuldades de mobilização na área e o pequeno orçamento da Polícia Federal. Traço um paralelo com o Paraguai, nosso grande fornecedor.
Segundo maior produtor de maconha do mundo, com apenas 406.752 km2 e uma população de pouco mais de seis milhões de habitantes, o Paraguai cultiva, anualmente, 5.500 hectares de maconha. Para dificultar a atuação da polícia, as plantações são feitas em lugares ermos, normalmente em encostas de montanhas. Estimativas indicam que a produção anual rende em torno de R$ 650.000.000,00 de reais. Marrocos ocupa a primeira posição mundial, tanto em área plantada como em toneladas. Todavia, a maior parte da maconha do Marrocos é transformada em haxixe, sendo este exportado para países europeus, principalmente a Espanha. Isso acontece porque Marrocos fica perto de países desenvolvidos, onde a tendência é o consumo de produtos mais puros e sofisticados do que a maconha. O Paraguai produz pouco haxixe.
Nos últimos 10 anos (de 1999 a 2008), o Paraguai, através de sua Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), que, diferentemente da Senad brasileira, tem poder de polícia, erradicou 11.000 hectares de plantação de maconha, contando sempre com a colaboração da Polícia Federal do Brasil, em operações conjuntas. Esse trabalho conjunto começou em 1994, graças aos esforços do então superintendente da PF em Mato Grosso do Sul, Dr. Wantuir Jacini. Estive presente em duas ou três dessas grandes operações, conheci o então Governador Robert Acevedo, do Departamento de Amambay, hoje Senador, grande colaborador do Brasil no combate ao tráfico de drogas.
Se o Paraguai cultiva 5.500 hectares por ano e se erradicou 11.000 hectares, tem-se a enganosa impressão de que quase tudo foi eliminado. Não é assim. Existe uma matemática para explicar o contrário.
As terras paraguaias, principalmente no Departamento de Amamby, que engloba Capitán Bado, local de maior concentração mundial de maconha por hectares, são ótimas para essa finalidade. Não há necessidade de irrigação como ocorre no polígono da maconha (PE, PI, MA e BA) ou em certas regiões do Marrocos. Uma mesma área produz, seguramente, com boa qualidade, três safras anuais. Os 5.500 hectares passam, pois, a representar, na realidade, uma plantação de 16.500 hectares por ano. O Paraguai erradicou 11.000 hectares em dez anos. Multiplicando-se os 16.500 hectares por dez anos, haverá o resultado de 165.000 hectares. Em outras palavras, essa foi a quantidade de hectares cultivados, nos últimos dez anos, com plantação de maconha. Assim sendo, o Paraguai erradicou apenas 11.000 dos 165.000 hectares cultivados no mesmo período, o que corresponde a 6,67%, apenas.
Isto ocorre em relação à maconha comum, tradicional. Acontece, porém, que, mediante modificação em laboratórios, o Paraguai, a partir do começo desta década, passou a produzir a chamada maconha mentolada. Neste caso, além da melhor qualidade, a colheita é reduzida para apenas 90 dias. Se os 5.500 hectares fossem cultivados apenas com mentolada, seriam quatro safras por ano. A conta seria outra, ou seja, a operação matemática resultaria em 220.000 hectares, transformando os 11.000 hectares erradicados numa insignificância muito maior.
Em 2003, testemunhei a Polícia Federal brasileira e a SENAD paraguaia a encontrarem, pela primeira vez, uma plantação de maconha mentolada, distante 40 km da fronteira. O delegado Ronaldo Urbano, na época, Diretor-Geral de Entorpecente da Polícia Federal, levou um pé para Brasília a fim de ser submetido a exames laboratoriais. Em 2004, a Policia Federal de Ponta Porã-MS apreendeu o primeiro carregamento do gênero (mais de três toneladas). Coincidência ou não, tive o prazer de julgar esse caso.
A maconha mentolada foi inventada por várias razões que se resumem numa só: o fator econômico, o lucro. Relaciono as principais:
1) uma mesma área produz mais vezes ao ano;
2) na escassez de terras, o produtor pode reduzir em quase um terço a área e obter o mesmo resultado;
3) agrada o gosto do consumidor, aumentando a procura;
4) é mais cara do que a maconha comum;
5) engana o faro dos cães da Polícia Federal, preparados e acostumados ao cheiro da outra.
Aqui talvez residisse grande esperança para os traficantes. Enganando os cães, a maconha camuflada em meio a uma carga de um produto qualquer teria mais chance de passar.
Volto à transposição do Rio São Francisco. Não há dúvida de que os traficantes serão beneficiados. Eles tiram proveito de qualquer avanço da ciência e da tecnologia. Há infinidades de exemplos. Quem diria que o preservativo camisinha viria a ser usado para acomodar cocaína no estômago do mula ou na parte íntima de uma mulher?
O governo federal poderá solucionar essa situação, no polígono da maconha, se empregar um expediente posto em prática pelos americanos em vários países produtores principalmente de cocaína. É o chamado desenvolvimento alternativo rural. O governo geraria empregos ou atividades autônomas para desestimular o trabalho em plantações de maconha. Isto é custoso, porque envolve infraestrutura e financiamentos, mas dá resultados.
Nasci no sertão pernambucano quando ainda não havia essa praga por lá. Trabalho é difícil naquele agreste. Um chefe de numerosa família ganha, num cultivo de maconha, diária até cinco vezes maior do que numa roça de feijão, por exemplo, quando acha serviço. Entre ver um filho morrer de fome ou trabalhar numa plantação de maconha, que opção fará o chefe dessa família?
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Entrou tarde na faculdade de Direito, vindo a se formar aos 29 anos de idade. Foi Procurador Autárquico Federal, Promotor de Justiça, Juiz de Direito. Atualmente, é titular da única vara especializada no processamento dos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro de Mato Grosso do Sul. Você também encontra esse artigo no link: www.fatonotorio.com.br
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