15/04/2013
Já atuei na defesa de um colega advogado em que este se viu processado criminalmente por conta da utilização (no processo) de expressões duras e contundentes. Revelo o que pude estudar sobre o assunto.
Se o advogado estava no pleno exercício da profissão, falando em nome do cliente, estando devidamente autorizado a argumentar, ainda que de forma dura e contundente (é o que ocorre, por exemplo, quando da apresentação de exceção de suspeição, de juiz ou de promotor; é o que ocorre, por exemplo, quando se denuncia algum tipo de fraude, praticada por um agente público qualquer), não se pode – como regra, havendo exceções – considerar presente a justa causa para instauração de ação penal.
O advogado (trata-se de algo que precisa ser dito), como convém a qualquer profissional que se orgulhe da advocacia, jamais pode deixar de atuar PLENAMENTE, fazendo valer o Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906/94), quando este revela que “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão” (§ 2º do art. 31).
Dentro de limites razoáveis de discussão da causa (porque o excesso e o que for desnecessário poderá ser punido), não há porque impedir o advogado de atuar de maneira enfática e grave. Assim agindo, o advogado está amparado por regras jurídicas da Constituição Federal (art. 5º, XIII, que trata da LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL, bem como art. 133, que trata do conhecidíssimo tema da INVIOLABILIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO, que protege a liberdade de debate entre as partes do processo) e da Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da OAB), que seguidas vezes dá o amparo jurídico necessário a invalidar a conduta daqueles que querem impedir a atuação corajosa (e não covarde e omissa) dos advogados, a saber:
* Art. 2º, “caput” (“O advogado é indispensável à administração da justiça”).
* Art. 2º, § 3º (“No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites da lei”).
* Art. 7º, I (“São direitos do advogado”, ... “exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional”).
* Art. 7º, § 2º (“O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria e difamação(1) puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”).
* Art. 31, § 2º (“Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”).
Como se vê, é ampla e farta a PROTEÇÃO JURÍDICA, dada pelo legislador ordinário (com suporte na Constituição Federal), quanto ao tema da INVIOLABILIDADE PROFISSIONAL, que se traduz, em verdade, em “uma significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos pela ordem jurídica a esse indispensável operador do direito” (STF, HC 69085/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 26.03.93, p. 6003), não se devendo esquecer, ainda, de que o próprio Código Penal, no art. 142, prescreve NÃO CONSTITUIR INJÚRIA OU DIFAMAÇÃO “a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”, que acaba por repetir (em dispositivo recepcionado pela atual Constituição: STF, RHC 69619/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.08.93, p. 16319) a tutela da imunidade judiciária do advogado.
Para ilustrar, eis os julgados que bem revelam a inexistência de justa causa para ações penais em torno do assunto:
“RECURSOS DE ‘HABEAS CORPUS’. ADVOGADO. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. I – A denúncia, no que respeita ao paciente, não vai além de suposições. II – Inexiste justa causa para ação penal, se o advogado limitou-se a agir obedecendo a orientação do cliente. O mero exercício de um múnus público, sem desvio ou excesso, não pode ensejar a responsabilidade criminal” (STJ, RHC 0908/90/SP, Rel. Min. Jesus Costa Lima, DJ 17.12.90, p. 15389).
“O advogado não pode ser responsabilizado quando atua como intérprete de seu cliente, que assume a autoria das expressões utilizadas na petição inicial” (RT 632/319).
“Não pratica calúnia o advogado que transcreve, em defesa, fatos a ele passados por seus clientes” (TACrSP, ap. 931.083, j. 7.6.95, Bol. AASP nº 1.934).
Caracterizada está, pois, a inviabilidade, como regra, de ações penais que visem combater o que argumentou o advogado, ainda que de maneira dura e contundente, quando necessário. Advogado algum, portanto, deve se submeter ao exagero de uma ação penal, porquanto é certo (e é o direito positivo que assim revela) que as regras jurídicas acima citadas RESGUARDAM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO ADVOGADO, algo indispensável ao pleno exercício de suas funções, inviolabilidade, aliás, “cujo destinatário é menos o advogado, e mais a sociedade que se vale dos seus serviços” (Gisela Gondin Ramos, “Estatuto da Advocacia”, Ed. OAB/SC, 1999, 2ª ed., p. 106).
Diante dessa demonstração, claro está que não pode o advogado ser processado criminalmente pelo que disse em nome do cliente, sendo caso de ser considerado, também, quanto à ATIPICIDADE do fato, aquilo que é repetidamente decidido pelos Tribunais, a saber:
“Nos crimes contra a honra, o lado subjetivo do ilícito merece exame profundo. No que se refere à calúnia, exige-se que a intenção de lesar ou ofender a honra alheia fique cabalmente demonstrada. Assim há de ser porque o fato tomará caráter de licitude ou ilicitude, segundo intenção com que o agente o praticou” (RT 603/305).
“Não há calúnia sem o dolo e o ‘animus defendendi’ não se concilia com o dolo. Logo, onde não há o fim de ofender não há calúnia” (RSTJ 41/309).
“A intenção de defender (‘animus defendendi’) neutraliza a intenção de caluniar” (RT 634/331).
“Para configuração dos delitos contra a honra, não basta que as palavras sejam proferidas para tal fim, sendo certo que não age dolosamente quem é impelido pela vontade de relatar as irregularidades que supõe existentes” (TACrimSP, Rel. Vico Manas, RJD 25/406).
“Sem dolo específico, ou seja, a intenção de ofender a honra do atingido, não se tipificam as infrações dos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal” (TACrimSP, Rel. Albano Nogueira, JUTACRIM 57/295).
Possível é, inclusive, sempre com os devidos temperamentos, ir até um pouco além, como aponta a jurisprudência: “A Lei confere à parte ou a seu procurador o direito de ofender, na discussão da causa, o ‘ex-adverso’, pois, na defesa dos interesses particulares, sobreleva necessidade, imperiosa muitas vezes, e inadiável em outras, de se travar o debate com acrimônia, deselegância, tudo na tentativa de mostrar a verdade. Na defesa da causa, o advogado não pode omitir argumento algum, e não são poucas as vezes em que interesses conflitantes exigem ataques mais violentos” (RT 597/321 – TACRIM, Rel. Des. Brenno Marcondes).
Assim pode ser entendido, repita-se, porque “A veiculação de fatos em peças judiciais, com o intuito de lograr provimento favorável, encerra o ‘animus narrandi’ a excluir a configuração do crime de calúnia” (STF, Inq. n.º 380, Rel. Min. Marco Aurélio).
O magistério autorizado de Cezar Roberto Bittencourt confirma o que se sustenta:
"O advogado, no exercício de seu mister profissional, por exemplo, é obrigado a analisar todos os ângulos da questão em litígio e lhe é, ao mesmo tempo, facultado emitir juízos de valor, nos limites da demanda, que podem encerrar, não raro, conclusões imputativas a alguém, sem que isso constitua, por si só, crime de calúnia. Faz parte de sua atividade profissional, integra o exercício pleno da ampla defesa esgrimir, negar, defender, argumentar, apresentar fatos e provas, excepcionar, e, na sua ação, falta-lhe o animus caluniandi, pois o objetivo é defender os direitos de sue constituinte e não acusar quem quer que seja" (“Manual de Direito Penal”, Parte Especial, vol. 2, 2001, pág. 342).
A alternativa, para caos que tais (indevido envolvimento do advogado em ação penal), sempre será o “habeas corpus”, “instrumento processual de dignidade constitucional, destinado a garantir o direito de locomoção, não podendo sofrer restrições em sua admissibilidade ao argumento de ser incompatível com a necessidade de exame de provas, se estas encontram-se acostadas à peça exordial e os fatos não apresentam natureza controvertida” (RT 756/517), sendo mesmo cabível a medida “desde que clara a inoportunidade da acusação, desde que evidente a injustiça da imputação, desde que prontamente perceptível o desacerto da autoria conferida ao acusado, é o ‘habeas corpus’, sem dúvida, o remédio para o saneamento deste mal que caracteriza a admissão inoportuna de ação penal contra quem não fez merecer o constrangimento decorrente do fato de se ver imerecidamente processado” (RT 644/272).
Para tudo confirmar, eis um recente pronunciamento do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso:
“HABEAS CORPUS – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – INJÚRIA, DIFAMAÇÃO E CALÚNIA (ARTIGOS 138, 139 E 140, DO CP) – MANIFESTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – CONFIGURAÇÃO – EXCESSOS EM PEÇAS PROCESSUAIS – IMUNIDADE PROFISSIONAL DE ADVOGADO (ART. 7º, § 2º DA LEI N. 8.906/94) – ORDEM CONCEDIDA. O advogado possui imunidade profissional, não pode ser processado por eventual cometimento de injúria ou difamação (Lei n. 8.906/94, art. 7º, § 2º), salvo se houver comprovação de que cometeu excessos no exercício da sua atividade. Evidenciado, de plano, que o advogado não agiu com ânimo de injuriar ou de difamar, tendo inclusive se retratado quanto ao fato descrito como calúnia, impõe-se o trancamento da ação penal privada, em razão da manifesta ausência de justa causa para o seu prosseguimento” (HC 2008.015871-4, Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte).
Há que se cumprir, portanto, o quanto está contido no ordenamento jurídico brasileiro, que, bem interpretado, leva à inadmissibilidade (como regra) de ação penal por conta daquilo que argumentou o advogado no processo, tendo-se, sempre, em alta conta, o que vem decidindo o STF, quanto a que há “necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso” (HC 84.409, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Referências:
1) A expressão “ou desacato”, originariamente contida neste dispositivo, está suspensa pelo STF, por ter sido considerada inconstitucional (RTJ 178/67).
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André Luiz Borges Netto é advogado formado em Direito pela FUCMAT (atual UCDB) em 1992. Nos dois anos seguintes, 1993 e 1994, cursou MESTRADO em Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tendo obtido o título de Mestre em Direito Constitucional em agosto/97. Você também encontra esse artigo no link: www.fatonotorio.com.br
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