Só são consideradas provas aquelas produzidas nos moldes das previsões legais
Direito
17/04/2013
1. Elemento de fundamental importância na apreciação dos fatos, a prova norteia o aplicador da lei em suas decisões. Atua, objetivamente, como meio de demonstração da existência, ou não, dos fatos em exame no processo (questões de fato) e, subjetivamente, como instrumento na formação da convicção do juiz a respeito desses mesmos fatos. Em outras palavras, a verdade material só ingressa no mundo jurídico quando se transforma em verdade jurídica, por intermédio dos meios hábeis, em Direito admitidos (documentos, perícias, depoimentos idôneos etc.). Do contrário, pelo menos nos quadrantes jurídico-processuais, não se pode afirmar que um dado fato ocorreu.
2. O objeto da prova (thema probandum) é, portanto, sempre um fato, cuja existência e verdade exigem demonstração; mas os meios de prova (rectius: meios para produzir verdades jurídicas, gerando certezas) de modo algum são ilimitados: somente são admissíveis, para tal fim, os legais e moralmente legítimos – daí a Constituição Federal declarar expressamente, no inc. LVI de seu art. 5º, serem “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Não por acaso, pois, a redação do art. 332 do Código de Processo Civil:
“Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”
3. Em suma, só são consideradas provas – e como tais encampadas pelo julgador – aquelas produzidas nos moldes dessas previsões legais, sendo imprestáveis as obtidas por meios ilegais ou moralmente reprováveis.
4. Criada pela jurisprudência norte-americana e consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, a doutrina dos frutos da árvore envenenada nega valor às provas derivadas de provas ilícitas. Aquelas também são injurídicas, pois contaminadas pela ilicitude da prova da qual derivam. Por outras palavras, tem aplicação a regra de exclusão (exclusionary rule), de acordo com a qual a prova ilícita, por não poder produzir quaisquer consequências jurídicas, também exclui do mundo do Direito todas as demais provas dela derivadas.
5. Vale transcrever, a respeito, excerto de aresto do Supremo Tribunal Federal:
“A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Exclusionary Rule consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum.” (HC 89.083, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-8-2008, Primeira Turma, DJE de 6-2-2009. No mesmo sentido: HC 93.050, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-6-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008.) No mesmo sentido: HC 90.298, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 8-9-2009, Segunda Turma, DJE de 16-10-2009).
6. Destarte, de modo algum é aceitável – como querem alguns – a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, sob o argumento de que elas podem eventualmente representar, em termos práticos, a obtenção de benefício de relevante valor social.
7. Como ilustração da posição prevalente na doutrina pátria sobre o tema, as ponderações de Luís Alberto Barroso, com lastro na lição de Herbert Wechsler:
“O que caracteriza as decisões judiciais, em contraste com os atos dos outros Poderes, é a necessidade de que sejam fundadas em princípios coerentes e constantes, e não em atos de mera vontade ou sentimento pessoal”. Discordo, assim, com veemência daqueles que, aberta ou encobertamente, sujeitam a interpretação da Constituição e das leis a um teste de virtude, para verificar se o resultado imediato limita ou promove os seus próprios valores e crenças.
“Quem julga com os olhos no resultado imediato e em função das próprias simpatias ou preconceitos, regride ao governo dos homens e não das leis. Nada é mais grave em Direito, nenhum problema é mais profundo do que este tipo de avaliação e de julgamento ‘ad hoc’”. (“A Viagem Redonda: habeas data, direitos constitucionais e as provas ilícitas”, in Revista de Direito Administrativo, vol. 213, p. 162).
8. Não obstante essas consistentes posições jurisprudencial e doutrinária, respaldadas em expressa vedação constitucional, no título dedicado às provas o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2010, assim dispunha no parágrafo de seu art. 257: Art. 257. As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar fatos em que se funda a ação ou a defesa e influir eficazmente na livre convicção do juiz.
Parágrafo único. A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos.
9. Como se vê, recepcionou-se no caput desse artigo o teor do art. 332 do Código em vigor, mas se acrescentou parágrafo prevendo a permissão, ainda que de forma oblíqua, de valoração de prova obtida por meio ilícito, em suposta homenagem a princípios e direitos fundamentais. Olvidou-se, no entanto, que a atribuição de valor à prova ilicitamente obtida significa, em última análise, a admissão da pertinência da prova dela decorrente, aceitando o juiz, como se saudável fosse, o fruto contaminado pelo veneno da árvore do qual proveio.
10. Por meio de emendas, esse parágrafo mereceu repúdio no próprio Senado Federal e foi expurgado do art. 353 do Projeto de Lei 8046 encaminhado à Câmara dos Deputados, que assim dispõe: Art. 353. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
Restabeleceu-se assim, em boa hora, o respeito à vedação constitucional.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Antonio Carlos Marcato
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Mestre, Doutor e Livre-docente em Direito Processual pela mesma Faculdade de Direito. Foi Promotor de Justiça, Procurador de Justiça e membro do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo. Ingressou na Magistratura Paulista pelo quinto constitucional.
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