A influência das informações e esclarecimentos prestados ao paciente
Relações jurídicas amealhadas no circuito da saúde
Direito
17/04/2013
Se não há informação, não há autonomia.
Se não há autonomia, não há liberdade.
E com o sepultamento da liberdade esvai-se a dignidade.
Depreende-se que o direito à informação (corolário do princípio bioético da autonomia), tem suas raízes nos princípios e direitos fundamentais estatuídos na Constituição Federal, passando, posteriormente, a figurar como norma cogente nos estatutos infraconstitucionais, com expressivo reforço no Código de Defesa do Consumidor. A informação também é destaque nas normas deontológicas (que regulam o exercício da atividade profissional do médico), positivadas no Código de Ética Médica.
Daí por que, nas relações jurídicas amealhadas no circuito da saúde, há uma anuência pacífica no que toca ao direito que o paciente desfruta de ser informado acerca de qualquer intervenção que venha a sofrer em seu corpo e mente. O médico que lhe assiste, por sua vez, possui o dever legal e ético de transmitir todos os esclarecimentos e dados necessários a constituir a base de uma decisão autônoma, se assim não faz, corre palpáveis riscos de responder nas esferas jurídica e administrativa.
Em comentários ao Código de Defesa do Consumidor, obra liderada por Ada Pellegrini Grinover (2011), a informação está atrelada intimamente ao resguardo da autonomia do consumidor:
O positivo tem, na sua origem, o princípio da transparência, previsto expressamente pelo CDC (art. 4º caput). Por outro lado, é corrência também do princípio da boa-fé objetiva, que parece em ambiente onde falte a informação plena do consumidor.
Com efeito, “na sociedade de consumo o consumidor é geralmente mal informado”. Ele não está habilitado a conhecer a qualidade do bem ofertado no mercado, nem a obter, por seus próprios meios, as informações exatas e essenciais. Sem uma informação útil e completa, o consumidor não pode fazer uma escolha livre. A obrigação que o Direito Civil impõe ao comprador de informar-se antes de contratar é, na sociedade de consumo, irreal. (L’HEUREUX apud GRINOVER 2011 p. 289).
A informação ajustada, transparente, inteligível e acessível tem como desiderato precípuo salvaguardar o direito à autonomia do paciente que, noutras palavras, se consubstancia em preservar a sua liberdade de tomar decisões e de fazer escolhas conscientes e desobstruídas. Nos meandros da relação médico-paciente, a informação é conduta impositiva, pois um indivíduo não tem como exercer livremente as suas escolhas quando o profissional deixa de noticiar as verdades sobre os procedimentos que serão submetidos e os perigos dele imanentes.
Como meio ilustrativo, pode-se afirmar que um paciente estruturado emocionalmente, jamais ousaria passar por uma cirurgia de caráter singularmente embelezador se tivesse compreensão e ciência das possibilidades de o ato provocar estragos em sua saúde, ou produzir lesões estéticas piores que a deformidade que o levou a procurar a cirurgia. Levando em conta tudo isso, o médico deve colocar ao dispor do paciente todas as opções de tratamento, explicações sobre a técnica-cirúrgica escolhida, os seus benefícios, malefícios, prognóstico, conversar sobre a influência das limitações físicas que interferem no resultado pretendido, e especialmente os riscos para que, ao final, este exerça a sua liberdade de escolha. E que seja feita mediante um processo responsável, racionalizado e calculado.
Assim, o dever de informar recrudesce nas cirurgias plásticas que ambicionam unicamente a vaidade, o que é consenso até mesmo para os juristas que rechaçam a obrigação de resultado. As sequelas e os acidentes mais remotos também devem ser especificados. É uma espécie de intervenção em que o paciente tem a chance e o direito de exercer a sua autonomia de uma forma ainda mais abrangente, a uma porque dispõe de tempo para amadurecer a ideia (pois não há urgência e necessidade). A duas porque o Código Consumerista é utilizado com extrema exatidão neste tipo de relação, pela força da composição de consumo que se reveste este serviço médico, qual seja, a venda da beleza.
O desembargador Kfouri Neto (2010), ressalta que a obrigação de informar nos procedimentos essencialmente embelezadores é muito maior que nas demais especialidades, in verbis:
Repita-se, uma vez mais, que as obrigações do cirurgião, nessa especialidade, são agravadas. Deve, em primeiro lugar, apreciar a veracidade das informações prestadas pelo paciente; depois sopesar os riscos a enfrentar e resultados esperados; a seguir, verificar a oportunidade da cirurgia. Convencido da necessidade da intervenção incumbe-lhe expor ao paciente as vantagens e desvantagens a fim de obter seu consentimento. Na cirurgia plástica estética a obrigação de informar é extremamente rigorosa. Mesmo os acidentes mais raros, as sequelas mais infrequentes, devem ser relatados, pois não há urgência, nem necessidade de se intervir.
Também a imperícia, a falta de técnica médica do cirurgião plástico, será examinada mais severamente que nas demais especialidades. (NETO, 2010, p. 194).
Mas é de expressiva relevância ressaltar que a explicação não é válida quando é prestada de forma que o paciente não entenda seu real significado e objetivo. Isto quer dizer, que a mensagem deve ser transmitida em uma linguagem para o leigo, sem apego ao formalismo técnico atinente exclusivamente ao universo médico-hospitalar. Afora isso, nenhuma informação com significado relevante pode ser omitida e, nestas hipóteses, temos que é indispensável tecer explicações claras a respeito das restrições física e orgânica do paciente e o poder que esses componentes desfavoráveis podem exercer no resultado do procedimento. Dialogar com transparência sobre as reais condições adversas do paciente (textura e cor da pele, formato do corpo, pacientes diabéticos, hipertensão arterial, tabagista, e outros) é conduta de rigor a ser seguida.
É de crucial valia dizer que a ausência de esclarecimentos ao paciente pode levar o cirurgião plástico às raias de uma condenação, ainda que não tenha contribuído na materialização do resultado danoso, ou melhor, ainda que não tenha incorrido em culpa. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Pátrios, vêm emanando diversas decisões nesse sentido, com a explicação de que o médico descumpre o seu dever de meios quando omite de seu assistido as informações necessárias à formação de seu convencimento e decisão. Parte-se do princípio de que o resultado funesto pode ser evitado quando o profissional concede autonomia ao seu assistido, o qual, ciente dos perigos e contratempos, tem o poder de optar em não se submeter ao procedimento. Ou seja, o médico que omite, assume todos os riscos que eventualmente se manifestarem com a cirurgia.
O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um médico que produziu ondulações e desfigurações na paciente após cirurgia de lipoaspiração que executou. Os desembargadores entenderam que o profissional descumpriu o seu compromisso de resultado, bem como o seu dever de informação. Destacaram que a intervenção poderia ter sido evitada se a autora tivesse sido esclarecida de antemão acerca da possibilidade de adquirir aspecto físico ruim. Nesse rumo, assim está ementado o julgado em comento:
Ação ordinária - Cirurgia estética -Lipoaspiração - Obrigação de resultado - Dever de informação sobre os riscos e consequências do procedimento não exaustivo - Deficiência na prestação do serviço - Responsabilidade do cirurgião - Sentença de parcial procedência mantida - Recurso improvido. “O Professor CAIO MÁRIO faz” duas considerações a respeito da cirurgia plástica estética: A primeira de que o médico como técnico está subordinado aos princípios gerais da responsabilidade civil médica, quais sejam: dever de aconselhar apontando os riscos do tratamento e da cirurgia, inclusive os decorrentes das condições pessoais do cliente, dever de assistência pré e pós-operatória, cuidados com a intervenção, etc. A segunda consideração é de que a cirurgia estética enseja obrigação de resultado e não de meio. (Responsabilidade Civil, 2a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 169). (BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo APL 994060388960).
Se o médico informa adequadamente, cumpre boa parte de seu dever de meios e diligência, demonstrando, assim, que se guiou pelos ditames do princípio da boa-fé objetiva, de fulcral exigência nas relações de confiança. Comprovará que oportunizou e garantiu ao seu assistido o seu direito à autonomia. Contudo, os esclarecimentos prestados não garantem ao profissional uma carta de alforria que o eximirá de responder civilmente por possíveis ocorrências nefastas. Apenas atesta que cumpriu à saciedade aludida obrigação, além de sua incumbência ética.
Em uma cirurgia de lipoaspiração, mesmo que o profissional advirta sobre a possibilidade de uma embolia pós-operatória, isso não o exime de incorrer em uma condenação indenizatória, se constatado que a embolia proveio de qualquer ato praticado que caracterize sua imprudência, negligência ou imperícia. Somente haverá causa excludente de responsabilidade na hipótese de o médico comprovar a dissociação entre o evento indesejado e o seu comportamento, ocasião em que deverá apontar e demonstrar que o dano ocorreu por fatores incapazes de serem antevistos.
Em idêntico vértice, Kfouri Neto (2010) vaticina que:
[...] é inquestionável, porém, que incorrerá em responsabilidade o médico que, conhecendo o desequilíbrio entre o muito que se arrisca e o pouco que se espera obter, executar uma intervenção desse tipo, ainda que conte com o consentimento do paciente e mesmo que tal assentimento tenha sido manifestado após uma correta e completa informação. (NETO, 2010, p. 193)
Aliás, o Ordenamento Jurídico Francês, desde meados do século XIX, já censurava o comportamento de médicos que operavam pacientes com probabilidades de complicações pós-cirúrgicas, mesmo que o assistido fosse informado. Veja-se.
Essa postura seguida pelo Código Civil, pátrio já era adotada, como vimos, na França, desde meados do século XIX, como se depreende da pena de indenização que foi aplicada ao cirurgião Dujarrier. Eis, em síntese, o ocorrido: uma modista famosa, jovem, portadora de excesso de gordura nas pernas, procurou Dujarrier para que lhe corrigisse o defeito estético. Fosse embora alertada pelo médico de que a cirurgia não era isenta de perigo, além de clinicamente desnecessária, insistiu a modista em ser operada, assumindo, por escrito, todos os riscos eventuais da intervenção. Dito e feito! Após a cirurgia sobreveio a gangrena, que determinou a amputação de uma das pernas. Apesar das alegações feitas por Dujarrier, em juízo, de ter procedido na operação com toda a técnica e cautela que se faziam necessárias a estar autorizado pela paciente a realizar a intervenção, cujos riscos ela assumira, a Justiça francesa condenou-o a pagar uma indenização à cliente. A anuência expressa que esta lhe concedera era totalmente despida de valor, já que a modista não estava em condições de entender com segurança as consequências da intervenção cirúrgica a que ai submeter-se. (CROCE, 2002, p. 31).
Por oportuno, o cumprimento aos postulados de bem informar, não são hábeis a retirar do profissional sua obrigação de resultado amealhada durante o vínculo contratual. O reverso não se afigura correto, pois existe a possibilidade de uma obrigação essencialmente de meios, se converterem para uma obrigação de resultado.
Aos auspícios dessa ponderação, imperativo afirmamos que a ausência e a má qualidade da informação têm o condão de transmudar a classificação da obrigação, que pode inicialmente afigurar-se de meios, mas converter-se para a de resultado, tendo como base de raciocínio o fato de que a omissão de esclarecimentos sobre os casuais insucessos do negócio pactuado leva à presunção de que o resultado da proposta cirúrgica é inerente ao objeto contratado. Para todos os efeitos, o profissional que oculta a informação, admite que a cirurgia é livre de riscos e, por corolário, o paciente alimenta a expectativa legítima de que o pacote da contratação não se exaure na conduta escorreita do facultativo, mas em um resultado perfeito e auspicioso. Em síntese, a falta de esclarecimentos aponta palpáveis indícios de que o desfecho satisfatório integra as bases negociais pactuadas.
Assim, mesmo nas cirurgias estéticas reparadoras, a obrigação do médico, essencialmente de meios, pode se translocar para a de resultado, invertendo-se, então, o ônus probatório, por ter fomentado no psiquismo do paciente uma projeção segura de resultado sem máculas.
Enfim, não é lícito que o facultativo crie perspectivas na mente do paciente, mormente quando tem consciência de que o produto almejado é incerto ou inalcançável.
Por último, cumpre pôr em destaque que, faltando informação sobre os riscos do procedimento, a aplicabilidade da obrigação de meios ou de resultado nem chega a ter a tonicidade usual em uma contenda judicial em que se discute a presunção da culpa médica e a quem incumbe o dever de prova, porquanto a jurisprudência vem proferindo decisões condenatórias com o singular argumento de que o profissional descumpriu com o seu dever de informar, ainda que faça prova de que não concorreu para a concretização do evento danoso. A pedra de toque para esse postulado jurisprudencial reside na preterição da autonomia do paciente, que, por exemplo, não é advertido sobre a possibilidade de manifestar cicatriz queloidiana, o que viola sua liberdade de escolha, pois, tomando ciência dos contratempos cirúrgicos, tem a faculdade de decidir pela não realização da cirurgia.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Giovanna Trad Cavalcanti
Advogada militante na Área do Direito Médico-Hospitalar e da Saúde, Pós- graduada em Direito Processual Civil pela Unissul, Pós- graduanda em Direito Médico pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIAASELVI), Membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB/MS e Membro da World Association for Medical Law.
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