O efeito mais bombástico da nova lei de prisões é o seguinte:

Impunidade ou não?
Impunidade ou não?

Direito

18/04/2013

Os presos não comprovadamente perigosos e/ou primários, poderão ter liberdade, com ou sem medidas cautelares alternativas.

Dos mais de 500 mil presos no Brasil (cf. nossa pesquisa no www.ipclfg.com.br) , 44% deles não têm sentença definitiva (são presos provisórios ou cautelares). Desses, cerca de 90% estão presos em razão de prisão em flagrante. Milhares deles, desde que não apresentem periculosidade comprovada, deverão ser liberados se os juízes não fundamentarem a necessidade concreta do encarceramento cautelar.

Isso significa impunidade? Não. A lei nova não garante nenhuma impunidade, simplesmente está mandando os juízes cumprirem a constituição, em relação aos presumidos inocentes, para distinguir quem deve ficar preso (durante o processo) e quem não deve.

A nova lei (Lei 12.403/11), para além de prever 11 medidas cautelares alternativas, que devem ser analisadas pelo juiz, antes de decretar ou confirmar a prisão, acabou com a velha e inconstitucional praxe do “carimbão” que, simplesmente, dizia: “Flagrante em ordem”. Colocava-se o “carimbão” na papelada dos réus pobres e tudo prosseguia, sem percalços. Em relação aos ricos isso nunca jamais ocorreu impunemente.

De acordo com a praxe forense ainda em vigor a prisão em flagrante (são centenas todos os dias) é mantida pelos juízes sem nenhum tipo de fundamentação (há exceções honrosas, claro). No lugar de uma análise minuciosa para distinguir o joio do trigo (quem deve efetivamente ficar preso e quem não deve), reinava, para os pobres, a cultura do “carimbão”. A prisão em flagrante servia de título para manter o sujeito preso durante todo o processo. Isso acabou com a nova lei.

Por força do novo art. 310, com redação dada pela Lei 12.403/11, a prisão em flagrante, quando o caso, deve ser convertida em prisão preventiva, inclusive em relação aos pobres, em decisão fundamentada (tríplice é a fundamentação: quais fatos justificam a prisão, qual é seu fundamento jurídico e se ela é realmente necessária). Para os ricos essas exigências sempre foram cumpridas pelos juízes. A fiscalização deles é muito mais efetiva.

Doravante passamos a ter apenas duas espécies de prisão cautelar: a temporária e a preventiva. A prisão em flagrante ou é convertida em prisão preventiva ou é relaxada (quanto ilegal) ou é substituída pela liberdade provisória (com ou sem medidas cautelares alternativas).

Considerando-se que a pobreza informativa do auto de prisão em flagrante, a respeito da vida pregressa do preso, constitui a regra, dificilmente o juiz terá elementos para justificar, de plano, a prisão preventiva. Não lhe restará outro caminho senão conceder a liberdade provisória, aplicando-se, se o caso, uma ou mais de uma medida cautelar alternativa.

Claro que a velha praxe das fundamentações consideradas ilegais ou inconstitucionais vão prosseguir. Alguns juízes continuarão falando em clamor público, gravidade abstrata da infração etc. Mas tudo isso não é aceito pelo STF, como motivação válida para a prisão.

Na teoria, a nova lei acaba com o “direito penal do cadeião automático para os pobres ou equiparados”. Mas na prática a teoria é outra. Se não houver rigorosa fiscalização dos advogados e defensores públicos, a velha praxe das prisões infundadas dos pobres ou equiparados que são presumidos inocentes não vai morrer.

Todas as prisões em flagrante, concretizadas antes de 04.07.11, que não foram mantidas em decisão fundamentada (isso ocorria só em relação aos pobres, claro), devem ser reanalisadas (em razão da ilegalidade). Isso significa alguma coisa em torno de 200 mil em todo país. Cabe ao defensor postular ao juiz a devida revisão. Não encontrando motivo suficiente para a prisão, cabe ao juiz conceder liberdade provisória (com ou sem medidas cautelares alternativas). Havendo recusa do juiz ou decisão mal fundamentada contra o réu, só resta o caminho do habeas corpus.

Milhares de presos, que não ostentam periculosidade concreta, embora pobres, poderão responder ao processo em liberdade, cabendo ao juiz prestar atenção nas medidas cautelares alternativas. Se o réu tem condições econômicas suficientes, a fiança se apresenta como medida cautelar muito adequada, visto que ela existe para a reparação dos danos causados pelo delito às vítimas.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Luiz Flávio Gomes

por Luiz Flávio Gomes

Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Você também encontra esse artigo no link: www.fatonotorio.com.br

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