Falar da “nova retórica” e falar de Perelman e suas ideias, a priori diferentes, contudo, possuidoras de uma nuance milenar e para tanto tentaremos esboçar um breve histórico.
O peso da historicidade da “Nova retórica” é explicita ao longo do tempo, defendida pelos sofistas, homens apaixonados pela arte de falar, possuidores de maestria nessa arte. Sabe-se que a mesma nasceu de um conflito, onde o povo ateniense lutara frente a um tirano, na reivindicação de seus direitos à liberdade.
Ressalta-se que a Grécia tornou-se o nascedouro da retórica, onde o povo participava de audiências públicas, sendo a arte do falar de relevância sem igual para aquela nação.
Dando prosseguimento ao desenvolvimento histórico, a retórica passa ainda por efeitos negativos, pois com o decorrer do tempo, a arte que era tão bem utilizada com objetivos claros e lícitos, passara a produzir efeitos nefastos, pela postura errônea de alguns sofistas. Fato esse, que desperta a “ira” (podemos assim dizer) de Platão, que inconformado com essa postura começara a disseminar um pensamento reprobatório da “arte”, incutida à invalidade de toda magnitude de outrora.
Platão alegava que os discursos eram manipulatórios, objetivando apenas ensejos individuais que visavam benefícios pessoais ou de um pequeno grupo. Pensamento que contradizia em larga escala a visão platônica que defendia a coletividade, a renúncia do bem individual em prol da coletividade.
Inicialmente, cabe lembrar que a era Aristotélica, concede a primazia devida à retórica colocando-a em seu real patamar. É interessante notar que Aristóteles fora aluno de Platão, apesar de não desprezar as ideias de seu mestre, sua doutrina diferia da de Platão. Principalmente no sentido de que explorará o mundo sensível de forma a evidenciar a experiência; incutindo e aliando o inteligível e o sensível de forma homogênea.
Cumpre observar que trouxe a retórica uma nova roupagem, evidenciando valores outrora desprezados por seu “professor”, de forma que a essência de sua especificidade fosse notória ao se observar sua trajetória, rumo ao novo pensar do discurso.
Aristóteles desmistificou a questão do discurso, dando a ele um lugar de destaque na argumentação e colocando o “auditório” como elemento de importância sem igual. Ressalta-se que, a argumentação objetiva a adesão daqueles a quem é dirigida; portanto, se torna o auditório elemento imprescindível para sua composição.
Em sendo assim, trouxe para ambos a força que lhes eram devidas dentro da retórica, formulando novos conceitos e ideias, que, trouxeram valoração a argumentação.
Pertinente é a colocação de que mesmo com a visão fabulosa de Aristóteles a retórica não conseguiu prevalecer à queda do Império Romano, que trouxe uma serie decadencial à inércia da retórica. Coadunada ao positivismo trazido pelas ciências físicas e matemáticas, onde o lógico, o absoluto, o real, o concreto apagara quase por completo os valores Aristotélicos da face da humanidade. Essa era trouxe como princípios basilares o discurso demonstrativo, frio que defendia e disseminava a primazia da verdade única e absoluta.
Dentro deste contexto em uma saga paradoxal surge Perelman, que antes pesquisador da morbidade do cientificismo. Tem sua trajetória mudada ao se deparar com a “justiça”- A justiça e seus valores levaram Perelman a questionar a “verdade absoluta”. “o positivismo”, o estigma do “homem coisificado”, pois ele mesmo defira justiça da seguinte forma: “Uma análise lógica da noção de justiça parece constituir uma verdadeira aposta. Isso porque dentre todas as noções prestigiosas, a de justiça parece uma das mais eminentes e a mais irremediavelmente confusa” (PERELMAN, 2005, p. 7).
Segundo o autor a noção de justiça era muito mais ampla do que até então norteava o direito, sua análise e variantes mereciam uma especial atenção.
“A análise sumaria das concepções mais correntes da noção de justiça mostrou-nos a existência de pelo menos seis fórmulas da justiça – admitindo a maioria delas ainda numerosas variantes –, fórmulas que são normalmente inconciliáveis. Embora seja verdade que, graças à interpretação mais ou menos forçada, a afirmações mais ou menos arbitrárias, se pode querer relacionar essas diferentes fórmulas uma com as outras, elas não deixam de apresentar aspectos da justiça muito distintos e o mais das vezes opostos” (PERELMAN, 2005, p. 12).
Juntamente como seus questionamentos, o advento da II Guerra Mundial, trás ao mundo a necessidade de se repensar a vida, os valores, as ideologias.
Bom Perelman, podemos assim dizer era a pessoa certa no momento certo que trouxe a teoria exata e adequada. Sua “Teoria da Argumentação” ressuscitou a Retórica, e para tanto, foi buscar em autores como Aristóteles, Cícero e Quintiliano a resposta para seus questionamentos.
Trazendo até nós a “Nova Retórica” com a Teoria da Argumentação, que evidenciara o discurso argumentativo, dando ao auditório não uma capa de submissão, mas um adorno de gloria, intitulado adesão, feito grandioso, podemos imaginar o peso de tamanha repercussão, desta ideia na referida época.
A definição mais coerente para auditório seria um grupo de pessoas que o orador tenciona convencer de forma a influenciá-lo, com persuasão expressa através de sua argumentação. Ou seja, pensa conscientemente em seu auditório, pois objetiva persuadi-lo.
Convém ressaltar que a experiência do discurso encaixe com perfeição adequada; aproximando o máximo possível da realidade exibida por seus componentes. O descuido do argumentador em detrimento da ignorância em relação às peculiaridades do auditório gerara efeitos catastróficos não desejáveis.
É de se verificar que sua teoria trouxe para nós Operadores do Direito, a valia portentosa do juízo de valor, trazido pelo clamor social, pelo questionamento individual de um homem, que de forma sem igual mostra e nos da oportunidade de colocar o homem em seu real lugar no pódio da vida.
Incontestavelmente a teoria perelmaniana trouxe uma mudança profunda, enquanto o positivismo com um discurso demonstrativo era marcado por uma proposta fundamentada na evidencia e coerção, fundamentos esses que, tornavam até então o direito “engessado”, frio, tendo apenas por vetor a norma formal imposta.
O contraponto entre as metodologias estava exatamente ai, pois enquanto uma era impositiva, rígida e coercitiva a outra lançara mão da adesão e da democracia como fundamentos da argumentação.
Pela valoração explicitada por Perelman, não existe verdade absoluta, existem sim, argumentos que podem ou não favorecer a tese, dependendo da forma como são expostos.
Percebe-se que para Perelman, não bastara apenas o conhecimento e sim o fato de que é de primordial importância, saber valorizá-lo provocando a aceitação de seu interlocutor, que pode trata-se de alguém ou de um grupo dotado de inteligência e vontade própria.
O peso da até então “letra fria da lei”, passa agora a ter uma válvula de escape. Onde o argumentador já não mais age impondo a frigidez normativa somente. Mas conjuga norma, valores e Filosofia de forma a tornar em “VERDADE” sua tese.
De forma prática a argumentação provoca e acrescenta a adesão do auditório às teses que lhe são apresentadas, através de técnicas discursivas. As teses são proposições que devem ser mantidas pelo orador, cujo sua adesão pelo auditório será subordinada a capacidade de persuasão exibida por ele o orador, interligando assim, sobremodo a Teoria da Argumentação a experiência fática.
Verdadeiramente Perelman, veio nos trazer a conjugação da Teoria da Demonstração à Teoria da Argumentação, pois em momento algum desprezara as ciências exatas e sua racionalidade, porém no campo das ciências humanas e sociais tronar-se-às inadequadas e insuficientes, pois são impessoais e independentes enquanto, na argumentação o contato, a movimentação, a experiência fática legitima sua eficiência.
Portanto conclui-se que: “A nova retórica não pretende deslocar ou substituir a lógica formal, mas agregar a ela um campo de raciocínio que, até agora, tem escapado a todos os esforços de racionalização, isto é, do raciocínio prático” (PERELMAN, apud ALEXY, 2005, p. 165).
De fato há a necessidade de que o argumentador venha “negociar” com seu auditório, regras comuns que nortearão sua argumentação. Não se tratam de normas formais, porém normas que fazem parte do dia a dia do homem médio que tacitamente levam a adesão de todo o auditório, apesar de implícitas.
Atualmente com a nova vertente de “Direito novo”, ou seja, diretrizes formuladas a partir da evolução social, com pareceres cada dia mais aproximados da realidade vivenciada no cotidiano, torna-se de grande importância a utilização da Teoria da Argumentação aliada a Teoria da Demonstração, para que assim as decisões de nossos magistrados possam refletir sobremodo o clamor social.
Pelas razões aduzidas observemos que com suntuosidade através de suas decisões nossos “maestros” do Direito, conduzem a argumentação de forma inspiradora e filosófica, que incentivam aos néscios operadores do Direito a evoluir, a galgar espaços abrangentes em sua carreira com plenitude e consciência, com a sutileza e ao mesmo tempo com a robustez necessárias ao verdadeiro argumentador vencedor.
Ao utilizarem-se da prática argumentativa nossos mestres, deixam marcas profundas em nosso ordenamento jurídico que de forma inovadora, traçam os passos de um “Direito” que visa sempre colocar em primeiro lugar o direito do homem, fazendo valer a força contida em um Estado Democrático de Direito que determina de forma magnânima a concessão aos direitos fundamentais de relevância ímpar para sua aplicabilidade.
Direitos esses que só podem ser evidenciados se a evolução social fática é levada em consideração, pois não há outra forma de valorização humana que não seja o respeito a sua evolução social que é constante e que jamais pode ficar refém de um direito engessado, estático, mórbido.
Sem dúvidas que os estudos de Perelman têm peculiar importância para o direito, principalmente no sentido de que os operadores do direito exercem grande influência na decisão do juiz, decisões essas tomadas a partir de vários fatores que se mantenham efetivos graças aos argumentos utilizados.
Perelman interliga o direito à realidade dando como marco inicial a relevância aos valores morais. Que de certa forma evidenciam os conflitos na interpretação e na aplicação do direito. Relacionando assim o direito e a filosofia de forma que haja uma corroboração entre ambas.
Oxalá que todos nós futuros operadores do direito usemos com maestria a Teoria da Argumentação, sempre para fins lícitos e proveitosos a todos os homens, que forem nossos opositores pelas teses da vida e futuramente nos tribunais e assim segundo Perelman consigamos obter a adesão necessária a nossas teses “(…) Para conseguir seus fins, o advogado não partirá de algumas verdades (os axiomas) até outras verdades a demonstrar (os teoremas), mas sim de alguns acordos prévios até a adesão a obter” (PERELMAN, 2005, p. 229).
Bibliografia:
PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
ALEXY, Robert. Teoria da ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2. Ed. São Paulo: Landy, 2005.
VOESE, Ingo. Argumentação jurídica: teoria, técnicas, estratégias. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2011.
FETZNER, Néli Luiza Cavalieri (Org.). Lições de argumentação jurídica: Da teoria à prática. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
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