A questão do terrorismo no ordenamento jurídico internacional e brasileiro

Direito

16/04/2014

O presente trabalho pretende demonstrar a necessidade de se discutir e avaliar com maior interesse, a questão do terrorismo internacional, bem assim quais foram as consequências geradas pelo atentados de 11 de setembro de 2001, ocorridos em New York e Washigton.

No ano do acontecido,. mídia expunha incessantemente o vídeo dos aviões chocando contra as torres do World Trade Center e posteriormente, a resposta do então presidente norte-americano George W. Bush ao terrorismo. Logo depois, foi declarada a “guerra ao terrorismo” e começou a ofensiva dos Estados Unidos ao Afeganistão, país que supostamente abrigaria os campos de treinamento da rede terrorista Al-Quaeda, liderada por Osama Bin Laden, apontado como responsável pela propagação do terror na famosa data,

O terrorismo tornou-se um problema de preocupação mundial, que envolveu, praticamente, todos integrantes da comunidade internacional. Por convocação do governo norte-americano, os países deviam mostrar seu apoio na luta contra o terrorista. E, ao contrário do esperado, a ONU demonstrou ser um organismo frágil, sem cumprir o papel de liderança na preservação da paz.

A Sociedade Internacional, formada por entes soberanos, com características individuais e por muitas vezes divergentes, devido às crises econômicas ou aos conflitos mundiais, acabam por forçar uma cooperação e um diálogo por via diplomática dos Estados. O terror é um dos fatores que acarretam a mútua colaboração dos integrantes da comunidade internacional, pois já não se tem mais alvos certos, como ocorrem com as guerras, mas uma indeterminação quanto ao momento, modo e lugar de incidência de tal acontecimento, acarretando, muitas vezes, a perda da vida de civis.

Inicialmente, ao analisar o terrorismo, procurar-se-á delimitar as ações desse crime, ressaltar a dificuldade de definição e informar sua origem e organizações que o utilizam. Em seguida, objetiva-se diferenciar o terrorismo de figuras como crime político e crime de guerra.

A seguir, verifica-se da relevância do crime para a sociedade global. Ademais, de que maneiras essa sociedade planeja se defender, seja por meio de leis, operações ou através da Organização das Nações Unidas. Na “atuação dos tribunais internacionais” foca-se a importância da Corte Internacional de Justiça para a afirmação do Direito Internacional na defesa dos direitos fundamentais e o nascimento do Tribunal Penal Internacional, influenciado pelos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio.

Adiante, enfrenta-se “ O terrorismo e o direito brasileiro”, apresentando o terrorismo de Estado, característico do período de governo militar brasileiro. Além disso, verifica-se da falta de controle de mercadorias e pessoas na Tríplice Fronteira, região que une Paraguai, Brasil e Argentina. Salienta-se que o Estado tem legislação insuficiente no que concerne ao terrorismo, contudo, em nível internacional é signatário de importantes convenções e tratados. E, finalmente, apresenta-se qual é a posição da diplomacia brasileira em relação às atividades militares, tão pregadas pelos Estados Unidos, em sua busca por retaliação.

O Brasil, também membro da ordem internacional, não está imune a ser “vítima do terror”, então, consequentemente, necessita prever o crime em seu sistema de leis. Então, como estará a legislação brasileira tratando de tal crime? O Brasil é signatário de alguma convenção ou tratado internacional que trate sobre o terrorismo? O corpo diplomático nacional atua, sob alguma forma, de modo a cooperar no enfrentamento de tal problema mundial? Este trabalho de curso se propõe a responder tais indagações.

Terrorismo

- Definição de Terrorismo

A comunidade internacional, no sentido literal da expressão, significa a união, a reciprocidade de tratamento entre os Estados do globo terrestre. Embasado principalmente na defesa dos direitos fundamentais, como a vida, a liberdade e a dignidade do ser humano, o direito internacional visa estabelecer normas que possibilitem a efetivação e a manutenção da ordem cooperativa e pacífica das relações dos entes públicos de direito externo.

No contexto atual de globalização, os Estados encontram-se cada vez mais interligados entre si, devido ao avanço tecnológico, que possibilitou a quebra de barreiras nas comunicações e ao mercado, que com suas oscilações econômicas, pode acarretar reflexos nas economias internas dos componentes mundiais.

Salienta-se que o princípio basilar do direito internacional é a soberania dos Estados. Em vista disso, é inviável a subordinação de um Estado a outro, bem como a interferência de um na gerência interna de outro. Todavia, há a soberania, mas não a total independência dos Estados em um plano mundial. A globalização não permite que um ente soberano torne-se definitivamente isolado dos demais, conforme explica Edgar Morin:

A globalização pode ser considerada como um fenômeno que contribui para unificar o planeta. De fato, ela espalha no mundo inteiro a economia de mercado, a ciência, a técnica, a indústria, mas também as normas, os padrões do mundo ocidental. Este processo de unificação vai gerar um processo contrário que se manifesta pela emergência de uma oposição face a esta unidade, a fim de salvaguardar sua identidade cultural, nacional e religiosa (MORIN, 2004,p.65).

O terrorismo por ser um ato consistente em provocar o terror, sem distinção de vítimas civis, políticas ou militares, logicamente afronta e lesa os direitos fundamentais do homem. Decorre desse fato, a importância em combater tal malefício à humanidade.

Colin M. MacLachlan alerta sobre o efeito da globalização no terrorismo:

Irónicamente, mientras los terroristas hacen planes para um futuro rigidamente controlado después que ellos asuman el poder, muchos terrositas prefieren operar desde lãs sociedades abietas da Europa Occidental, Ásia Y el Hemisfério Occidental. El movimiento a través de lãs fronteras, bajo nombres supuestos com pasaportes falsificados, es relativamente fácil. Confundirse dentro de ciudades grandes y complejas como Buenos Aires, Lima, Caracas, Manila, Toronto, Londres y otras, puede lograrse a las poças horas de arribar (MACLACHLAN,1997, p.7).

Apesar do termo “terrorismo” não ser definido por qualquer convenção internacional, existia sua previsão na Convenção de Genebra de 1937, que dispunha, no artigo 2º:

Na presente Convenção, a expressão ‘atos terroristas’ quer dizer fatos criminosos dirigidos contra um Estado, e cujo objetivo ou natureza é de provocar o terror em pessoas determinadas, em grupos de pessoas ou no público (traduzida).

Há uma limitada noção do que poderiam vir a ser atos terroristas: fatos criminosos que tem como alvo o Estado, e objetiva provocar terror, pânico, espanto. Logo, seria o ato terrorista, um crime de direito comum, qualificado pelas motivações de ameaça à população em geral ou uma lesão aos princípios estatais? Vejamos. A lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto de Portugal, conhecida por Lei de Combate ao Terrorismo, que revogou o artigo 300 do Código Penal Português, traz o seguinte tratado, em seu artigo 2º:

1 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral (grifo nosso).

O Código Penal espanhol em seu artigo 517 penaliza quem pratica delitos terroristas:

Os que ademais de pertenceren, actuaren ó servicio ou colaboren con bandas armadas, organizacións ou grupos que teñan como finalidade a de subverte-la orde constitucional ou alterar gravemente a paz pública, cometan os delictos de estragos ou de incendios tipificados nos artigos 346 e 351, respectivamente, serán castigados coa pena de prisión de quince a vinte anos, sen prexuízo da pena que lles corresponda se se producise lesión para a vida, integridade física ou saúde das persoas (grifo nosso).

A França, com lei em 9 de setembro de 1986, de no 86-1.020, coloca no Código Penal, a qualificação de ato terrorista: “atos de violência (...) contra uma empresa individual ou coletiva, tendo por objetivo perturbar a ordem pública por intimidação ou por terror” (traduzida). Na legislação francesa, o ato qualificado é mais sucinto, colocando como a ordem pública o Estado e conseqüentemente, os cidadãos.

No Brasil, apesar da menção ao terrorismo, na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) na Lei de Crimes Hediondos (A Lei nº 8.072/90) e ainda na Carta Magna, artigo 5o, inciso XLIII, há a inexistência da descrição de seu tipo penal. A legislação brasileira acerca do assunto será tratada mais adiante.

Muito a doutrina mundial tem discutido sobre o que seria terrorismo. Jean Braudillard, assim expõe:

Ora o terror não é a violência. Não é uma violência real, determinada, histórica, que tem uma causa e uma finalidade. O terror não tem uma finalidade, é um fenômeno extremo, isto é, ele está para além de sua finalidade, de certa forma: ele é mais violento que a violência. (BRAUDILLARD, 2004, p. 55).

Heleno Fragoso, também tece comentários em relação ao terrorismo:

Não existe uma específica figura de delito denominada ‘terrorismo’. Essa designação se aplica a diversas espécies de crimes, que se caracterizam (a) por causar dano considerável a pessoas e coisas; (b) pela criação real ou potencial de terror ou intimidação generalizada, e (c) pela finalidade político-social. (FRAGOSO,1981 p.12)

Entende Fragoso (1981), que o ato de terror não se caracteriza, exclusivamente, pelo uso da violência, entendido em seu sentido de agressão física, pois há a possibilidade de envio de moléstias contagiosas pelos correios . O autor supracitado defende que o terrorismo é ato político, ou seja, dirigido a enfrentar a ordem social e política, com o intuito de destruição, mudança ou manutenção pela violência (em sentido amplo, chamado pelo autor de dano considerável).

- Historicidade

Importante abordar-se a questão da origem historica do terrorismo, do que, inicialmente, teve-se da língua francesa, por volta de 1335, com a palavra “terreur”. Significa, em essência, medo ou pavor ligado a uma espécie de ameaça imprevisível (PELLET, 2003)

O terror efetivou-se, na revolução francesa, durante a ditadura jacobina, (final do século XVIII) como instrumento de manutenção do poder burguês. Criou-se um tribunal revolucionário nos quais os acusados não tinham direito à defesa, defensores, testemunhas, apelações ou recursos. A condenação era a guilhotina. Esta prática esteve em exercício até a queda de Robespierre. Calcula-se que mais de 15.000 pessoas foram executadas (FRAGOSO,1981).

Um novo caminho é seguido para o terrorismo, no final do século XIX: os anarquistas fundamentam-se em idéias de que o governo é algo prejudicial aos camponeses e artesãos. Um malefício que deveria ser combatido pela sociedade. Pioneiro do anarquismo, Proudhon, em obra “Qu´est c ela proprieté” (1840), tinha idealizado o fim da centralização estatal e sua substituição por comunidades locais, com autonomia, fundamentadas em reciprocidade de interesses e contratos sociais. Proudhon foi sucedido por Bakunin (atuou na Primeira Internacional) e este, por Kropotkin.(famoso pela obra “Memórias de um Revolucionário”, de 1899) (Ibiden).

O terrorismo defendido pelos anarquistas, provocou a morte do Czar Alexandre I, em 1881. No assassinato do líder, fez-se presente o terrorismo nacional, em que ação é cometida em direção ao seu próprio Estado. O terrorismo internacional acontece em 1934, com o assassinato de Louis Barthou, Ministro Francês de Assuntos Estrangeiros e o rei Alexandre I da Iugoslávia, por um croata, em Marselha, França (PELLET, 2003).

Em 1937,elaborou-se, por meio do Comitê para a Repressão Internacional do Terrorismo, a Convenção de Genebra. No mesmo ano, procurou-se instituir a criação da Corte Penal Internacional. Essas duas convenções não entraram em vigor. Nos anos 60, a sociedade internacional consternada pelo seqüestro de aviões, retoma o debate sobre o terrorismo. A ONU, sob efeito da morte dos atletas israelenses por terroristas palestinos do “Setembro Negro”, nas Olimpíadas de Munique, 1972, propôs a resolução 3.034 – é criado o Comitê Especial do Terrorismo Internacional. Contudo, apenas em 2001, a comunidade internacional viu-se forçada a tratar de forma rigorosa o tema (Ibiden).

No período conseqüente à Revolução Soviética (1917), apresentou-se o “terrorismo de Estado”. Neste, o terror é manifestado ou apoiado por um Estado. Expõe Fragoso (1981): “Na revolução soviética pôs igualmente em causa o terrorismo, não só como forma de luta revolucionária para alcançar o poder, como também como elemento de repressão, para mantê-lo.” O autor leciona que Trotsky assumiu a responsabilidade do decreto de 1919, no qual consistia em se recorrer ao terrorismo, eliminando-se reféns do Exército Vermelho. Acrescenta que Stálin muito se utilizou da violência política.

Ainda sobre o terrorismo de Estado, teve-se sua presença notável no governo ditatorial dos anos 60 e 70 da América Latina; “a caça ao comunismo” nos Estados Unidos da América, durante a Guerra Fria (oposição entre capitalismo e socialismo); o governo de Mao Tsé-Tung (aliás, a intervenção estatal continua presente na China dos tempos atuais); no Iraque, nos tempos de Saddam Hussein e na Coréia do Norte, para citar apenas alguns registros.

 - Tipos de Terrorismo

Antes de adentrar-se nos principais grupos terroristas existentes ou já extintos, destacam-se os mais visíveis tipos de terrorismo, apresentados no trabalho com base nas obras de Colin M. Maclachlan (1997) e José Bonome (2009) :

1) Terrorismo religioso – caracterizado por violência direcionada a outras religiões e ainda por embasar-se de maneira radical em algum preceito religioso. Exemplifica-se, o primeiro caso, nos conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte. Há a mesma ocorrência entre Paquistão e Índia, no combate entre islâmicos e hindus. O segundo caso, de certa maneira, engloba o primeiro. É o fundamentalismo religioso. Mais comum de se observar na religião islâmica. Contudo, não se deve imputar unicamente ao islamismo essa possível desvirtuação. Aduz Noam Chomsky:

”(...) os Estados Unidos e o Ocidente geralmente não têm objeção a religião fundamentalista em si. Os EUA, na verdade, são uma das culturas mais extremamente fundamentalistas do mundo; não o Estado, mas a cultura popular” (CHOMSKY, 2002, p. 23).

O fundamento dos islâmicos radicais é o Jihad, ou seja, a Guerra Santa. Para estes fundamentalistas há a existência de apenas um Deus, Alá, e o governante religioso deve ser regido por ele. O Jihad tem dois objetivos bem determinados: estender as fronteiras do Islã e não permitir a propagação de “infiéis”. Seus inimigos seriam os ocidentais, os judeus, cristãos, politeístas, afinal, quem não aceita a palavra literal do Alcorão, Hadith (relatos de feitos do profeta Maomé) e Sharia (lei sagrada, com base no Alcorão).

2) Terrorismo político – ações de emancipação, libertação política ou tentativa de derrubar um governo. O ETA (Pátria basca e liberdade), que luta pela autodeterminação do povo basco, atuante na Espanha e França. A guerrilha urbana (substituindo a guerrilha rural de Mao-Tsé Tung e Che Guevara), para Fragoso, não deve ser confundido com o terrorismo. Explica o ilustre autor: a guerrilha urbana utiliza a cidade como campo de batalha, mas não tem por estratégia provocar o terror e sim é um meio de se alcançar a revolução.

Outra divergência entre a resistência armada e o terrorismo é levantada pelo autor Márcio Luis Oliveira:

O direito à resistência, que pode ser exercido de diversas formas, não raramente teve, ao longo de suas manifestações históricas, uma tendência a ser armado e violento. Entretanto, ele é sempre dirigido contra a ordem político-jurídica estabelecida, que pretende alterar. Jamais é direcionado contra a sociedade, de maneira indiscriminada (OLIVEIRA, 2003, p. 451).

Oliveira segue seus pensamentos, informando que “o direito à resistência armada busca a legitimação do poder, quando o poder é usurpado por autoridades políticas despóticas e, quase sempre corruptas”, (OLIVEIRA, 2003, p. 455) enquanto que o “atentado terrorista carece de proporcionalidade e razoabilidade dos meios utilizados para a realização do ato e a situação conjuntural na qual o ato se aperfeiçoa” (ibidem).

3) Ciberterrorismo – atinge comunicações e serviços essenciais de uma sociedade. Desvio de fundos de uma instituição financeira, corte de luz e de água, ataques à sites, roubo de informações privilegiadas.

4) Bioterrorismo (terrorismo químico-biológico) – utilização de gases tóxicos, armas biológicas, disseminação de vírus, ataque químico. A liberação pode ocorrer pelo ar, água e gêneros alimentícios. Nos anos 1980, Saddam Hussein lançou gás tóxico em Halaja, região de curdos. A bactéria Anthrax, distribuída pelos correios nos Estados Unidos, para setores governamentais e meios de comunicação, igualmente demonstra o pânico causado pelo bioterrorismo. Além da saúde humana, o meio ambiente também sofre graves lesões com esta espécie de terrorismo. Destruição de plantações, danificação da fauna e do ecossistema são algumas das conseqüências do bioterrorismo. O impacto dos produtos químicos no meio ambiente é alertado por Leonardo Estrela Borges (2003) ao comentar sobre a produção e o combate à produção de coca na Colômbia:

Acontece que tanto a produção quanto o combate às plantações de coca mostraram-se atividades de forte degradação ambiental. No caso da produção da coca, há o crescente empobrecimento do solo, a contaminação dos cursos d´água por dejetos químicos do refino da coca, o desmatamento e a queimadas, além dos danos causados pelos pesticidas. Quanto ao combate ao cultivo da coca, utilizou-se por muito tempo substâncias altamente químicas, como o Triclopyr, a Hexaninona, o Imazapyr e o Thebuthiron. Desde 1986, o principal método utilizado passou a ser o ato de fumegar as plantações com Glissofato, substância que, além de prejudicar consideravelmente a Floresta Amazônica, causa graves danos à saúde dos camponeses. (BORGES, 2003, p. 506).

5) Terrorismo ideológico – é similar no fundamentalismo religioso, no tocante ao fanatismo. A massa é discriminada pelos crentes. Estes constituem a elite de uma região e provocam o massacre de milhares, com intuito da realização de um “bem maior”. Casos: Sendero Luminoso e Khmer Vermelho.

6) Terrorismo de guerra – inclui intimidação do inimigo, sabotagem, seqüestro de líderes. È possível ser confundido com crime de guerra (excessos cometidos durante uma guerra). Ocorreu nas guerrilhas rurais do Vietnã, através da sabotagem e do hit-and-run (técnica de luta). Há a possibilidade, de ser acrescentado, como terrorismo de guerra, as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki pelos Estados Unidos da América, ao término da segunda guerra mundial. Aduz José Roberto Bonome:

Muitos Estados também buscam, na decretação da Guerra, legalizar e justificar atos terroristas – como no lançamento das bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, que mataram mais de 120.000 (cento e vinte mil) civis; ou mesmo o Japão, que utilizava os Kamikazes – soldados suicidas cuja ordem era para não morrerem sozinhos (BONOME, 2003, p.60).

- Organizações Terroristas Internacionais

Descritas por Colin M. MacLahan (1997), as associações que promovem o terror, serão divididas, de acordo com área de atuação predominante:

1) Europa – A) Brigadas Vermelhas. Atua na Itália (Toscana, Milão, Gênova). Surge em 1972, como facção ultrarradical do movimento obreiro italiano. Seu principal objetivo é a destruição do governo italiano e a substituição por um regime revolucionário marxista-leninista. Os recrutas das Brigadas tiveram treinamento por terroristas palestinos, no Líbano. Utilizam as seguintes táticas: assassinatos, seqüestros e roubos de banco. Duas facções se originam dentro das Brigadas Vermelhas: o Partido Comunista Combatente (PCC) e a União dos Comunistas Combatentes (UCC). Alguns feitos: assassinato do Presidente da Associação de Advogados de Turín (1977) e assassinato do presidente do governo regional da Sicília (1980). B) Exército Republicano Irlandês Provisional – IRA. Fundado em 1969. Atuação na República da Irlanda, Irlanda do Norte, Grã-Bretanha. Principal objetivo afastar o domínio britânico. Recebe apoio de países do Oriente Médio e da Líbia. Histórico: com a Irlanda separada, a minoria católica da Irlanda do Norte revoltou-se, entrando em atrito com o governo (ou seja, o domínio britânico) e a maioria protestante. Em 1969, o Exército Republicano Irlandês dividiu-se em duas facções: a Oficial e a Provisional (terrorista). O “Domingo Sangrento”, marcado pelas mortes de estudantes católicos irlandeses, em Derry, serviu como estopim para o combate entre católicos e protestantes. Os ataques do IRA são envoltos por grande publicidade. Algumas ações: assassinato do embaixador britânico na República da Irlanda (1976) e implantação de bomba no distrito Dockland em Londres (1996). C) Organização Revolucionária 17 de Novembro - criada em 1975. Atuação: Grécia. Sua principal meta é estabelecer um governo marxista. Primeira aparição ocorre em 1975, com o assassinato do chefe da CIA em Atenas, Richard Welch. O método de atuação consiste na implantação de bombas em casas, escritórios, ônibus ou clubes freqüentados por agentes militares americanos. Ações relevantes: tentativa de assassinato de agente antidrogas dos Estados Unidos (1980) e colocação de bombas em escritórios da American Express e do Citibank em Atenas (1995). D) Pátria Basca e Liberdade (ETA) – atuante na França e Espanha. Tem de objetivo principal, o estabelecimento de nação basca independente. Aliou-se com o Exército Republicano Irlandês Provisional (IRA). Suas ações de terrorismo estão voltadas ao conflito com o governo espanhol, servindo-se de assassinatos contra funcionários do governo, oficiais de polícia e militares. Extorsões, assaltos e intimidação de comerciantes são recursos utilizados para aumentar o fundo de operação. Realizações: assassinato do primeiro ministro espanhol por uma bomba de controle remoto (1973); morte do diretor da polícia de defesa (1985).

2) América do Sul – a) Exército de Libertação Nacional – opera em sua maior parte no norte e noroeste da Colômbia e fronteiras perto da Venezuela. Para o autor, a ajuda financeira veio, inicialmente, de Cuba. Os seus objetivos principais seriam a instalação de um regime socialista e a reforma agrária, baseada no modelo cubano. Fundado em 1964. Especializado em seqüestros de abastados e pedidos de grandes resgates. Relevantes ações: ataques a oleodutos e instalações de petróleo (1987); destruição parcial, por bomba, do Congresso de Bogotá (1995); emboscada (através da criação de campos minados) com a morte de quatro militares (2009). B) Frente Patriótica Manuel Rodriguez (FPMR) – considerado o único grupo terrorista ainda em atividade no Chile, conforma o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. A sua meta é a criação de um regime socialista baseado nos sindicatos de trabalhadores. Fundada em 1983, com a intenção de pôr fim ao governo de Augusto Pinochet. Os meios utilizados pela associação terrorista são assassinatos e sabotagens. Eventos importantes: controle de estação de rádio (1984) e tentativa de assassinato de Pinochet (1986). C) Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) – mais de 40 anos de atividade, fundada em 1964. Entre seus planos estão a criação de um regime marxista-leninista e expulsão dos interesses econômicos de estrangeiros. Utiliza-se de intimidação para com a população rural. Tem estreitos laços com cartéis de narcóticos, que procuram proteção para suas operações. Além do tráfico de drogas, o dinheiro é obtido através de seqüestros, roubos e extorsões. Recebeu apoio do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Apesar de ser taxada de guerrilha (movimento político legítimo), o Departamento de Defesa considera FARC, instituição terrorista (devido à utilização de seqüestros, estupros e atentados). D) Movimento Revolucionário Tupac Amaru – criado em 1983. O Movimento objetiva estabelecer um regime radical populista peruano e garante recursos através de extorsões, seqüestros, roubos de bancos e acordos com traficantes de drogas. Incidentes destacados: disparo de morteiros contra a residência do embaixador dos Estados Unidos da América (1988) e tomada da embaixada japonesa em Lima (1996). E) Sendero Luminoso – fundado em 1969, operando o terrorismo por volta de 1980. Sua missão é incitar os camponeses a uma luta armada, tendo por finalidade a instalação de uma ditadura socialista. Abimael Guzmán (capturado em 1992) idealizou o Sendero Luminoso influenciado pelos ensinamentos do pensador José Carlos Mariátegui (quem indicava um “caminho luminoso” para a superioridade do socialismo), criador do Partido Comunista do Peru. O grupo Sendero Luminoso tem ligações com traficantes de drogas, obtendo assim, o apoio financeiro. Ações terroristas relevantes: bomba na embaixada dos Estados Unidos em Lima (2002).

3) Ásia – A) Chukaku-Ha. De 1963, opera no Japão. Deseja abolir a democracia constitucional e a monarquia do Japão, com a ascensão do estado social radical. Ataca prédios governamentais e meios de transporte. Ocorrências: incêndio de importantes estações de trens japonesas (1985); corte de linhas de comunicação do aeroporto Hanedo, em visita oficial do presidente norte-americano Jimmy Carter (1979). B) Exército Vermelho Japonês – sua operação estendeu-se à Europa Ocidental e Oriente Médio. Almejava derrubar o governo japonês e instaurar uma República Popular com princípios marxistas-leninistas. Fundação em 1971. Atos cometidos: invasão da sede diplomática em Haia (1974), explosão de bomba em clube militar americano, em Nápoles (1988). Esta formação terrorista dissolveu-se em 2001. C) Harakat Ul-Ansar (HUA) – Paquistão. De 1993, com a finalidade de separar a Caxemira da Índia e anexá-la ao Paquistão. È auxiliado por individuais nos Estados do golfo, Arábia Saudita, Paquistão e Caxemira. Colin M. MacLahan (1997) afirma que entre a HUA e o governo paquistanês existe uma espécie de aliança, sendo que o grupo auxilia parte do objetivo político do país, que é o controle sobre a região da Caxemira, em disputa com os indianos. D) Hezbollah (Partido de Deus) – criação ocorreu em 1982. O Hezbollah almeja transformar o Líbano em um Estado islâmico xiita. Aliado a esse desejo, está a destruição do Estado de Israel. Suas operações estão espalhadas pelo Líbano, Israel, América Latina e Europa. O ilustre estudioso ressalta que a organização é aliada ao Irã e à grupos islâmicos fundamentalistas. O Hezbollah é divido em partido e milícia. Nas eleições de 1992, o partido garantiu severa representatividade no parlamento libanês. A milícia, por sua vez é voltada para as atividades terroristas. O Hezbollah prega o ódio ao “grande satã” Estados Unidos e aos judeus. Algumas ações relevantes do grupo: ataque à embaixada americana em Beirute (1983) e emboscada e morte de cinco soldados israelenses no sul do Líbano (1996). E) Novo Exército do Povo – opera desde 1969. As operações terroristas são exercidas na República das Filipinas. A construção de um governo maoísta, com raízes campesinas, é o objetivo do Novo Exército do Povo. Atividades terroristas destacadas: assassinato do filho do comandante geral do exército (1979) e morte de dois alcaides (1982). F) Organizações Terroristas Sikh – fundada em 1981. A área de atuação básica é a Índia, com seguimentos na Europa, Canadá, Estados Unidos e demais regiões da Ásia. A meta primordial consiste em fundar um Estado sikh independente, em substituição ao Estado indiano de Punjab. Sikh é uma religião que data do final do século XV, que defende a meditação e devoção a Deus. É a etnia minoritária indiana (a maioria é representada pelos hindus). Alguns ataques terroristas cometidos: tentativa de explosão de uma estação de trem em Nova Delhi (1987) e assalto a três ônibus, resultando em 76 mortos e 20 feridos (1987). G) Khmer Vermelho – surge em 1965. Caracterizado como causador de um dos maiores genocídios da história da humanidade. Liderado por Pol Pot, Ta Mok e Leng Sary. Por meio do terrorismo ideológico, em que se procurava “tirar” a população dos vícios e formar um regime maoísta, o Khmer Vermelho eliminou de dois a três milhões de cambojanos. H) Partido dos Trabalhadores do Kurdistão – opera na Turquia, Iraque, Europa Ocidental, Bulgária e Rússia. O PKK pretende formar um Estado curdo independente, com bases marxistas e leninistas, no sudeste da Turquia. O ressentimento por parte do PKK aumentou na medida em que os curdos, minoria na Turquia, foram perseguidos e violentados pelo governo. O grupo terrorista envolve-se com traficantes de haxixe e heroína. Entre outros incidentes, do PKK, citam-se dois: seqüestro de 19 turistas ocidentais na Turquia (1993) e ataque de mulher-bomba, que provocou a morte de 9 soldados (1996).

4) Oriente Médio – a) Al- Fatah - grupo fundado por Yasser Arafat, em 1960. Em 1969, Arafat conseguiu unificar o Al-Fatah com a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), e resultando na publicidade mundial em relação ao problema político palestino, a luta pelo Estado soberano da Palestina. Em 1993, por meio dos tratados de Oslo, a entidade formada pela OLP e Al-Fatah, renunciaram ao uso de armas e ataques terroristas, comprometendo-se a buscar uma solução pacífica, juntamente com Israel, na questão do Oriente Médio. Yasser Arafat faleceu em 11 de novembro de 2004, com 75 anos de idade. O Al-Fatah mantém sua força, seja aliado ao Hamas, no caso da resistência armada ou seja em conflito com o mesmo, em assuntos eleitorais, acerca da liderança da Autoridade Palestina. B) Frente de Luta Popular (FLP) – fundação em 1967, com atuações no Líbano e território da Autoridade Palestina. A FLP luta pelo nascimento de um forte Estado democrático palestino. Em 1991, aliou-se à OLP. Incidentes cometidos pela FLP: seqüestro de coronel do exército americano em Beirut (1975) e ataque em Atenas, no qual causou ferimentos em 18 turistas britânicos surdos-mudos (1985). C) Frente Democrática para Libertação da Palestina (FDLP) – é um grupo dissidente da Frente Popular para a Libertação da Palestina, originado em 1969. A Frente Democrática age em Israel, Faixa de Gaza, Síria e Líbano. Esta organização, apesar de ter em um de seus focos a soberania palestina, é composta por muitos jordanianos, aumentando seus planos para o estabelecimento de regimes marxistas no Oriente Médio. Entrou em cooperação com a OLP, organização antigamente liderada por Yasser Arafat. Certos incidentes relacionados à FDLP: ataque à escola em Maloot, causando a morte de 27 crianças e tentativa de assassinato ao então ministro israelense Ariel Sharon. D) Frente Popular para Libertação da Palestina – além do objetivo já descrito no título do grupo, a Frente pretende instaurar um Estado palestino marxista. Antes do declínio soviético, a organização, criada em 1967, recebeu treinamento e refúgio na Europa Oriental e ao fim da URSS, obtém auxílio material por meio da administração de companhias comerciais, instaladas no Líbano, Gaza, Síria. Os principais alvos da FPLP são os civis israelenses. Incidentes da Frente Popular: seqüestro de avião na rota Paris-Tóquio (1977) e ataques contra ônibus em Israel (1984). E) Hamas – esta associação tem suas idéias fundeadas na Irmandade Muçulmana. Esta Irmandade fundada no Egito, pelo ano de 1928, consistia em fundamentalismo islâmico e total afastamento de valores ocidentais. O Hamas nasceu pelo ano de 1988, por meio do Sheik Ahmed Yassin. Entre as metas desta organização estão: formação de um Estado fundamentalista islâmico palestino e o extermínio dos judeus. Em 2006, o Hamas ganhou as eleições legislativas, substituindo Al-Fatah (que tem como co-fundador Mahmoud Abbas, atual presidente da Autoridade Palestina). A discordância entre esses dois grupos, fez com que o Hamas dominasse a Faixa de Gaza por meio da força, no ano de 2007. Tal ato agravou a cisma entre os palestinos. Citam-se duas ocorrências de ação do Hamas: explosão de centro comercial em Israel (1996) e ataques em Jerusalém e Haifa, com o resultado de 30 mortos e 150 feridos (2001). F) Jihad Islâmico Palestino – fundado em 1983. Nesta “Guerra Santa”, é pregada a destruição de Israel, derrubada de governos árabes e a hegemonia de regimes regrados pela Sharia, a lei islâmica. É apoiado pelo Irã (possível apoio financeiro), Sudão, Síria e Jordânia. Incidentes relacionados ao Jihad Islâmico: ataque a estação central de ônibus em Tel Aviv (1993) e lançamento de foguetes em direção à Israel (2008). G) Kach e Kahane Chai – objetivo fundamental: a restauração de Israel, dos tempos bíblicos. A fundação do grupo (nos anos 80) realizou-se pelo rabino radical Meir Kahane, que se naturalizou americano. Kach atua em Israel e Estados Unidos. Os alvos do Kach são, principalmente, o governo israelense e os palestinos. O assassinato do primeiro ministro israelense Yitzhak Rabin, em 1995, pode ter tido envolvimento da organização. H) Organização de Abu Nidal – originou-se, em 1973, de descontentes com a posição moderada do Al-Fatah, este liderado por Yasser Arafat. A ambição da Organização é ilimitada: pretende destruir Israel de forma total. Os “tentáculos” da associação espalham-se pelo Oriente Médio, Europa, Ásia, Egito, Sudão e África. O líder do grupo, era Sabri-al Banna ou Abu Nidal, encontrado morto em 2002, no Iraque. Casos de violentos métodos de Abu Nidal: assassinato de três altos funcionários da OLP (1978) e intimidação realizada perante funcionários jordanianos (1994).

5) África A) Frente Islâmica de Salvação – ativa na Argélia e França, com criação no final dos anos 80. Os simpatizantes da Frente, residentes em países europeus e nos Estados Unidos, fornecem armas e dinheiro para a causa, que é a instauração de uma Argélia fundamentada na lei islâmica, Sharia. Explosão de carro-bomba, em um café de Argel, no ano de 1995 e assassinatos de militares e policiais, no mesmo ano, são alguns dos incidentes registrados em nome da Frente Islâmica de Salvação. B) Grupo Islâmico - do Egito. A Sharia, lei islâmica, também é artifício utilizado para se instaurar um Estado islâmico egípcio. Para atingir seus fins, a Frente Islâmica de Salvação recorre a assassinatos de cristãos (uma das ocorrências registradas: a morte de oito cristãos, no sul do Egito, em 1996), jornalistas, políticos (na qual se inclui a tentativa de assassinato do presidente egípcio Hosni Mubarak em 1995), intelectuais e acadêmicos, além de muitos outros cidadãos destacados. C) Grupo Jihad – suas operações estendem-se ao Egito, Paquistão, Afeganistão e Sudão. A missão suprema do grupo é a instalação de um Estado islâmico egípcio. O assassinato do presidente Anwar Sadar (1981) e a tentativa de assassínio do primeiro ministro Sedky (1993), com um carro-bomba, são creditados ao Jihad.

Além das citadas, acrescenta-se a organização tida como responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001: Al-Quaeda, grupo de liderança de Osama Bin Laden, sediado, inicialmente no Afeganistão. Os Estados Unidos foram vítimas de sua própria criação: nos anos 80, tal associação terrorista recebeu patrocínio do governo americano para a luta contra os soviéticos, no período da Guerra Fria. Além do maior ataque terrorista já efetuado, Osama, foi apontado culpado pelos atentados ao World Trade Center, no início dos anos 90.

Diferenciação do Terrorismo para com outros Crimes Internacionais

- Crime Político

O terrorismo consistiria naquele ato em que se tende a provocar o terror (risco generalizado) em cidadãos de um Estado ou mesmo atentar contra os direitos inerentes deste, como a soberania e a ordem pública. O crime político, da mesma forma que o terrorismo, não encontra também uma clara definição, por isso, recorre-se à jurisprudência, para se obter uma idéia de caracterização:

CRIME POLÍTICO. COMPETÊNCIA. INTRODUÇÃO, NO TERRITÓRIO NACIONAL, DE MUNIÇÃO PRIVATIVA DAS FORÇAS ARMADAS, PRATICADO POR MILITAR DA RESERVA (ARTIGO 12 DA LSN). INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO POLÍTICA: CRIME COMUM. PRELIMINARES DE COMPETÊNCIA:

3ª) Se o paciente foi julgado por crime político em primeira instância , esta Corte é competente para o exame da apelação, ainda que reconheça inaplicável a Lei de Segurança Nacional. MÉRITO: 1. Como a Constituição não define crime político, cabe ao intérprete fazê-lo diante do caso concreto e da lei vigente. 2. Só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2º da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/82), ao qual se integram os do artigo 1º: a materialidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a perigo de lesão a soberania nacional, de forma que, ainda que a conduta esteja tipificada no artigo 12 da LSN, é preciso que se lhe agregue a motivação política. Precedentes. 3. Recurso conhecido e provido, em parte, por seis votos contra cinco, para, assentada a natureza comum do crime, anular a sentença e determinar que outra seja prolatada, observado o Código Penal. (grifo nosso)
STF - SEG. RECURSO CRIMINAL: RC-segundo 1468 RJ

Julgamento: 22/03/2000
Órgão Julgador: Tribunal Pleno - STF

Há a proteção, por parte do criminoso político, de não ser extraditado ao país de origem. Assim reza o art. 5º, LII da Constituição brasileira de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;

A Constituição em relação ao terrorismo, o repudia fortemente, colocando-o no Título I: “Dos Princípios Fundamentais”, artigo quarto, que expõe os princípios das relações internacionais: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;”. O Decreto nº 5.639/2005 (Convenção Intramericana contra o Terrorismo), igualmente afasta qualquer semelhança entre terrorismo e crime político. Determina o artigo 11 do Decreto:

Inaplicabilidade da exceção por delito político Para os propósitos de extradição ou assistência judiciária mútua, nenhum dos delitos estabelecidos nos instrumentos internacionais enumerados (...) será considerado delito político ou delito conexo com um delito político ou um delito inspirado por motivos políticos (grifo nosso).

Caberá, logo, ao Supremo Tribunal Federal a incumbência de definir se uma infração é ato de terrorismo ou crime político, conforme se extrai da seguinte redação do artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.1815/80), em seus §§2o e 3o:

§ 2º Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração.

§ 3° O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.

- Crime de Guerra

As realizações do Tribunal de Nuremberg (Alemanha, novembro de 1945-1946 ) e Tóquio (Japão, janeiro de 1946) , que julgaram os criminosos da Segunda Grande Guerra, receberam severas críticas doutrinárias pelo desrespeito ao princípio da legalidade e ao da não retroatividade da lei penal. Argüi-se que a justiça retroativa corrompia o princípio nullla poena sine lege, segundo compreende José Alfredo de Oliveira Baracho: “nenhuma pena pode ser infringida sem uma lei preexistente que determine o crime comissivo, não existindo um precedente histórico” (BARACHO, 2003, p. 37). Dos 22 nazistas julgados no Tribunal de Nuremberg, 12 receberam condenação de morte. Enquanto que no Tribunal de Tóquio, 8 dos 25 julgados receberam a mesma pena (BARACHO, 2003).

Em 8 de agosto de 1945, assinado em Londres (pelos Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França), o Estatuto do Tribunal Militar Internacional, assim dividiu os crimes internacionais (artigo 6o), conforme ensinamentos de Accioly ; Casella e Silva (2009) :

a) Crimes contra a paz – consiste no ato de preparar e direcionar um ato de agressão ou violar um tratado;

b) Crimes de guerra- é o abuso exercido em um contexto local e social atingido por uma guerra, tais como: deportar, maltratar ou assassinar civis em territórios conquistados; pilhagem e destruição de bem públicos ou privados; maus tratos ou assassinatos de prisioneiros de guerra, entre outros;

c) Crimes contra a humanidade – é o ato de matar, escravizar, deportar ou qualquer outra ação desumana para com a população civil (anterior ou concomitantemente a uma guerra); perseguições por motivações religiosas, políticas, raciais.

O crime de guerra é a violação, além das disposições da Convenção de Haia (1907) e do Direito Humanitário de Genebra (1949), aos princípios da Carta das Nações Unidas, a qual veta expressamente o uso da força nas relações internacionais. Dispõe artigo 2.4 da Carta:

Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas.

Entretanto, há exceção para a vedação do direito de guerra, no caso de legítima defesa, descrita no artigo 51 do documento:

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

Os Estados Unidos utilizaram na excludente, o argumento para os ataques ao Afeganistão, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001. Entretanto, a legítima defesa aplicar-se-ia apenas em casos de guerra (Estado versus Estado) não para respostas a uma ação terrorista. O atentado terrorista, ainda que se caracterize como uma “agressão armada”, não é passível de certeza quanto à identidade do agressor e da extensão de sua organização. No entanto, os Estados Unidos recorreram à “legítima defesa” descrita na “Resolução 1.368 (2001) do Conselho de Segurança das Nações Unidas que Condena os Atentados Terroristas aos EUA”, em 12 de setembro do mesmo ano.

Existem cinco características que condicionam a permissividade do uso da legítima defesa, são elas: 1) existência de uma agressão atual ou iminente – se não for permitida pelo direito, a agressão é injusta; 2) necessidade dos meios utilizados – menor dano possível e indispensável à outrem; 3) proporcionalidade – para repelir uma agressão, os meios devem ser adequados e moderados; 4) existência de direito próprio ou alheio – integridade, patrimônio; 5) provisoriedade – o ato praticado deve ser cessado logo que se afastar o risco atual ou iminente (VELLOSO, A, 2003).

A legítima defesa preventiva que é aquela em que se procura atacar um adversário antes que o mesmo realize uma ameaça prévia de agressão armada (infiltrações de forças armadas ou incentivos estatais a atividades subversivas). Essa forma de legítima defesa foi realizada, por exemplo, a favor de Israel, em 1975, quando esse país atacou um acampamento palestino no sul do Líbano (Ibiden).

O Terrorismo e o Direito Internacional

– O Impacto nos Direitos Fundamentais

“Direitos fundamentais do homem”, expressão enunciada pelo ilustre doutrinador José Afonso da Silva (2003), desmembra-se em três núcleos:

a) Direitos – além de fazer referência a princípios do ordenamento jurídico, serve também para determinar, no nível do direito positivo, prerrogativas e instituições para a existência de uma convivência pacata, com dignidade e igualdade para as pessoas inseridas em uma sociedade;

b) Fundamentais – situações jurídicas elementares, substanciais, para a convivência e sobrevivência do homem;

c) Do homem – direcionados para a humanidade.

Esses princípios indispensáveis para que o homem possa sobreviver e conviver socialmente são dotados de necessária historicidade, visto que se modificam no decorrer dos tempos. Para melhor compreender o alcance e a eficácia dos direitos fundamentais, é preciso analisar a evolução histórica dos mesmos.

Abordaram a proteção aos direitos fundamentais, ainda que de forma precária, na Idade Média e Moderna, as seguintes cartas e declarações inglesas: Magna Carta (1215-1226), a Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Amendment Act (1679) e Bill Of Rights (1688). A Magna Carta visava proteger os interesses e direitos dos homens livres, mesmo que estes representassem um ínfimo número na parcela societária. O segundo documento, Petition of Rights, era uma petição do Parlamento ao rei, requerendo direitos e liberdades aos súditos. Pressionado, o monarca cedeu. Hábeas Corpus Act, de 1679, acrescentou maiores garantias à liberdade dos indivíduos e suprimiu as prisões exercidas de forma arbitrária. E por fim, o documento de suma importância, denominado Bill of Rights (Declaração de Direitos), como uma das conseqüências da Revolução de 1688 e implantação de uma monarquia constitucional, limitada pela soberania popular.

Na Idade Moderna, a Declaração de Virgínia, datada de 1776, inspirada em Locke, Rousseau e Montesquieu, clamava a igualdade dos homens, o poder do povo, a divisão dos poderes, o direito de defesa, a liberdade de imprensa, entre outras prerrogativas aos homens inseridos em uma democracia. Posteriormente, a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, com suas emendas finais, constituíram a Carta de Direitos dos americanos, na qual era assegurado, entre outros direitos, o da inviolabilidade da pessoa e do domicílio, o de propriedade, o de voto às mulheres, o de igualdade perante a lei e algumas proibições, em referência à suspensão ao hábeas corpus (exceto em casos de ordem pública) e às leis retroativas.

Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de caráter individualista e liberal, procurou proteger o indivíduo do Estado, garantindo-lhe liberdade, igualdade, propriedade, ao mesmo tempo em que pretendia estender seus princípios a um valor universal, e não atingir apenas os cidadãos franceses. AFONSO DA SILVA (2003) observa:

A Declaração de Virgínia e a de outras ex-colônias inglesas na América eram mais concretas, preocupadas com a situação particular que afligia aquelas comunidades, enquanto a Declaração francesa de 1789 é mais abstrata, mais “universalizante” ( AFONSO DA SILVA, 2003, p.157).

Baseado neste caráter universalizante da Declaração de 1789, juntamente com a defesa dos direitos sociais, caracterizam as declarações do século XX, que atingiram um nível multinacional. Em 1945, a Carta das Nações Unidas, ressaltou a importância do respeito mundial aos direitos fundamentais do homem. Em 1948, na cidade de Paris, a Assembléia Geral da Onu aprovou a magnânima Declaração Universal dos Direitos do Homem, constituída por trinta artigos, nos quais estão consagradas a objetividade e clareza dos princípios que orientam uma sociedade igualitária e justa.

Todavia, por ser de alcance mundial, complexa é sua eficácia, logo, criam-se pactos e convenções que têm por finalidade dar força e reconhecimento aos enunciados da Declaração Universal. Esta, em vinte e um de seus artigos, trata de “direitos e garantias individuais”, entre os quais se cita o direito à liberdade, à vida, de opinião; respeito à intimidade; igualdade, dignidade; garantia de eleições através do sufrágio universal e voto direto. Em seguida, vem os “direitos sociais do homem”, que do artigo vinte e dois ao vinte e oito, enuncia: direito às férias, descanso remunerado e ao lazer; direito à previdência e seguro social; direito à educação e à cultura; direito à satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais e outros. O artigo vinte e nove relata os deveres do indivíduo com a comunidade e ao final, o artigo trinta pondera que a interpretação da Declaração será feita em benefício dos direitos nela relatados.

Na Constituição brasileira de 1988, os direitos fundamentais são divididos em seis grupos, conforme ensina José Afonso da Silva (2003). Acrescentado a essa classificação, será produzido um paralelo com a exposição dos direitos fundamentais em outras constituições mundiais:

(1) Direitos individuais – artigo 5o – é a autonomia dos particulares. Na Constituição da Argentina de 1994, vê-se a defesa destes direitos no artigo 14:

Todos los habitantes de la Nación gozan de los siguientes derechos conforme a las leyes que reglamenten su ejercicio; a saber: de trabajar y ejercer toda industria lícita; de navegar y comerciar; de peticionar a las autoridades; de entrar, permanecer, transitar y salir del territorio argentino; de publicar sus ideas por la prensa sin censura previa; de usar y disponer de su propiedad; de asociarse con fines útiles; de profesar libremente su culto; de enseñar y aprender.

(2) Direitos à nacionalidade – artigo 12- direitos fundamentais do homem-nacional; na Constituição da Áustria, encontra-se o direito no artigo 11 denominado Federal Legislation and State Execution: “In the following matters legislation is the business of the Federation, execution that of the States: 1. nationality and right of citizenship (…)”

(3) Direitos políticos – art 14 a 17 – direitos democráticos. Na constituição espanhola de 1978, em seu artigo 6, há a defesa do pluralismo político:

Los partidos políticos expresan el pluralismo político, concurren a la formación y manifestación de la voluntad popular y son instrumento fundamental para la participación política. Su creación y el ejercicio de su actividad son libres dentro del respeto a la Constitución y a la ley. Su estructura interna y funcionamiento deberán ser democráticos.

(4) Direitos sociais – art. 6o e 193 e ss. – direitos ao homem em relações sociais (ex: saúde, educação); na constituição peruana de 1993, há diversas referências aos direitos sociais:

Artículo 11o. El Estado garantiza el libre acceso a prestaciones de salud y a pensiones, a través de entidades políticas, privadas o mixtas. Supervisa así mismo su eficaz funcionamiento.

Artículo 12o. Los fondos y las reservas de la seguridad social son intangibles. Los recursos se aplican en la forma y bajo la responsabilidad que señala la ley.

Artículo 13o. La educación tiene como finalidad el desarrollo integral de la persona humana. El Estado reconoce y garantiza la libertad de enseñanza. Los padres tienen el deber de educar a sus hijos y el derecho de escoger los centros de educación y de participar en el proceso educativo.

(5) Direitos coletivos – art. 5o – representam os direitos do homem inserido em uma coletividade; sobre os direitos da coletividade, diz o artigo 88, da Constituição da Colômbia:

La ley regulará las acciones populares para la protección de los derechos e intereses colectivos, relacionados con el patrimonio, el espacio, la suguridad y salubridad públicos, la moral administrativa, el ambiente, la libre competencia económica y otros de similar naturalexa que se definen en ella

(6) Direitos solidários – art. 3o e 225 – direitos fundamentais do gênero humano (paz, meio ambiente); da dignidade humana e paz, salienta o segundo artigo da constituição grega:

Respect for and protection of human dignity constitute the primary obligation of the State.

Greece, following the generally accepted rules of international law, seeks consolidation of peace and justice and fostering of friendly relations among Peoples and States.

Atos de terrorismo, obviamente, atingem os objetos e os sujeitos jurídicos protegidos pelos direitos fundamentais do homem. O terror promovido retira a vida, a dignidade da pessoa; abala sentimentalmente as famílias das vítimas e a sociedade como um todo; destrói patrimônios; o ideal de segurança promovido pelo Estado é contestado. São infindáveis as conseqüências jurídicas do terrorismo posto em prática.

– Da Possibilidade da Transação para Combater o Terrorismo

Os países, muitas vezes para combater essa forma de ódio pregada, recorrem à flexibilidade dos direitos fundamentais. Aparece, assim, a figura da “transação de valores”. Os comentados direitos não são absolutos, pois devem ser analisados segundo a situação apresentada, assim, certos princípios são colocados em primeiro plano, momentaneamente, com intuito de se resolver um malefício evidente. Seguem algumas legislações mundiais que expõem tais possibilidades de transações, exibidas pelo doutrinador José Adércio Leite Sampaio (2003):

A Grã-Bretanha, em seu Prevention of Terrorism Act de 2005, abre a exceção à liberdade de ir e vir: pode ocorrer a limitação para prevenir atos terroristas. Quanto ao tempo de prisão preventiva declarada, o acusado de terrorismo, em Portugal, será aprisionado por um tempo maior do que de um acusado de crime comum (Código Penal português, artigo 215.2). Na Espanha e na Itália (Lei Orgânica no 4/1988 e artigo 63-4, do Código Processual Penal, respectivamente), o preso por terrorismo ficará, se necessário, sem comunicação com seu advogado, em tempo decretado pelo juiz.

Na comunidade européia, a extradição é permitida quando os crimes políticos têm qualificação terrorista, ou seja, que o ato corresponda às infrações descritas na Convenção de Haia (repressão de captura ilícita de aeronaves, 1970), na Convenção de Montreal (repressão dos atos ilícitos dirigidos contra a segurança da aviação civil, 1971) e na Convenção européia de repressão ao terrorismo (1987).

Comunicações telefônicas e eletrônicas, no caso de expedição de mandados judiciais, poderão ser interceptadas pelo FBI, nos EUA, ainda que sem justa causa. É o que determina a Seção 216 do USA Patriot Act. O mesmo documento, nas seções 316 e 373 possibilita o confisco de bens de pessoas que se envolveram com o terrorismo, lesando, desta forma, o direito à propriedade.

A inviolabilidade domiciliar, na Espanha, será descumprida em momentos necessários e excepcionais de captura do possível terrorista. O juiz não precisará tomar conhecimento, para que seja viável a entrada no domicílio (Lei Orgânica no 4/1988).

A Grã-Bretanha restringiu a liberdade de expressão para a rede de televisão BBC. Impôs que esse meio de comunicação não realize ou publique programas que ofendam o sentimento público e, além disso, requereu que a rede não exponha informações de identificação (logotipos, uniformes) de grupos terroristas. Também na Grã-Bretanha, há a proibição de reuniões de grupos ligados ao terror, sendo vedada a liberdade de associação e reunião que tenham motivos terroristas, conforme informa Prevention of Terrorism Act (2005).

A violação à intimidade da pessoa, por sua vez, é realizada em várias esferas: 1) câmeras de TV que são espalhadas em vários pontos nas cidades européias; 2) registros financeiros, monitorados por instituições financeiras, segundo imposição da Usa Patriot Act, seção 359; 3) acesso a registro de estudantes pela polícia, com suspeita de envolvimento em atividades ilícitas ou não (Usa Patriot Act, seção 508).

A tortura, classificada na legislação brasileira de crime hediondo, já serviu de instrumento para interrogatórios de suspeitos com a finalidade de obter informações de movimentos terroristas. O governo britânico implantou tal método nos membros do grupo IRA (proibiu-se a conduta em 1976) e mais recentemente (pós-2001) suspeita-se que a tortura foi aplicada pelos militares americanos em presos na base de Guantánamo, Cuba.

É importante a cautela na supressão de direitos fundamentais, pois, se acionada de forma discricionária e constantemente, caracteriza a substituição de um governo democrático, garantidor de direitos sociais e individuais por um governo autoritário, manipulador de massas e marcado por abusos sobre seus governados.

– Convenções e Tratados Contrários ao Terror

A Convenção de Genebra, de 1937, é pioneira em abordar o “terrorismo”. Em seu artigo 2o, trouxe uma possível definição do crime em questão: “atos de terrorismo são atos criminosos dirigidos contra um Estado com o objetivo de provocar uma situação de terror na mente de determinadas pessoas (...)”. A Convenção não entrou em vigor, entretanto, representou o início do interesse da comunidade internacional pelo tema.

Em 1963, focou-se o combate ao terror em circunstância especifica: ocorrência em aeronaves. Neste ano, celebrou-se “A Convenção sobre Infrações e Certos Atos Praticados a Bordo de Aeronaves”, em Tóquio, 14 de setembro. O terrorismo aéreo já era constatado em décadas anteriores, como nos anos 40, com o seqüestro de um avião na Romênia. O artigo 11 da Convenção dá poderes totais ao comandante, para que detenha a pessoa que cometa ou que esteja na iminência de cometer ato de seqüestro, interferência ou controle da aeronave. A “Convenção para a Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronaves”, celebrada em 16 de dezembro de 1970, demonstra no artigo 2o, que o crime é gravíssimo e requer sanções rigorosas. Neste documento, é salientada a necessidade de reciprocidade de tratamento entre os países, para a efetivação da extradição (artigo 8.1). No ano seguinte, em Montreal, surge a “Convenção para a Repressão aos Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil”. No primeiro artigo, fixam-se quais infrações cometidas sofrerão punições: 1) ato de violência que coloque em risco a segurança da aeronave; 2) destruição de aeronave; 3) colocação de substância ou dispositivo que impossibilite o avião de voar ou que coloque em risco a sua segurança; 4) interferência na operação de vôo; 5) divulgação de falsa informação. No segundo artigo e em suas alíneas, determina-se que o sujeito ativo é qualquer pessoa que tenha cometido alguns dos crimes descritos no artigo anterior, e aquela que auxiliar na prática do ato ilícito, é considerada cúmplice.

Os aeroportos receberam proteção internacional em 1988, pelo “Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos que Prestam Serviços À Aviação Civil Internacional”, assinado em Montreal. É documento complementar à “Convenção para a Repressão aos Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil”. Elucida o artigo primeiro:

Acrescente-se ao Artigo I da Convenção o seguinte parágrafo 1 bis:

‘1 bis. Qualquer pessoa comete um crime se, ilícita e intencionalmente, utilizando qualquer artefato, substância ou arma:

a) executa um ato de violência contra uma pessoa em um aeroporto que preste serviço à aviação civil internacional, que cause ou possa causar lesões graves ou a morte; ou

b) destrói ou causa graves danos ás instalações de um aeroporto que preste serviço à aviação civil internacional ou a uma aeronave que não esteja em serviço e esteja situada no aeroporto, ou perturba os serviços do aeroporto, se esse ato coloca em perigo ou pode colocar em perigo a segurança do aeroporto’.

A segurança da navegação marítima é discutida em 1988, em Roma, com a “Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima” e o “Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas na Plataforma Continental”.

A Assembléia Geral da ONU, visando reforçar a legislação especial referente aos agentes de relações internacionais, formalizou em 1973, na cidade de New York, “A Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, inclusive Agentes Diplomáticos”. As pessoas (e suas famílias) acolhidas pela proteção são: Chefes de Estado; Chefes de Governo; Ministros das Relações Exteriores; representantes e funcionários de Estado, em situações especiais, que são incluídos por legislações internacionais. Protegem-se também, de atentados, os locais de trabalho, as residências e os meios de transporte das pessoas elencadas. No artigo 8, a Convenção estabelece que, os crimes descritos no documento serão passíveis de extradição, ainda que não existam tratados celebrados entre os Estados Partes que os caracterizem como extraditáveis.

A necessidade de cooperação entre os integrantes da comunidade internacional é ressaltada na “Convenção contra a Tomada de Reféns”, assinada em 1979, New York. O artigo 4 informa que é essencial a troca de informações e a coordenação dos países para o fim de evitar a perpetração do crime de seqüestro. A tomada de refém é um modo de obrigar a que um terceiro realize alguma ação ou omissão, sob pena de que os indivíduos detidos sejam feridos ou mortos. O artigo 9, por sua vez, apresenta o repúdio à extradição requerida por motivos raciais, étnicos, nacionais, religiosos, políticos ou preconceituosos.

Preocupada com a destinação do material nuclear, a ONU conclui, em 1980, “A Convenção sobre a Proteção Física de Materiais Nucleares”, sob auspícios da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA). A Convenção, assinada em Nova York (sede da ONU) e em Viena (sede da AEIA), exige que no caso de furto ou roubo de material dessa natureza, o Estado lesado entre em contato imediatamente com as organizações internacionais e com outros Estados que tenham interesse na matéria.

Ainda em relação aos possíveis materiais empregados para um ataque em nome do terror, nasceram as convenções relativas a explosivos: “Convenção sobre a Marcação de Explosivos de Plástico para fins de Detecção”, em Montreal, 1991 e “Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas Cometidos com Bombas”, em 1997, New York. O primeiro ordenamento regula a circulação internacional de explosivos, que deverá ser de produtos marcados e apenas de uso militar ou policial. No tocante aos atentados cometidos com bombas, a atenção direciona-se ao meio social (transportes e lugares públicos) e ao meio político (instalação estatal e governamental). Convenciona-se, no mesmo tratado, que o suspeito terá direito a comunicar-se com o representante de seu Estado, sendo-lhe garantido o direito de defesa.

Em 1999, repudiaram-se os recursos financeiros repassados às atividades terroristas, com a “Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo”. No caso de investigação criminal, o sigilo bancário não poderá ser alegado por um Estado, prevalecerá, pois, a assistência mútua internacional (artigo 12.2).

O impacto provocado pelo terror nos Estados Unidos, no famoso 11 de setembro de 2001, resultou na Resolução 1373 do Conselho de Segurança da Onu. O Estado norte-americano usufrui do poder da legítima defesa de que a Carta das Nações Unidas faz referência, com a “bênção” da própria organização. Ignoraram-se, na ocasião, as alegações da impossibilidade de se aplicar o direito concedido frente a um “inimigo invisível”. A Resolução invoca o capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que diz respeito às ameaças de paz e atos de agressão.

Em âmbito regional, a título exemplificativo, observam-se ao menos três importantes convenções: “A Convenção da OEA, para a Prevenção e Repressão de Atos de Terrorismo que Tomam a Forma de Crimes contra Pessoas ou Atos de Extorsão com Alcance Internacional” (de Washington, em 1971), “Convenção Européia para a Repressão do Terrorismo” (Estrasburgo, 1977), que considera os atos de terrorismo atentórios aos interesses da comunidade internacional e “Convenção Interamericana contra o Terrorismo” (Barbados, 2002). Em relação a última convenção, registra-se o fato de que a um terrorista não se concederá asilo, refúgio e nem adquirirá a denominação de criminoso político.

- A ONU e o Terrorismo

A Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, em seu preâmbulo, indica qual é o principal objetivo de se estabelecer a Organização das Nações Unidas: manutenção da paz.

A segunda guerra mundial trouxe inúmeras conseqüências, dentre elas, a destruição de potências européias, a recessão econômica, a guerra fria e a mais lamentável de todas: a degradação do ser humano. A morte e mutilação de pessoas, a miséria, o holocausto, o lançamento das bombas atômicas, estupros, humilhações, torturas, esses acontecimentos transformaram o homem em um animal selvagem, sem respeito aos direitos fundamentais.

Na tentativa de resgatar a dignidade, a igualdade e a tolerância entre os povos, é criada a ONU, reunindo cinqüenta e um membros originários, encabeçados pelos Estados Unidos, que assinaram a carta na cidade de São Francisco. Há, também, os membros eleitos, que recebem admissão da Assembléia Geral, após a recomendação do Conselho de Segurança.

Se, no tempo de criação, a ONU defendia a teoria que era uma instituição à serviço da comunidade internacional, passados mais de 60 anos, não é mais isso que transparece. Critica José Roberto Bonome:

(...) a Organização das Nações Unidas (ONU) é refém dos Estados Unidos, não é possível a criatura estar acima do criador. Nesse caso foi os Estados Unidos o criador da ONU, o que lhe dá, em síntese, o direito de vetar o que bem entender, mesmo quando outros representantes decidem diferente. Acreditam que suas decisões são sempre as melhores para o mundo (BONOME, 2009, p.59).

A organização é sediada em New York e tem seis órgãos, segundo explica:

A) Assembléia Geral – sua composição é de todos os membros da organização. Cada Estado tem direito a cinco representantes e apenas um voto. Decisões são tomadas pela maioria simples dos membros presentes e votantes. No caso de existir questões importantes, a apuração é diferente: dois terços dos membros presentes e votantes.. Do artigo 10 a 11, da Carta, cuida-se das funções e atribuições da Assembléia Geral, que são entre outras: discutir questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais; admissão de novos membros na organização; expulsão dos membros.

B) Conselho de Segurança – formado por cinco membros permanentes (Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Rússia) e mais dez eleitos pela Assembléia Geral. Órgão principal da Onu. O membro do conselho apenas terá um representante e um voto. Quando se tratar de questões processuais, as decisões propostas pelo Conselho deverão ter o voto de nove membros para serem aprovadas. E em outros assuntos, de nove membros, com a inclusão dos membros permanentes. Os membros permanentes tem o chamado “direito de veto” ainda que estejam contra a maioria dos votantes. O artigo 24 da Carta dispõe que as atribuições específicas do Conselho de Segurança encontram-se nos Capítulos VI, VII, VIII e XII do mesmo documento. Algumas atribuições do Conselho de Segurança: resolver controvérsias entre as partes de modo pacífico; determinar a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão. C) Conselho Econômico e Social – composição: cinqüenta e quatro Membros das Nações Unidas, eleitos pela Assembléia-Geral. Dezoito Membros são eleitos a cada ano para um período de quatro anos, podendo ser reeleitos. O Conselho fera relatórios a respeito de assuntos internacionais dos mais variados temas (econômico, social, cultural) e também realizar recomendações para a Assembléia-Geral, aos Membros das Nações Unidas e entidades especializadas. Do artigo 62 ao 66 da Carta são descritas as funções e contribuições deste órgão.

D) Corte Internacional de Justiça – criada em 1945. Órgão judicial da ONU. Localiza-se no Palácio da Paz, cidade da Haia, Países Baixos. Documentos que orientam a Corte: Carta da ONU – Capítulo XIV; Estatuto da Corte Internacional de Justiça e Regras da Corte (1978). Pelo artigo 93.1 da Carta, define-se que todos os Membros das Nações Unidas são partes da Corte. A Assembléia Geral ou o Conselho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo para a CIJ (art. 96.1).

E) Secretariado – órgão administrativo, com sede permanente em New York. Seu representante é o Secretário-Geral, eleito pela Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. É proibido ao Secretário Geral, receber instruções de governo, devendo manter seu caráter internacional.

F) Conselho de Tutela – no artigo 86 da Carta das Nações Unidas, regulamenta-se a composição de seus membros. Tal órgão não tem mais aplicação, pela ausência de territórios sob tutela.

A primeira resolução da ONU que expôs medidas de controle ao terrorismo, data de 1970: a Resolução no 2.625 - “Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional Referentes às Relações Amistosas e à Cooperação entre os Estados, conforme a Carta das Nações Unidas”. Essa resolução, todavia, não dispunha o terrorismo o seu objeto específico, mas sim o “princípio que proíbe o uso ou ameaça do uso da força nas relações internacionais”.

De 1972, pela resolução 3.043, origina-se um Comitê Especial, a qual se incumbe o dever de investigar causas subjacentes de terrorismo e violência, oriundas da miséria e da ausência de expectativa de melhoria de vida.

O Conselho de Segurança da ONU votou, de forma unânime, em 1992, a Resolução 731, na qual se exigia à Líbia, a entrega de dois de seus cidadãos, acusados de terrorismo, para julgamento em território americano ou britânico. Chamado de Caso Lockerbie, envolvia em um pólo a Líbia e no outro pólo, os EUA e o Reino Unido. A história começou em 1988, na explosão de uma aeronave comercial da empresa americana PanAm, sobre a cidade de Lockerbie, Escócia. O atentado acarretou a morte de 279 passageiros. Os Estados Unidos por meio de um tribunal federal de primeiro grau, em conjunto com o Procurador-Geral da Escócia, expediram mandados de prisão para os líbios, através da via diplomática. A Líbia respondeu com indicação de dois de seus magistrados para investigar o caso. A França aliou-se aos dois países requerentes, e sendo membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, pressionaram o órgão para a formação da Resolução 731. Nesta resolução, alega-se que o governo da Líbia não cooperou com o pedido dos documentos que lhe foram encaminhados. Ainda que esse governo tenha proposto medidas como investigação no território líbio (exercida por pessoas com neutralidade), instituição de um tribunal internacional ou entrega dos possíveis terroristas à ONU, foram insuficientes para a aceitação do Reino Unido e EUA. Tal conflito foi levado à Corte Internacional de Justiça, conforme será visto no subcapítulo seguinte.

No mesmo ano de 1992, o Conselho de Segurança adota a Resolução 748, com apoio dos EUA, França e Reino Unido, reforçando o estipulado pela Resolução 731.

As resoluções de 1992 em contraste com as de 2001, apenas cuidavam de casos concretos. As resoluções mais recentes se destinaram às circunstâncias mais abstratas, genéricas que possivelmente deturpariam o ideal de paz e harmonia entre os povos da Carta das Nações Unidas. Assim diferencia Daniel Lopes Cerqueira:

A posição do Conselho de Segurança até o final da década de noventa se fundou, basicamente, na condenação de atentados concretos, ênfase na importância da coordenação entre os Estados e solicitação de cooperação nas atividades de captura, julgamento e extradição de acusados de terrorismo. É o caso das resoluções 731 e 748, ambas de 1992, referentes ao atentado de Lockerbie atribuído ao governo líbio de Muamar Kadafi. Manifestações imperiosas do Conselho se limitavam à exigência de extradição de acusados de terrorismo e, em raras ocasiões, foram aplicadas sanções aos países que não atenderam tal exigência, a exemplo da Resolução de 1.054 de 1996 em relação ao governo do Sudão. Esta posição modificou-se estruturalmente a partir do final da década de 90 e se radicalizou após os atentados de 11 de setembro de 2001, os quais motivaram as resoluções 1.368, 1.373 e 1378 (CERQUEIRA, 2005).

Antes mesmo do famoso atentado, no ano de 1999 o Conselho de Segurança da ONU cria a Resolução 1.267 que instrui sanções (impedir o tráfego aéreo, congelar de recursos financeiros, entre outras) contra o Talibã. Há a exigência da entrega de Osama Bin Laden. Isso se deve ao fato de que, no ano de 1998, haviam sido creditados ao terrorista os ataques às embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia. Rege a redação do parágrafo 2: “que os taliban enteguem sem mais demora Osama bin Laden às autoridades competentes (...)”.
O Conselho de Segurança da ONU, em 2000, volta a requerer a prisão de Osama, em decorrência da morte de 17 tripulantes de um destróier da marinha americana, em ataque ocorrido no Iêmen. A Resolução 1.333 adotada pelo Conselho, na 4251ª sessão, reitera o pedido da resolução 1.267 de que o Talebã não conceda refúgio e treinamento a terroristas e que suspenda a produção de ópio.

A reunião especial do Conselho de Segurança, de 12 de setembro de 2001, representa a apreensão em que o mundo se encontrava na ocasião. Um dia após dois aviões atingirem as torres gêmeas, em New York, matando 5.000 civis e outro avião chocar-se contra o Pentágono, em Washington, a ONU adota a Resolução 1.368. No documento, é reconhecida a legítima defesa para os Estados Unidos e convoca a comunidade internacional na prevenção e repressão ao terrorismo. Em 28 de setembro do ano em comento, a Resolução 1.373 é adotada por unanimidade e apresenta uma redação mais detalhada do que sua antecessora (1.368). O terror, dispõe a Resolução, deverá ser impedido de maneira implacável, com troca de informações dos Estados e rompimento de apoios financeiros às organizações que provocam a destruição.

Após a queda das Torres Gêmeas, a comunidade internacional demonstrou solidariedade com os estudanienses; apoio ao até então poderoso Estado americano. Entretanto, esse poder mostrou não ser absoluto, existiram falhas na segurança, que levaram à destruição do símbolo econômico mundial (World Trade Center) e à lesão do sistema de inteligência militar (Pentágono).

Para Braudillard (2004), a destruição das Torres (World Trade Center), , simbolizou a queda tanto de sua arquitetura sombria, um “sarcófago de concreto e de aço” (semelhante a uma caixa preta), quanto do sistema mundial (poderio financeiro e liberalismo) ali encarnado. Defende que a importância do evento está mais no desmoronamento simbólico do que no fático. Representou, pelas palavras do estudioso, a perda da força de uma “potência arrogante”.

Durante a Guerra Fria, eram bem delimitados os pólos conflitantes: Estados Unidos da América e União Soviética. Chamava-se o conflito de “simétrico”, ou seja, dois inimigos facilmente visíveis e com ideologias propagadas. Ao término da Guerra, a vitória americana determinou quem seria o “líder mundial”. A arrogância e ganância do Estado “mais poderoso”, aliada às desigualdades alarmantes entre países centrais e países periféricos, possivelmente, foram algumas das causas que auxiliaram a formação de grupos que tem no ódio, a sua principal arma.

Na era contemporânea, a batalha periférica cedeu espaço para o conflito assimétrico, ou seja, a luta entre desiguais, de um lado, os Estados e seus aliados, e de outro, as associações de terror, que não têm base definida ou métodos bem conhecidos. Entretanto, vale ressaltar que essa desigualdade (ou assimetria) comentada, passa a ser cada vez menor, no momento em que as organizações terroristas, constroem uma rede de seguidores, calcadas no preparo de milícias, ganho de eleições por partidos políticos, recebimento de recursos de diferentes locais do mundo e até mesmo estabelecimento de centros comerciais legítimos (FILHO, 2003). A esse terrorismo, Filho (2003) chama de “hiperterrorismo”. Para o autor, há o confronto de uma “hiperpotência” (Estados Unidos da América) e do “hiperterrorismo” (associações de terror).

– Os Tribunais Internacionais e o Terrorismo

A Corte Internacional de Justiça é o órgão judicial da ONU, criada em 1945. A base da CIJ é o Estatuto da Corte Permanente da Justiça Internacional, determinado pelo artigo 92 da Carta das Nações Unidas. A Corte Permanente foi criada no ano de 1920, através do Tratado de Versalhes, pactuado no ano anterior (1919). Explica Hidebrando Accyoli, a respeito desta derivação:

Em reconhecimento ao monumental trabalho realizado pela CPJI, foi decidido que o projeto da nova Corte deveria ser ou a adaptação do Estatuto da CPJI, mantida em vigor com as modificações julgadas necessárias, ou o novo Estatuto para cuja redação deveria servir de base o da CPJI. Esta última opção acabou por prevalecer: o Estatuto da CIJ é substancialmente idêntico ao da CPJI (ACCIOLY; CASELLA; SILVA, 2009, p.402).

Quinze membros, com imunidade diplomática pelo prazo de nove anos compõem a corte, sendo proibida a presença de dois nacionais de mesmo Estado. Esses membros são eleitos pela Assembléia-Geral e pelo Conselho de Segurança, que optam por candidatos apresentados pelos governos, obedecidas as regras da Corte Permanente de Arbitragem (artigo 44, da Convenção da Haia de 1907). Os membros terão restrição em atuar politicamente, administrativamente ou profissionalmente em outra área. De maneira periódica, serão formadas Câmaras, compostas por três juízes ou mais, que irão cuidar de questões especiais (o Estatuto da Corte Internacional de Justiça cita como exemplo as questões trabalhistas e as referentes a trânsitos e comunicações).

A competência da corte, estipulada no capítulo II, é dividida em duas espécies: contenciosa e consultiva. Na primeira, os Estados poderão acionar a Corte Internacional de Justiça por meio de notificação prévia, mediante acordo especial após o litígio ou ainda em estado de petição utilizado para interpelar outro Estado. É possível, se os Estados entrarem em acordo, o reconhecimento de obrigatoriedade das decisões da Corte, em controvérsias que tenham por objeto: 1) interpretação de um tratado; 2) discussões sobre questões de direito internacional; 3) considerações sobre existência de fato que viole compromisso internacional; 4) debates sobre a natureza e extensão de um rompimento de compromisso internacional. A consultiva, segunda competência, encontra-se descrita no capítulo IV do Estatuto, intitulado “Pareceres Consultivos” e no artigo 96 da Carta das Nações Unidas. Pedido pela Assembléia Geral ou Conselho de Segurança, a Corte Internacional emitirá parecer consultivo acerca de questões de direito internacional.

Regras processuais da Corte estão no Capítulo do III, que engloba do artigo 39 ao 64. As partes serão representadas por agentes, que terão a assistência de consultores ou advogados. O processo tem duas fases: escrita e oral. As audiências serão públicas, salvo se estipulado em contrário. No caso de revelia de uma das partes a outra, terá a permissão de solicitar à Corte que a decisão seja a seu favor. A sentença é definitiva e inapelável.

Expostos o histórico, funcionamento e competências da Corte,faz-se necessário expor determinados litígios que demonstram a efetiva atuação da instituição em diversas matérias, incluindo o terrorismo. O primeiro julgado da Corte Internacional de Justiça, que se tem conhecimento é de 1949, no “Caso do Estreito do Corfu”. Favorável ao Reino Unido, decidiu-se que o país seria reparado pelos danos sofridos na passagem do Estreito de Corfu, em decorrência de minas marítimas pertencentes à Albânia. Em 1986, a Corte no caso “Nicarágua contra Estados Unidos”, sentenciou a favor do país da América Central. Com base na resolução 3.314 da Assembléia Geral da ONU, de 1974, foi caracterizada a agressão armada dos EUA, já que este país, contrário á política esquerdista sandinista implantada na região, utilizou-se de grupos armados a fim de atacar as águas territoriais e os portos nicaragüenses. Sobre o episódio, opina Noam Chomsky:

(...) os EUA são o único país que já foi condenado pela Corte Mundial por terrorismo internacional – ou por ‘uso ilegal da força’ com objetivos políticos-, e a sentença ordenou-lhes que pusessem fim a tal prática criminosa e pagassem substanciais reparações por conta dela (CHOMSKY, 2002, p.97).

Como as decisões da Corte não apresentam o caráter de obrigatoriedade, os objetivos da Nicarágua viram-se frustrados. Prossegue o autor:

Os EUA, é claro, não levaram em consideração o julgamento da Corte Mundial e chegaram mesmo a desdenhá-lo, reagindo com um recrudescimento da escalada do terrorismo contra a Nicarágua e vetando a resolução do Conselho de Segurança que conclamava todos os Estados a obedecer às leis internacionais (CHOMSKY, 2002, p.97).

Outro litígio internacional disposto à jurisdição da Corte Internacional de Justiça, envolvia a Líbia no pólo ativo e ficou nomeado de “Caso Lockerbie”. Conforme explicado no capítulo anterior, o Reino e os EUA mantiveram-se firmes na posição de requer a entrega dos suspeitos líbios, para o julgamento diante seus tribunais nacionais. Em março de 1992, a Líbia aciona a Corte Internacional, contra os dois países, fundamentada pelo artigo 41 do Estatuto e pela cláusula 14 da Convenção de Montreal de 1971, “para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil”. De acordo com o Estatuto, o Estado reclamante desejava medidas provisórias adotadas pela Corte, em que se impedisse a extradição dos suspeitos, possibilitando, desta forma, o julgamento dos supostos terroristas em “solo líbio”. E, com obediência ao artigo incluído na Convenção Montreal, a controvérsia deveria ser resolvida por arbitragem.

Há poucos dias de ser encerrada a audiência, a ONU adota a Resolução 748, na qual, em detrimento da Líbia, se exige que o país entregue seus nacionais até determinado prazo, sob pena de sanções.

Quanto ao processo em curso, a Corte Internacional de Justiça indeferiu o pedido de medidas preliminares conservatórias, suscitadas pelo reclamado. Os reclamados, que alegaram o não-esgotamento dos recursos (negociações e arbitragem) da cláusula 14 da Convenção de Montreal, e devido a isso, a incompetência da Corte Internacional para julgar da matéria, não tiveram o pedido acolhido. Para a Corte, a rejeição dos reclamados em participar da arbitragem, exonerou a Líbia da obrigação da medida. Sobre não abordar o tema “terrorismo”, lamenta Guido Fernando Silva Soares (2003, p 229): “(...) a grande discussão sobre a contribuição que a Corte Internacional de Justiça poderia ter dado à luta contra o terrorismo internacional resumiu-se a discutir aspectos processuais (...)”.

Em Roma, no dia 17 de julho de 1998, uma Conferência Diplomática da ONU adotou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. O Tribunal foi tomado de caráter permanente e sediado na Holanda, em Haia. A cogitação de se criar um tribunal criminal mundial, vem desde 1948, em seguida aos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. Esses tribunais receberam críticas de não respeitar a retroatividade de leis e serem uma espécie de punição dos vencedores da Segunda Mundial aos derrotados. Na década de 90, cuidou-se para evitar a repetição dos mesmos erros cometidos nos anos 40. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, através das Resoluções 827 (1993) e 955 (1994), cria tribunais internacionais ad hoc para a ex-Iugoslávia e Ruanda, respectivamente, por violações graves ao Direito Humanitário Internacional. Eram tribunais temporários, que defendiam os enunciados de paz propostos pela carta da ONU (principalmente o capítulo VII) e respeitavam a regra do nullum crimen nulla poena sine previa lege.

O Tribunal Penal Internacional, estipulado em Roma, entra em vigor quando sessenta países tiverem depositado o instrumento da ratificação junto ao Secretário Geral das Nações Unidas, o que ocorreu em 01 de julho de 2002. O Tribunal se ocupará de quatro campos de atuação: crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra e crime de agressão (artigo 5o, no 1 do Estatuto de Roma). Determina o Estatuto, no artigo 6o, que genocídio encontra-se em atos “praticados com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. O artigo seguinte, estabelece que crimes contra a humanidade são atos “praticados como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil e com conhecimento de tal ataque”. E cita, entre eles, a tortura, escravidão e o extermínio. Crime de guerra é definido como cometidos como parte de um plano ou política ou como parte da prática em grande escala de tais crimes. Os crimes de guerra, para o documento, são violações graves às Convenções de Genebra de 1949. Os crimes de agressão, entretanto, só serão designados em momento cabível (art. 5o, no 2). As penas aplicadas são a de reclusão por 30 anos no máximo ou em situações excepcionais (extrema gravidade do crime ou circunstâncias especiais do condenado), a prisão perpétua (artigo 77). A jurisdição do Tribunal só recairá em crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto (artigo 11).

Jorge Miranda alerta para a necessidade da instalação do Tribunal Penal Internacional:

O terrorismo, com a sua projeção transnacional e as expressões horrendas que vem assumindo, torna ainda mais necessária e premente a entrada em funcionamento do Tribunal Penal Internacional criado pelo estatuto de Roma de 1998 (MIRANDA, 2003, p.67) .

Em análise do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, observa-se que inexiste qualquer referência ao terrorismo. O motivo da não-inclusão do delito se explica pelas dificuldades quanto à sua definição. Ainda que se saiba que o terrorismo provoque o pânico entre os civis e objetive o abalo estrutural de um governo, não se encontrou um consenso de entendimentos da maioria dos membros da comunidade internacional, acerca da questão.

Para Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva (2003), seria possível a inclusão do terrorismo no Estatuto, devido a dois fatores: 1) A Conferência de Revisão poderia incluí-lo nas emendas; 2) o Tribunal Penal Internacional não está impedido de exercer jurisdição suplementar, se estipulado por tratados internacionais.

- A Comunidade Internacional e as Possíveis Medidas Anti-Terror

Diversos autores apresentam suas visões e recomendações em relação às medidas que visam derrotar o terror internacional. Logo, esta seção se dedicará a expor as idéias de determinados pensadores.

Peter Challk (1999) informa que os Estados democrático-liberais poderão fazer uso de dois modelos em resposta ao terrorismo: o modelo da justiça penal e o modelo de guerra. O primeiro modelo indica o terrorismo como crime que recairá no sistema penal do Estado. O segundo modelo, por sua vez, considera o terrorismo um ato revolucionário ou de guerrilha e em virtude disso, requer o uso de militares e forças especiais. Chalk ressalta que nas democracias européias, utiliza-se o primeiro modelo, pois a aplicação do segundo modelo, tornaria a reconhecer, implicitamente, o papel político dos terroristas. Recorre-se aos recursos militares, apenas em última instância, quando existir perturbação da ordem.

Os Estados democráticos deverão encontrar um meio-termo entre dois opostos para a luta contra o terrorismo: não devem utilizar seus aparelhos coercitivos de forma excessiva, de modo a prejudicar o regime democrático, nem responder ao terror de forma débil, diminuindo a confiança que os cidadãos têm no poder estatal. O termo médio é o apoio da população, com o compromisso de manutenção da lei, ordem e autoridade constitucional.

Peter Chalk (1999), aduz que as operações positivas acionadas pelo Estado dotam-se de::

I. Delimitação – a ação antiterrorista necessita ser clara e bem definida, não excedendo o que a situação requer. As medidas terão como foco apenas os terroristas, excluindo seus familiares e simpatizantes, caso contrário, há a possibilidade de argumentação, pela opinião pública, de que o Estado estará explorando a situação para fortalecer seus poderes políticos.

II.Convencimento – desta forma, o povo estará consciente de que a ação tomada foi necessária e eficaz. Presença de dois requisitos: justificação e proteção de liberdades civis.

III.Supervisão estatal e escrutínio judicial independente – evita, então, o abuso de direitos e liberdades individuais. Garante também o ressarcimento por danos e responsabilidade pelas ações.

Raphael Israeli (1999) esclarece que o terror é arma do débil, sendo assim supõe-se que o mesmo se sucumbirá diante do forte. Informa também, que o terrorismo, além de ser o uso da violência contra pessoas inocentes, é um modo de deslegitimar o Estado, tornando-o uma entidade enfraquecida e vulnerável. Indica o autor quatro frentes simultâneas na batalha contra o terrorismo: dissuasão; prevenção; o castigo como dissuasivo; a informação e a guerra psicológica. Dissuasão aplica-se na retaliação aos grupos criminosos, de forma que estes entendam que suas ações serão extremamente danosas a eles e seus incentivadores. Israeli (1999) pressupõe que a dissuasão necessariamente vincula-se a um castigo rigoroso, sumaríssimo e massivo. Exemplifica as espécies de castigos: pena capital aos praticantes do terror; proibição de meios de comunicação que incentivem o crime em questão; ação militar massiva em bases terroristas. Dissuadir tem significado de demonstrar determinação e objetividade no contra-terrorismo. Já a prevenção é instrumento de um planejamento inteligente do aparelho estatal. O autor compreende que é mais eficaz um ato ser frustrado antes de efetivado, do que, no intuito de se reparar um dano, os governos restrinjam direitos e garantias dos cidadãos. Exemplos de prevenção: desmantelamento de reuniões com objetivos terroristas; oferecimento de recompensas para terroristas que denunciem seus companheiros; boicote aos países que ofereçam refúgios aos criminosos do terror. A guerra psicológica é aquela em que, através das comunicações em geral, revelam-se as faces dos terroristas e seus crimes contra a humanidade.

Clóvis Brigagão (2003) defende que um maior engajamento da Organização das Nações Unidas faz-se fundamental em relação à luta anti-terror. Ressalta que a ONU é obrigada a retomar seu papel de foro privilegiado em negociações internacionais e exigir aos Estados-membros uma cooperação no repúdio ao terrorismo. Acrescenta a importância de uma ampla reforma no Conselho de Segurança, de modo que Estados como Alemanha e Japão possam intervir nas decisões da Organização e que os Estados Unidos sejam impedidos de desprezar a autoridade da instituição.

Heleno Fragoso, na década de 80, em sua famosa obra “Terrorismo e Criminalidade Política” (1981) conclui sobre a forma definitiva de prevenção do terror:

a melhor prevenção do terrorismo é, sem dúvida alguma, a criação de uma ordem social mais justa e mais humana, que termine com a desigualdade escandalosa, a injustiça social e a opressão política, estabelecendo as bases de uma sociedade democrática de homens livres.

A idéia de Fragoso é corroborada por João Almino:

Em última instância, o terrorismo será derrotado na medida mesmo do crescimento da possibilidade de participação de grupos que hoje se sentem excluídos ou marginalizados do processo político; na medida em que se possam ir reduzindo a opressão, a miséria e a discriminação.(ALMINO, 2002, p.61)

O Brasil e a Frente ao Terrorismo

 – O Histórico do Terrorismo de Estado (1964 – 1985)

Ainda que a presente pesquisa tenha por escopo a análise, em maior parte, do terrorismo internacional, em que grupos ou associações terroristas internacionais visam espalhar o medo aos habitantes da comunidade internacional ou então tentar abalar as estruturas políticas do Estados que a compõem, não existiria a possibilidade de omitir uma espécie de terrorismo que marcou um longo período da história brasileira: o terrorismo político. Roberto Bonome assim trata o assunto:

Partimos do pressuposto que não há diferença entre o uso do terror quer por nacionalistas, ideólogos radicais de esquerda ou de direita, vindo quer do Estado ou em nome de alguma divindade. Toda ideologia política, econômica, religiosa ou de qualquer outra espécie, luta para fazer prevalecer seus interesses, sua visão-de-mundo, seu modo de viver, e, para prevalecer seu ideal, utiliza toda ação possível, até mesmo o terror (BONOME, 2009, p.77).

O terrorismo de Estado, assim é denominado, por tratar-se de ação originada de um governo que procura, através do terror, eliminar resistências e impor, autoritariamente, suas bases governamentais e manter os interesses da classe dominante.

Como já mencionado, a origem do terrorismo de Estado, localiza-se na Era Moderna, quando os revolucionários franceses implantaram a “Era do Terror”, e, assim, eliminaram os insurgentes que poderiam atrapalhar os planos da Revolução. Na Era contemporânea, vários foram os momentos em que o terror esteve a serviço da “cúpula do poder”. A Alemanha, de Adolf Hitler erguia a bandeira do nazismo. O ditador pregava a superioridade da raça ariana e a caça aos deficientes físicos, ciganos, homossexuais e, sobretudo, os judeus. O regime nazista caracteriza-se, também, pelo terrorismo ideológico, no qual o governo utiliza-se do subterfúgio de massacrar milhares para alcançar a “pureza da sociedade”, ou seja, impõe-se a limpeza étnica. A União Soviética, de Stálin (governante de 1924 a 1953), com os processos de Moscou de 1936, eliminava os remanescentes da revolução bolchevique e com o plano de coletivização forçada da agricultura, levava ao extermínio de milhões de camponeses. Mao-Tsé-Tung, na China, invocava a “Revolução Cultural” de 1966: exaltava-se o Livro Vermelho de Mao e pessoas supostamente contrárias à Revolução, deviam ser perseguidas. Nos Estados Unidos dos anos 50, o anticomunismo é impulsionado pelo “macartismo” (movimento em homenagem ao senador republicano Joseph McCarthy), resultando na pena de morte para o casal Rosemberg, executados pela acusação da entrega do segredo da bomba atômica aos russos e na punição de centenas de outros acusados.

Na América Latina, nos anos 70, a Operação Condor representava uma força transnacional das ditaduras militares, incentivada pelos Estados Unidos da América, de maneira que o comunismo não fortalecesse suas raízes na região. O assassinato de Salvador Allende, presidente do Chile, (e a conseqüente ascensão de Augusto Pinochet) indica o cume da Operação. Homicídios, torturas, seqüestros fizeram-se presentes no Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Chile e Paraguai.

O período de ditadura militar brasileira inicia-se com o golpe de 1964. O presidente João Goulart é deposto e refugia-se no Uruguai. Os militares assumem o poder com o argumento de controlar a “ameaça comunista” e contornar a crise econômica.

A ditadura durou 21 anos, um período repressivo, de acelerada industrialização e censura intolerante. Comandaram o país, os seguintes presidentes militares:

a) Castello Branco (1964-1967) – promulgou os atos institucionais. O primeiro ato permitiu a cassação de mandatos legislativos, dissolução de partidos políticos, suspensão dos direitos políticos dos brasileiros, entre outras medidas. No final de 1966, o Congresso Nacional foi fechado;

b) Arthur da Costa e Silva (1967-1969) – promulga o mais severo de todos os atos, o AI-5. Esse ato reforçava os poderes dos militares e modificava a recente Constituição de 1967. Estipulava o artigo 5o:

Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:

I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;

IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados lugares;

c) domicílio determinado,

§ 1º - o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.

§ 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.

c) Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) – atuações opressoras do DOPS (Departamento de Ordem e Política Social) e o aparecimento do “milagre econômico” simbolizaram este governo. O primeiro consistia em reprimir, controlar, torturar os “inimigos da ordem” (classe cultural, intelectual, artística tendente ao comunismo) e horrorizar a população em geral. O “milagre”, por sua vez, basicamente era a obtenção de recursos externos, aplicação em infra-estrutura e endividamento interno.

d) Ernesto Geisel (1974-1979) – ditadura começa a declinar. Devido à oposição política, Geisel lança o pacote de abril, em que se fecha o Congresso, e promove alterações substanciais no sistema judiciário. Entretanto, antes de deixar a presidência, revoga o AI-5.

e) Figueiredo (1979-1985) – aprovada a Lei da Anistia. A Lei permite o regresso de exilados políticos. Restabelecimento do pluripartidarismo político. Nascimento do Movimento “Diretas Já”, defensor das eleições diretas para Presidente da República. Os militares conservadores, inconformados com o final do período ditatorial, utilizavam-se de explosivos, enviados para imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil, em atos terroristas.. Em 1981, durante um show de comemoração ao Dia do Trabalhador, no centro de convenções do Rio Centro, uma bomba explode no colo do terrorista, o qual se encontrava em um automóvel. Em 1985, o Colégio Eleitoral elege Tancredo Neves para presidente. Com a morte de Tancredo, José Sarney assume.

O terrorismo repercutiu na sociedade brasileira de diversas maneiras. Assim, é importante destacar a transição de um Estado que outrora se submeteu à opressão ditatorial, para um Ente integrante do mundo aterrorizado pelos atentados de setembro de 2001.

– Movimentos Terroristas na Tríplice Fronteira

Denomina-se Tríplice Fronteira a região que une as fronteiras do Paraguai, Brasil e Argentina. Estima-se que, diariamente, milhares de mercadorias contrabandeadas e pessoas transitam pela Ponte Internacional da Amizade (Brasil-Paraguai). Brasil e Argentina ligam-se pela Ponte Tancredo Neves. As cidades localizadas nas três fronteiras, são Foz de Iguaçu (Brasil), Cidade do Leste (Paraguai) e Porto Iguazú (Argentina).

A década de 90 demonstrou uma movimentação do Hezbollah na América do Sul. Em 1992, um carro-bomba explode na embaixada israelense de Buenos Aires, com o resultado de 29 mortos e 242 feridos. O governo argentino acusou o grupo terrorista Hezbollah pelo atentado. Dois anos depois, na Argentina, outro carro-bomba provoca danos à Comunidade Judaica (AMIA), sendo credenciado o ato ao mesmo grupo.

No ano de 1996, Brasil, Argentina e Paraguai organizaram o Comando Tripartide, uma união das autoridades policiais destes Estados, com o intuito de investigar e combater a criminalidade da área fronteiriça. Em 1997, a Argentina promoveu o Primeiro Congresso Internacional Sobre Terrorismo, no qual se discutiu a necessidade de uma prevenção antiterrorista eficaz.

Dois anos depois, a Reunião de Ministros do Interior e Justiça do Mercosul estipula o “Plano Geral de Cooperação e Coordenação Recíproca para a Segurança Nacional”. Em setembro de 2001, aprova-se a criação do “Grupo de Trabalho Permanente”, com o objetivo de organizar e propor ações em conjunto contra o terrorismo.

A marcante presença de árabes no território, principalmente na Cidade do Leste, Paraguai, alerta o governo norte-americano, segundo diz José Roberto Bonome:

Em 13 de outubro de 2001, o jornal Washigton Post (caderno A-21) traz a afirmação de Carlos Altemberger, chefe da unidade contraterrorista do Paraguai, de que os terroristas financiam suas operações, em parte, remetendo dólares da Cidade do Lete para o Oriente Médio, e que o embaixador Philip Wilcox, testemunhou diante do Comitê de Relacionais Internacionais da Câmara de Deputados dos EUA, que as atividades do Hezbollah na tríplice fronteira já estiveram envolvidas com narcóticos, contra bando e terrorismo (BONOME, 2009, p. 98).

Em 2003, os países da Tríplice Fronteira, juntamente com os Estados Unidos organizam a “Comissão 3+1”. Estabelece-se a cooperação para limitar as ações de lavagem de dinheiro e de tráfico de drogas, possíveis incentivadores de associações terroristas. A operação envolve importantes instituições nacionais, como os Ministérios das Relações Exteriores e as Agências de Inteligência. No mesmo ano, realizou-se a segunda reunião da Comissão, em que as delegações reunidas manifestaram a inexistência de provas concretas de manifestação terrorista na Tríplice Fronteira.

Colin M. MacLachlan (1999) sugere que para eficiência nas represálias ao terror, está inserida a educação do público acerca do crime, em vista disso, necessita-se orientar a população a respeito das conseqüências do comércio clandestino na localidade. Ademais, o autor acredita que são imprescindíveis as interferências policiais e judiciais, ainda que dificílimas, nas transferências bancárias e nos negócios de fachada dos grupos terroristas.

Afonso Barbosa (2002) lembra da pressão que o Brasil sofre por parte dos Estados Unidos, devido a sua proximidade com a Colômbia, principal centro exportador de cocaína mundial. Para o autor, o governo estadunidense exige veemente, o emprego das Forças Armadas brasileiras no confronto com os narcotraficantes.

– Terrorismo internacional e o Direito Brasileiro

Em se tratando de prevenção, Valérie de Campos Mello (2002) apresenta duas espécies:

Prevenção operacional – é aplicada quando a violência tende a ser iminente. É o emprego de ações que visam evitar as situações de violência.
Prevenção estrutural – atinge as causas profundas de conflitos. O mecanismo de leis e de soluções de litígios, provimento de necessidades básicas do homem e reconstrução de sociedades abaladas por guerra, são as medidas preventivas estruturais.

A prevenção estrutural do Brasil, em relação ao terrorismo, encontra-se de forma dispersa e vaga. Ainda que a Lei Maior coloque em seu artigo 4o, VIII, o repúdio ao terrorismo nas relações internacionais, o tema “terrorismo” não recebe maiores atenções do legislador brasileiro.

De acordo com o Estatuto do Estrangeiro de 1980 (Lei 6815), o STF terá a possibilidade de decidir a existência ou não do caráter político do delito, caso este seja um ato terrorista (art. 77 §3o). Tal qualificação permitirá a extradição do criminoso para seu país de origem, servindo de exceção ao caput do artigo 77: “Não se concederá extradição (...)”.

Na seqüência, expõe-se a ementa de um julgamento realizado pelo STF, que defere o pedido de extradição de um acusado por terrorismo ao Chile, Estado requerente, apenas se a pena imposta pelo país de origem (prisão perpétua), for substituída por pena admissível (prisão perpétua por no máximo 30 anos) ao país requerido, Brasil. Acrescenta-se que para a comutação de penalidade, ser aceita, anteriormente necessita de aprovação do Presidente da República, obedecidos os artigos 89 e 67 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/80).

E M E N T A: EXTRADIÇÃO - ATOS DELITUOSOS DE NATUREZA TERRORISTA - DESCARACTERIZAÇÃO DO TERRORISMO COMO PRÁTICA DE CRIMINALIDADE POLÍTICA - CONDENAÇÃO DO EXTRADITANDO A DUAS (2) PENAS DE PRISÃO PERPÉTUA - INADMISSIBILIDADE DESSA PUNIÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO (CF, ART. 5º, XLVII, "B") - EFETIVAÇÃO EXTRADICIONAL DEPENDENTE DE PRÉVIO COMPROMISSO DIPLOMÁTICO CONSISTENTE NA COMUTAÇÃO, EM PENAS TEMPORÁRIAS NÃO SUPERIORES A 30 ANOS, DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA - PRETENDIDA EXECUÇÃO IMEDIATA DA ORDEM EXTRADICIONAL, POR DETERMINAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - IMPOSSIBILIDADE - PRERROGATIVA QUE ASSISTE, UNICAMENTE, AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ENQUANTO CHEFE DE ESTADO - PEDIDO DEFERIDO, COM RESTRIÇÃO. O REPÚDIO AO TERRORISMO: UM COMPROMISSO ÉTICO-JURÍDICO ASSUMIDO PELO BRASIL, QUER EM FACE DE SUA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, QUER PERANTE A COMUNIDADE INTERNACIONAL.

Ext 855 / CL – CHILE

EXTRADIÇÃO

Relator(a): Min. CELSO DE MELLO

Julgamento: 26/08/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

A segunda referência que a Constituição brasileira realiza quanto ao delito em debate, localiza-se no artigo 5o, XLIII: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo (...)”. A fiança, garantia em dinheiro para o acusado manter-se em liberdade durante o processo penal, é disposta pelo Código de Processo Penal em artigos esparsos. Aos delitos inafiançáveis, a falta de mandado não obsta a prisão dos acusados (artigo 287 do Código de Processo Penal). A captura pode ser requisitada, à vista de mandado judicial, por via telefônica, tomadas pela autoridade, as precauções necessárias para verificar a veracidade da requisição (artigo 299, CPP).

Conforme o Código Penal, é facultado ao juiz, conceder o livramento condicional ao culpado por terrorismo se este cumprir mais dois terços da pena e não for reincidente pelo mesmo crime (artigo 83, V).

A Lei de Crimes Hediondos (8.072/90) designa: o terrorismo é insuscetível, além da fiança, de anistia, graça e indulto (artigo 2o, I, II). Luiz Régis Prado (2000, pág 58), diferença os institutos três institutos:

Anistia – ato do Congresso Nacional (arts. 21, XVII e 48, VIII da CF) e, no caso de ser concedida antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, acarreta a extinção dos seus efeitos penais. Geralmente é plena (de concessão ampla e indistinta), entretanto pode ser restrita (concedida a determinados agentes ou a uma limitada categoria de crimes). Ademais, é própria (anterior à condenação) ou imprópria (após a prolação da decisão condenatória). Se concedida (permitida há qualquer tempo), não existe possibilidade de revogação. É naturalmente de natureza objetiva, já que se dirige aos fatos.

Indulto – ato privativo do presidente da República (art.84, XII, CF). Caráter coletivo. Independe de qualquer solicitação. Pleno (extinção completa da punibilidade) ou parcial (diminui a pena). Não se confunde com a comutação, que é a substituição da pena por outra de menor gravidade. Tem natureza mista (avalia-se o quantum, a pena e o comportamento carcerário). Não extingue os efeitos penais da condenação. Abarca os crimes comuns.

Graça – apresenta as mesmas características do indulto, entretanto: o caráter é individual e subjetivo; precisa ser provocada por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, Conselho Penitenciário ou autoridade administrativa (art. 188 LEP).

Além disso, o artigo 8oafirma que na associação de mais de 3 (três) pessoas em quadrilha ou bando a fim de cometer terrorismo, a pena é de três a seis anos de reclusão. A pena se reduz (de um a dois terços) no caso do participante e associado denunciar o bando ou quadrilha.

No plano internacional, seguem-se os tratados assinados pelo Brasil: “Convenção Relativa à Infrações e a Certos outros Atos Cometidos a Bordo de Aeronaves” (Decreto 66530/70), “Convenção para Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronaves” ( Decreto 70201/72), “Convenção para Prevenir e Punir Atos de Terrorismo Configurados em Delitos Contra as Pessoas e a Extorsão Conexa, Quando Tiverem eles Transcendência Internacional” (Decreto 3018/99), “Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos Contra a Segurança da Aviação Civil” (Decreto 72383/73), “Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, Inclusive os Agentes Diplomáticos” (Decreto 3167/99), “Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns” (Decreto 3517/2000), “Convenção Sobre a Proteção Física de Materiais Nucleares” (Decreto 95/91), “Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência em Aeroportos que Prestem Serviço à Aviação Internacional” (Decreto 2611/98), “Convenção para a Marcação de Explosivos Plásticos para Fins de Detecção (Decreto 4021/2001), “Convenção Internacional sobre a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas” (Decreto 4394/2002), “Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo” (5640/2005), “Convenção Interamericana contra o Terrorismo” (5639/2005).

- O Meio Diplomático Brasileiro e o Terrorismo Internacional

A diplomacia brasileira, mesmo nos tempos da ditadura militar, manteve uma posição contrária ao armamento excessivo dos Estados, na justificativa de que a posse numerosa de armas gera insegurança e “congelamento do poder mundial”. Salientam Paulo S. Wrobel e Mônica Herz:

A imagem de um país pacífico, que trata com particular respeito as normas do direito internacional tem sido sistematicamente preservada, em particular no âmbito do Itamarati. A ausência de conflitos étnicos ou religiosos significativos, ou movimentos secessionistas relevantes no período atual distingue o Brasil entre os países em desenvolvimento de grande população e massa territorial (HERZ;WROBEL,2002, p. 255).

Amado Luiz Cervo (2002, p. 338) confirma a atitude adotada pelo Brasil, na área diplomática: “pacifista, não confrontacionista, cooperativa, zelosa pelos princípios de autodeterminação e não intervenção, de respeito aos tratados (...)”.

De acordo com João Almino (2002), o Brasil tornou-se signatário de todos tratados relevantes sobre desarmamento e não proliferação, entre eles, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), o Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e Caribe (Tratado de Tlatelolco) e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

Esse comportamento pacífico brasileiro, sobretudo no século XX, nas relações internacionais, dificulta, conforme Thomaz Guedes da Costa (2002), a relação político-militar entre Brasil e Estados Unidos. Outro argumento apresentado é a desconfiança do governo brasileiro em relação aos interesses americanos na Amazônia. O articulista pensa que a ausência de um elo nesta relação, não facilita a conversão de interesses dos países em questões de segurança internacional. Todavia, após o 11 de setembro de 2001, apresenta-se outra situação, diz Guedes da Costa :

Assim, demandado pela vertiginosa articulação estratégica e mobilização dos EUA, o Brasil encontra-se afetado pelos desenvolvimentos na política externa daquele país, particularmente pela hipótese de conexões entre muçulmanos que vivem na área da Tríplice Fronteia com grupos radicais do Oriente Médio (COSTA, 2002, p. 194).

Levantou-se, em conseqüência do episódio “11 de setembro”, uma guerra contra o terror mundial, sendo imposta a colaboração por parte da comunidade global. Ou se apoiava a ofensiva americana ou os Estados omissos estariam coniventes com as ações da Al-Qaeda.

Do papel de líder assumido pelos Estados Unidos da América, Alfredo de Gama e Abreu Valladão (2002) chamam de “multilateralismo de forma piramidal”, em que uma liderança hierarquicamente estipulada atribui função para cada um dos membros de uma coalizão mundial. Diferentemente da visão brasileira, que se baseia em parceria democrática eqüitativa, formada por uma rede horizontal de forças, que, apesar das assimetrias de poder, reconhecem-se os direitos dos membros. Ele ressalta que as assimetrias, infelizmente, sempre existirão, tornando inviável o “multilateralismo democrático”. Já o unilateralismo, como a Alemanha nazista, caracteriza-se por ser raro e provocar rejeição ao outros membros da comunidade internacional.

O multiteralismo, outrora empregado em termos absolutos pela diplomacia brasileira, sofreu modificações a partir dos anos 90. Armado Luiz Cervo (2002) considera que as explosões nucleares francesas, o projeto norte-americano de um escudo antimíssil, o projeto Theater Missile Defense do Japão e o 11 de setembro auxiliaram para que o país adquirisse um “realismo político”. Uma das maiores provas disso, defende o autor, foi a elaboração da Política de Defesa Nacional (1996). Este documento coloca a diplomacia do Estado brasileiro em papel principal na solução de litígios, entretanto é facultada à capacidade militar a geração de efeitos de dissuasão (em questões de defesa da soberania nacional, patrimônio histórico e cultural e interesses nacionais).

Entende-se que a projeção internacional desejada pelo Brasil será possível quando se fortalecer o Mercosul, o qual significará a sadia cooperação entre os países da América do Sul. Alfredo da Gama e Abreu Valladão (2002) informam que acordos birregionais entre o Mercado Comum do Sul e a União Européia trariam impactos frente aos Estados Unidos e possibilitaria trazer à pauta os seguintes assuntos:

Reforma das Nações Unidas – A União Européia teriam a chance de dar maior apoio à ONU, definindo novas regras para o Conselho de Segurança, para a condição de membro permanente e para a reforma do poder de veto.
Cooperação de Segurança – estabelecer critérios dois dos blocos nas negociações com os Estados Unidos, no que tange às questões de segurança internacional.

Tribunal Penal Internacional – reconhecer conjuntamente a jurisdição em matéria de crimes terroristas e quanto aos procedimentos jurídicos de julgamento.

Cooperação Militar – monitorar, através de um organismo birregional, conflitos e ameaças à segurança.

Reforçar a coordenação diplomática – criar uma rede de funcionários dos Ministérios das Relações Exteriores dos dois blocos de Estados, incumbidos de observar a relação estabelecida.

Reforçar o quadro regulatório do comércio internacional – programar disciplinas da OMC que impeçam as decisões unilaterais.

Regular os critérios para a ajuda ao desenvolvimento e a gestão das crises financeiras – procedimentos comuns ao Mercosul e a UE para administração de crises financeiras.

Considerações Finais

Neste trabalho de curso, visou-se relatar, por meio da doutrina e jurisprudência, a importância do Direito Internacional na era contemporânea, marcada pelo efeito de unificação, em decorrência da globalização e interdependência estatal.

As agressões aos direitos fundamentais, são lesões à humanidade. A história da mesma, foi manchada, em diversos momentos, por guerras, abusos e torturas. A Carta da ONU representou mais que um simples documento, simbolizou a proteção codificada da dignidade humana.

Sabe-se que o terrorismo é ato ofensivo à vida, propriedade, ao Estado, à cidadania, à segurança pública, à legalidade e aos mais diversos princípios apresentados na Constituição brasileira e nas demais Constituições mundiais.

Ora, o terrorismo, crime em evidência e em difusão, necessariamente deverá ser combalido. Entretanto, parece ser uma missão complexa dos Estados o controle deste delito, já que ele não se encontra em uma escala local ou regional, mas sim mundial. A simples vontade de eliminá-lo é insuficiente. A assinatura de tratados e convenções anti-terror poderiam fazer com que as normas internacionais passassem a viger com maior força no ordenamento jurídico interno do país signatário ou que, no mínimo, recebessem maior atenção dos contratantes.

Observa-se que é urgente a necessidade da definição de terrorismo. Através a unificação de conceitos, de forma internacional, é que se poderão ser traçados planos de prevenção aos Estados e reparação às vitimas. Ainda que exista certo consenso entre os países sobre a forma de atuação do terrorismo, não há um claro detalhamento sobre o ato. Definir o terrorismo como uma ação que provoque terror entre a população e objetive a destruição da estrutura política dominante é insuficiente.

Necessita-se a consideração de outros fatores: conseqüências jurídicas, operacionalização, informações, estrutura. O Tribunal Penal Internacional, por exemplo, esquivou-se de delimitar o crime, deixando esta tarefa para momento designado. Doutrinariamente, o material acerca do tema é escasso. A maioria das obras que o focam, são reuniões de artigos ou comentários em relação às resoluções da ONU.

De qualquer forma, contudo, constatou-se que o terrorismo apresenta-se sob várias faces: pode ser instrumento de opressão estatal, alicerce para manifestação de ódio ou ainda, uma maneira de revelar a fragilidade da segurança de um país. A evolução tecnológica e dos estudos biológicos possibilitou a constituição do ciberterrorismo e do bioterrorismo, armas velozes e eficazes na finalidade em que se propõem.

A idéia do direito internacional de igualdade entre os povos, deve ser imposta perante o órgão das Nações Unidas. Ainda que os Estados encontrem-se desiguais economicamente ou militarmente, a instituição tem por obrigação reconhecer os enunciados de sua Carta fundadora e fortalecer o artigo 1.2: “Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz mundial”.

A Organização das Nações Unidas cedeu às pressões norte-americanas oriundas do 11 de setembro, tornando a operação militar de resposta anti-terrorista legal, baseada na legítima defesa. Ocorre que, a Carta da ONU aplica essa possibilidade em hipóteses de agressão armada, com um inimigo visível. O terrorismo não é caracterizado pela visibilidade, pelo contrário, seu alcance é indeterminado, envolve criminosos de diferentes pontos do globo e com métodos variados.

Quanto ao Brasil, o país não está tão afastado do problema do terrorismo quanto parece. A Tríplice Fronteira foi ressaltada pelos Estados Unidos como um local de financiamento às operações terroristas. Apesar de não serem encontradas provas que confirmem essa afirmação, o atentado na embaixada israelense em Buenos Aires, 1992, motiva a atenção da América do Sul para a questão.

O Estado Brasileiro está impossibilitado de combater um eventual ataque terrorista, seja por falta de experiência, seja por falta de estrutura. Certo que as forças de paz brasileiras participaram de inúmeras missões da ONU. Todavia, o país ainda não foi vítima direta e imediata do terror internacional. Caso, lamentavelmente, isso ocorra, a segurança interna, já fragilizada, entraria em determinado colapso momentâneo. Logicamente, ao receber ajuda de outros membros da comunidade internacional, possivelmente o problema estaria controlado. Entretanto, o Brasil, de forma individual e autônoma, não reuniria condições para o enfrentamento do hiperterrorismo, que consiste no terrorismo estruturado, espalhado, organizado e evoluído.

Logo, a legislação internacional (e a nacional) também necessitar acompanhar essa evolução. Esse acompanhamento só se viabilizará com discussões, debates, participação e cooperação dos membros das Organizações das Nações Unidas.

Ressalva-se que a eficácia na luta anti-terror vincula-se a uma exclusão da adoção de medidas extremadas. Não é permitido admitir ao aparelho jurídico-estatal o controle total sob direitos e deveres dos cidadãos, no intuito de se extinguir um malefício proveniente do terror. Por isso, a transação de princípios constitucionais, se utilizado de modo acentuado e abusivo, poderá acarretar a deturpação no equilíbrio dos três poderes que rege um Estado soberano e a ofensa aos direitos humanos e fundamentais. A hipótese da restrição de direitos para eliminar um crime que lesa esses mesmos direitos, apresenta-se ilógica, se não utilizada de forma adequada, precisa e temporária.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Lucas Lopes Grischke

por Lucas Lopes Grischke

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (2009). Atualmente é assistente em administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-Grandense. 2011 - 2012 Especialização em Administração Pública e Gerência de Cidades. (Carga Horária: 510h). Centro Universitário Internacional, UNINTER, Brasil. 2004 - 2009 Graduação em Direito. FURG (RS)

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