O PROJETO DE LEI 4330/2004: SERÁ UM ERRO HISTÓRICO?

Propõe à regulamentar a prestação de serviços a terceiros
Propõe à regulamentar a prestação de serviços a terceiros

Direito

17/04/2014

O Projeto de Lei nº 4.330 de 2004 de autoria do Deputado Sandro Mabel, propõe à regulamentar a prestação de serviços a terceiros e as relações de trabalho dela decorrentes, na tentativa de colocar fim à insegurança jurídica que caracteriza a terceirização no Direito brasileiro.


O projeto que será em breve aprovado pelo Congresso Nacional positiva alguns entendimentos já consolidados na jurisprudência trabalhista, apresenta uma conceituação do trabalho terceirizado, regulamenta a atividade de empresas prestadoras de serviços a terceiros, e ao mesmo tempo, pode criar novos paradigmas ao tornar legais situações até então proibidas pela orientação jurisprudencial e pela imensa maioria doutrinária, como por exemplo, a possibilidade de a atividade terceirizada ser inerente à atividade econômica da empresa contratante. Sob este prisma, pode o Projeto de Lei ao ser aprovado, e ao que tudo indica será aprovado em sua redação atual sem modificações, reavivar sob novos paradigmas um debate doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.


Na apresentação de motivos do projeto, fica claro o intento do legislador em colocar termo à carestia legislativa existente no Brasil, apresentando um marco regulador da atividade terceirizada de modo a retirar da competência do Poder Judiciária a regulação das relações de trabalho decorrentes de atividades terceirizadas.


A carência de um marco regulador torna a fiscalização por parte de órgãos como o Ministério do Trabalho menos clara para os não conhecedores da ciência jurídica. E para esta atividade, o MTE adota como referencial a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, na ausência de outro norteador.


Fato corriqueiro e imoral vivenciado pelos operadores do Direito, é a precarização das relações de trabalho dentro de empresas terceirizadas, que ao descumprirem diuturnamente os mais básicos direitos trabalhistas, se refugiam no instituto da responsabilidade subsidiária para transferirem à empresa contratante todo o ônus do ilícito trabalhista praticado.


A constatação dessas situações criou entre empresários e trabalhadores uma situação de insegurança jurídica nas relações terceirizadas, que justificam a edição de uma Lei com o propósito de regulamentar a terceirização de atividades empresariais, como veremos.


O projeto de lei apresenta em seu primeiro artigo os limites de aplicação da lei, e positiva o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho de se aplicar subsidiariamente o Código Civil na resolução de conflitos decorrentes da prestação de serviços por terceiros, em especial os Arts. 421 a 480 (Dos Contratos em Geral) e Arts. 593 a 609 (Da prestação do serviço).


Se por um lado é certo que as questões referentes às fronteiras da aplicação da lei serão por certo alvo de trabalho jurisprudencial, é certo também que a aplicabilidade subsidiária do Código Civil prevista no parágrafo único do projeto de lei será objeto de debates.

Isto porque, eventualmente o Tribunal Superior do Trabalho é chamado a se manifestar no que concerne à aplicabilidade subsidiária do Código Civil ao Direito do Trabalho, sendo que tal aplicação subsidiária é consequência direta da inovação trazida pelo novo Código Civil a alguns temas contratuais sobre a CLT, apesar de ser o Código expresso ao afirmar em muitos artigos sua aplicação apenas residual às relações de trabalho, como exemplo podemos citar o próprio art. 593 que limita a abrangência do capítulo referente à prestação de serviços no Código Civil.


Como exemplo, no julgamento do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 73140-89.2008.5.15.0084, o Tribunal Superior do Trabalho manteve condenação anterior que imputou a solidariedade decorrente de fraude à legislação trabalhista, utilizando como fonte subsidiaria o artigo 942 do Código Civil.


A previsão normativa de aplicabilidade subsidiária do Código Civil ao contrato de prestação de serviços, certamente abrirá portas para a extensão jurisprudencial da utilização do Código Civil em outras matérias trabalhistas e não apenas na normatização da prestação de serviços.


Inovação legal é a delimitação da aplicabilidade da Lei somente aos casos em que o prestador de serviços for sociedade empresária que contrate ou subcontrate empregados.


A sociedade empresária tem sua definição estabelecida no art. 982 do Código Civil onde especifica que a sociedade empresária é aquela que exerce atividades próprias de empresário, remetendo ao art. 966, caput do Código Civil.


Essa disposição encontra sua razão de existência na proteção ao trabalhador, isso porque ao considerar a aplicabilidade da lei apenas e tão somente a casos de prestação de serviços por sociedade empresária, nos parece lógico creditar que à situação de prestação de serviço a terceiro (terceirização) por pessoa física, seria formado um contrato de trabalho direto entre o suposto tomador de serviços e o prestador.


Já a situação das Cooperativas merece especial atenção, em razão de sua condição de sociedades simples por definição legal inserida no art. 982 parágrafo único do Código Civil.


Sendo as Cooperativas consideradas sociedades simples e não empresárias, estaria a cooperativa especializada na prestação de serviços à terceiros, excluída da lei? Em caso de prestação de serviços a terceiros, ainda seriam regidas pelas normas gerais estabelecidas na CLT e aos enunciados ora vigentes?


É certo que houve aqui falha ou omissão proposital, uma vez que já há bastante tempo foi inserido no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro a possibilidade de terceirização de serviços por meio de cooperativas, por meio do parágrafo único do art. 442 da CLT através da Lei nº 8.949/1994, mas que não foi observado no projeto de lei.


Outro ponto capaz de gerar incertezas como consequência da direção oposta do projeto de lei à jurisprudência do TST, é a opção legislativa diversa de toda doutrina conhecida e inserida no § 2º do art. 2º do projeto de lei, que está em aparente confronto com o já conhecido Enunciado 331 do TST, item I.
O parágrafo 2º do art. 2º do projeto de lei afasta a configuração de vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços e os trabalhadores da empresa prestadora de serviços e/ou seus sócios, muito embora seja esta situação uma solução legislativa interessante que traz certa segurança jurídica às empresas contratantes tomadoras de serviços, na forma em que se encontra redigido o artigo a possibilidade de inadimplemento de verbas trabalhistas pelas empresas prestadoras de serviços passa a ser uma preocupante possibilidade futura.


Para tentar garantir que as empresas prestadoras de serviços tenham patrimônio apto ao pagamento de eventuais débitos trabalhistas, o projeto torna requisito obrigatório para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros além de registro na Junta Comercial e no CNPJ, capital social integralizado proporcional ao número de empregados.


O problema: nas situações em que empresas que não preencherem os requisitos estabelecidos no projeto e exercerem de forma irregular a atividade, os empregados verão a formação do vínculo trabalhista com a empresa tomadora de serviços?


Não há previsão no projeto de lei tal como redigido, de alguma hipótese em que seja configurado o vínculo laboral diretamente com o tomador de serviços, o que contraria a já pacificada orientação jurisprudencial e não traz segurança jurídica às partes (como propõe o projeto) já que certamente ocorrerão intensos debates nesse sentido.


Aqui devemos uma crítica ao projeto na forma como redigido, pois contendo este a proibição explícita da formação de vínculo empregatício com o tomador de serviços deveria de igual forma estabelecer de forma clara e precisa os limites da culpa, não apenas para o prestador de serviços, mas principalmente para a empresa contratante.


Ao revés, criou o projeto de lei uma nova argumentação para um debate que já havia sido (ainda que por orientações jurisprudenciais) resolvido, fazendo renascer uma sensação de insegurança jurídica para as empresas contratantes, que permanecerão na dúvida sobre os limites de sua culpabilidade na relação com empresas prestadoras de serviços.
O mais provável será a reafirmação por parte do Tribunal Superior do Trabalho de seu Enunciado 331, respondendo ao questionamento da aplicabilidade do item I do referido enunciado diante da exclusão da formação do vínculo empregatício diretamente com a empresa contratante.


Mas, certamente o ponto mais polêmico do projeto de lei, e que não foi objeto de grandes estudos preliminares e certamente causará espanto aos doutrinadores e operadores do Direito, é a permissão contida no § 2º do Art. 4º:

“Art. 4º
Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato de prestação de serviços determinados e específicos com empresa prestadora de serviços a terceiros.

(...)§ 2º O contrato de prestação de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante.”
A inserção no ordenamento jurídico de texto que permite ao prestador de serviços o desenvolvimento de atividades inerentes à atividade econômica da empresa contratante, inova ao ponto de redefinir o paradigma legal da terceirização.


Atualmente a terceirização de atividade-fim/inerente às atividades econômicas da empresa é vedada, não por lei, mas pelo já famoso Enunciado 331 do TST, que descaracteriza a formação de vínculo de emprego com a empresa contratante (tomadora de serviços) quando ocorre a prestação de serviços ligados à atividade-meio da empresa, e por atividade fim, já é conhecida a lição de Sérgio Pinto Martins, para quem “A atividade – meio pode ser entendida como a atividade desempenhada pela empresa que não coincide com seus fins principais.”


Por exclusão, os serviços prestados às empresas contratantes vinculados à sua atividade-fim são até o momento consideradas ilegais, ocorrendo nesta hipótese a configuração do vínculo trabalhista diretamente com a empresa contratante, sendo excetuadas dessa situação apenas as empresas de telecomunicações por possuírem regulamentação legislativa própria, como podemos verificar no RR - 124500-63.2004.5.03.0108 do Tribunal Superior do Trabalho sobre a terceirização da atividade fim da empresa contratante.


A terceirização já possui seus limites historicamente definidos pelo labor jurisprudencial, que os autorizam nas seguintes situações: 1-Contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.06.1974); 2-Contratação de serviços de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983);3-Contratação de serviços de conservação e limpeza; 4-Contratação de serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que inexista a personalidade e a subordinação direta.


A lista é exaustiva, e não existe amparo legal para a terceirização de serviços, de modo que projeto de lei, a ser aprovado na forma em que se encontra redigido, abandonaria a tradição dos limites históricos da terceirização definidos após décadas de debates nos Tribunais do Trabalho.


Mais perigoso ainda, é a generalização constante no texto, pois à partir do momento em que se legaliza a terceirização da atividade-fim da empresa as consequências para a realidade do mercado de trabalho podem ser desastrosas para o trabalhador, com a previsível migração do trabalho a ser realizado pelo empregado da empresa tomadora de serviços para a mão de obra terceirizada.


A pressão salarial decorrente dessa migração de serviços certamente trará um risco ainda maior de mitigação de diretos e garantias trabalhistas duramente conquistadas.


Em apenas dois parágrafos do Projeto de Lei 4.330 residem o estopim do que pode ser uma radical mudança de paradigmas no Direito do Trabalho, em especial pela generalização da terceirização trazida pela possibilidade de que a atividade-fim da empresa seja objeto de contrato entre a empresa contratante e a empresa prestadora de serviços.


É impossível realizar a leitura do Projeto de Lei sem que surja imediatamente a preocupação decorrente das incertezas trazidas pelo mesmo, incerteza esta que não é aquela decorrente do natural desconforto trazido pelo novo, mas sim pelo abrupto rompimento com a doutrina trabalhista e a negligência à todo o esforço de construção jurisprudencial dos limites da terceirização, que tiveram como elementos justificantes a preservação e criação de garantias e direitos aos trabalhadores.
Na ânsia de se atender a uma necessária e antiga reivindicação do empresariado para obtenção de maior segurança jurídica nas relações terceirizadas, o trabalhador que sempre gozou de proteção especial na legislação desta vez foi esquecido.
Ainda que contenha diversos pontos dignos de nota e que realmente eram necessários ao ordenamento jurídico trabalhista, o Projeto embora apresente uma única falha, esta é de tamanha gravidade que põe em xeque todo o Projeto.


Como dito, a generalização da terceirização pode transformar e tonar desigual a balança das negociações de categoria, e podemos até mesmo em hipótese extrema cogitar no fim de categorias, se imaginarmos que, com a permissão legal da contratação de empresa prestadora de serviço para a realização de tarefas ligadas à atividade-fim da empresa, categorias poderiam ser suprimidas e substituídas por uma grande e genérica categoria de “prestadores de serviço”.


É possível dizer que o Projeto de Lei 4330 traz inovações necessárias, mas acima de tudo, estabelece um novo paradigma e positiva uma generalização perigosa que esvazia toda a produção doutrinária e jurisprudencial consolidada sobre o tema após décadas de decisões judiciais que esgotaram o tema.


Se nos últimos anos vem crescendo o movimento pela relativização de direitos e garantias trabalhistas e alteração da CLT, o Projeto de Lei 4.330 ocupa papel de destaque, pois consegue com apenas um único parágrafo, reduzir décadas de avanços e conquistas trabalhistas a letra morta e sem valor.


Sua aprovação sem que ocorra uma alteração no texto, de forma a suprimir a permissão de terceirizar a atividade-fim da empresa certamente é um erro histórico.


REFERÊNCIAS


DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2002, p.417.

DIEESE Relatório Técnico – O processo de terceirização e seus efeitos sobre os trabalhadores no Brasil – disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdf

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2003

MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 9 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009. p.128.

SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 40ª ed. São Paulo: LTR, 2007. p. 815

Carta aberta assinada por membros do Coleprecor – Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho, extraído de http://coleprecor.wordpress.com/2013/09

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Marcelo Gonçalves da Silva

por Marcelo Gonçalves da Silva

Advogado na Área Trabalhista e Previdenciária, colunista e associado da Canedo Sociedade de Advogados

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