Sancionada lei de cotas para negros no serviço público federal

O texto versa sobre a Lei de Cotas no Serviço Público Federal
O texto versa sobre a Lei de Cotas no Serviço Público Federal

Direito

04/09/2014

A Lei 12.990/2014 estabelece cotas raciais em concursos públicos federais. Acredito que tal lei deveria engendrar debate mais abrangente e inclusivo por nós, caucasianos, que não fomos escorraçados historicamente. Desde a abolição da escravatura, o negro nunca foi alvo de uma política séria de inclusão social. Apenas aboliu-se a escravidão, nada mais. A maior incidência discriminatória tem como alvo, o negro, que em sua maioria, está abandonado nas favelas, subúrbios, presídios e escolas públicas das grandes e pequenas cidades desse país. Declarar-se negro NÃO O SENDO é típico do famigerado 'jeitinho brasileiro', mas que terá lá suas consequências. É a moral internalizada de cada um que deverá falar mais alto na hora da inscrição. Mas esse ainda não é o cerne da questão.


Ouço muito se falar em meritocracia. É fácil falar em meritocracia quando se acorda todos os dias com o café prontinho na mesa, ter carro pra ir à escola particular, sem conhecer as reais dificuldades de ser negro nesse país. É fácil falar que todos são iguais perante a lei. Só que a leitura literal do artigo 5º da Constituição provoca injustiças. Aristóteles já dizia que o princípio da isonomia tem que ser justa, tratando os iguais de forma igual e os desiguais, NA EXATA MEDIDA DE SUAS DESIGUALDADES. Esse princípio ganhou força quando ratificada pelo grandioso e imortal Rui Barbosa. Não se fala aqui em capacidade. Isso todos têm, mas não é potencializada de forma isonômica, ou seja, nem todos têm garantida a isonomia na hora de ir pra escola. A maioria dos negros brasileiros está estudando nas escolas públicas municipais e estaduais (escolas que sabemos ser completamente defasadas, com péssimas estruturas, tanto para o professor, quanto para os alunos). Quem tem condição, ingressa numa escola particular. Quem não tem condição, se quiser, vai para as defasadas escolas públicas. Ora, nessas condições, como exigir igualdade quando chegam a hora do ENEM ou a hora de disputar uma vaga de emprego? Meritocracia? Como já dito, não existe igualdade na hora de ingressar em uma escola. A exigência isonômica só é dito agora, bradado aos quatro cantos do país? Pois é, agora é fácil sentir-se injustiçado... O debate tem que ser mais profundo, para além do senso comum.


É cediço que a lei de cotas não resolve o problema. Aliás, ela está muito longe de resolver o problema. Contudo, julgo-a extremamente importante na questão provocativa do debate e da discussão que antes não existia. A lei de cotas para negros em concursos públicos vai para além das vagas. Ela chega ao problema crônico do Brasil: a educação, historicamente segregacionista, mas vista por mim e por você, como algo normal. Como assim? Ora, se a educação (leia-se conhecimento) liberta o ser humano (branco, negro, rico, pobre...) da ignorância, precisamos lutar por ela. Precisamos de escolas públicas de qualidade, tal como ordena nossa CF/88. Devemos exigir que os Institutos Federais de Ensino, que atualmente só atendem o Ensino Médio, sejam ampliados para a Educação Básica, pois “a educação, direito de TODOS e dever do ESTADO e da FAMÍLIA, será promovida e incentivada com a COLABORAÇÃO da sociedade, VISANDO AO PLENO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA, SEU PREPARO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA E SUA QUALIFICAÇÃO PARA O TRABALHO”. Art. 205 da CF/88.

ATENÇÃO! Leiamos novamente o referido artigo constitucional: “PREPARO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA E SUA QUALIFICAÇÃO PARA O TRABALHO”. Nossas escolas (municipais e estaduais) preparam todos os brasileiros para o pleno exercício da cidadania e qualificação para o trabalho? É óbvio que não! Visite uma escola pública do seu município... Logo, o problema não é a cota para o negro – na escola, faculdade ou serviço público. A cota é apenas a ponta do iceberg! O problema é o sistema educacional, que repito, SEGREGA os brasileiros. Segrega covardemente os brasileiros desde a fase mais importante do ser humano: a infância! E quando chegam à fase adulta, somente alguns se sobressaem. E quando esses heróis ganham os holofotes midiáticos, são postos como referências contra o sistema de cotas. A musiquinha bonitinha de fundo, no final de toda reportagem, causa comoção. Aí, consideramos essas exceções verdadeiros heróis, que venceram na vida, mesmo com toda a dificuldade. Sim, eles são dignos de tais honrarias. Mas a CF/88 não fala de alguns, mas sim, de TODOS!

Essa exigência de Institutos Federais de Ensino na educação básica já existe e poderá ser objeto de consulta popular por meio de plebiscito, em 05 de outubro de 2014 (patrulhemos!). O nome do projeto é a Federalização da Educação de Base, proposta pelo excelente Cristovam Buarque. É um projeto ousado que gerará resultados em longo prazo e que só ganhará força com apoio popular (plebiscito). É DISSO QUE OS BRASILEIROS PRECISAM: DE OPORTUNIDADES IGUAIS, DE ESCOLAS IGUAIS, PARA APRENDEREM IGUALMENTE, DESCOBRIREM SUAS VOCAÇÕES PROFISSIONAIS E QUE TODOS TENHAM CONDIÇÕES DE DISPUTAREM UMA VAGA DE EMPREGO NO MESMO NÍVEL. Nesse sentido, Buarque (2011, p. 03):

“Adiada há 120 anos, a revolução educacional só será realizada quando o Brasil oferecer a mesma chance educacional a cada criança, em escolas com a mesma qualidade para todos”.



No dia que assim proceder e respeitadas as regionalidades, acreditarei na meritocracia, na persistência, na vocação como um diferencial dentre todos aqueles que tiveram as mesmas oportunidades, as mesmas escolas, o mesmo tratamento, o mesmo respeito. Caso contrário, continuarei a favor das cotas. Não como meio de justiça e reparação, mas de fomento ao debate ao que realmente interessa: fortalecer a nossa ainda jovem democracia, que tem como primado básico promover o bem-estar de todos os cidadãos sem distinção, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Que se respeite e se efetive a dignidade da pessoa humana em absoluto! Dito isto, não podemos quedar-se alheios aos fenômenos da desigualdade histórica, social e jurídica de que foram alvo os negros desse país. Educação e cidadania se integram. Nas palavras de Joaquim (2009, p. 199), “a educação e cidadania caminham juntas, são indissociáveis, pois quanto mais educados os cidadãos, mais serão capazes de lutar e exigir seus direitos e cumprir seus deveres”.
“Foi graças à revolução educacional que aqueles países[1] fizeram suas revoluções sociais, derrubaram o muro da desigualdade que dividia suas sociedades e o muro do atraso que os separava dos países com economia e modelos civilizatórios avançados”. (BUARQUE, 2011, p. 16).


Nosso envolvimento na política é crucial para o desenvolvimento e a concretização do maior bem que o ser humano possui: o conhecimento.


“O êxito da democracia depende dos cidadãos aceitarem as suas responsabilidades cívicas e, portanto, manter um sentido de identificação com os destinos da 'pólis'. Para o legislador ateniense Péricles e seus contemporâneos do século V a.C., o indivíduo particular era um irresponsável quando desinteressado dos assuntos públicos”. (ARBLASTER, 1988, p. 41).



REFERÊNCIAS


ARBLASTER, A. A Democracia. Lisboa: Estampa, 1987.

ARISTÓTELES, A Constituição de Atenas. São Paulo: Nova Cultural, 1999. Tradução Therezinha M. Deutsch

BUARQUE, Cristovam. A Revolução Republicana na Educação. São Paulo: Moderna, 2011.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 29 mai. 2014.

JOAQUIM, Nelson. Direito Educacional Brasileiro. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2009.



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[1] França, Alemanha, Inglaterra, Itália, EUA, Finlândia, Japão, Coreia, Malásia, Cingapura...

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Olandim de Sousa Sueth

por Olandim de Sousa Sueth

Graduado em Direito pela FDCI (ES), Pós-Graduando em Sociologia e Filosofia pela UCAM (RJ), Controlador Geral e colunista do Portal Educação.

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