"O sentido de gerar um filho, uma filha, de chamar alguém para a existência é uma das missões mais nobres e sublimes.”
A frase acima foi escrita pelo cardeal Eusébio Scheid, arcebispo do Rio de Janeiro, em um artigo intitulado “Princípios para uma Vida Familiar: sadia, harmoniosa e feliz”. O texto compõe a seção “Voz do Pastor” do site da arquidiocese do Rio de Janeiro.
Ao tratar da família a Carta Constitucional, além de a considerar a base da sociedade (art. 226), repetiu o princípio da igualdade: ...exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art. 226). Enfatiza o § 7º do mesmo artigo: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal.
O princípio da paternidade responsável significa RESPONSABILIDADE e esta começa na concepção e se estende até que seja necessário e justificável o acompanhamento dos filhos pelos pais, respeitando-se assim, o mandamento constitucional do art. 227, que nada mais é do que uma garantia fundamental.
Nesse presente trabalho tentaremos enfocar o princípio supramencionado e sua relação íntima com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo sempre em vista o objetivo do planejamento familiar.
- Previsão legal e aplicabilidade:
O princípio da paternidade responsável é garantido expressamente no art. 226, § 7º da Constituição Federal:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”
O princípio em análise é presença constante em nosso ordenamento jurídico. Vejamos alguns exemplos:
A Lei nº 9263/96 veio regulamentar o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelecendo, em seu art. 2º, planejamento familiar como “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.” Tem-se entendido que o princípio da paternidade responsável está implicitamente inserido no bojo dessa Lei.
Também no novo código civil de 2002, por exemplo, ao tratar das técnicas de reprodução assistida, temos o referido princípio, no tocante à inseminação artificial heteróloga, inc. V do art. 1597 – a presunção de que foi concebido na constância do casamento o filho havido por inseminação artificial heteróloga previamente consentida pelo marido – explica o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama: é forçoso reconhecer que a melhor técnica legislativa seria a de considerar a certeza da paternidade, estabelecendo a proibição de o marido impugnar a paternidade relativa à criança concebida e nascida de sua esposa através de técnica de procriação assistida heteróloga previamente consentida (como ocorre no Código Civil português). A hipótese não é de presunção relativa (“juris tantun”), mas de presunção absoluta (“iuri et de iuri”) ou certeza da parentalidade, levando em conta a impossibilidade jurídica de se admitir a impugnação da paternidade relativamente àquele que manifestou vontade no bojo do desenvolvimento do projeto parental dos cônjuges e posteriormente pretende se retratar de tal consentimento. A paternidade já havia se constituído desde a época da concepção e início da gravidez. No âmbito da procriação assistida heteróloga, a circunstância de não haver relação sexual faz com que devam ser considerados outros pressupostos fáticos como a vontade associada ao êxito da técnica conceptiva com a gravidez da mulher em nítida observância ao princípio da paternidade responsável, tal como expresso no texto constitucional (Art. 226 §7º). Como tem sido aceito no Direito comparado, o critério de estabelecimento da parentalidade-filiação decorrente de procriação assistida heteróloga não é o biológico no que toca ao ascendente que não contribuiu com suas células reprodutivas para a formação do filho. Desse modo, ainda que o marido pretenda impugnar a paternidade relativamente ao filho, e prove que biologicamente não é o genitor da criança concebida e nascida da sua esposa, a paternidade foi estabelecida no momento da concepção e início da gravidez. A vontade acoplada à existência do convívio conjugal e ao êxito da técnica de procriação assistida heteróloga se mostra o elemento fundamental para o estabelecimento da paternidade que, desse modo, se torna certa, insuscetível de impugnação pelo marido.
O princípio da paternidade responsável, inserido no direito do estado de filiação, está também garantido implicitamente na Constituição Federal, no art. 227, pois é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar, colocando-os a salvo de toda forma de discriminação, vedando expressamente as designações discriminatórias relativas ao estado de filiação.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 1989, ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, dispõe que toda criança terá direito, na medida do possível, de conhecer seus pais e ser cuidada por eles.
De forma explícita, o princípio da paternidade responsável foi incluído no art. 27, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), ao dispor que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
A partir de então, o direito da criança ou do adolescente ao reconhecimento do seu estado de filho, que antes da Constituição Federal era impedido em algumas situações pelo Código Civil de 1916 (filhos ilegítimos adulterinos e incestuosos - art. 358, do Código Civil), passa a ser absoluto, podendo ser exercido a qualquer tempo e, inclusive, em face dos herdeiros dos pais, considerando-se de natureza personalíssima e não se podendo dele dispor.
Como forma de garantir maior efetividade ao exercício do direito de filiação, bem como maior obrigatoriedade ao princípio da paternidade responsável, veio a lume em 29 de dezembro de1992, a Lei nº 8.560, prevendo que o reconhecimento dos filhos é irrevogável e indicando as formas de reconhecimento.
No caso de registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o Oficial do Cartório remeterá ao Juiz Corregedor Permanente do Serviço de Registro Civil certidão integral do registro, com declaração da genitora sobre o suposto pai, com sua qualificação e identificação. O Juiz, então, ouvindo a genitora sobre a paternidade alegada, determinará a oitiva também do suposto pai, que poderá reconhecer a paternidade, lavrando-se termo de reconhecimento, que será averbado no registro de nascimento, ou negá-la, remetendo-se os autos ao Ministério Público para que, havendo elementos suficientes, ajuíze a ação de investigação de paternidade ou envie os autos à Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado para tal. Todo este procedimento tramitará em segredo de justiça.
É necessária uma reflexão e uma conscientização de toda a sociedade sobre o tema da paternidade (e maternidade) responsável. Hoje, fazer filhos, virou uma diversão como ir ao cinema ou ao shopping. Há pouco tempo, uma novela retratava o esforço feito por pessoas querendo chegar à fama, vendendo sua dignidade (juntamente com o seu corpo) para alcançar este objetivo. Hoje em dia, ter casos amorosos ou filhos com pessoas famosas, além de status social e notoriedade também pode garantir um bom retorno financeiro. Aqui, a paternidade responsável foi substituída pela lei de mercado.
- Relação com o princípio da dignidade da pessoa humana:
O princípio da paternidade responsável está intimamente vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Este constitui base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente.
A dignidade da pessoa humana está expressamente consignada na Constituição Federal (Arts. 1º, inc III e 226, §7º). Com isso o Constituinte veio a garantir a democratização do planejamento familiar, dando ao casal a livre decisão (com responsabilidade), sobre o assunto, coibindo interferências de qualquer entidade, inclusive religiosa.
- Conclusão:
Pelo exposto, conclui-se que o princípio da paternidade responsável é o princípio base, ao lado do princípio da dignidade da pessoa humana, para a formação da família hodiernamente, pois constitui uma ideia de responsabilidade que deve ser observada tanto na formação como na manutenção da família. Vivemos num mundo de rápidas e profundas transformações, onde as normas, os valores e os princípios básicos da vida são constantemente mudados. De fato, a família vive hoje no meio de um mundo de tensões, divisões, contestação dos valores éticos e morais vigentes e de ruptura da unidade familiar.
Tal princípio visa um planejamento familiar racional e independente, para que os seus membros possam se desenvolver naturalmente. Uma sociedade madura e consciente assume a questão do Planejamento Natural da Família como um projeto global de amor, de vida, de saúde e de justiça.
- Bibliografia:
. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1998 .
. BRASIL, Código Civil, 2002;
. BRASIL, Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996;
. BRASIL, Lei n° 8560, de 29 de dezembro de 1992;
. BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990;
. DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, v. 5, 19ª ed./ Saraiva, 2004.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Thiago José Teixeira Pires
Formado em Direito e Pós-Graduado em Direito Civil/Processo Civil pela Faculdade de Direito de Campos (UniFlu);
Pós-Graduado em Direito Público (Administração Pública), pela Universidade Veiga de Almeida;
Oficial de Justiça lotado no Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (2006 até hoje).
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