"Da suspeição e do impedimento do juiz no Processo Civil"

Princípio da Imparcialidade do Juiz
Princípio da Imparcialidade do Juiz

Direito

24/02/2015

INTRODUÇÃO

 

O Juiz é um sujeito no processo civil com o dever de dar andamento nos processos por meio de atos processuais, buscando fornecer ao fim de todos os atos praticados uma resposta ao litígio apresentado, que deverá ser cumprida ou questionada pelas partes (autor e réu).  

O juiz tem seus deveres, poderes e responsabilidades elencados nos art. 125 a 133 do CPC[1]. Assim como também deve respeitar a alguns princípios que possui o Processo Civil, para que seus atos tenham legitimidade e possam surtir os efeitos desejados.

Assim como o juiz tem deveres a executar, este também deve se eximir de alguns casos quando a lei assim determinar, que são os casos de impedimento e suspeição do juiz, tratados nos art.134 e 135 CPC, sob pena de ter a sentença rescindida ou de ser recusado pelas partes conforme art. 304, ato executado por meio da exceção, que veremos de modo detalhado no decorrer deste artigo.


1.    Princípio da Imparcialidade do Juiz

 

Para a compreensão quanto a existência das causas de impedimento e suspeição é essencial o conhecimento no que tange o princípio da imparcialidade do juiz.

A Constituição Federal / 88 não traz expressamente este princípio, porém, sendo a imparcialidade do juiz primordial para que não ocorra nenhum vício que comprometa a paridade das partes durante o processo e na sentença transitada em julgado, a Constituição Federal adota no art. 5º, LIII o princípio do juiz natural e no inciso XXXVII a proibição de juízo ou tribunal de exceção, considerando assim que todas as causas serão julgadas por autoridade competente e previamente constituída. Deste modo buscando evitar que as partes tenham possibilidade de selecionar o juiz, buscando auferir vantagem e assim prejudicando a imparcialidade, visto que o juiz possui livre convicção perante os fatos a serem demonstrados no processo para ao fim sentenciar; Com o impedimento da criação de tribunal em exceção, força que a propositura da ação ocorra em tribunal específico, mediante as regras de competência, para que não existam criações de juízos com a finalidade de favorecer um determinado grupo.

Diz Marcus Vinicius[2] “A imparcialidade do juiz é um pressuposto de validade do processo”, logo, se a imparcialidade do juiz está comprometida há a ausência de um pressuposto de validade, trazendo consequências, previstas em lei, ao processo visto que é um fator que impede que o processo alcance sua finalidade.

Para Marcus Orione[3] “A imparcialidade do juiz é um pressuposto processual subjetivo indispensável à instauração e regular desenvolvimento do processo”. No pensamento apresentado temos o fator da subjetividade confirmando que o impedimento ou a suspeição estão relacionados com a subjetividade do juiz, comprometendo sua livre convicção durante o processo.


2.    Impedimento do juiz

 

Determina o texto legal quanto ao impedimento do juiz, no art. 134 (CPC):

[4]Art. 134 - É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

I - de que for parte;

II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

 

 Em relação ao inciso I, é visível o impedimento visto que não é cabível ao juiz decidir a lide em que é parte, tendo este grande interesse no resultado.

Nos incisos II e III a intervenção ocorre pelo fato de que o juiz já teve contato com o processo, tem, portanto, conhecimento das alegações, assim como das provas e desta forma já possui, de certo modo, uma convicção formada a respeito da lide.

Nos incisos IV e V o juiz possui relação familiar com o advogado de alguma das partes ou em relação às próprias partes.

E por fim, no inciso VI quando tiver cargo de direção ou administração na pessoa jurídica que figura como parte no processo, pois este fator gera interesses pessoais impedindo o livre julgamento.

Nos casos de impedimentos temos a presunção absoluta da parcialidade do juiz. assunto será melhor avaliado adiante.

 

3.    Suspeição do juiz

 

Os casos que originam a suspeição do juiz estão no art. 135 CPC:

[5]Art. 135 - Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Parágrafo único - Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Nos incisos I e II o juiz é suspeito tendo em vista que possui uma relação particular com alguma das partes, havendo um apreço ou desprezo pelo sujeito. Assim como, também, prevê o fator de devedor ou credor ao próprio juiz ou familiares, que atribui o senso de responsabilidades a cumprir ou não cumpridas.

No inciso III temos uma relação próxima, onde o juiz pode enquadrar-se como herdeiro ou empregador de alguma das partes, o que pode impedir sua imparcialidade mediante os fatos, pois irá possui uma convicção pré-formada da personalidade do autor ou réu, assim como ter interesses no mérito.

Nos incisos IV temos uma situação um pouco mais ampla das anteriores, onde o juiz pode ter tido contato com alguma das partes, criando uma opinião sobre ela, assim como a parte propositalmente pode ter se aproximado do mesmo com interesse de criar este vinculo almejando benefício futuro, deste modo impedindo que o juiz seja imparcial.

 No inciso V e no Parágrafo Único temos uma ampla opção de situações não determinadas, onde qualquer seja o motivo particular que possa levar o juiz a ter interesse no julgamento a favor de uma dar partes este poderá declarar-se suspeito.


4.    Diferença do impedimento e da Suspeição

 

Por mais semelhantes que possam parecer, esses institutos possuem diferenças importantes no decorrer do processo.  

Inicialmente podemos apresentar que no impedimento a própria lei já impõe em seu art. 134 que é defeso (proibido) ao juiz julgar as situações determinadas, já na suspeição, no art. 135, o legislador apenas demonstra que nos casos expressos o juiz é suspeito e declara que é conveniente que o ele se afaste do caso.

Marcus Vinícius a esse respeito diz que:

“No impedimento é vedada a participação no processo, porque é mais intensa a possibilidade de que não venha a permanecer isento e equidistante na condução do processo; na suspeição, o risco é menor, mas mesmo assim é conveniente que ele se afaste, pois ainda há o potencial risco de falta de isenção.”[6]

É claro que tanto no impedimento quanto na suspeição há a possibilidade que o juiz venha a ter interesse no processo e existe de certa forma um comprometimento de sua imparcialidade, porém, na suspeição, como firmado no pensamento do doutrinador citado acima, o interesse é menor tendo em vista que a relação do juiz com as partes ou diretamente com o processo é inferior à relação que tem o juiz com as situações de impedimento.  

Nos casos de impedimento o juiz não tem como garantir sua imparcialidade, visto que tem relação direta com os elementos taxativos; Já na suspeição ele tem relação, porém, pode declarar-se suspeito ou não, estando a seu critério avaliar o grau de relação com a situação e o grau de comprometimento de sua imparcialidade.

Conclui-se a respeito da parcialidade do juiz que o impedimento traz presunção absoluta (juris et de jure) e a suspeição há presunção relativa (juris tantum).


5.    Arguição da exceção de impedimento ou suspeição

 

Quando verificado que há um impedimento ou uma suspeição existe a possibilidade em que o próprio juiz irá se declarar impedido ou suspeito, remetendo os autos para que outro juiz, livre de impedimento, avalie a lide.

Porém, não havendo esta declaração inicial pelo juiz, conforme art. 137 CPC “... O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes”.

O próprio texto legal, no art. 304 do CPC indica que a parte interessada pode recusar o juiz, procedendo com a arguição por meio da exceção. E de modo detalhado o CPC art. 138 §1º deixa claro como deverá ser efetivada a exceção, oferecendo-a em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, onde o juiz irá mandar processar o incidente em separado, sem que ocorra a suspensão da causa e em determinado prazo ouvirá o arguido.

Entende-se por petição devidamente instruída aquela que conter os documentos comprobatórios das alegações e o rol de testemunhas. Conforme definido no art. 312 CPC.

Também deve haver a compreensão de que esta petição é considerada um incidente processual, onde ambas as partes tem legitimidade ativa para opor a exceção e o legitimado passivo será o juiz, neste caso, não havendo relação com a parte passiva do processo em litígio, por isso Marcus Vinicius alega que “A parte contrária não tem qualquer participação no incidente, sendo para ele irrelevante a manutenção do magistrado, ou a sua substituição por outro”.[7]

Caso o juiz reconheça que está impedido ou suspeito o procedimento está definido no CPC art. 313 ““... “O juiz, se reconhecer o impedimento ou a suspeição, ordenará a remessa dos autos ao seu substituto legal...”.

E na 2ª parte do art. 313, informa que caso o juiz não reconheça o alegado na exceção, apresentará suas razões dentro do prazo de 10 dias, também acompanhado de provas, documentais e testemunhais, remetendo os autos ao tribunal que irá verificar os fundamentos e determinará o arquivamento ou imputará ao juiz às custas processuais, assim como ordenará a remessa do processo ao juiz substituto, conforme art. 314 CPC.

 

6.    Momento da arguição para efeito de nulidade

 

Tendo em vista que tratamos que a imparcialidade do juiz é um pressuposto de validade, considera-se essencial que não exista vicio para que o processo gere seus efeitos, porém, como tratamos de duas categorias distintas de imparcialidade também existem diferenças quanto ao seus efeitos de nulidade nos casos em que estão viciadas, assim como requisitos para que seja arguidas no momento oportuno.

 Diz Marcus Vinicius :

“... há o impedimento e a suspeição. Só no primeiro caso é que a nulidade será absoluta, produzindo a invalidade do processo; a suspeição não alegada por via de exceção no prazo legal não poderá mais ser arguida pela parte, tornando-se em relação a ela, matéria preclusa, incapaz de invalidar o processo.”  [8]

No pensamento de Marcus Vinicius, citado anteriormente, a suspeição deve ser alegada no prazo legal.

Não há uma regra no que diz respeito a este prazo para arguição da suspeição, porém, podemos considerar com base nos artigos do Código de Processo Civil, duas hipóteses:

Conforme art. 138 §1º, “...considera-se a primeira oportunidade que couber a parte interessada a falar...”. Sendo considerado este primeiro momento a contestação. Temos reforço desta ideia com base no art. 297, do mesmo código, que afirma “O réu poderá oferecer no prazo de 15 dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção”, logo, reforça-se a ideia de que o primeiro momento a ser apresentada a exceção é no mesmo momento conveniente à oferecer contestação, prazo de 15 dias, que conforma art. 241,I começa a contar da juntada.    

Já como segunda hipótese, temos no art. 305, a informação de que “...o direito de arguir pode ser exercido em qualquer tempo ou grau de jurisdição, oferecendo-a no prazo de 15 dias a contar do fato que ocasionou o impedimento ou a suspeição...”. Essa segunda opção é muito importante, visto que o excipiente pode não ter conhecimento da causa da suspeição no início do processo, no primeiro momento a se pronunciar e sim no decorrer dos trâmites legais, deste modo, o prazo será computado de 15 dias a contar do conhecimento do fato que gera a suspeição.

Ambas situações caso não observadas ocorrem sob pena de sanarem o vício, tornando válido todos os atos, assim como a sentença.

 

7.    Rescisão da sentença

 

Como já visto no tópico anterior, a suspeição possui momentos para ser arguida, já o impedimento gera a nulidade do processo a qualquer tempo.

No dispositivo legal do Código de Processo Civil, art. 485 temos que “A sentença de mérito transitada em julgado, pode ser rescindida, quando: inciso II proferida por juiz impedido ou absolutamente incapaz”. Nesta situação não temos a presença do instituto da suspeição, o legislador apenas enquadrou como situação de rescisão da sentença o caso de impedimento, reforçando a ideia de que as situações que impedem o juiz de exercer a função jurisdicional são mais gravosas em relação as de suspeição, que caso não oferecidas no momento oportuno poderão não ser aceitas posteriormente, sanando assim a nulidade proveniente da suspeição.

O art. 495, CPC relata que “o direito de propor ação rescisória, se extingue em 2 anos, contados do trânsito em julgado da decisão”, desta forma podemos compreender que mesmo o caso de impedimento sendo considerado grave, gerando uma ausência de pressuposto de validade, tornando o processo nulo, caso não seja apontado pelo juiz, não seja obervado pelas partes e ultrapasse o prazo estipulado para ingressar com a ação rescisória, este terá validade decorrente da inobservância dos maiores interessados nos efeitos da lide.

 

8.    Considerações Finais

 

Conclui-se, portanto, a respeito do assunto tratado com o detalhamento por este artigo que o legislador teve a preocupação em reforçar no Código de Processo Civil institutos que garantissem à imparcialidade do juiz, princípio determinado pela Constituição Federal/88, assegurando assim às partes a equidade durante os atos processuais executado pelo juiz.

Além de determinar o instituto do impedimento e da suspeição delimitou, também nos artigos do mesmo código, as consequência provenientes destes incidentes. Trazendo a possibilidade do próprio juiz declarar-se impedido ou suspeito e inclui a opção das partes recusarem o juiz, por meio do incidente processual da exceção via petição que será dirigida ao juiz, onde este atuando no polo passivo irá apresentar suas alegações que serão avaliadas pelo tribunal.

De fato que ambas as situações demonstram riscos à imparcialidade do magistrado, porém, considera-se, com base na interpretação legal, que o impedimento é um tanto mais gravoso que a suspeição, portanto, gera a nulidade do processo a qualquer tempo, diferente dos efeitos da suspeição, que de certo modo precluem  caso não observados.

Deste modo, temos com clareza a ideia de que os princípios que torneiam o processo civil são essenciais e com base neles é que todo o ordenamento foi sendo moldado para a devida aplicação em cada caso concreto levado ao judiciário.



[1] CPC – Código de Processo Civil, Vade Mecum, 2014, Editora Saraiva

[2] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios , Novo curso de direito processual civil 2010, 7ª ed. Saraiva, Pg.30.

[3] CORREIA, Marcus Orione G, Teoria Geral do processo 2009, 5º edição , Editora Saraiva

[4] Código de Processo Civil, op. cit.

[5] Código de processo Civil, op.cit.

[6] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios, op. cit. Pg.195.

[7] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios, op.cit. P. 351

[8] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios , op.cit. Pg. 119.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Ludmilla Augusto Boga

por Ludmilla Augusto Boga

Cursando 7º Semestre de Direito na Universidade Camilo Castelo Branco (Unicastelo) - SP ;

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