Pena de lesões corporais dolosas x Pena de lesões corporais culposas em veículo

Lesão Corporal - Código Penal X Código de Trânsito Brasileiro
Lesão Corporal - Código Penal X Código de Trânsito Brasileiro

Direito

24/02/2015

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a finalidade de demonstrar a divergência entre as penas aplicadas em relação ao tema “Lesão Corporal”, quando observado o dispositivo do Código Penal e quando necessária a aplicação da lei do Código de trânsito brasileiro, avaliando precipuamente a questão do ato praticado de modo doloso e culposo.


A relação da culpa e do dolo tem função importantíssima na avaliação do delito e na aplicação da pena pelo juiz de direito, porém, ao longo deste artigo será observado que há uma controvérsia na pena base do crime em questão quando praticado na direção do veículo.

 

1.    Princípio da proporcionalidade da pena

Se este trabalho tem a função de demonstrar a divergência de aplicação de determinadas penas estamos tratando da proporcionalidade que elas possuem ou não quando avaliadas no contexto do crime.


Para entendermos a existência deste princípio se faz necessário conhecimento de Cesare Beccaria[1], que menciona em seus pensamentos a necessidade das penas de serem proporcionais aos delitos.


“...Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes, à medida que o delito é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum. Deve, pois, haver uma proporção entre os delitos e as penas...” (Beccaria, p. 71)


Em sua obra deixa claro que o legislador deve ser hábil em criar as penas, pois o intuito não é apenas punir, mas punir consideravelmente e com base principal no ato do indivíduo. Não podemos punir de modo diverso ou incoerente pois causaríamos uma sensação de impunidade ou de rigorosidade não desejada, alterando assim a percepção do indivíduo no ambiente coletivo, logo, poderiam os valores serem invertidos, assim, pessoas optando por praticarem crimes mais graves ao invés dos mais leves ou deixarem de praticar os atos ilícitos.

 

2.    Elemento subjetivo (Dolo / Culpa)

Para que seja possível a compreensão plena do tema principal deste artigo, é essencial que haja clareza quanto ao conceito dos elementos subjetivos (conduta dolosa e conduta culposa).


Em relação à conduta dolosa, Capez[2] (2004, p.187) diz que “Dolo é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal...”


Se tratando da culpa, Capez (2004, p. 193) relata que é “... imprescindível que se proceda um juízo de valor sobre a conduta do agente no caso concreto, comparando-a com a que um homem com prudência média teria...”


É possível repararmos na facilidade em que o doutrinador citado acima discorre sobre o dolo, porém, em relação à culpa existe uma amplitude de avaliar este critério, partindo da premissa que o próprio legislador não define o instituto da culpa e deve ser avaliando comparando-o com o de um indivíduo de padrões médios, assim como será essencial a avaliação do juiz mediante seu livre convencimento em relação aos critérios subjetivos de cada acusado.


O pensamento de Grecco[3] (2013, p. 40) é que “...Dolo ocorre quando o agente quer diretamente o resultado ou assume o risco de produzi-lo...” e “Culpa ocorre quando o agente dá causas ao resultado em virtude de sua imprudência, imperícia ou negligência.”


Pode-se concluir que a avaliação de Grecco em relação aos institutos em pauta é mais objetivo e conceitual.


Consideremos então que o dolo é a vontade livre e consciente do agente de produzir o ato definido no tipo penal e a culpa é a prática que resultou na ação ilícita sem a intenção do agente, ocorrendo por imperícia, imprudência ou negligência.


Salientando, como complemento para melhor abrangência do assunto, que imperícia é a falta de técnica necessário para determinada atividade ; Imprudência é a ausência de cautela  na realização de um ato precipitado ; Negligência se enquadra na inobservância das devidas precauções.[4]

 

3.    Lesão corporal dolosa

A lesão corporal encontra-se no Código Penal brasileiro no art.129, definida conceitualmente como “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”. A pena nela aplicada é de detenção de 3 (três) meses a 1(um) ano.


O Caput deste artigo faz referência ao modo doloso do crime, como já foi apontado, sendo dolo o crime realizado com plena intenção, e temos a conduta culposa elencada no §6º, alterando a pena base para detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.


A título de melhor entendimento do tema abordado no art. citado, façamos referência a exposição de motivos da Parte Especial do CP, 42 que nos define que lesão corporal é qualquer dano ocasionado à normalidade funcional, seja do ponto de vista anatômico, fisiológico ou mental. Mas não é função deste trabalho abordar a fundo estas questões, sendo necessárias apenas as disposições gerais da conduta dolosa.

 

4.    Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor

Este instituto está previsto no Código de Trânsito brasileiro no art. 303 sendo sua definição “Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor”. Pena de detenção de 6 (meses) a 2 (dois) anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.


Logo pode-se avaliar que ocorrendo ilícito nesta situação além da pena o indivíduo que não possuía culpa, logo agiu sem intenção de atingir o resultado, responderá a pena de detenção e acarretará restrições quanto à habilitação.


5.    Desproporção na comparação das penas

É visível que quando realizamos a análise das penas de Lesão Corporal dolosa, do C.P art. 129 e da Lesão Corporal culposa na direção de veículo , do CTB art. 303 existe uma desproporcionalidade imediata.


Tendo como ideia de proporcionalidade os pensamentos de Beccaria, citado anteriormente neste artigo, pode-se claramente concluir que o crime mais grave deve ser mais rigorosamente punido.


Partindo da premissa de que o dolo é mais grave que a culpa, a partir do momento em que o agente que tem o dolo realiza todos os atos necessários buscando a finalidade com plena consciência de sua intenção ilícita, contrário ao que tem a culpa que em momento algum tem a intenção, conclui-se que os crimes dolosos devem ter aplicação de pena maior para que seja respeitada a proporcionalidade.


Desta forma não é compatível que o crime de Lesão dolosa, Código penal, tenha pena de  3 meses a 1 ano e a Lesão culposa na direção de veículo, Código de trânsito,  pena de 6 meses a 2 anos. É visível que neste caso a pena daquele que tem a intenção de realizar a lesão é inferior ao que não tem intenção de causar a lesão e pelo fato de estar em um veículo automotor foi atribuído pelo legislador pena superior.


Em relação a esta incongruência poderia ocorrer na prática um caso em que:

O agente pratique lesão corporal leve na direção de veículo automotor na velocidade superior a 50% à máxima permitida.


Desconsiderando a 2º e 3º fase de aplicabilidade da pena e levando em consideração apenas a pena base do art. 303 pelo critério de que o agente está em direção, o autor seria penalizado em 2 anos.


Porém, caso o mesmo tenha ciência das leis, e relate que tinha conhecimento dos padrões inadequados da velocidade e tinha a intenção de lesionar levemente, o aplicado será o art. 129 (C.P) e art. 311 (CTB) , considerando somente a pena base, o autor seria condenado à 1 ano pela lesão corporal dolosa e no máximo 1 ano ou multa pelo excesso de velocidade.


Sabendo que existem outros fatores que influenciam na aplicação da pena, tais como causas de aumento , causas de diminuição, atenuantes e agravantes, não há como afirmar o entendimento que o juiz teria da situação, porém, é explícito que dentre as hipótese possíveis a serem aplicadas, a maior possibilidade de ocorrer é a aplicação de pena superior ao indivíduo que agiu com culpa em relação ao que age com dolo.


Vale reforçar que todos os apontamentos realizados neste artigo se referem à lesão corporal de natureza leve, tendo em vista que se ocorrer a lesão corporal de natureza grave ou gravíssima o aplicado pelo Código Penal não será o Caput e sim os §1º e  §2º .

 

6.    Considerações finais

Concluo este artigo afirmando a hipótese de ter ocorrido uma desatenção por parte do legislador, mas considerando que pode haver uma explicação lógica que desconhecemos e dificilmente irá circular em nossas atuais fontes de pesquisa, tendo em vista que tratamos de dois códigos divergentes, com histórico de alterações e de necessidades ansiadas pela sociedade em planos distintos, porém,   onde ambos possuem o mesmo instituto, tratando dele de modo penal, aplicando pena e possibilidade de aumento desta, porém, dispondo deles de modo divergente e fugindo ao pensamento majoritário de proporcionalidade da pena quando avaliado seus modos e suas intenções, nos trazendo à refletir e considerar que neste caso um elemento de suma importância, que é o dolo e a culpa em relação ao crime não possuiu peso suficiente para que houvesse equiparação onde aquele que agiu dolosamente fosse punido com maior severamente do que aquele que em momento algum tinha intenção de praticar ato ilícito, muito menos de lesionar o próximo.  

 



[1] Beccaria, Cesare – Dos delitos e das penas – Edipro 2013

[2] CAPEZ, Fernando – Curso de direito penal , parte geral – volume 1 , 2004

[3] GRECCO, Rogério – Curso de direito penal, parte geral – Volume 1, 2013

[4] Nação Jurídica – www.nacaojuridica.com.br postado em 8 de julho de 2013

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Ludmilla Augusto Boga

por Ludmilla Augusto Boga

Cursando 7º Semestre de Direito na Universidade Camilo Castelo Branco (Unicastelo) - SP ;

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