Como explicar a seletividade penal?

Seletividade Penal.
Seletividade Penal.

Direito

29/10/2015

Muitas pessoas discutem o assunto da seletividade penal, afirmando que essa história de que a maior parte das pessoas que são presas é composta de negros e pobres é mentira e que não podemos afirmar que os nossos policiais e a nossa Justiça sejam preconceituosos.

Mas será que a seletividade penal mais ocorre no momento da abordagem policial e no julgamento do processo criminal ou o momento mais seletivo é o da elaboração da nossa legislação criminal?

Ao meu sentir, o problema maior está na elaboração da legislação, a qual "obriga" os policiais a abordarem um determinado grupo de pessoas e a Justiça a processar e, eventualmente, condenar.

Se realmente é verdade que temos mais pessoas “pobres” e “pretas” presas, qual seria o real motivo disso?

O motivo está nas sanções atribuídas aos crimes.

Quais são os crimes mais praticados pelos “pretos e pobres”?
Roubo/furto e tráfico de drogas. Por qual motivo? Pois rende dinheiro e ajuda a amenizar a desigualdade social em que eles “pretos e pobres” estão inseridos.

E quais são os crimes que mais encarceram? Roubo e tráfico.

Então quer dizer que o roubo e o tráfico de drogas são os crimes mais graves existentes em nossa sociedade, certo?!

Claro que não. Isso quer dizer que são os crimes mais praticados pelas pessoas que o Estado quer se ver livre.

Ou você acha que o roubo e o tráfico são mais graves do que a sonegação de impostos, do que o desvio de verbas públicas, do que a corrupção?

Se você acha que esses últimos crimes são mais graves do que os crimes de roubo e de tráfico de drogas, por qual razão, então, eles (sonegação, desvio e corrupção) são apenados com uma sanção mais branda?

E se você não acha que esses crimes (sonegação, desvio e corrupção) são mais graves do que o roubo e o tráfico, já parou para pensar que estes últimos crimes somente ocorrem (com tamanha intensidade) pelo fato de existir tanta sonegação, desvio de verbas públicas e corrupção?

É inegável que se o dinheiro público atingisse o seu destino (que não é a conta bancária dos nossos "representantes") o "índice de criminalidade" seria muito mais baixo.

Se você rouba um celular, fica preso; se você desvia milhões de reais destinados à saúde, fica solto.

Logo, o policial vai prender quem e a Justiça vai manter quem preso? O ladrão de celular ou quem desviou a verba?
Não se trata de racismo ou de preconceito institucional, mas de uma seletividade imposta pela lei.

Para melhor exemplificar isso que eu afirmo, passarei a demonstrar alguns crimes e suas sanções:

Primeiro "bloco":

Roubo simples – RECLUSÃO de 04 a 10 anos;

Roubo Majorado – RECLUSÃO de 05 anos e 04 meses a 15 anos;

Latrocínio – RECLUSÃO de 07 a 15 anos (se resultar lesão) e de 20 a 30 anos (se resultar morte);

Tráfico – RECLUSÃO de 05 a 15 anos;

Associação para o tráfico – RECLUSÃO de 03 a 10 anos.


Segundo "bloco":


Estelionato – RECLUSÃO de 01 a 05 anos;

Falsificação de documento público – RECLUSÃO de 02 a 06 anos;

Falsificação de documento particular – RECLUSÃO de 01 a 05 anos;

Falsidade ideológica
– RECLUSÃO de 01 a 05 anos;

Crime contra a ordem tributária
– RECLUSÃO de 02 a 05 anos

Corrupção ativa – RECLUSÃO de 02 a 12 anos

Com base nessas informações e levando em consideração que para uma pessoa começar a cumprir a pena no regime semiaberto tem que ter uma pena superior a 04 (quatro) anos, quais dos crimes que eu citei anteriormente possibilitarão a prisão dos seus autores?

E quem mais pratica os crimes do primeiro bloco e quem mais pratica os crimes do segundo bloco?

Assim, repito a pergunta inicial: Em que momento atua a seletividade penal: na hora da prisão ou da elaboração da legislação penal?

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Pedro Magalhães Ganem

por Pedro Magalhães Ganem

Graduado em Direito, pós-graduado em Processo Civil (com artigo científico publicado pelo CONPEDI) e pós-graduando em Ciências Criminais. Inscrito na OAB/ES. Atualmente, exerce a função de assessor de juiz de primeiro grau. Possui um blog predominantemente jurídico (http://pedromaganem.jusbrasil.com.br/artigos), onde expõe suas idéias.

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