Constituição: Fundamento de Validade do Ordenamento Jurídico

Direito

05/04/2017

O Direito Constitucional é o alicerce e a estrutura de todo o ordenamento jurídico. Cada vez mais o sistema atua em prol da constitucionalização dos demais ramos do Direito. Sendo assim, todos os ramos do Direito se submetem a Constituição. 

É importante salientar que o Direito é uno e indivisível. A sua subdivisão em ramos é para facilitar o estudo. Todos os ramos do Direito se submetem a Constituição. Dentro dessas subdivisões acadêmicas, o Direito Constitucional pertence ao ramo do Direito Público, sendo o núcleo do Direito Público interno

A Constituição é fundamento de validade de todas as normas jurídicas, inclusive de suas próprias norma, pois tem o dever de preservar a soberania do Estado que a promulgou.

O Direito Constitucional não é um sistema em si, mas a forma adequada de ler e interpretar as normas dos demais ramos do Direito – todas as normas infraconstitucionais. Além disso, no caso do Brasil, em que vige uma Constituição Analítica, nela se encontram os Princípios dos diferentes domínios jurídicos. Ademais, o Direito Constitucional está totalmente relacionado com a ideia de poder. Isso porque o art. 1º, parágrafo único, da CF/88 dispõe que: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.

Então, mesmo que em certos momentos o povo transfere o exercício desse poder a alguém, o detentor do poder é sempre o povo. Essa delegação de poder é denominada de democracia indireta.

O Brasil possui um sistema híbrido, ou seja, misto de democracia. Portanto, o exercício de democracia brasileira ocorre de duas formas:

Democracia direta ou participativa: pela qual o povo exerce de forma direta o poder que lhe é atribuído. Para isso, utiliza de meios previstos na Constituição denominados de mecanismos de democracia direta ou participativa: plebiscito, referendo, iniciativa popular das leis e a ação popular. Por exemplo, quando se inicia um projeto de lei a partir de manifestação popular;

Democracia indireta: o exercício (concreto) do poder do povo se dá por meio de representantes eleitos. Esses exercem o poder em nome do povo.

O o voto necessariamente tem que ser direto, pois está previsto no art. 60, CF/88, II, §4º - é cláusula pétrea.

Apesar do voto ser direto, seu exercício é exemplo de instrumento de democracia indireta, pois é a delegação do exercício do poder do povo para o governante.

 

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS CONSTITUIÇÕES

 CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO OU CONSTITUIÇÃO IMPERIAL – 1824

 

Foi outorgada pelo imperador Dom Pedro I.

O fato histórico marcante que a antecedeu foi a Declaração de Independência do Brasil – 7/9/1822.

Dom Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte, na qual havia representação de São Paulo, Santos e Taubaté e outorgou (de forma unilateral) a Constituição Imperial em 25 de março de 1824.

Essa Constituição teve maior tempo e vigência, pois perdurou até a Proclamação da República em 1889, ou seja, vigorou por 65 anos.

Foi a única Constituição monárquica e semirrígida.

Todas as demais constituições brasileiras foram republicanas.

Ela era semirrígida pois o art. 178 da Constituição de 1824 afirmava que: É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivos dos poderes políticos, e os Direitos políticos e individuais do cidadão; tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas (nos artigos 173 e 177), pelas legislaturas ordinárias.

Assim, a Constituição Imperial tinha uma parte rígida, que exigia um processo mais difícil para alterá-la, e outra flexível, o qual bastava um processo mais simples de modificação.

Havia o Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário.

Além disso, havia um quarto poder, chamado de poder moderador (sistema quadripartite). O Poder Moderador era um fator de equilíbrio entre os demais poderes, pois visava assegurar a independência e harmonia dos outros três. Esse Poder Moderador ficava nas mãos do Chefe supremo da nação que era o Imperador.

A religião oficial do Brasil era a Católica Apostólica Romana. Portanto, o Estado brasileiro era confessional, ou seja, era um país que professava uma religião oficial (art. 5º Constituição Imperial).

Quanto ao Controle judicial de constitucionalidade não havia previsão na Constituição. Por isso não era possível analisar se uma lei era constitucional ou não.

O sufrágio universal era adotado. Apenas homens com determinada renda podia votar. Mulheres não podiam votar e nem serem eleitas. Além disso, para o homem ser eleito ele deveria ter uma renda maior do que a exigida para ele simplesmente votar. Essa renda variava de acordo com o cargo: quanto mais alto, maior a renda a ser comprovada. E a denominada plutocracia (governo dos ricos).

A CONSTITUIÇÃO DE 1891

Nesse período a força militar passou a ter relevância na política. Os militares não aceitavam se subordinar ao antigo chefe supremo da nação – o Imperador. Foram os militares que, no dia 15/11/1889, baniram a família imperial do nosso país e proclamaram a república.

É a primeira constituição republicana, pois como mudou a forma de governo (monarquia para república) a Constituição imposta por um imperador passou a ser insustentável.

Convocaram uma Assembleia Constituinte para elaborarem a referida constituição. Os representantes se reuniram no Rio de Janeiro. A Assembleia Constituinte foi presidida por Prudente de Moraes. Votaram-na por meio de um processo de convenção. Assim, promulgaram a segunda constituição brasileira sob inspiração da Constituição norte-americana.

A influência americana era grande, por isso, o nome do Estado brasileiro passou ser Estados Unidos do Brasil. O Estado que antes era unitário, passou a ser um Estado Federal, caracterizado pela autonomia e descentralização do poder.

Havia rígida separação de competências. Os Estados ficavam com parcela da competência e a União com outra parcela. Os governadores dos Estados passaram a ter poder.

As antigas províncias foram desfeitas, devido a existência de Estados-membros que passaram dispor de leis próprias e Constituições Estaduais próprias.

Não havia mais religião oficial, transformando-se em Estado leigo ou laico, uma vez que buscava a neutralidade. Garantia-se a liberdade de culto, uma vez que as pessoas podiam livremente escolher a sua religião e cultuá-las.

Deixou de existir o quarto poder – moderador – devido o banimento da família imperial. Pois, se não havia mais imperador, não haveria razão para a existência de um quarto poder.

Neste momento instaura a clássica tripartição e Poderes Políticos (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), ou melhor, tripartições de funções, pois sabemos que o poder é uno e indivisível.

A Constituição de 1891 que instituiu o Supremo Tribunal Federal (art. 55) e o primeiro sistema judicial de controle de constitucionalidade (controle difuso).

Também foi a primeira Constituição que ampliou os direitos individuais, estabelecendo, pela primeira vez, a previsão do remédio constitucional habeas corpus (art. 72, §22).

CONSTITUIÇÃO DE 1934

Getúlio Vargas ao assumir o poder em 1930 já queria convocar uma Assembleia Constituinte para elaborar a nova Constituição. Mas, no entanto, não cumpre o que promete. Por isso, em São Paulo, na revolução, em 1932, inicia, a chamada Revolução Constitucionalista. Tal revolução foi um fracasso militar (seus líderes foram presos pela força governista), no entanto, foi um sucesso político, porque Getúlio Vargas se sentiu forçado a consentir na elaboração de uma nova Constituição, em 1933, que marcaria o retorno a normalidade constitucional.

Essa constituição foi elaborada por votação (processo de convenção), teve influência da Constituição Alemã de Weimar, de 1919. Foi a primeira Constituição Social do Brasil. Entre suas características são: Forma federativa de governo;  Não existência de religião oficial; Tripartição de poderes; Admissão do voto feminino; Introdução constituição de direitos trabalhistas.

Foi a Constituição que teve a menor vigência no nosso país – 1934 a 1937, quando ocorreu o golpe militar que rompeu com a ordem jurídica.

CONSTITUIÇÃO DE 1937

A Constituição Brasileira de 1937 nasceu em um contexto de ditadura em vários países (Alemanha, Itália etc.). Getúlio Vargas, que ainda continuava no poder, solicitou a Francisco Campos a elaboração dessa constituição.  Por meio do golpe de Estado outorgou a Constituição de 1937.

As regras constitucionais tinham caráter ditatorial, impositivo. Permitia a concentração das funções legislativas e executivas, a supressão da autonomia dos Estados-membros, a destituição dos governadores, coma consequente nomeação de interventores, e a criação de serviços de informações para que o Presidente controlasse o povo, o Poder Judiciário e, principalmente, a imprensa.

O argumento utilizado para a manutenção dessas normas preconizava que a expansão do fascismo e comunismo pelo mundo enfraquecia as instituições nacionais e impunha medidas duras para manter o poder central, ainda que o pacto federativo não pudesse ser totalmente respeitado.

Devido a enorme concentração dos poderes nas mãos do Presidente, da mesma forma que ocorria com a Constituição da Polônia na época, a Constituição de 1937 passou a ser denominada de “Constituição Polaca”.

CONSTITUIÇÃO DE 1946

Essa Constituição é fruto da redemocratização do Brasil, em 18 de setembro de 1946.

Seu texto reflete uma reação forte contra a ditadura e os regimes centralizadores.

Diante dos acontecimentos mundiais pós II Guerra Mundial que repudiava os sistemas totalitaristas, o presidente da época, Getúlio Vargas, não podia mais manter a ditadura.

Embora buscasse subterfúgios para se manter no poder, como a nomeação de seu irmão para a chefia da polícia de Guanabara, Vargas acabou sendo destituído por aqueles que temiam sua intenção de permanecer no cargo.

Com a destituição de Vargas, instalou uma nova Assembleia Constituinte. Nessa época é eleito Eurico Gaspar Dutra como presidente.

Em 1950, Vargas retorna como sucessor de Dutra e acaba suicidando-se em 1954. Nesse ano, Café Filho, Vice-Presidente, assume o poder.

CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1967

Em 31 de março de 1964, o Presidente da República, João Goulart – Jango – foi derrubado por um golpe militar, pois fora acusado de ser simpatizando do comunismo internacional.

Instala-se a ditadura militar que perdurou até 1985.

A Constituição foi outorgada em 24 de janeiro de 1967. Salienta-se que para alguns doutrinadores que esse texto legal não é considerado Constituição em que pese a instauração do golpe.

A nova ordem constitucional preocupava-se especialmente com a Segurança Nacional. Muitos poderes foram concentrados ao Poder Executivo. Foram emitidos Atos Institucionais que suprimiram os direitos e garantias individuais.

CONSTITUIÇÃO DE 1/1969

A Emenda Constitucional 1/1969 é considerada por parte da doutrina como uma nova Constituição. Foi outorgada pelos militares em 17 de outubro de 1969. O Congresso Nacional estava fechado. As eleições continuavam sendo indiretas. O mandado do presidente passou a ser de 5 anos e nova denominação foi dada ao texto.

A Constituição do Brasil passou a ser chamada de Constituição da República Federativa do Brasil.

A referida Emenda não foi assinada pelo Presidente da República Costa e Silva, que estava impossibilitado de governar por motivos de saúde, nem por seu Vice, Pedro Aleixo, pois por meio do Ato Institucional 12 foi consagrado um governo de Juntas Militares que permitia que os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar governassem enquanto o Presidente estivesse afastado.

CONSTITUIÇÃO DE 1988

Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil.

Os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, convocados por meio da Emenda Constitucional 26, formaram a Assembleia Nacional Constituinte e aprovaram o texto em dois turnos de votação, por maioria absoluta dos membros. É uma Constituição voltada para a proteção dos direitos individuais dos cidadãos, sendo fruto de processo de transição de regime miliar para o regime democrático.


ELEMENTOS FUNDAMENTAIS

 

O Estado possui três elementos importantes, a saber: povo, território e soberania. Povo é o conjunto de indivíduos ligados jurídica e politicamente ao Estado. Por isso, o povo é o elemento humano do Estado. Território é a área na qual o Estado exerce a sua supremacia e o poder que detém sobre bens e pessoas. A soberania possui dois aspectos: interno e externo.

Aspecto externo: o Estado é quem elabora as suas próprias normas, é quem comanda o país, portanto, dotado de autoridade máxima em seu território.

Aspecto interno: é a igualdade que existe entre os Estados que são soberanos, independentemente de condições, espaço territorial, poder econômico etc.

Aos Estados Soberanos são dadas garantais como a não intervenção em assuntos internos e a independência nacional.


CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

 O Conceito que a Constituição possui depende dos seus diversos significados.

Segundo José Afonso da Silva, a Constituição é algo que tem como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras), como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas e religiosas etc.), como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade, e como causa criadora e recriadora o poder que emana do povo.

CONCEPÇÃO SOCIOLÓGICA

Esse conceito foi elaborado por Ferdinand Lassalle

O autor sustenta que os problemas constitucionais não são problemas de Direito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatore reais e efetivos do poder que naquele país vigem e as condições escrita não tem valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social.

Assim, a Constituição é válida se apenas efetivamente expressar a realidade social e o Poder que comanda.

Os fatores reais de Poder são identificados, no nosso país, por exemplo, nos movimentos dos sem-terra, nas corporações militares e outras forças que delimitam o conteúdo da Constituição.

Por isso, segundo autor, de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais de poder.

CONCEPÇÃO POLÍTICA

Essa concepção foi adotada por Carl Schmitt

O autor defende o conceito de que a Constituição é a decisão política fundamental de um povo, visando sempre dois focos estruturais básicos – organização do Estado e efetiva proteção dos direitos fundamentais.

Portanto, há diferença entre Constituição e Lei Constitucional.

A Constituição detém as matérias constitucionais, ou seja, organização do Estado e garantia dos direitos fundamentais, sempre com o objetivo de limitar a atuação do poder.

As leis constitucionais são assuntos tratados na Constituição, mas que materialmente não tem natureza de norma constitucional. Na verdade, esses assuntos não deveriam constar na Constituição, por exemplo, o art. 242, §2º, que determina que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federa. Esse dispositivo é uma norma apenas formalmente constitucional, pois está dentro da Constituição, mas não trata de matéria tipicamente constitucional.

As Leis Constitucionais formam a Constituição formal, pois são consideradas normas constitucionais apenas pelo fato de estarem alocadas na Constituição, por terem forma de Constituição.

CONCEPÇÃO JURÍDICA OU FORMAL

Foi adotada por Hans Kelsen e Konrad Hesse

Para Kelsen o fundamento de validade da Constituição se encontra na dimensão jurídica e não sociológica ou política.

A Constituição se encontra no ápice do ordenamento jurídico e abaixo dela estão todas as demais normas. Por isso, as leis ordinárias, complementares, delegadas e as medidas provisórias, por terem como fundamento imediato de validade a Constituição, estão no segundo degrau da pirâmide do ordenamento jurídico.

As portarias, decretos, entre outros, por se fundamentarem primeiro na lei e depois na Constituição, estão no terceiro degrau da pirâmide.

Juridicamente, a Constituição localiza-se no mais elevado degrau da pirâmide do ordenamento jurídico e é exatamente em decorrência disso que é fundamentada sua normatividade.

As normas infraconstitucionais são submissas às regras determinadas pela Constituição e devem ser com ela compatíveis. Isso é a denominada compatibilidade vertical.

Foi Kelsen que publicou a obra Teoria Pura do Direito, no qual defendia o conteúdo puro do direito, isto é, um direito livre da “contaminação” sociológica, política, valorativa ou econômica. 

A Constituição corresponde o aspecto lógico-jurídico (sentido de justiça), segundo o qual é a norma fundamental hipotética e o aspecto jurídico-positivo, em que a Constituição é a norma positiva superior em que as demais regras jurídicas encontram os seus fundamentos de validade.

CONCEPÇÃO CULTURALISTA 

A Constituição engloba todas as regras fundamentais advindas da cultura histórica e as emanadas pela vontade existencial da unidade política. A Constituição regulamenta a estrutura e os fins do Estado e do exercício do poder político.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Bárbara Thaís Pinheiro Silva

por Bárbara Thaís Pinheiro Silva

Presidente do Núcleo Acadêmico de Pesquisa, na Faculdade Mineira de Direito / PUC Minas - Coração Eucarístico. Foi Monitora de Teoria da Constituição, Direito Constitucional I e II. Foi Pesquisadora Científica Bolsista da FAPEMIG na área de Direito Constitucional e Internacional.

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