29/04/2017
O presente estudo tem por objetivo analisarmos as origens do Direito Penal Internacional. Para tanto, explanaremos sobre os julgamentos de Nuremberg e o seu desenvolvimento até o surgimento do Tribunal Penal Internacional. Destarte, o objetivo é conhecermos a história dos Tribunais Criminais Internacionais. O motivo pelo qual o Tribunal de Nuremberg foi criado e o seu legado. Em seguida, exploraremos as críticas ao Tribunal de Nuremberg e como o mundo aprendeu com essas lições. Por fim, teceremos o debate dos pontos positivos e negativos dos Estados Unidos, Rússia, China e outros países que ainda não ratificaram a Convenção do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
1 - Os precedentes - A Segunda Guerra Mundial e as atrocidades nazistas
Na Segunda Guerra Mundial, quando os países aliados fecharam sobre a Alemanha, surgiu um grande debate entre os líderes sobre o que fazer com os vencidos. Em Potsdam, Winston Churchill sugeriu a Franklin Delano Roosevelt e Joseph Stalin que os aliados executassem todos os líderes nazistas. Ambos os líderes políticos concordaram com a execução.
Após o falecimento de Roosevelt, em abril de 1945, os Estados Unidos decidiram não executar os líderes nazistas, mas realizar um julgamento internacional. A ideia foi lançada pelo secretário de Guerra Henry Stimpson, que convenceu Truman, o novo presidente dos Estados Unidos, por razões políticas, a realização do julgamento, invés de executar os inimigos. A primeira razão deve-se a necessidade de criar um registro histórico, uma vez que Adolf Hitler, em 1939, na véspera de invadir a Polônia, disse a seus generais alemães que fizessem guerra total, isto é, matança maciça de civis. E Hitler disse que não era para eles se preocuparem, pois deveriam lembra do destino dos armênios. O que ele estava se referindo é o fato de que na Primeira Guerra Mundial, os turcos mataram milhões de armênios, o que muitos consideram como o primeiro genocídio do mundo. E em vez de processar os líderes da Turquia, após a guerra, eles foram anistiados no Tratado de Lausanne. Então a questão era a necessidade em se criar um precedente para que as pessoas fossem processadas e julgadas pelos crimes internacionais, de modo que não pudessem dizer no futuro, quem, afinal, se lembra do destino dos judeus alemães?
Outra razão para a criação do Tribunal deve-se ao fato de que os aliados praticaram determinados atos que foram pesadamente criticados durante a guerra. Um deles é tratado no livro de Kurt Vonnegut, “Matadouro Cinco”, que descreve o bombardeio de Dresdon. O referido bombardeio foi executado pelos aliados à cidade de Dresdon, matando mais civis do que as bombas atômicas do Japão. Não só isso, mas houve críticas sobre o uso dos Estados Unidos das bombas nucleares em Nagasaki e Hiroshima, no Japão. Então, o julgamento do Tribunal Nuremberg era um meio dos aliados justificar as medidas extremas que tomaram.
Também, o julgamento fundamentava-se na ideia de se ter um processo invés de punições contra todo o povo alemão, como houve na primeira guerra mundial. Algo que muitos especialistas acreditam que levou à ascensão de Adolf Hitler e do nazismo.
O Historiador de Harvard, Daniel Goldhagen, afirma que os subordinados à Hitler não foram coagidos a cometerem atrocidades, mas cometeram tais atos de maneira voluntária. Entretanto, muitos discordam de Goldhagen, uma vez que afirmam que Hitler obrigou os seus subordinados a praticarem tais atos de genocídio.
Mas, qualquer que seja a razão, a ideia de colocar a culpa apenas sobre os líderes foi algo que prevaleceu. E assim, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Rússia e a França criaram o primeiro Tribunal Internacional de Crimes de Guerra na história - o Tribunal de Nuremberg. Dezessete outros países assinaram o tratado que estabeleceu a Carta de Nuremberg, e em 1945 o julgamento de Nuremberg estava bem desenvolvido.
2 – O Julgamento de Nuremberg
Robert Jackson foi o juiz da corte suprema dos Estados Unidos escolhido para ser o procurador-chefe em Nuremberg. O Tribunal de Nuremberg julgou líderes de vários setores da sociedade. Com base nas cenas do filme “Tribunal de Nuremberg”, que apresenta o julgamento dos juízes alemães, temos que: a acusação afirma que os juízes e promotores alemães, juntamente com Hitler, depravou o sistema de justiça e transformou-o em uma arma política. Ademais, a acusação aduziu que os réus, juízes alemães, não estavam respondendo por violar as garantias constitucionais ou reter o devido processo legal, mas sim pela prática de assassinato e todas as demais brutalidades. Portanto, os juízes alemães, juntamente com todos os demais líderes do Terceiro Riche, responderam pelos crimes mais devastadores da história da humanidade.
A defesa alegou que o juiz não faz as leis, ele executa as leis de seu país, por isso o mesmo deveria cumpri as leis de seu país, e não recusar a executá-lo e ser considerado um traidor.
A sentença judicial foi fundamentada nas seguintes razões: “em uma nação [nazista], o governo organizou um sistema de crueldade e injustiça, em violação de todos os princípios morais e jurídicos conhecidos por todas as nações civilizadas. (...) O tribunal diz que o comando da doca é responsável por suas ações. Homens, que estavam sentados em vestes negras, em juízo sobre outros homens. Os homens que participaram na promulgação de leis e decretos cujo propósito era o extermínio de seres humanos. Homens que em cargos executivos participaram ativamente na aplicação dessas leis. Ilegal, mesmo sob a lei alemã. O princípio do direito penal em toda sociedade civilizada tem isso em comum”.
Uma das principais críticas levantadas contra o Tribunal Nuremberg é que o mesmo era a justiça dos vencedores, uma vez que era composto por um juiz americano, um juiz britânico, um juiz russo e um juiz francês. Agora, o Tribunal Penal Internacional permanente resolve esse problema por ter muitos juízes de todo o mundo que já estão nomeados antes das atrocidades em qualquer caso. Outra crítica foi que os países que processaram os alemães, também cometeram atrocidades na guerra. No entanto, isso não significa que, mesmo que os aliados tivessem cometido alguns crimes de guerra, os nazistas não fossem culpados de seus crimes. E, por fim, a outra crítica é o fato de que quando criaram a carta de Nuremberg, os quatro promotores elaboraram a carta, e então os mesmos quatro elaboraram a acusação e, em seguida, dois desses promotores tornaram os juízes no Tribunal. Portanto, havia uma mistura de papéis, violando o princípio da imparcialidade. Também não houve Tribunal de Recurso. O que os juízes decidiram foi o veredicto final.
3 – O Legado do Tribunal de Nuremberg
Apesar do Tribunal de Nuremberg receber muitas críticas, o mesmo deixou um legado. Foi um momento decisivo para o Direito Internacional. Antes de Nuremberg não havia acusações de ninguém por coisas que eles fizeram em seu próprio país. O Direito Internacional apenas tratava das relações entre os Estados e da responsabilidade dos Estados. Nuremberg foi o primeiro Tribunal a dizer que um indivíduo, que comete crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, poderia ser considerado individualmente criminalmente responsável. Portanto, tal indivíduo poderia ser julgado em qualquer lugar do mundo, sob a jurisdição universal ou por um tribunal internacional. Ademais, a escusa de que você é um juiz e por isso simplesmente executa a lei não é uma defesa. O fato de você ser um Chefe de Estado não pode isentá-lo da responsabilidade criminal individual. E, principalmente, a obediência às ordens não é um argumento válido para a prática de qualquer crime.
4 – Princípios do Tribunal do Nuremberg
Podemos perguntar se os princípios adotados na fundamentação judicial do Tribunal de Nuremberg, na condenação dos juízes nazistas, deveriam ser aplicados nos casos dos memorandos escritos pelos advogados John Yu, Gonzalez, Addington e Haynes. Tais memorandos permiti o Presidente dos Estados Unidos praticar atrocidades contra os suspeitos de terrorismo, durante a guerra contra Al-Qaeda e Taliban.
Sendo assim, perguntamos: Esses advogados têm a mesma responsabilidade que os juízes alemães, uma vez que permitiram a prática de tortura aos suspeitos de terrorismo? Há aqueles que advogam a tese de que o precedente de Nuremberg se aplica no caso dos referidos advogados. Por isso, muitos países acusaram tais advogados da prática do crime de tortura.
Depois de Nuremberg, floresce a ideia da criação de um Tribunal Penal Internacional permanente. Mas, com a Guerra Fria, a ideia foi deixada de lado. Vários outros atos de atrocidades praticado por Chefes de Estados marcaram a história.
Joseph Stalin matou cerca de 20 milhões de pessoas que eram opositores ao seu governo. E em 1948 nasce a Convenção que passa a determinar o genocídio como crime. No entanto, Stalin e sua equipe adicionaram a cláusula que afirma que não é genocídio quando um líder matar adversários políticos. Isso se deve ao fato de que Stalin não queria se enquadrar ao crime de genocídio. Além disso, o mundo queria que a União Soviética assinasse esse tratado. Por isso, até hoje o genocídio não se aplica crimes praticados contra opositores políticos.
Idi Amin, em Uganda, matou quase a metade de sua população e ninguém disse nada. Em 1980, o líder do Iraque, Saddam Hussein, matou milhões de curdos no norte de seu país usando armas químicas e na época ninguém fez nada.
Em 1993, o genocídio volta à Europa pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial. Isso leva a Comunidade Internacional adotar a carta de Nuremberg, criando o Tribunal da Iugoslávia. Em 1994, em Ruanda, os hutus mataram 800 mil tutsis. Assim, aplicaram em Ruanda o Estatuto do Tribunal Internacional de Iugoslávia. Em 2002, na Serra Leoa, cria-se um novo Tribunal Internacional para julgar os crimes praticados nesse país. E, em 2006, novo Tribunal Internacional é lançado para julgar os crimes praticados no caso dos sobreviventes do Khmer Vermelho.
Com todos esses tribunais criados, nasce o Tribunal Penal Internacional permanente, em Haia.
Percebe-se que o Tribunal ad-hoc era muito caro, moroso e politicamente difícil.
5 – Tribunal Penal Internacional
O TPI julga crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. No início o TPI não julgava crimes de agressão, mas agora julga. O fator negativo disso é que foi preciso vários anos de massacre para que tal crime ingressasse no rol dos crimes de competência do referido tribunal. Ademais, o TPI não julga crimes de terrorismo e nem a pirataria.
A jurisdição do TPI não alcança todos os Estados, mas apenas os que ratificaram o estatuto do tribunal. Assim, se um país não é signatário do TPI e o mesmo cometeu crime que é da competência do TPI, o Conselho de Segurança da ONU pode encaminhar o caso ao TPI, mas tal fato apenas ocorre se tiver a unanimidade dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. Algo que é difícil, mas não impossível de alcançar.
O TPI é a ultima ratio, ou seja, apenas atua quando os tribunais internos não podem atuar ou não querem fazê-lo. Por isso, o TPI adota o Princípio da Complementaridade. Mais de cem países são signatários do TPI. Os Estados Unidos e a Rússia, assinaram, mas ainda não ratificaram o Estatuto do TPI. A China e alguns países do Oriente Médio e da Ásia vetaram o TPI.
O fato recente que marcou o TPI foi o julgamento de Muammar Gadhafi, da Líbia. A Líbia não era parte do referido tribunal, assim, o Conselho de Segurança votou para encaminhar o caso da Líbia para o Tribunal. Depois de Gadafi ser indiciado, aliados lançou ataques aéreos na Líbia e Gadhafi acabou sendo morto.
Há Chefes de Estados que fugiram do Tribunal Penal Internacional, dentre eles temos Joseph Kony, líder do Exército de Resistência do Senhor, que tem assolado Uganda e sequestrado mais de 60.000 crianças nos últimos 20 anos, transformando-os em crianças-soldado e esposas. Al-Bashir, o presidente do Sudão foi indiciado pelo Tribunal pelo crime de genocídio no Sudão e, em particular, no Darfur. E ele ainda alude à captura.
6 – Interesse dos Estados Unidos, China e Rússia fazerem parte do TPI
Qualquer nação que ratificar o Estatuto de criação do TPI, concorda com a ideia de se fazer a justiça através da paz.
O Direito Penal Internacional está relacionado com a política. Os governos não fazem coisas que não são do seu interesse. Por isso, o desafio para os advogados da comunidade internacional é convencer os governos de que a justiça internacional é do seu interesse.
No nascimento do Tribunal Penal Internacional, os Estados Unidos, sob o governo Bush, declararam guerra contra o Tribunal Penal Internacional. Elaboraram a Lei de Proteção dos Membros do Serviço Americano. Essa lei impunha a sanção de não mais realizar a ajuda financeira dos Estados Unidos aos países que ratificasse o Estatuto de Roma. No entanto, o esforço dos Estados Unidos fracassou, uma vez que 122 países ratificaram o referido estatuto.
A possibilidade do TPI julgar líderes políticos incomoda os EUA, Rússia e China, pois colocam os líderes desses países em xeque, uma vez que possibilita que os mesmos sejam julgados pelo referido tribunal. É algo emblemático. Para ilustrar o caso, temos o evento ocorrido em 1999, quando a OTAN lançou ataques aéreos contra a Sérvia, com o escopo de impedir a limpem étnica na província do Kosovo. Estes ataques aéreos não foram autorizados pelo Conselho de Segurança da ONU. No entanto, a OTAN os apoiou. O ataque aéreo atingiu a embaixada chinesa e comboios de civis, pontes e edifícios históricos que não deveriam ter sido alvos. Assim, a promotora Louis Arbor, do Tribunal da Iugoslávia, recebeu duas notificações. Uma pedia a acusação dos líderes da OTAN para os ataques aéreos. Enquanto a outra notificação, feita por Michael Newton, solicitava a acusação de Slobodan Milosevic, apoiados em provas documentais e interceptos que mostraram que Milosevic era responsável e deveria ser indiciado pelas atrocidades contra os albaneses do Kosovo. Se a promotora tivesse decidido acusar a OTAN, seria o fim da campanha de bombardeio e o fim da OTAN como um grupo aliado para sempre. Por isso, ela processou Milosevic.
Por fim, diante disso, percebe-se que o objetivo do Direito Penal Internacional é trazer a paz através da justiça, o que não é agradável, em alguns casos, aos olhos dos Estados Unidos e demais membros do Conselho de Segurança, quando os mesmos pretendem fazer justiça não com a paz, mas sim na lei da pólvora.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Presidente do Núcleo Acadêmico de Pesquisa, na Faculdade Mineira de Direito / PUC Minas - Coração Eucarístico. Foi Monitora de Teoria da Constituição, Direito Constitucional I e II. Foi Pesquisadora Científica Bolsista da FAPEMIG na área de Direito Constitucional e Internacional.
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