O crime de pirataria: uma análise do caso da Somália

Direito

01/05/2017

 

A história da pirataria remonta a 400 anos, no entanto a prática ainda persiste até os dias atuais.

 

A área no qual mais há piratas é na costa da Somália. É justamente a área onde quase todo o petróleo do Oriente Médio passa. Consequentemente, a comunidade internacional está perde cerca de US$ 12 bilhões por ano devido a pirataria. Mais de 1.000 pessoas foram feitas reféns, centenas de navios foram capturados.

 

Este é um grande problema para a comunidade mundial.

 

A pirataria tem uma definição moderna elencada no Tratado das Nações Unidas sobre o Direito do Mar:

 

São atos ilegais de violência para fins privados cometidos por uma tripulação ou passageiros de um navio contra outro navio, e tem que ser no alto mar. 

 

E qualquer pessoa que é definida como um pirata, pode ser preso e processado sob jurisdição universal, isto é, quando o pirata pisa em seu território nacional, mesmo se ele não é um de seus cidadãos, mesmo que o crime não foi contra os seus cidadãos, mesmo que ele nunca tenha pisado em seu país antes, o seu país pode processá-lo.

 

Em termos de pirataria, você não precisa esperar eles chegarem em seu território, você pode prendê-los em alto mar.

 

Agora, a situação na Somália possui duas causas:

 

- O Estado da Somália é um estado falido, ou seja, é um estado sem um governo há mais de 20 anos. Em um estado falido você sempre tem o crime organizado que assume. Há rebeldes, grupos terroristas que assumem o controle e a pirataria tem florescido. 

 

- O povo da Somália que é pobre, órfão, utiliza-se da pesca de sua costa para sobreviver. O argumento dos somalis é que devido a pesca feita pelos europeus e asiáticos, quase toda a pesca desapareceu na costa da Somália. Por isso, os somalis enxergar na pirataria um bom negócio, uma vez que quando a pessoa sequestrar um navio, faz reféns, as companhias de seguros estão pagando sempre por eles.

 

Diante disso, vários países estão processando os piratas. E os europeus, os Estados Unidos e outros países estão começando a prendê-los no alto e mar para que possam responder pelos processos criminais em seus países. As principais instalações nas quais os piratas presos ficam são: no Quênia, na cidade costeira de Mombasa; nas Seychelles e na Maurícia.

O caso do sequestro de Achille Lauro:

 

Aconteceu em 1986. Um cruzeiro registrado na Grécia estava navegando ao redor do Mediterrâneo e um grupo terrorista, a OLP, o sequestrou, liderado por Abu Abbas. Este terrorista tomou o navio e o manteve refém por muitos dias, dizendo que a razão era que enquanto os israelenses não libertassem 1.000 palestinos presos, eles não iriam libertar os reféns. Para mostrar que estavam falando sério, eles pegaram um judeu idoso chamado Leon Klinghoffer, que estava em uma cadeira de rodas, atiraram nele e o jogaram no mar. 

 

Então, a questão era saber se isso era pirataria ou terrorismo?

 

Naquele momento, a comunidade internacional entendeu que não era pirataria, mas sim terrorismo, pois a pirataria é um ataque de um navio para outro navio.

 

Por isso, a comunidade internacional elaborou o Tratado de Terrorismo Marítimo, que foi negociado sob os auspícios da Organização Marítima Internacional, determinando que:

 

O sequestro ou ataque a uma tripulação de um navio ou outro barco civil, independentemente se é em alto mar ou por meio de outro navio, e, independentemente se o objetivo é dinheiro (porque esse é o objetivo dos piratas) é considerado terrorismo.

 

Mas, se você é tripulante de um navio militar patrulhando as águas indianas, e depara com um navio cheio de equipamento pirata (escadas especiais, metralhadoras, coisas que um pescador comum não precisa) navegando ao redor no oceano Índico, o que você faria?

 

Quando os militares prendiam esses suspeitos, no julgamento, a defesa alegava que o fato dos tripulantes guardarem equipamentos de piratas, não significava que eles eram piratas.

 

Diante disso, a Suprema Corte de Seychelles com base nos precedentes dos julgamentos do comércio de escravos de três séculos atrás, no qual decidiram que os navios cheios de algemas e arroz e camas extras (coisas que eram claramente para ser usado para escravidão), mesmo sem os escravos dentro, era suficiente para prender os tripulantes e exercerem a jurisdição universal.

 

Portanto, a referida Corte determinou que a jurisdição universal também deve ser aplicada no caso em que os militares prendem os tripulantes de um navio com equipamentos piratas.

 

E quanto ao pessoal de apoio, isto é, aquelas pessoas que nunca vão para o alta mar, mas auxiliam os piratas em suas práticas? São essas pessoas que prendem os reféns, preparam os navios, processam o dinheiro, negociam a libertação dos reféns etc.

 

Percebe-se que essas pessoas podem ser mais importantes do que os piratas que estão no oceano, porque são elas os que financiam os piratas, os chefões piratas, os responsáveis por recrutarem os piratas. 

 

Essa é uma questão que vem sendo contestada em vários tribunais nacionais.

 

Infelizmente, o comércio pirata é um modelo de negócio que funciona muito bem para aqueles que praticam.

 

Isso porque quando um navio é tomado como refém, o seguro entrega o dinheiro aos piratas, para libertar os reféns. Então, os piratas voltam para a Somália, onde vão gastar o dinheiro. E as cidades na Somália onde os piratas investem o seu dinheiro são as mais beneficiadas. Consequentemente, os grupos internacionais, grandes hotéis e outros comércios turísticos estão começando a ir para onde o dinheiro está indo. Assim, essas cidades estão desenvolvendo ao utilizar dinheiro pirata.

 

A questão é: podemos considerar o pagamento de um resgate dos reféns um ato terrorista ou de pirataria?

 

Com base em precedentes, você não está autorizando a dar apoio material a grupos terroristas. Uma vez que os piratas estão fazendo reféns, que é uma forma de terrorismo, mesmo que não seja para fins políticos, as seguradoras não deveriam pagar pelo resgate.

 

Então, a comunidade internacional pode dizer que não é permitido pagar os resgates?

 

Esta é uma questão que tem sido debatida no Parlamento britânico.

 

Muitos afirmam que é não é certo deixar de pagar os piratas e estes matarem os reféns. Porém, outros afirmam que a única forma de colocar fim a pirataria é parar de pagar os resgates.

 

É uma questão filosófica!

 

Se você salva a vida de alguém, você acaba facilitando a prática dos piratas.

 

Então, qual o caminho devemos seguir?

 

Atualmente, o maior problema quanto a pirataria é o uso de crianças como piratas.

 

O fato é que os recrutadores de piratas sabem que os Tribunais não processam as crianças que atuam na pirataria, mas mandam elas de volta para a Somália. Por isso, os próprios pais deixam suas crianças, juntamente com outros piratas, sequestrarem os navios.

 

Então, algo tem que ser feito quanto a isso, caso contrário todas as crianças vão ser capturadas?

 

Sendo assim, a Comunidade Internacional vem analisando o caso e pretende considerar o recrutamento de crianças para a pirataria como crime contra a humanidade, pelo fato de ser um crime praticado contra a população civil, ser um crime sistemático e generalizado e, além disso, por ter terrível efeito sobre as pessoas.

 

Há um precedente para isso. O Tribunal Penal Internacional em seu primeiro caso em que processou Lubanga do Congo pelo crime de recrutamento de crianças-soldados. Portanto, se é crime recrutar crianças-soldados, por que não deveria ser um crime de recrutar crianças-piratas? Por isso, o Tribunal já pretende processar, também, as crianças e não as liberar para que as mesmas não voltem a serem recrutadas para a pirataria.

 

É a única forma de derrotar a pirataria.

 

Percebe-se que tanto o terrorismo como a pirataria são crimes urgentes que estão afligindo a comunidade internacional. Ambos assolam não apenas pessoas no Oceano Índico, mas afetam o mundo todo.

 

Ademais, são questões jurídicas muito complexas, mas não necessariamente insuperáveis.

 

REFERÊNCIAS:

 

SCHARF, Michael P. Terrorism and Piracy. Disponível em: <https://d396qusza40orc.cloudfront.net/intlcriminallaw%2FReading_Assignment%2FM3%20Reading.pdf>. Acesso em: 1 maio 2017

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Bárbara Thaís Pinheiro Silva

por Bárbara Thaís Pinheiro Silva

Presidente do Núcleo Acadêmico de Pesquisa, na Faculdade Mineira de Direito / PUC Minas - Coração Eucarístico. Foi Monitora de Teoria da Constituição, Direito Constitucional I e II. Foi Pesquisadora Científica Bolsista da FAPEMIG na área de Direito Constitucional e Internacional.

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