Você correria descalço? Será que a corrida descalça traz benefícios para a saúde e previne lesões?
Um estudo desenvolvido na Universidade de Harvard, publicado pela revista NATURE, foi divulgado no Brasil em 2010. Sob a coordenação de Daniel Lieberman, professor do Departamento de Biologia Evolutiva, o estudo concluiu que correr descalço pode ser melhor do que correr com tênis.
O estudo analisou o desempenho biomecânico de corredores nos EUA e no Quênia e, por meio dele, descobriu-se que o atleta/desportista descalço tem a tendência de tocar o solo com a parte frontal do pé, chamado assim de pisada frontal. Para isto, foram filmados, tanto corredores de tênis, como descalços.
O que motivou inicialmente os pesquisadores foi entender como os humanos, nossos antepassados, corriam antes dos tênis. Os resultados deste estudo vêm causando polêmicas até hoje, mas por aqui, no Brasil, não encontramos ainda muitos adeptos da corrida descalça e nem o uso dos tênis minimalistas (aqueles que imitam a corrida descalça).
Resultados apresentados pelo estudo:
- A pisada frontal requer mais força na panturrilha e nos músculos dos pés. Em contrapartida, oferece uma pisada mais "suave", menos impactante.
- Consideram este tipo de pisada "mais natural", na medida em que nossos antepassados corriam assim há dois milhões de anos.
- Consideram que em pisada frontal, o impacto é menor e, por isso, sugerem este tipo de pisada tanto para os que usam tênis, como para aqueles que correm descalços.
- Ressaltam, porém, que este estudo ainda precisa aprimorar os elementos clínicos, não abordados no referido estudo.
Repercussões:
O tema já encontra uma série de adeptos pelo mundo. Muitos corredores, especialmente nos EUA, embora ainda como modismo vêm utilizando a corrida descalça ou com um mínimo de proteção (tênis minimalistas) como uma prática rotineira.
Consideram que os tênis alteram a pisada e elevam os calcanhares, enfraquecendo ligamentos e tendões, causando lesões.
Os tênis foram elaborados a partir da década de 70, para amortecer o calcanhar e minimizar o impacto no solo, estabilizando a pisada.
Análise crítica do estudo:
Sem desconsiderar a importância do estudo, vejo como extremamente problemáticos os fundamentos que norteiam o mesmo. O estudo traça um modelo biomecânico da pisada frontal, entretanto não analisa as possíveis lesões que podem ser causadas por um esforço repetitivo, contínuo e sistemático com o apoio frontal do pé.
Cito aqui, por exemplo, O NEUROMA DE MORTON (massa interdigital entre o 3º e 4º cabeça metatarsiana), as METATARSALGIAS (inflamação das cabeças metatarsianas na região anterior do pé), as SESAMOIDITES (dor na cabeça do 2º metatarsiano), o HÁLUX VALGUS (joanete), podendo ainda, causar FRATURA POR AVULSÃO DA CABEÇA DO 5º METATARSO.
Estas lesões que levanto como possíveis e prováveis, quando se corre descalço ou com menor proteção, devem ser investigadas e observadas em estudo complementar que aponte para estas questões.
Do ponto de visto clínico, afirmo que o USO DO TÊNIS TEM SE MOSTRADO EXTREMAMENTE EFICAZ, quando utilizado, observando a pisada do corredor e correlacionando com seu histórico de lesões e biótipo.
Com isso, reitero, a partir de experiências e vivências clínicas com as lesões, que USAR TÊNIS É MAIS SEGURO E COMPROMETE MUITO MENOS MÚSCULOS, ARTICULAÇÕES, TENDÕES, OSSOS E LIGAMENTOS, além obviamente, de estabilizar a pisada. Lembro que pronação e supinação são movimentos fisiológicos da articulação subtalar (abaixo do tornozelo), e que o excesso de pronação e supinação levará o atleta/desportista ao desenvolvimento das inúmeras lesões bem documentadas nos registros científicos.
Usar um bom tênis ainda é a melhor solução, especialmente, para iniciantes, pessoas com sobrepeso, com histórico de lesões acumuladas, etc. Outra análise importante que coloco em questão sobre a pisada frontal ou com os calcanhares é acerca a biomecânica do movimento em função da prova de que o atleta participa.
Por exemplo, imagine Usian Bolt, recordista mundial dos 100m rasos no atletismo, correndo com pisada nos calcanhares. Perderia eficiência biomecânica e, consequentemente, teria de escolher outra prova. Imaginem um maratonista correndo 42 km em pisada frontal. Seu gasto energético seria muito maior e, provavelmente, não conseguiria terminar a prova. Ou seja, pisar de forma frontal ou nos calcanhares tem mais relação com eficiência biomecânica de atletas em função de provas específicas do que relação com a prevenção ou minimização de lesões.
Deve-se lembrar, inclusive, que os hominídeos corriam em pisada frontal, na maioria das vezes, por estarem em velocidade (assim se justifica pisada frontal), correndo atrás das presas e, também, pelo deslocamento do seu centro de gravidade mais anterior em função da anatomia específica do crânio, ossos do quadril e coluna vertebral, que impedia um posicionamento mais adequado sobre os calcanhares. À medida que avança a evolução das espécies, há um maior equilíbrio do centro de gravidade, em função, principalmente, da coluna vertebral mais ereta. Com isso, o calcanhar passa a fazer o contato inicial do pé no solo durante a marcha e a corrida.
Outro aspecto que deve ser considerado é o efeito abrasivo do solo. Imaginem no calor escaldante que faz no verão, corrermos sem proteção alguma nos pés. Bolhas, calosidades, ulcerações e queimaduras certamente estarão presentes, além de um bom tempo inativo cuidando das feridas.
Lembro também, que na grande maioria dos tênis, a sola é constituída de carbono, que minimiza exatamente o efeito abrasivo do solo, evitando as referidas lesões descritas anteriormente.
Conclusões e encaminhamentos:
Concordando com o estudo da Universidade de Harvard, correr descalço fortalece os músculos das pernas e, sendo assim, recomendo CORRER EM AREIA, com critério, pelo menos uma a duas vezes na semana, em trabalhos de condicionamento específico, onde sem um impacto contínuo e repetitivo, obtém-se melhoria significativa da força e resistência.
Ao correr no asfalto, terra batida, ou mesmo grama, prefira USAR O TÊNIS. É MAIS SEGURO, pois evitam-se as lesões, protege-se contra as abrasões do solo, bem como contra possíveis ferimentos causados por objetos estranhos no solo. É mais ECONÔMICO, pois impede que o atleta/desportista visite frequentemente consultórios médicos e de fisioterapia, para cuidar das lesões causadas pelo esforço repetitivo e sobrecarga.
E AÍ, VOCÊ AINDA CORRERIA DESCALÇO? A escolha é sua!
Bibliografia:
1- COHEN, Moises e ABDALLA, Rene Jorge. Lesões nos Esportes: Diagnóstico, Prevenção e Tratamento. Rio de Janeiro, Revinter, 2005.
2- PRENTICE, W. E. Técnicas de Reabilitação em Medicina Desportiva. 3ª ed. São Paulo, Manole, 2002.
3- HAAL, C. M. e BRODY, L. T. Exercício Terapêutico na Busca da Função. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2001.
4- CAILLET, Rene . Doenças dos Tecidos Moles. 3ª ed. Porto Alegre, Artmed, 2000.
5- SMITH, L. K WEISS E. L. e LEHMKUHL L. D. Cinesiologia Clínica de Brunnstrom. 5ª ed. São Paulo, Manole, 1997.
Links: http://www.istoe.com.br/reportagens/107330_A+POLEMICA+DE+CORRER+DESCALCO http://oglobo.globo.com/blogs/pulso/posts/2010/02/02/corrida-descalca-traz-polemica-para-as-pistas-262914.asp
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Marcelo Luiz de Souza
Graduação:Educação Física e Fisioterapia.
Pós - Graduação lato sensu:Educação Física Escolar, Neurociências e Fisioterapia do Esporte.
Maestría en Educación con Especialidad en Educación Superior
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