28/01/2013
O futebol ou soccer é a modalidade esportiva mais conhecida e praticada mundialmente, com números superiores a 400 milhões de praticantes com diferentes níveis sociais e faixas etárias. (Palacio; Candeloro; Lopes, 2008). E isso exige cada vez mais dos atletas do futebol, que a cada dia só aumentam as solicitações sobre os mesmos, principalmente na parte física, muitas vezes inesperadas, intensas e das mais variadas formas durante o jogo, exigindo um preparo físico perfeito (SILVA et al., 1997).
No jogo de futebol observa-se que em pequenos espaços de tempo, os jogadores são sujeitos a exercícios de alta intensidade muscular, mas com pouca ou media duração, como nos piques de velocidade, para finalização de jogadas. Nesse sentido, é interessante determinar se o futebol promove alterações sistêmicas que possam funcionar como indicadores da intensidade do processo de treino. Apesar de muito estudada desde a década de 1980, ainda há uma grande carência de estudos bioquímicos em atletas sob condições específicas de treinamento, esforço e clima. Essa carência impede a realização de comparações confiáveis para obtenção de valores bioquímicos de referência em diferentes situações de esforço. Partindo desses princípios, o objetivo do presente estudo foi analisar as alterações bioquímicas agudas de parâmetros laboratoriais de atletas profissionais em início de temporada e submetidos a jogos e treinamentos. (SIQUEIRA et. al., 2009).
Sendo assim, fica evidente que o esporte de alto rendimento exige um acompanhamento mais específico e individual dos atletas, de maneira que se consiga, a curto, médio e longo prazo, se extrair o máximo do seu rendimento, pois as avaliações bioquímicas permitem verificar, com segurança, níveis adequados de aptidão funcional ou detectar deficiências em parâmetros que, direta ou indiretamente possam interferir nos seus equilíbrios orgânicos e desempenhos atléticos.
Material e métodos
Participaram deste estudo 20 atletas profissionais de futebol do Anápolis Futebol Clube, com média de idade de 27,5 ± 10 anos, todos do gênero masculino, com altura aproximada de 175 ± 9 cm altura, e peso médio de 68,4 ± 8,2 kg, que competiam na segunda divisão do campeonato goiano. Durante o período competitivo, os atletas treinavam quatro dias da semana, executando atividades táticas, técnicas e físicas. A intensidade dos treinos não era superior a 50% da máxima e o volume de treino diário não era superior a 2 horas, visando exclusivamente a manutenção da forma adquirida no período preparatório. Os jogadores tinham apenas uma atividade de alta intensidade semanal que se tratava do jogo da competição.
Os atletas que não participavam dos jogos faziam uma sessão de treino semanal com intensidade e duração semelhante às do jogo. A coleta do sangue foi realizada no Laboratório Central, sob responsabilidade de farmacêutico credenciado, seguindo todos os cuidados de higiene e assepsia. Inicialmente, foram coletados 8 ml. de sangue de cada atleta assim que os mesmos se apresentaram para o início da pré-temporada, na primeira semana de trabalho os jogadores foram submetidos a um jogo, e 24 horas após a atividade exaustiva foram coletados outros 8 ml. de sangue dos mesmos atletas, e para encerramento do trabalho, exatamente 30 dias após a primeira coleta foram retirados outros 8 ml dos mesmos atletas. Os jogadores se dirigiam a sede do laboratório Central com orientação de respeitarem o jejum de no mínimo 8 horas. O sangue foi coletado diretamente em tubo heparinizado e em seguida, centrifugado por 15 minutos, a 3000 x g para separação do plasma e células sangüíneas.
Esse processo foi repetido três vezes. Alíquotas de 500 µl foram retiradas e hemolisadas com água deionizada na proporção 1:1 (v/v), com posterior armazenamento a -70 °C para as demais análises. Os responsáveis pelo experimento acompanharam a realização de todos os exames bem como se asseguraram de que a coleta de dados seria feita com grande fidedignidade para posterior plotagem de gráficos. Todos os materiais foram oferecidos pelo laboratório em questão.
Discussão
O futebol é caracterizado por exercícios de alta intensidade sendo que a maioria dos esforços desenvolvidos são sobre uma base aeróbia, o que pode causar uma sobrecarga nos músculos. Por exigir uma força excessivamente maior que a necessidade habitual e os sistemas de contração podem romper suas estruturas (Egermann et. Al. 2003). O que gera uma maior liberação de neutrófilos, que justifica o aumento de aproximadamente 100% na leucometria pós-esforço. A leucocitose pós-atividade pode ocorrer porque os leucócitos constituem a primeira linha de defesa do organismo diante do estresse físico e ao possível trauma provocado pelo exercício (Welsh et. al. 1997). E isso desencadeia um maior número de liberação de proteínas celulares para a circulação, como, por exemplo, a creatina quinase.
Dessa forma, o aumento da atividade plasmática de enzimas musculares, como a CK pode ser uma resposta fisiológica típica diante de exercícios físicos intensos e que geralmente podem ser usados como marcadores de lesão muscular. (Egermann et. al. 2003). Foi identificado que, em jogadores de futebol profissional, as concentrações de CK que permanecia em valores normais na apresentação dos atletas ao clube em um início de pré-temporada (150,29 ± 30,67 U/L), sofreram uma grande elevação 24hs após o primeiro jogo do qual foram submetidos (707,05 ± 172,26), retornando para valores, até então, para um atleta de alto rendimento, considerados normais (337,02 ± 154,61), após 30 dias de treinamentos constantes (tabela 1, gráficos 1, 4 e 5). Dados apresentados na literatura mostram que o pico da concentração de CK se dá 48h após a realização do exercício. Neste estudo os picos apareceram após 24h. A partir dos dados obtidos verifica-se que o exercício praticado pelos atletas ocasionou as rupturas suficientes a ponto de alterar a concentração relativa dos marcadores séricos de lesões musculares. As concentrações plasmáticas de creatina quinase (CK) têm sido utilizadas como um indicador do estresse imposto à musculatura esquelética, decorrente da atividade e também como um fator de monitoramento da carga de treinamento.
Quanto mais intenso e duradouro for o exercício, maior é a quantidade de micro traumas musculares que permitem o extravasamento desta enzima para o meio extracelular. Dessa forma, o monitoramento das concentrações de CK tem sido utilizado para determinar a magnitude da exigência física imposta ao sistema músculo esquelético, por exemplo, em decorrência de contrações excêntricas, em diferentes modalidades esportivas em relação à prática do futebol e também, como monitoramento do estado de treinamento dos atletas de forma crônica. Existe uma faixa de concentração de CK pós-exercício entre 300-500 U/L em atletas. Sua concentração sérica tem relação individual, encontra-se marcadamente elevada 1-4 dias após um exercício físico e é um indicador do estado de treinamento e recuperação do atleta. No caso do futebol, há estudos que identificaram indicadores de micro trauma muscular, como a CK, elevados em até 72hs após um jogo. (Coelho et. al, 2011). Sabe-se que determinados tipos de treinos podem favorecer a recuperação dos atletas. Como a programação de treinamentos foi mantida ao longo de 30 dias, pode-se observar que após uma adequação dos organismos dos atletas ao ritmo de treino, os níveis de CK dos atletas se mantiveram dentro dos padrões aceitáveis. Dessa maneira, pode-se sugerir que a rotina de treinamento influenciou a cinética de remoção da CK do presente estudo.
Os resultados encontrados parecem reforçar as constatações de Miranda (2008), devido à amplitude de variação que determina um desvio-padrão muito grande, têm, no nosso entender significado fisiológico claro. É lógico que as concentrações de CK no dia seguinte ao esforço estão condicionadas pela atividade anterior, sendo que o pico desta enzima acontece pelo menos 24 horas após esforço (Rodrigues dos Santos, 2004). Sujeitos menos treinados apresentam picos de CK mais elevados e mais tardios que sujeitos mais treinados (Rodrigues dos Santos, 2004). Os dados encontrados são corroborados por Lazarim et al. (2007) que em futebolistas brasileiros encontraram valores médios de CK de 493 ± 315 U/L, após dois dias de redução da intensidade de treino e no dia anterior ao próximo jogo e com Miranda (2008) que em futebolistas portugueses encontraram valores médios de CK de 437.5 ± 313.9 U/L 24 horas após o jogo e com Coelho et. al, (2011), que em futebolistas brasileiros encontraram valores médios de CK de 785,8 ± 95,5 U/L, 24 horas após uma partida de futebol. Elevados valores basais de CK devem ser tidos em consideração em relação ao planejamento dos treinos e repousos, pois elevadas taxas séricas de CK após exercício estão relacionadas com a redução da capacidade de trabalho e com a diminuição do torque máximo excêntrico (Paddon-Jones D, Muthalib M, Jenkins D, 2000) e podem criar tendências para a lesão (Lazarim et al., 2007).
Muitas vezes, intervindo nesses processos de recuperação, podemos criar condições para agravar os focos lesionais induzidos pelo exercício ou atrasar a recuperação pós-esforço. Brites, et al. (2004), mostraram que o exercício físico aeróbico está associado a um perfil lipídico menos aterogênico e com um risco cardiovascular reduzido. Durante um treino de resistência, a lipase lipoprotéica exerce função regulatória induzindo uma modificação e redistribuição intermolecular do colesterol e suas subfrações, com aumento do HDL-C, que é compatível com os resultados encontrados no presente estudo (Motoyama et. al. 1999). A análise estatística dos resultados mostra um aumento na concentração da lipoproteína de alta densidade (HDL), com concomitante redução nos níveis de triglicérides, LDL e VLDL (tabela 2, gráfico 1). Essas variações são condizentes com resultados obtidos na literatura, os quais mostraram uma melhora no lipidograma imediatamente após a realização de exercícios físicos aeróbicos intensos (Pedersen; Hoffman-Goet, 2000). Os resultados do eritrograma (eritrometria, hematócrito, hemoglobina, VCM, HCM, CHCM) não mostraram diferença significativa.
O treino de resistência pode provocar uma expansão volêmica, o que justificaria uma queda na concentração de hemoglobina nos atletas. Nesses casos, ocorre um fenômeno reacional e transitório chamado pseudoanemia dilucional (Araújo C F, et al. 2004 ), o que não foi o caso.
Conclusão
A realização do jogo nas condições propostas promoveu uma elevação na atividade de enzimas marcadoras de dano muscular, do qual foram representadas no momento da segunda coleta, que ocorreu 24 horas após o jogo. A elevação registrada indica o desgaste muscular do qual os atletas são sujeitos durante o jogo, sendo que, quando um organismo do qual não se encontra acostumado a tal desgaste físico é submetido ao mesmo, ocorrem diversas mudanças fisiológicas buscando a homeostasia do mesmo, das quais são evidenciadas de maneiras muito claras nas provas bioquímicas citadas neste trabalho que os atletas foram submetidos, e que após 30 dias de treinamentos balanceados, os resultados encontrados se aproximaram dos resultados considerados normais para uma pessoa sedentária, o que é completamente aceitável para atletas de alto rendimento.
Essas alterações demonstradas nas tabelas e nos gráficos permitiram o acompanhamento sistemático dos atletas participantes no monitoramento de lesões silenciosas, rastreamento da anemia do atleta e, além disso, a análise conjunta de dados clínicos dos atletas obtidos com o corpo clínico (médico, fisiologista, fisioterapeuta, farmacêutico, treinadores) o que pode auxiliar na identificação de sinais de desgaste físico como forma de prevenção de perda de rendimento atlético da população analisada, o que pode trazer grandes benefícios individuais e coletivos para os atletas monitorados. No entanto, os resultados aqui expostos devem ser analisados sob um contexto clínico e jamais como dados numéricos ou como valores de referência.
Refrências
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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Desenvolve trabalhos na área de fisiologia com ênfase na detecção de marcadores bioquímicos de fadiga muscular em atletas e seu impacto neurofisiológico na prevenção de lesões musculares. Graduação: Farmácia- UEG Especialização: Ciências Farmacêuticas-FIBRA Mestrado: Bioquimica-UFU Doutorando: Fisiologia-UFG
UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93