A realização pela primeira vez de uma grande competição internacional em altitude, os Jogos Olímpicos do México/68, gerou um grande debate internacional sobre os efeitos da altitude no rendimento desportivo. É uma matéria que apesar de bastante conhecida continua ainda a ser objeto de muita investigação.
Nesta curta reflexão procuraremos, sumariamente, responder a algumas questões que ajudem o leitor a ter uma melhor compreensão do problema.
Altitude e oxigénio
Quanto maior é a altitude menor é a camada de ar que se situa sobre nós, com a consequente redução da pressão atmosférica. Devido à turbulência do ar, a percentagem relativa dos diferentes gases que constituem o ar atmosférico mantém-se, independentemente da altitude, mas, a quantidade daqueles gases diminui à medida que a altitude aumenta. O que significa que, um mesmo volume de ar ao nível do mar ou a 2.000 metros de altitude, tenha a mesma percentagem relativa de oxigénio (O2) mas um número muito diferente de moléculas de O2.
Assim, à medida que a altitude aumenta, o volume de ar inspirado mantém-se, mas, a quantidade de O2 captado em cada inspiração é cada vez menor.
Esta simples constatação já nos leva a concluir que é errado afirmar-se que os atletas vão para a montanha para se oxigenarem...
Competir em altitude
As provas de média e longa duração que dependem da capacidade do organismo produzir energia na presença de O2 (energia aeróbia), são prejudicadas em cerca 3 a 3,5% por cada 300m de aumento da altitude. Os desportos coletivos, cuja duração é quase sempre superior a uma hora, são prejudicados, assim como as provas superiores a 800m do atletismo. Os atletas fatigam-se mais depressa e levam mais tempo a recuperar após o esforço.
Contudo, as provas explosivas como as corridas de 100, 200 ou 400m, o salto em comprimento ou o triplo salto, são muito beneficiadas, devido à redução da densidade do ar. O corpo é, nestas provas, um projétil que penetra no ar tanto mais facilmente quanto menor é densidade deste. Recordamos que as extraordinárias marcas obtidas nos Jogos Olímpicos do México nas provas de velocidade e nos saltos levaram, algumas delas, dezenas de anos a serem batidas, como os extraordinários 8,90 m de Bob Beamon no comprimento.
Esta menor densidade do ar pode, em provas de longa duração, mas de características biomecânicas especiais, compensar com vantagem a quebra do rendimento aeróbio. É o caso do recorde mundial da hora em ciclismo de pista que, habitualmente, os grandes campeões procuram superar no México a 2.240m de altitude.
Permanência em altitude
Cedo os investigadores e os técnicos desportivos constataram que uma correta aclimatação à altitude permitiria minimizar a quebra de rendimento aeróbio anteriormente referida.
Quando um atleta é subitamente colocado em altitudes superiores a 1.200m, começa a experimentar um conjunto de alterações estruturais e funcionais que podem didaticamente ser agrupadas em 2 fases:
1ª - Fase de acomodação: Caracteriza-se por um conjunto de perturbações que ocorrem nos primeiros dias de estadia em altitude. É variável de pessoa para pessoa e pode ir até aos 6/7 dias.
Como há menos moléculas de O2 em cada inspiração, o atleta, para captar o mesmo oxigénio tem de respirar mais depressa (taquipneia) e o coração terá de aumentar a sua frequência (taquicárdia), para transportar mais rapidamente.
Para além destas alterações fisiológicas, a fase de acomodação caracteriza-se pelo eventual aparecimento de náuseas, tonturas, dores de cabeça, vómitos, insónias e descoordenação motora. Estas perturbações poderão ser minimizadas ou ultrapassadas utilizando um dos seguintes procedimentos:
• competindo antes de aparecerem aquelas perturbações, ou seja no dia da chegada à montanha ou no dia seguinte,
• evitando competir no 3º, 4º ou 5º dias,
• permanecendo em altitude por um período mais prolongado visando atingir a fase de aclimatação.
2ª - Fase de aclimatação à altitude
Se o atleta permanecer em altitude pelo menos 3 semanas, começam a ocorrer no seu organismo um conjunto de alterações que se caracterizam, basicamente, por um aumento da capacidade de transporte de oxigénio pelo sangue, graças, sobretudo, ao aumento do n.º de glóbulos vermelhos que, como é sabido, são os responsáveis pelo transporte do O2. Apesar da menor oferta de O2, o sangue melhora a sua capacidade de extração do O2 alveolar e o rendimento aeróbio recupera, apesar de nunca alcançar os valores atingidos ao nível do mar.
Treinar em altitude e competir ao nível do mar
Os técnicos desportivos e os investigadores pretendem que as alterações positivas que a exposição prolongada a pressões barométricas baixas, sejam transferidas para as competições realizadas ao nível do mar. Como aquelas adaptações são reversíveis, i.e., desaparecem ao fim de algum tempo, têm vindo a usar os seguintes procedimentos no chamado treino de altitude:
• terminar o estágio suficientemente perto da competição,
• se a época desportiva é muito longa, voltar ciclicamente à montanha. Há atletas, nomeadamente fundistas, que fazem 3 ou 4 estágios de altitude por época,
• utilizar, por vezes, técnicas proibidas, como o doping sanguíneo, que consiste em, após um estágio de altitude, retirar ao atleta sangue rico em glóbulos vermelhos e conservá-lo para, posteriormente, o voltar a introduzir no mesmo atleta, perto de uma grande competição. Esta técnica é vigorosamente combatida por prejudicar a saúde dos atletas e falsear os resultados desportivos.
Que altitudes?
Esta permanência na montanha é eficaz em altitudes superiores a 1.200m. Considera-se hoje que a altitude mais indicada se situa entre os 2.000 e os 2.500m.
Alguns equívocos
Esta curta reflexão já nos permitirá constatar que muitas vezes, talvez a maior parte das vezes, o que é afirmado ser treino de altitude, não o é de facto. É o que, ao longo do tempo, tem vindo a acontecer com equipas de futebol que têm utilizado algumas das seguintes práticas:
• Treinar em altitudes inferiores a 700m.
• Permanecer por períodos inferiores a 10/15 dias que, como vimos, não têm qualquer influência fisiológica significativa.
• Deslocar-se à montanha, treinar e regressar no mesmo dia a casa. O atleta mesmo a dormir está a ser sujeito a baixas pressões pelo que tem de permanecer na altitude.
Houve até uma equipe que acumulava estes três erros: os atletas saiam do seu estádio de autocarro, deslocavam-se à Serra de Sintra, subiam a encosta a correr e regressavam de imediato ao estádio. Isto em si não tem nada de criticável se o treinador não afirmasse que estavam a realizar treino de altitude!!!
Novas soluções
O treino de altitude pode apresentar as seguintes desvantagens:
• as estâncias de montanha não têm muitas vezes condições de treino específicas para determinadas modalidades,
• as condições climatéricas não são as melhores,
• a intensidade do treino pode cair muito devido à rarefação do ar.
Devido a estes e outros problemas, muitos atletas estagiam na montanha e deslocam-se ao nível do mar para treinar. Como a deslocação é por vezes difícil, começaram a utilizar câmaras hipobáricas, como as que os mergulhadores utilizam quando fazem um regresso à superfície demasiado rápido. Esta solução começou a ser utilizada na R.D.A. com excelentes resultados desportivos, mas com um enorme sacrifício dos atletas que tinham de passar períodos muitíssimo longos em espaços muito reduzidos.
Este problema foi ultrapassado criando-se centros de estágio especiais, situados ao nível do mar, em que a pressão atmosférica é modificável, simulando assim as condições existentes na altitude pretendida. Os atletas treinam ao nível do mar e permanecem o resto do tempo dentro destas habitações. Alguns campeões, sobretudo do ski de fundo, têm a sua própria vivenda hipobárica (chamadas casas alpinas) com as melhores condições de habitabilidade.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Nelson Carvalho
CEO da Empresa - Flower Anatomy; CEO da empresa - Sim Doutor; Administracao e Coordenacao - PainCare Clinicas de Dor; Diretor Tecnico - Corpore Care Clinica do Exercicio; Master em Motricidade Humana; Especialista em Metodologia do Treino; PgD Fisiologia do Exercicio; PgD Nutricao Desportiva; Tec. Especialista em Medicina Fisica e Reabilitacao; Membro do ACSM; Cedula profissional IDP/ProCAFD 23292
UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93