Os modelos contemporâneos de estruturação do treinamento desportivo aplicados...

O treinamento desportivo passou por significantes mudanças
O treinamento desportivo passou por significantes mudanças

Educação Física e Esporte

15/10/2014

Os Modelos Contemporâneos de Estruturação do Treinamento Desportivo aplicados ao Calendário do Futebol Brasileiro


Resumo


O treinamento desportivo passou por significantes mudanças nas últimas décadas, o que contribuiu para a melhora dos resultados competitivos dos atletas. Atualmente, existe uma ampla base de conhecimentos que sustenta a teoria do treinamento, possibilitando que os diferentes modelos de estruturação possam ser aplicados com maior eficácia. Os modelos contemporâneos surgem como forma de otimizar a evolução do desempenho dos atletas que passaram a competir em níveis e quantidade maiores. Esses modelos partem do modelo tradicional proposto por Lev Matveev nas décadas de 50 e 60 com a consagrada sequência de aquisição, manutenção e perda da forma. Analisando os modelos contemporâneos contidos nessa revisão concluímos que todos entendem e propõe uma organização voltada a uma maior ênfase às cargas especiais de trabalho em detrimento às cargas gerais, como forma de desestabilizar as adaptações adquiridas nesses atletas de alto rendimento, provocando uma evolução. Paralelo a esse desenvolvimento dos modelos de treinamento, o futebol também evoluiu muito nos últimos anos e o profissional do treinamento tem a função de conhecer os métodos de estruturação do treinamento e aplicá-los, mesmo que com algumas considerações relativas à modalidade, nível do atleta e ao extenso calendário do futebol brasileiro.



Introdução

Esse trabalho de revisão visa analisar as características de alguns modelos contemporâneos de estruturação do treinamento desportivo e sua aplicabilidade no calendário do futebol brasileiro. Dentre os modelos contemporâneos destacaremos o Modelo do Treinamento em Blocos, Modelo de Cargas Seletivas, Modelo Estrutural de Treinamento de Altos Rendimentos, Modelo dos Sinos Estruturais e Estrutura ATR (Acúmulo, Transformação e Realização).


Em relação ao calendário do futebol brasileiro cabe uma divisão entre os clubes que participam das séries A e B em relação aos clubes participantes das séries C e D. Os clubes das séries A e B possuem um calendário anual variando de 60 a 80 jogos, entre competições estaduais, nacionais e sul-americanas, fazendo com que o período de pré-temporada seja em torno de 20 dias de preparação. Já os clubes das séries C e D participam de 40 a 60 jogos no ano com algumas exceções dependendo do estado. Portanto, nesses clubes o período de pré-temporada geralmente é maior, além de haver um período entre competições (estadual e nacional), intervalo que pode durar até 45 dias. No entanto, ao analisarmos os modelos de estruturação e planejamento não basta identificarmos o melhor, mas sim, o modelo ideal que nos conduza aos objetivos estabelecidos dentro de uma organização temporal.


Os modelos contemporâneos surgiram justamente pelo aumento do número de competições, com pré-temporadas mais curtas e com o objetivo de proporcionar aos atletas um maior volume de cargas de caráter específico. É sempre importante ressaltar que esses modelos surgiram a partir do modelo tradicional proposto pelo russo Lev Matveev, conhecido mundialmente como o pai da periodização.


Modelos Contemporâneos e sua aplicação no calendário do futebol brasileiro

Modelo do Treinamento em Blocos: cargas concentradas de força


A estruturação do treinamento em bloco, apresentada pelo russo Verkoshansky, nos inícios dos anos de 1980, propõe grandes alterações na periodização do treinamento esportivo. Essa forma de estruturação do treinamento foi proposta principalmente para os esportes característicos de força. Essa forma de estruturar o treinamento para atletas de alto nível é também chamada pelo autor de “estruturação de sucessões interconexas”. Fundamenta-se basicamente no caso de que o trabalho de força deve ser concentrado em um bloco de treinamento, para criar condições de uma melhoria posterior nos conteúdos do treinamento relacionado com o desenvolvimento técnico e das qualidades de velocidade do atleta. Essas condições são dadas pelo chamado efeito de acumulação retardada do treinamento. O efeito do treinamento retardado em longo prazo considera, a esse respeito, que os efeitos obtidos depois de sucessivas sessões de carga de força em um bloco concentrado podem durar várias semanas e criar as bases condicionantes para o treinamento das demais capacidades dos atletas e para o aperfeiçoamento técnico (FORTEZA e FARTO, 2007).


O modelo de treinamento em blocos consiste em 3 blocos de treinamento. O bloco A objetiva-se pelo maior volume de toda a temporada onde estão concentradas as cargas concentradas de força, aplicada através de multissaltos, trabalho resistido, exercícios de força rápida. Esse bloco é subdivido em A1, A2 e A3. O bloco B deve ser estruturado de forma que diminua o volume até níveis ótimos permitindo o aperfeiçoamento das capacidades técnicas, táticas e físicas específicas da modalidade, preparando-os para o bloco C, no qual se encontram as principais competições da temporada (GOMES, 2002).


Toledo (2000) reportando as ideias de Verkoshansky propôs um modelo de treinamento em bloco adaptado ao futebol dividindo o treinamento nos mesmos blocos A, B e C, porém com durações menores e adaptando o conteúdo para atletas juniores. Esse estudo confirma a ideia do efeito de ganho retardado após a aplicação das cargas concentradas de força, com ganhos posteriores em velocidade e força explosiva. Devemos considerar a importância de microciclos estabilizadores após as etapas A e B, para que se consiga a manifestação do EPDT (Efeito Posterior Duradouro do treinamento).


Dessa forma, a aplicação desse método se torna inviável em períodos curtos de pré-temporada, podendo ser aplicado em períodos de 2 a 3 meses de pré-temporada de forma adaptada.


Vale ainda ressaltar que a aplicação desse método se restringe a atletas de alto rendimento e que estejam em períodos de sequência de treinamento (OLIVEIRA, 2008).

Modelo de Cargas Seletivas

Gomes (2002) organizou este modelo para suprir as necessidades do calendário dos desportos coletivos, principalmente o futebol, com elevado número de jogos na temporada anual, fato este que impossibilita uma suficiente preparação dos atletas antes dos jogos oficiais, dificultando de certa maneira a distribuição das cargas de treinamento durante o macrociclo.


Sabe-se que nos desportos coletivos, devido a este grande número de jogos durante a temporada, na qual o período competitivo se estende de 8 a 10 meses, fica de certa forma impossível desenvolver as capacidades máximas, assim são desenvolvidas capacidades submáximas. Sendo assim, o modelo de cargas seletivas formatado para a equipe do Clube Atlético Paranaense em 2001 seguiu uma periodização dupla com duração de 26 semanas cada macrociclo, na qual, o volume de treinamento permanece quase o mesmo durante a temporada anual de competições, e alternam-se as capacidades de treinamento a cada mês, durante o ciclo competitivo (resistência especial, flexibilidade, força, velocidade, técnica e tática). Nesse sistema de cargas seletivas, o alvo principal de aperfeiçoamento está nas capacidades de velocidade (GOMES, 2002).


No primeiro mês (pré-temporada), verifica-se uma predominância no treinamento da resistência especial; no segundo mês (onde se inicia a fase competitiva) e na sequência, é dada a prioridade no treinamento do sistema neuromuscular, procurando assim intensificar a melhora da velocidade de movimento.


Modelo Estrutural de Altos Rendimentos

O modelo do autor Peter Tschiene, chamado por ele mesmo de Esquema Estrutural de Altos Rendimentos, tem o objetivo de conseguir com o que o atleta mantenha um alto nível de rendimento durante todo o ciclo de competições. Dessa forma o autor enfatiza alguns princípios: acentuada forma ondulatória das cargas de treinamento, com trocas tanto qualitativas quanto quantitativas; tanto a intensidade quanto o volume de trabalho são altos durante todo ano; necessidade de intervalos profiláticos entre as altas intensidades de trabalho (FORTEZA e FARTO, 2007).


Analisando estes princípios de Tschiene juntamente com o calendário do futebol brasileiro dos times de elite, percebemos que o embasamento dessa teoria proporciona um treino voltado para as cargas específicas do treinamento, proporcionando ao atleta, níveis ótimos para competir durante todo ano e, devido a grande carga imposta pelos jogos e treinos, enfatiza os intervalos profiláticos.


Pode-se perceber o avanço dessa teoria, principalmente com respeito à relativa eliminação das fases gerais do treinamento, no qual os resultados não constituem objetivos específicos.


Modelo dos Sinos Estruturais

Os Sinos Estruturais de Forteza é uma adaptação ao Modelo Pendular proposto por Arosiev e Kalinin em 1971 (FORTEZA, 2007). Os sinos estruturais seguem o mesmo princípio da diferenciação entre cargas gerais e especiais, ou seja, sempre e a todo o momento da macroestrutura, as cargas de preparação especial estarão acima das cargas gerais. A diferença principal desse modelo frente ao Modelo Pendular, segundo Forteza, é que em seu modelo, a carga geral de trabalho sempre irá regredir a cada mesociclo; a carga especial aumenta numa proporção inversamente proporcional ou maior em relação à diminuição das cargas gerais (FORTEZA e FARTO, 2007). Nessa disposição das cargas quando expostas em gráfico, traçando uma linha seguindo a variação das cargas gerais e outra das cargas especiais dos mesociclos, forma-se a figura de um sino, daí o nome do modelo.


Forteza estabelece os tipos de preparação como determinantes e condicionantes do treinamento substituindo os termos geral e especial segundo a ´´teoria matveiana`` (FORTEZA, 2004).


Esse modelo em questão atende as necessidades de organização e estruturação da modalidade futebol, pois nos oferece meios de organização bem direcionados com relação aos mesociclos e suas microestruturas, com índices de intensidade da mesoestrutura a partir do percentual dos treinos distribuídos nas direções do treinamento esportivo, ou seja, cargas condicionantes e determinantes. Para maiores esclarecimentos ver Forteza e Farto, 2007 (Treinamento Desportivo: do ortodoxo ao contemporâneo).
Modelo ATR (Acumulação, Transformação e Realização)

Um conceito alternativo de mesociclos, e desde já mais simples, baseia-se na experiência de treinamento retirada dos dados da equipe nacional da ex-URSS em caiaque e canoa de autoria de Issurin e Kaverin na década de 80. Essa forma de periodização se diferencia das demais em relação à classificação dos mesociclos, que pode ser de acumulação, transformação ou de realização, dependendo da fase de treinamento. Esse tipo de classificação foi pensado na tentativa de especificar em qual fase do treinamento se utilizaria prioritariamente tal valência física (FORTEZA E FARTO, 2007).


Analisando os objetivos e tarefas principais de cada mesociclo, o de acumulação se refere a um período de elevação do potencial técnico e motor; o mesociclo de transformação visa usar esse desenvolvimento técnico e motor e transformá-los para preparação específica. Já o mesociclo de realização é a aplicação nos exercícios competitivos e nas competições de todo o trabalho desenvolvido anteriormente (FORTEZA E FARTO, 2007).


Segundo Forteza e Farto (2007), Navarro estabelece os conteúdos de cada fase: na fase de acumulação deve-se treinar com volumes relativamente elevados e intensidade moderada para capacidades de força, resistência aeróbia, preparação técnica e tática básica, correção de erros; na fase de transformação, o treinamento deve adquirir um volume ótimo e intensidade aumentada para capacidades de resistência, força, velocidade específica e exercícios concentrados de força dentro da estrutura básica técnica; na terceira fase, a de realização, deve-se simular a atividade competitiva, empregar exercícios competitivos, uso ótimo de exercícios de intensidade máxima (força competitiva, resistência competitiva, velocidade competitiva), treinar em estado de boa recuperação e realizar a própria competição.


Dentre as diferenças entre as classificações convencionais e contemporâneas, devem ser consideradas algumas particularidades essenciais dessa nova apresentação segundo Forteza e Farto (2007):

1- Renuncia-se ao treinamento simultâneo de muitas qualidades e concretiza-se o efeito de treinamento e uma orientação definida em um menor número de capacidades.


2- Como unidade estrutural de treinamento, os mesociclos devem possuir uma duração suficientemente longa para alcançar as trocas morfológicas energéticas e coordenativas que sejam necessárias. Os mesociclos duram de 14 a 28 dias. Nesses prazos, a realização dessas trocas em atletas altamente treinados exige uma atenção preferencial ao treinamento de determinadas capacidades.


3- O treinamento consecutivo desses três mesociclos é a melhor forma de se obter uma concentração mais elevada de cargas de treinamento.


4- Alternam-se com mais frequência a orientação do treinamento e seus conteúdos, fazendo a preparação ser mais interessante, motivadora e atraente para os atletas.


5- Aumenta-se a eficácia no controle do treinamento, uma vez que o objetivo sobre o qual atua o treinamento restringe-se a mesociclo, registrando também as trocas justamente nas capacidades sobre as quais se atua preferencialmente.


O modelo ATR propõe uma forma simples e eficaz de direcionar o treinamento com suas características de evolução das capacidades físicas, oscilações de magnitude das cargas, avaliações controle que, dentro da atual conjuntura do calendário nacional, pode-se empregar esse método. Todavia, optando por esse método, poderá fazer necessário algumas adaptações, pois em pré-temporadas muito curtas o tempo de preparação não é o suficiente para situar três mesociclos, mesmo que eles se reduzam. Devido a isso é preciso programar a participação em competições como mesociclos de transformação ou variar a mesoestrutura no período competitivo.


Conclusão

O ponto em comum dos modelos contemporâneos está na sobreposição das cargas especiais de trabalho sobre as cargas gerais, ou melhor, nas capacidades determinantes sobre as condicionantes.
Treinar um atleta de alto rendimento é levar em consideração suas adaptações ao longo de sua carreira e proporcionar meios e métodos diferentes que promovam novas adaptações (WEINECK, 1999).
Para definir o modelo de estruturação ideal para determinada equipe de futebol em determinado macrociclo é necessário considerar as condições reais, incluindo os objetivos da equipe, composição do elenco e suas individualidades e o calendário de competições.
O tempo representa um fator condicionante da organização do treinamento, influindo, desse modo, na sua organização. A habilidade de um treinador profissional está na sua capacidade de elaborar e implementar uma organização racional adaptada às situações reais.
Devido às várias situações que interferem numa estruturação e organização dos métodos de treinamento que vão desde, muitas vezes, dificuldades estruturais da equipe até problemas de composição de um grupo para o início das atividades, torna-se necessário adaptar esses modelos de treinamento à condição particular enfrentada por esses profissionais do treinamento desportivo. Por mais que tenhamos que nos adaptar usando recursos diversos e muita criatividade, temos que nos atentar para que não nos desviemos do modelo selecionado a ser seguido. Outra questão observada nessa revisão, é que podemos fazer uso de algumas particularidades de alguns modelos acrescentando ferramentas ao modelo escolhido de estruturação para determinada competição, não ficando restrito à rigidez de um modelo específico de treino.



Referências Bibliográficas


FORTEZA, A. Treinar para ganhar. São Paulo: Phorte editora, 2004.

FORTEZA, A; FARTO, E. Treinamento Desportivo: do ortodoxo ao contemporâneo. São Paulo: Phorte, 2007.

GOMES, A. C. Treinamento desportivo: estruturação e periodização. Porto Alegre: Artmed, 2002.

OLIVEIRA, P. R. Periodização contemporânea do treinamento desportivo: modelo das cargas concentradas de força: sua aplicação nos jogos desportivos (basquetebol, futebol de campo, futsal, voleibol) e luta (judô). São Paulo: Phorte, 2008.

PEREIRA, B; VENTURIM, F; MIGLINAS, L. Modelos de periodização: uma breve revisão. EFdeportes.com, Revista digital, Buenos Aires – Ano 14 – nº 138, 2009.

TOLEDO, N. Futebol: as cargas concentradas de força e a dinâmica da alteração das capacidades biomotoras no macrociclo anual de treinamento. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Faculdade de Educação física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.

WEINECK, J. Treinamento ideal. São Paulo: Manole, 1999.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Valdir Nogueria de Oliveira Junior

por Valdir Nogueria de Oliveira Junior

_ FORMADO EM LICENCIATURA PLENA EM ED. FÍSICA PELA FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE BRAGANÇA PTA (FESB).- 2000/2004 _ ESPECIALISTA EM CIÊNCIA DO TREINAMENTO DESPORTIVO PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP) - 2006 _ ESPECIALISTA EM FISIOLOGIA DO EXERCICIO PELA UNIVERSIDADE GAMA FILHO 2010/2011 _CURSOS DE EXTENSÃO: PERSONAL TRAINER DO IDOSO; OBESIDADE E EXERCÍCIO; CORAÇÃO E EXERCÍCIO

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