A descentralização do sistema único de saúde (SUS)

Em 1991 surgiu o SUS
Em 1991 surgiu o SUS

Enfermagem

23/01/2013

A formulação e a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) é a resultante de um expressivo movimento de reforma sanitária, inserido no movimento mais amplo de redemocratização do país e que teve na VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) um de seus "locus" privilegiados para o estabelecimento das grandes diretrizes para a reorganização do sistema de saúde no Brasil.

Ao lado dos avanços no campo político-institucional, com a estratégia das Ações Integradas de Saúde (AIS) e a implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), houve um trabalho político no campo legislativo na Assembleia Nacional Constituinte, que estava formulando a nova Carta Magna do país.

Desse modo, a saúde teve um expressivo reconhecimento e inserção na nova Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, destacando-se sua inclusão como um componente da seguridade social, a caracterização dos serviços e ações de saúde como de relevância pública e seu referencial político básico expresso no Artigo 196, no qual é assumido que "a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação".

Além disso, foram assumidos também os princípios da universalidade, da equidade e integralidade às ações de Saúde.

Nesse processo, o país teve, assim, uma política de saúde claramente definida constitucionalmente no sentido de política pública, como política social, implicando, portanto, em mudanças substantivas para sua operacionalização nos campos político-jurídicos, político-institucional e técnico-operativo. Todavia, a natureza, complexidade e abrangência dessas mudanças e suas implicações em termos de situações e interesses existentes, associados ao momento político, processo eleitoral e eleição de um governo não comprometido com as teses centrais da reforma sanitária, dificultaram a implantação dessa nova política de saúde.

Em 1990, o Ministério da Saúde, incumbiu o INAMPS, por meio da Portaria GM 1.481, de 31/12/90, de "implantar a nova política de financiamento do SUS para 1991...", surgindo, assim, a Norma Operacional Básica/SUS Nº. 1 NOB SUS 01/91, aprovada e instituída pela Resolução INAMPS nº. 258, de 07/01/91. Essa NOB recebeu acentuadas críticas, particularmente por estabelecer o convênio como mecanismo de articulação e repasse de recursos e por ser centralizadora, embora se apresentasse como apoio à descentralização e reforço do poder municipal. No mês de julho de 1991, a NOB SUS-01/91 foi modificada pela Resolução INAMPS nº. 273, de 17/07/91, com base nas propostas apresentadas, sobretudo, pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS e pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - CONASEMS.

Em fevereiro de 1992, foi editada a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde para 1992, NOB-SUS 01/92, representando, na realidade, o "acordo possível" naquele momento.

Essas regulamentações jurídicas e reformulações institucionais são, evidentemente, reflexos e instrumentos de decisões políticas maiores, das relações de poder no aparelho estatal e na sociedade. De qualquer modo, todo esse processo, com seus avanços e recuos, acordos e conflitos, foi mudando a realidade política e institucional do SUS, particularmente com a ampliação e articulação das Secretarias Municipais de Saúde e a revisão dos papéis e poderes das Secretarias Estaduais de Saúde e do próprio Ministério da Saúde.

Na crise do governo, em 1992, época era de retrocesso na política e administração pública, com intensa participação da sociedade em denúncias e críticas, em demandas de mudanças e avanços, incluindo aí a área da saúde, seriamente afetada, novamente o Movimento Sanitário reivindicou e pressionou pela realização da IX Conferência Nacional de Saúde já atrasada em dois anos, a qual veio a ser realizada no período de 9 a 14 de agosto de 1992 tendo como tema central "Saúde: a Municipalização é o Caminho", explicitando a dimensão e o poder de articulação acumulados pelos defensores do SUS e de seu processo de descentralização na gestão dos serviços e ações de saúde.

Organizada a partir de conferências municipais e estaduais, com intensa participação social (representantes de usuários, associações, movimentos populares e sindicais, entre outros) a IX Conferência Nacional de Saúde ocorreu praticamente às vésperas da votação do "impeachment" do presidente Fernando Collor de Melo, representando um importante ato político, seja de apoio ao movimento político pela substituição do governo (Carta da IX Conferência Nacional de Saúde à Sociedade Brasileira), seja na luta contra o retrocesso, com reafirmação e reforço da defesa dos avanços e conquistas jurídicas, institucionais e práticas da reforma sanitária e da implantação do SUS.

Logo após a sua realização, foi destituído o governo e houve a expectativa e esperança de um novo momento de avanço democrático, reformulação do aparelho estatal, desenvolvimento econômico e social, com sua especificação na área da saúde. Assumiu a gestão da saúde um grupo técnico/político do Movimento Sanitário, à semelhança do início da Nova República, só que, agora, em outra realidade da reforma sanitária. Essa gestão define e assume a decisão política de continuar a luta pela efetiva implantação do SUS, que se expressa no documento "A Ousadia de Cumprir a Lei" e na chamada Norma Operacional SUS 01/93, de maio de 1993.

A terceira Norma Operacional Básica do SUS, NOB-SUS 01/93, como estratégia, foi o referencial do processo de implantação do SUS desde aquele momento, tendo procurado sistematizar o processo de descentralização da gestão do sistema e serviços, em um esquema de transição, com diferentes níveis de responsabilidades para os Estados e Municípios e, por relação, do próprio Governo Federal. Nesse sentido, houve alteração no quadro encontrado de 1992 até dezembro de 1994, tendo como eixo central o processo de formulação e implantação da NOB SUS 01/93, expressões práticas de decisão política da "Ousadia de Cumprir a Lei", ou seja, a Constituição e as Leis do SUS.
Para os Municípios, foram estabelecidas três condições de gestão: Incipiente, Parcial e Semiplena e para os Estados, duas: Parcial e Semiplena. Para a coordenação, gerenciamento e controle deste processo foram criados Comissões Intergestoras Bipartite - CIB e Tripartite - CIT, como foros permanentes de negociação e deliberações. Esse processo foi implantado a partir de novembro/dezembro de 1994, sendo que no Brasil, em fins de 1994, foram habilitados e assumiram esta condição de Gestão Semiplena 24 (vinte e quatro) municípios.

Em fins de julho de 1995, estavam habilitados 43 (quarenta e três) municípios, perfazendo um total de 0,86% dos municípios, compreendendo 7,4% da população e 10,07% dos recursos alocados do sistema financeiro das despesas federais para o custeio (SIA/SIH/SUS) da assistência médica.

Ao final de 97, já havia mais de uma centena de municípios no Brasil, habilitados na Gestão Semiplena, com aproximadamente 12% de população e 20% dos recursos do teto financeiro. Dada à complexidade do processo, e a necessidade de seu aprimoramento, e o momento político de novas gestões federais e estaduais, começou a ser estudada e formulada a quarta Norma Operacional Básica do SUS, a NOB-SUS 01/96, que avança o processo de municipalização do setor saúde e, embora com as dificuldades referentes ao financiamento do SUS, foi implantada no início de 1998.

A NOB-SUS 01/96, publicada no Diário Oficial da União, pela Portaria GM/MS, de 06/11/96, permite o estabelecimento do princípio constitucional do comando único em cada nível de governo, descentralizando os instrumentos gerenciais necessários por meio das formas de gestão propostas, caracteriza as responsabilidades sanitárias de cada gestor, definindo como principal operador da rede de serviços do SUS o Sistema Municipal de Saúde, permitindo aos usuários ter visibilidade dos responsáveis pelas políticas públicas que determinam o seu estado de saúde e condições de vida. A NOB-SUS 01/96, estabeleceu duas condições de gestão municipal: Plena da Atenção Básica - GPAB e Plena do Sistema Municipal - GPSM. Para a gestão estadual estabeleceu também duas condições: Avançada do Sistema Estadual - GASM e Plena do Sistema Estadual - GPSM.


Para o Ministério da Saúde estabeleceu quatro papéis básicos:
a) exercer a gestão do SUS, no âmbito nacional;
b) promover as condições e incentivar o gestor estadual com vistas ao desenvolvimento dos sistemas municipais de modo a conformar o SUS Estadual;
c) fomentar a harmonização, a integração e a modernização dos sistemas estaduais compondo, assim, o SUS Nacional;
d) exercer as funções de normalizações e de coordenação no que se refere à gestão nacional do SUS.
A NOB-SUS 01/96 estabeleceu, também, em relação ao financiamento federal do SUS, as Transferências Regulares e Automáticas Fundo a Fundo e a Remuneração por Serviços Produzidos, para assistência hospitalar e ambulatorial, para as ações de vigilância sanitária e para as ações de epidemiologia e de controle de doenças, mantendo neste último caso a modalidade da Transferência por Convênio.

Por último, aprovou-se a Norma Operacional da Assistência à Saúde - NOAS-SUS 01/2001, por meio da Portaria Ministerial Nº. 95, de 26 de janeiro de 2001, ampliando as responsabilidades dos municípios na atenção básica, definindo o processo de regionalização da assistência, criando mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde, atualizando os critérios de habilitação de estados e municípios.

Em síntese, pode-se dizer que, no encaminhamento do processo de implantação do SUS, em termos de concretizar ou pôr em prática os seus princípios e diretrizes, o da descentralização das ações e serviços de saúde foi o que teve maior presença e avanço.

A ideia, portanto, da descentralização/municipalização da saúde parece ter um potencial significativo, no sentido de que o Município pode assumir e atuar como base da Federação, com maior agilidade para provocar as devidas transformações, principalmente na área das políticas sociais, particularmente na saúde, enquanto política pública. O que não significa isolamento, mas uma progressiva e permanente articulação e integração com o nível Estadual e Federal, no seu respectivo e competente papel constitucional e das Legislações Complementares.

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