Produção de artemisinina em leveduras: a arte pela Biotecnologia

Engenharia Genética
Engenharia Genética

Farmácia

22/04/2014

Atualmente, existe um crescente interesse interdisciplinar por produtos oriundos da natureza que envolve a participação efetiva da química de produtos naturais, contribuindo para o desenvolvimento de outras áreas do conhecimento como a biologia molecular, farmacologia, química orgânica, medicina e principalmente a  biotecnologia (BRAZ FILHO, 2010), com isso há uma grande perspectiva na formulação de novos produtos eficazes contra diversas patologias principalmente quando se diz respeito a saúde humana. Um grande desafio é a produção de fármacos eficazes contra o  Plasmodium falciparum, que se torna resistente as drogas convencionais utilizados.

Segundo a World Health Organization (WHO, 2013), a malária é causada por parasitas do gênero Plasmodium falciparum  e é transmitida exclusivamente através da picada de mosquitos do gênero  Anopheles. A intensidade de transmissão depende de fatores relacionados ao parasita, o vetor, o hospedeiro humano e o meio ambiente. De acordo com as últimas estimativas, lançado em dezembro de 2013, havia cerca de 207 milhões de casos de malária em 2012 e cerca de 627.000 mortes.

Os fármacos antimaláricos utilizados atualmente são baseados em produtos naturais ou compostos sintéticos produzidos a partir da década de 40. Esses fármacos são específicos para cada etapa do ciclo de vida do Plasmodium e são classificados em eritrocíticos, gametocíticos e esporonticidas. Os eritrocíticos, atuam nas formas presentes nos eritrócitos humanos, os gametocíticos, matam as formas sexuadas do parasita de um indivíduo infectado, e os esporonticidas, que atuam contra esporozoítos e são capazes de matar os parasitas assim que eles entram na corrente sanguínea. É importante mencionar que os fármacos antimaláricos podem atuar contra mais de uma forma do protozoário e serem efetivos contra uma espécie, mas totalmente ineficazes contra outras (FRANÇA et al., 2008).

Segundo França et al (2008 ) os principais fármacos antimaláricos também são classificados de acordo com o modo de ação em dois grandes grupos. O primeiro grupo corresponde aos alcalóides derivados da cinchona, as aminoquinolinas e as acridinas. Acredita-se que esses fármacos podem interferir no metabolismo da glicose, e também na habilidade do parasita de digerir a hemoglobina, impedindo, assim, que ele se alimente ou intoxicando-o com altos níveis de ferriprotoporfirina-IX, que é um subproduto tóxico da digestão da hemoglobina. E o segundo, das pirimidinas e biguanidas, e envolve a interferência na síntese do ácido tetra-hidrofólico, importante cofator no processo de síntese de DNA e de aminoácidos.

A resistência do parasita pode ser explicado de acordo com a quantidade de parasitas presentes no indivíduo, se esse número é alto, a transmissão é baixa e a pressão do fármaco é intensa a probabilidade de resistência é elevada. A utilização de um único fármaco no tratamento ocasiona uma seleção e espalhamento de parasitas mutantes resistentes ao fármaco. A longo prazo, o uso de múltiplos fármacos leva ao aparecimento de cepas de parasitas multirresistentes. Logo a utilização de coquetéis de fármacos que atingem alvos diferentes no parasita diminuem a probabilidade do surgimento de cepas resistentes (FRANÇA et al., 2008).

Com o aumento da resistência do parasita aos medicamentos tradicionais, há uma necessidade de desenvolvimento de drogas seguras e eficazes em substituição destas que estão perdendo eficácia. Até o momento, a melhor alternativa para o tratamento da malária grave, causada pelo Plasmodium falciparum , é a utilização dos derivados semi-sintéticos da artemisinina, um produto natural extraído da planta  Artemisia annua L., que demonstra comprovada eficácia no controle das cepas de Plasmodium falciparum  resistentes às múltiplas drogas, além de apresentar pouco ou nenhum efeito colateral (WHO, 2005).

Artemisia annua

A Artemisia annua, é utilizada para o tratamento de febre e malária na medicina tradicional chinesa (KLAYMAN, 1985), e em 1971, químicos chineses isolaram a artemisinina descrevendo-a como uma lactona sesquiterpênica que possui um grupo endoperóxido-1,2,4-trioxano e, diferentemente de outros antimaláricos, não possui nitrogênio na sua estrutura. Desde então, o composto tem sido usado com sucesso em milhares de pacientes na China, incluindo aqueles acometidos com ambas as cepas do Plasmodium falciparum , a resistente e a sensível à cloroquina (KLAYMAN, 1985), principal fármaco utilizado no tratamento convencional. Desde seu isolamento, vários derivados da artemisinina foram sintetizados, obtendo-se substâncias mais ou menos ativas do que a artemisinina e foram empregados na quimioterapia da malária na Tailândia, Vietnã, Brasil e China, onde a resistência ao parasita é comum (MESHNICK et al., 1996).

A partir da artemisinina, já foram sintetizados vários análogos com variadas atividades farmacocinéticas como o artesunato de sódio, a diidroartemisinina, o arteéter e o arteméter. Estes compostos sesquiterpênicos apresentam uma ponte de peróxido sobre o anel de 7 membros e são esquizonticidas sanguíneos, possuem atividade gametocida, que limita a transmissão para outros hospedeiros, reduzindo assim o espalhamento de formas resistentes. Entretanto não se sabe se este efeito é devido à sua rápida ação sobre as formas sanguíneas do parasita, ou se existe mesmo um efeito sobre a forma sexuada. Além disto, estas substâncias são ativas contra cepas de Plasmodium resistentes a todos os outros fármacos e têm aplicação crescente no tratamento de malária (FRANÇA et al., 2008).

Na molécula de artemisinina há a presença de pontes de endoperóxidos que quando clivada pela redução com íon ferroso presente no grupo heme da hemoglobina ou de origem exógena, pode alquilar ou modificar covalentemente proteínas dos parasitas. Estudos indicam que o mecanismo de ação é similar ao das quinolinas, onde os fármacos se acumulam no vacúolo digestivo do parasita e interferem na formação da hemozoína (FRANÇA et al., 2008). Apesar da artemisinina ser um agente antimalárico utilizado em terapêutica  clínica, o seu mecanismo e local de ação continuam a ser debatidos na comunidade  científica. Existem várias teorias sobre o modo de ação da artemisinina e seus derivados,  porém todas elas apontam para a necessidade da presença de Fe2+.

Na molécula de artemisinina ha a presença de pontes de endoperoxidos que quando clivada pela redução com on ferroso presente no grupo heme da hemoglobina ou de origem
exógena, pode alquilar ou modi car covalentemente protenas dos parasitas. Estudos indicam que o mecanismo de acão e similar ao das quinolinas, onde os farmacos se acumulam no vacúolo digestivo do parasita e interferem na formacão da hemozona (FRANÇA et al., 2008). Apesar da artemisinina ser um agente antimalarico utilizado em terapêutica clínica, o seu mecanismo e local de acãoo continuam a ser debatidos na comunidade cient ca. Existem varias teorias sobre o modo de acão da artemisinina e seus derivados, porem todas elas apontam para a necessidade da presenca de Fe2+.

Um dos mecanismos mais importantes é a ligação da artemisinina ao ferro hemico Fe2+. No organismo o  Plasmodium falciparum degrada a hemoglobina liberando o grupo heme que é potencialmente tóxico para o parasita, porém, ele desenvolveu mecanismos de destoxificação. Alguns autores defendem que a artemisinina é ativada no vacúolo alimentar pelo Fe2+, reagindo depois com o grupo heme, impedindo deste modo a sua destoxificação (CAPELA, 2011). A ligação do Fe2+ com o oxigênio 1  da artemisinina, origina um radical de oxigênio que sofre rearranjo para originar um radical de carbono primário, através de uma cisão da ligação C3-C4. Alternativamente, a ligação com o oxigênio 2, produz igualmente uma espécie reativas de oxigênio, que através de uma migração 1,5-dihidrogênio produz o radical de carbono secundário. Estes radicais podem alquilar o grupo heme, resultando na morte do Plasmodium falciparum .

Segundo Capela ( 2011) a artemisinina provoca a morte dos parasitas da malária, provavelmente por geração de mais de um tipo de intermediários citotóxicos. São compostos versáteis, que produzem diversos tipos de intermediários altamente reativos (radicais de oxigênio e de carbono) e vários tipos de eletrófilos neutros (epóxidos, aldeídos e compostos dicarbonílicos). Esta variedade de espécies pode explicar a dificuldade do parasita da malária em desenvolver resistência. Existem vários outros factores pelos quais a resistência às artemisininas ainda não foi desenvolvida:

a) têm tempo de semi-vida (t½) reduzido e consequentemente os parasitas ficam expostos a concentrações subterapêuticas de fármaco durante pouco tempo;

b) através da sua atividade gametocitocida, estes derivados reduzem a transmissão, diminuindo a possibilidade de infecção a outros mosquitos;

c) não exercem o seu efeito antimalárico apenas num único alvo biológico, mas sim em vários alvos simultaneamente, com elevada precisão e eficiência. Estes alvos envolvem inibição enzimática, peroxidação lipídica e efeitos na destoxificação do heme;

d) frequentemente são utilizados em combinação com outros antimaláricos.

Biossíntese 

A síntese química da artemisinina é complexa, envolvendo inúmeras etapas e apresentando baixos rendimentos (GELDRE et al., 1997) levando assim aos baixos rendimentos via cultivo de células e tecidos e os altos custos da síntese da molécula tornam o isolamento a partir da planta a melhor forma para obtenção da droga (DELABAYS et al., 2001). Entretanto a produção tradicional depende da colheita e extração do composto da planta, sujeita à sazonalidade e flutuações do preço de mercado, o que prejudicava o tratamento da doença.

Com isso houve o desenvolvimento de técnicas biotecnológicas apropriadas como, a engenharia genética, para produzir este composto a partir de leveduras, que são capazes de produzir o ácido artemisínico que é o precursor da artemisinina. Assim, a empresa de biotecnologia Amyris, e o laboratório francês Sanofi desenvolveram um novo processo de biossíntese da artemisinina que permiti sua produção em larga escala e sem interrupção. A alteração genética no DNA de células de leveduras fizeram com que elas sintetizassem este composto, de maneira eficaz, com altíssimo rendimento, podendo ser produzida durante todo o ano e interrupção.

O processo industrial para produção da artemisinina semissintética consiste na produção do ácido artemisínico por meio de fermentação e sua transformação sintética por via fotoquímica (reações químicas induzidas pela luz). A reação fotoquímica é necessária para ativar um grupo químico muito reativo, o endoperóxido, do ácido artemisínico, formado por átomos de oxigênio. Para que a reação fotoquímica ocorra em todo o material, em larga escala, utilizou-se um equipamento no qual a luz fica no centro de um tubo, por onde corre a mistura a reagir. Assim, a luz atinge todo o material que está fluindo à sua volta, permitindo a fabricação da artemisinina semissintética em escala industrial.

O novo sistema de síntese de semi síntese, foi aprovado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e é um quinto do tempo gasto pelo método convencional de origem apenas vegetal. A perspectiva de em 2014 atingirá cerca de 80 a 150 milhões de doses beneficiando milhares de pessoas infectadas pelo Plasmodium falciparum  contribuindo para a erradicação da doença.

Conclusão 

Há um avanço considerável em pesquisas relacionadas com o desenvolvimento e produção de medicamentos de origem natural para o tratamento de diversas patologias, em substituição aos sintéticos. Na natureza encontra-se inúmeros compostos que estão em estudo e ainda não obtiveram resultados satisfatórios além de outros a serem descobertos. A biotecnologia vem para auxiliar neste desenvolvimento de produção de compostos naturais biologicamente ativos, abrindo possibilidade para o desenvolvimento de inúmeros tratamentos para as doenças negligenciadas como a malária, como também oferece oportunidade para pesquisas de compostos naturais para o tratamento de doenças como câncer, AIDS, esclerose múltipla, entre outras.

Referências

BRAZ FILHO, R. Phytochemical contribution to development of a emergent country. Qumica Nova, São Paulo, v. 33, n. 1, p.229-239, 2009.

CAPELA, R.S.S. Compostos hbridos da artemisinina: Direccionamento para as fases sanguínea e hepática do parasita da malária.Tese, Doutorado, 2011.

DELABAYS, N., SIMONNET, X., GAUDIN, M. The genetics of artemisinin content in Artemisia annua L. and the breeding of high yielding cultivars. Current Medicinal Chemistry, v.8, n.15, p.1795-1801, 2001.

FRANÇA, T. C. C.; SANTOS, M. G.; FIGUEROA, J. D.; Malaria: aspectos historicos e quimioterapia. Qumica Nova, Sao Paulo, v. 31, n. 5, p.1271-1278, 2008.

GELDRE, E.V., VERGAUWE, A., EEKHOUT, E.V. State of the art of the production of the antimalarial compound artemisinin in plant. Plant Mol. Biol, v.33, p.199-209, 1997.

KLAYMAN, D.L. Qinghaosu (artemisinin): an antimalarial drug from China. Science, v.228, p.1049-1055, 1985.

MESHNICK, S.R.; TAYLOR, T.E.; KAMCHONWONGPAISAN, S. Artemisinin and the antimalarial endoperoxides: from herbal remedy to targeted chemotherapy. Microb. Rev., v.60, n.2, p.301-315, 1996.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO), Malaria . Geneva, 2013.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO), Global malaria report . Geneva, 2005.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Bruno Henrique Gomes

por Bruno Henrique Gomes

Biotecnologista (Bacharel em Biotecnologia, 2016) pela Universidade Federal de Uberlândia, técnico em Farmácia (2011) pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Apresenta grande interesse em Biotecnologia Vegetal/Agrícola, Biotecnologia Industrial, Bioquímica, Genética, Biologia Molecular e Biotecnologia Farmacêutica.

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