Marcadores bioquímicos da função hepática e proteínas relacionadas

Marcadores bioquímicos da função hepática
Marcadores bioquímicos da função hepática

Farmácia

06/07/2014

1.0 INTRODUÇÃO

1.1 ASPECTOS GERAIS SOBRE O FÍGADO



O fígado é o maior e mais complexo dos órgãos internos, localiza-se no hipocôndrio direito logo abaixo do diafragma, chegando a pesar no indivíduo adulto cerca de 1,2 a 1,5 kg. O parênquima hepático é constituído principalmente por hepatócitos, os quais se agrupam em placas que se anastomosam formando os lóbulos hepáticos. Estes se encostam uns aos outros em quase toda sua extensão; exceto em regiões onde são separados por tecido conjuntivo e vasos sanguíneos (DUFOUR, 2008). Outros tipos celulares incluem células endoteliais dos sinusóides; células de Kupffer; as células de Ito que são lipócitos diferenciados responsáveis pela produção de colágeno e tecido conectivo que conferem sustentação ao parênquima; além de linfócitos NK (natural killer) e citotóxicos (DUFOUR, 2008).


A anatomia microscópica revela que a unidade funcional do fígado é o ácino, o qual consiste numa massa do parênquima hepático organizado em forma de prisma poliédrico (DUFOUR, 2008).


Cada ácino é formado por espaços porta, trabéculas de hepatócitos circundados por capilares sinusóides, os quais convergem para a veia centrolobular. Os chamados espaços porta são constituídos por um ramo da veia porta, um ramo da artéria hepática, um ducto biliar, vasos linfáticos e terminações nervosas, associados a tecido conectivo. À microscopia distingue-se também espaços entre o hepatócito e o endotélio sinusoidal, os quais são denominados Espaços de Disse. No ácino hepático, o sentido do fluxo sanguíneo é da periferia para o centro dos lóbulos e devido às anastomoses entre o sistema portal e arterial, o sangue venoso e arterial se misturam nos capilares sinusóides (OLIVEIRA, 2000).


Os hepatócitos são as principais células funcionais do fígado, estes são responsáveis pela maioria das funções metabólicas e de síntese. O fígado desempenha múltiplas e importantes funções nos processos fisiológicos, atuando como órgão de armazenamento, produção de componentes sanguíneos e fatores da coagulação, metabolismo de nutrientes e toxinas, síntese de hidratos de carbono, proteínas, além de sua importância no metabolismo de carboidratos e lipídios (DUFOUR, 2008).


Outra função de grande importância é o metabolismo de xenobióticos, esses são compostos estranhos ao organismo como drogas, medicamentos; os quais precisam ser metabolizados para se tornarem ativos ou serem excretados (DUFOUR, 2008). Durante o metabolismo das proteínas e aminoácidos a amônia também é formada no fígado, sua concentração hepática é 10 vezes maior que na circulação sistêmica (DUFOUR, 2008).


A ureia é resultante do metabolismo da amônia sendo produzida durante o ciclo da ureia que também ocorre no fígado (DUFOUR, 2008). A determinação da capacidade do fígado para executar estas funções pode fornecer informações úteis para o monitoramento do progresso de doenças e determinação de prognósticos (JAENSCH, 2000).
1.2 PROTEÍNAS RELACIONADAS À FUNÇÃO HEPÁTICA

O fígado representa o principal local de síntese proteica no organismo, a albumina representa a principal proteína sintetizada, outras proteínas incluem a ceruloplasmina, α1 antitripsina e proteínas da coagulação (SANTOS et al., 2004). Sendo o fígado o único órgão capaz de sintetizar albumina, a síntese dessa proteína corresponde a cerca de 12% a 20% da capacidade de síntese hepática correspondendo diariamente de 150 a 250 mg de albumina por kg de peso corporal em indivíduos saudáveis (SANTOS et al., 2004).


A albumina é a proteína mais abundante no plasma, perfazendo um total de 50% das proteínas totais do soro humano e, desempenha papel importante na manutenção do volume plasmático circulante, sendo responsável por 80% da pressão coloidosmótica (SANTOS et al., 2004). Esta proteína tem um tamanho relativamente pequeno quando comparada a outras proteínas, é constituída por 584 aminoácidos, com peso molecular em torno de 69000 Daltons. Uma das funções mais relevantes da albumina é o seu papel na manutenção do volume plasmático circulante, devido ao seu peso molecular relativamente baixo e à sua alta concentração. A albumina desempenha também, função na manutenção do equilíbrio ácido-básico do organismo (SANTOS et al., 2004).


Isto se deve à capacidade de resíduos de histidina presentes na estrutura da albumina, os quais apresentam pKa em torno de 7,4, conferindo a ela uma função de tamponamento em situações de acidose metabólica, enquanto que na vigência de alcalose metabólica, ela também exerce função tampão, já que é capaz de liberar seus íons hidrogênio (SANTOS et al., 2004).


A albumina está também envolvida em outras funções como transporte de uma ampla variedade de substâncias fisiológicas: moléculas lipossolúveis como os ácidos graxos de cadeia longa, hormônios e pequenos íons como o cálcio, o cobre, o níquel e o zinco. Muitas drogas também se ligam à albumina, havendo competição pelos seus sítios de ligação, tanto entre elas, quanto entre as drogas e os ácidos graxos de cadeia longa. Além disso, a albumina ainda atua como um reservatório de aminoácidos, contribuindo com cerca de 5% dos aminoácidos disponíveis para os tecidos periféricos, sendo que esta oferta encontra-se aumentada na presença de algumas doenças malignas, e em situações nas quais o balanço nitrogenado é negativo (SANTOS et al., 2004).

Várias outras proteínas também estão relacionadas à avaliação da função hepática além da albumina, a α1-fetoproteína, ceruloplasmina, α1-antitripsina, proteína C reativa etc. Dentre estas, destaca-se a α1-fetoproteína e ceruloplasmina as quais tem demonstrado importância na avaliação clínica de doenças hepáticas, cardíacas e sistêmicas.


Como citado anteriormente, o fígado é o principal órgão de síntese de proteínas, por isso, muitas dessas proteínas são importantes na avaliação da função deste órgão. Porém, destacaremos o papel da ceruloplasmina, α-fetoproteína e proteína C reativa.


A ceruloplasmina é uma proteína sintetizada pelo fígado que desempenha papel importante no metabolismo do cobre. Além disso, a ceruloplasmina é uma ferroxidase essencial para a oxidação resultante de Fe2+ para o estado férrico permitindo sua ligação e seu transporte pela transferrina plasmática. Cerca de 60 a 90% do cobre absorvido é transportado ao fígado enquanto o restante é transportado para células eritrocitárias, cerebrais e renais. No fígado, uma pequena porção do cobre absorvido é utilizado na produção de proteínas cúpricas enquanto o restante (93%) estará ligado a ceruloplasmina, albumina e aminoácidos (SILVA, 2010; DUFOUR, 2008). A principal aplicação clinica do uso da ceruloplasmina é no diagnóstico da Doença de Wilson, onde suas concentrações estão reduzidas.


A α1-fetoproteína (AFP) é uma α-1-globulina plasmática, constituída por 590 aminoácidos, produzida pelo saco vitelino e pelo fígado fetal, entretanto, não se conhece a sua função neste período do desenvolvimento (DUFOUR, 2008).


Assemelha-se estruturalmente semelhante à albumina e pode atuar como proteína de transporte ou de ligação. O nível de AFP sérica diminui gradualmente após o nascimento, atingindo os valores normais do adulto (inferior a 10 ng/mL) entre os 8 a 12 meses de idade. A AFP não desempenha nenhuma função conhecida em adultos saudáveis. Níveis elevados de α1-fetoproteína são vistos em casos de carcinoma hepatocelular, tumores de células germinativas (testículos e ovários) e nas metástases hepáticas DUFOUR, 2008).


A proteína C-reativa (PCR), descoberta em 1930 é assim denominada por ser capaz de precipitar o polissacarídeo-C da parede celular do Streptococcus pneumoniae, sendo a primeira proteína de fase aguda a ser descrita, como marcador sensível de inflamação e dano tecidual (TILLET & FRANCIS, 1930 apud PAIVA, 2012).
1.3 METABOLISMO DOS PIGMENTOS BILIARES

Além de todas as funções fisiológicas de síntese hepática, o metabolismo dos pigmentos biliares é de vital importância para o organismo humano e é também desempenhado pelo fígado. O metabolismo dos pigmentos biliares revela a produção de bilirrubina como produto final da degradação do grupo heme, o qual pode advir de hemoglobinas liberadas de eritrócitos senescentes, ou dos eritrócitos da medula óssea por eritropoese ineficaz e, em menor parte, formada a partir da degradação de outros complexos protéicos como a catalase, mioglobina e o citocromo P-450 (SHAPIRO, 2005).


O metabolismo da bilirrubina pode ser subdividido em captação, armazenamento, conjugação e secreção hepática. Diariamente, um indivíduo adulto produz cerca de 250 a 350 mg de bilirrubina. A produção de bilirrubina tem início com a ruptura das hemácias que libera a hemoglobina, a qual é fagocitada de imediato pelos macrófagos em muitas partes do organismo, especialmente pelas células de Kupffer, no fígado, e pelos macrófagos no baço e na medula óssea (SHAPIRO, 2005).


A hemoglobina é captada pelo sistema retículo-endotelial (SER) e convertida à biliverdina, monóxido de carbono e ferro pela enzima heme-oxigenase. A biliverdina é então convertida à bilirrubina livre pela biliverdina-redutase e passa a ser gradualmente liberada dos macrófagos para o plasma. A bilirrubina livre é lipossolúvel e, portanto precisa se ligar a albumina para ser transportada pelo sangue (SHAPIRO, 2005).


Devido a lipossolubilidade, a bilirrubina livre pode atravessar a barreira hematoencefálica e impregnar-se nos gânglios da base, causando uma síndrome denominada kernicterus, a qual consiste numa neuropatia induzida por hiperbilirrubinemia (SHAPIRO, 2005). A bilirrubina ligada às proteínas plasmáticas é denominada “livre ou não conjugada”, a fim de distinguí-la da forma conjugada. A bilirrubina livre, quando chega ao fígado, é recolhida pelos hepatócitos por meio de sistemas proteicos, ou seja, transportadores de membrana num processo chamado captação. Em seguida, é liberada da albumina plasmática e conjugada por ação de enzimas microssomais como a uridina difosfato glicuroniltransferase (UDPGT), com uma ou duas moléculas de ácido glicurônico, formando um composto mais polar e hidrossolúvel, a “bilirrubina conjugada”. A bilirrubina conjugada é excretada através do polo biliar dos hepatócitos que está em íntimo contato com os canalículos biliares e então é liberada no intestino (MARTELI, 2012).


A bilirrubina conjugada é transportada como complexo lipídico-micelar até o duodeno através do ducto biliar principal, sendo desconjugada e reduzida no colón por ação das glicuronidases bacterianas, formando os urobilinogênios. Essas moléculas são excretadas nas fezes, em sua maioria, e pequena parte é reabsorvida através da mucosa intestinal e volta ao fígado pelo sistema porta, constituindo o ciclo entero-hepático da bilirrubina. Cerca de 5% são excretados na urina pelos rins. A conjugação da bilirrubina ocorre principalmente no fígado, sendo também observada nas células dos túbulos renais e nos enterócitos (MARTELI, 2012; DUFOUR, 2008).


Diante das múltiplas funções hepáticas as avaliações fornecidas pelo laboratório clínico para detectar disfunção hepática é de grande importância para a clínica médica devido ao fato de que são raros os sinais e sintomas clínicos evidentes nos pacientes com hepatopatias.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Michele Polyana Rocha Mendes

por Michele Polyana Rocha Mendes

Farmacêutica, especialista em Análises Clínicas e Toxicológicas, mestranda em Análises Clínicas e Toxicológicas. Tem experiência em Medicina Laboratorial e Docência no Ensino Superior.

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