A indústria farmacêutica e as políticas de saúde e de medicamentos

Farmácia

01/01/2008

 

O processo industrial farmacêutico é complexo, vinculando-se às políticas industrial, científica e tecnológica e de saúde. É um processo que exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento, na produção e no controle de qualidade dos produtos, na aquisição de substâncias, na armazenagem e distribuição dos produtos, etc. Para essas ações, empregam-se alta tecnologia, mão-de-obra qualificada em diversas funções e altos investimentos financeiros, inclusive em propaganda.

Por ocuparem lugar de destaque no sistema de saúde e no tratamento das doenças, tanto nos países industrializados como nos em desenvolvimento, os medicamentos exigem uma política nacional específica. Esta deve estruturar-se de acordo com as necessidades de cada país. É fundamental para garantir eficácia, segurança, qualidade, informação e aspectos de custos e preços dos medicamentos. Também é importante para assegurar a utilização adequada desses produtos, por parte da classe médica e farmacêutica.

Em 1995, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que o Estado devesse garantir a disponibilidade de acesso eqüitativo, assim como a utilização adequada desses medicamentos, e preconizou para a formulação e acompanhamento de política de medicamentos de cada país, uma ampla parceria entre governos - representando o interesse público - e os demais atores do processo: os que utilizam ou vão utilizar medicamentos, os prescritores, os dispensadores (1) e os que fazem, comercializam, distribuem e vendem os medicamentos. Estão ainda incluídos nessa parceria as universidades, os institutos especializados de pesquisa e instrução, as instituições que formam pessoal na área médica, odontológica, de enfermagem e farmácia, as escolas de preparação de pessoal de nível médio e de agentes comunitários de saúde, as organizações desvinculadas do governo, como associações de profissionais, grupos de consumidores, indústria farmacêutica (preferivelmente suas representações no país ou internacionais) e as profissões jurídicas (Bonfim, 1997). Verifica-se, portanto, que é necessária a participação de diversos atores para o estabelecimento de uma política de medicamento mais adequada à realidade de um determinado povo.

Encontra-se atualmente, em nível mundial, um mercado farmacêutico monopolizado e/ou oligopolizado. Bermudez baseou-se em Gereffi para tecer os seguintes comentários: existem, no mundo, mais de 10 mil empresas produtoras de medicamentos. No entanto, a participação expressiva no mercado internacional se restringe a não mais de cem companhias de grande porte, responsáveis por cerca de 90% dos produtos farmacêuticos para consumo humano. As cinqüenta maiores empresas farmacêuticas do mundo são transnacionais, respondendo por dois terços do faturamento mundial. Estas empresas comercializam seus produtos em diversos países, promovem atividades também em países estrangeiros e operam nas áreas de Pesquisa e Desenvolvimento, abrangendo, portanto, todos os estágios tecnológicos (Bermudez, 1995.1).

Ainda segundo Bermudez (1995.1), a totalidade das empresas de capital nacional detém entre 15% e 25% do mercado farmacêutico brasileiro, enquanto já as empresas de origem norte-americana detêm em torno de 35%. Um percentual um pouco maior cabe ao conjunto das indústrias da Comunidade Econômica Européia. Observa-se, também, monopolização das classes terapêuticas por parte das empresas líderes do mercado. E essa indústria farmacêutica privada - seja ela de capital nacional ou internacional - investe normalmente na produção e em propaganda de medicamentos utilizados na medicina curativa, que são mais rentáveis. Conclui-se, portanto, que os interesses comerciais dessas indústrias muitas vezes são conflitantes com o uso racional de medicamentos.

Santos (1993) conta que, até 1930, o Brasil não se distanciava muito do modelo tecnológico utilizado internacionalmente para a produção de medicamentos. A medicação consumida em território nacional era em parte produzida por farmácias e por um grande número de pequenos e médios laboratórios nacionais, poucos deles de origem estrangeira. Outra parcela era advinda de importações de outros países, realizadas por casas representantes.

As mudanças ocorridas após a Segunda Guerra Mundial coincidiram com a política nacional desenvolvimentista implementada nas décadas de 40 e 50. O estímulo à entrada de capital estrangeiro permitiu a consolidação da hegemonia das empresas transnacionais farmacêuticas, gerando a dependência econômica e industrial do país neste segmento (Bermudez, 1995.1).

O processo de desnacionalização da indústria farmacêutica foi atribuído por Frenkel et al. a três fatores principais:

A ausência de uma política setorial por parte do governo visando proteger a indústria nacional da competição estrangeira; a situação de maior fragilidade para as empresas locais, gerada pelas inovações tecnológicas introduzidas no setor na década de 40; e, finalmente, as medidas de estímulo à entrada de capital estrangeiro que caracterizaram a política econômica executada na década de 50, enfraquecendo o poder de competição das empresas nacionais. (Frenkel et al. apud Bermudez, 1995.2, p. 26).

No Seminário Nacional Sobre Política de Medicamentos, em agosto de 1996, referindo-se ao mercado brasileiro de medicamentos, Bermudez declarou:

As distorções do mercado brasileiro de medicamentos, considerado um dos cinco ou seis maiores do mundo, mostram claramente sua incapacidade de se auto-regular. Os produtos supérfluos ou desnecessários lançados no comércio e a propaganda enganosa e despida de quaisquer padrões éticos que a indústria promove, especialmente no comércio varejista, são reflexos da falta de regulamentação que permite que o medicamento continue a ser tratado como bem de consumo e não na qualidade de insumo essencial às ações de recuperação da saúde. Por outro lado, a dependência tecnológica e econômica do país produz uma contradição: um dos maiores mercados farmacêuticos, não obstante dos mais dependentes, tem nítida concentração de renda e grande parcela da população excluída do direito à saúde e ao bem-estar social (Bermudez, 1997, p. 335).

Cabe ressaltar que, de acordo com os princípios da Constituição de 1988 (Brasil, 1988), a Política de Medicamentos do Brasil deve inserir-se na atenção integral à saúde: um sistema gratuito, universal, descentralizado e com participação popular. A Carta estabelece também, como competência exclusiva do Estado, as atribuições e responsabilidades de legislação sobre produtos farmacêuticos. Dentro dessa perspectiva, a produção de medicamentos considerados essenciais deveria basear-se em critérios de eficácia, segurança, qualidade, relação benefício/risco e eficácia/custo, disponibilidade no mercado e características dos serviços de saúde. Tais produtos deveriam estar disponíveis, de forma adequada, para todos os segmentos da sociedade. Portanto, o setor estatal de produção de medicamentos deveria adequar-se a estes princípios e suprir as necessidades do setor público com medicamentos de custos e preços inferiores aos do mercado.

Segundo Pinheiro (1997), esta produção estatal deveria preencher as necessidades de medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) para as seguintes situações: atenção médica ambulatorial (produção de medicamentos básicos); programas especiais do Ministério da Saúde (tuberculose, hanseníase, hipertensão arterial, diabetes, AIDS, etc.); produtos de dispensação excepcional (tais como medicamentos para tratamento de renais crônicos, transplantados, portadores de nanismo; doentes com formas especiais de câncer, hemofílicos, etc.) e produtos utilizados em âmbito hospitalar.

Compõem atualmente este setor estatal um conjunto de quinze empresas ou instituições que são vinculadas a dez governos estaduais, a uma universidade federal, ao próprio Ministério da Saúde e às Forças Armadas, gerando pelo menos 3.500 empregos diretos (Bermudez, 1997). A indústria farmacêutica em estudo vincula-se ao setor estatal, produzindo medicamentos para os programas especiais do Ministério da Saúde.

2.2 - A inserção de Pharmacy na indústria farmacêutica nacional

Cabe inicialmente esclarecer que grande parte das informações que serão apresentadas neste capítulo foi obtida da documentação encontrada em Pharmacy e do artigo de Bijos (1961). Nestes documentos, constam que o instrumento Legal que deu origem a Pharmacy foi a Lei n.º 2743 de 6 de março de 1956, que em seu Artigo 6 criou o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), composto por diversos órgãos, dentre os quais, o Serviço de Produtos Profiláticos (SSP). Este Serviço passou a ocupar o Laboratório de Química e as instalações deixadas pelo ex-Instituto de Malariologia, que localizava-se na Cidade das Meninas, às margens da antiga Estrada Rio-Petrópolis, na altura do quilômetro 12. O SSP tinha por objetivos preparar medicamentos, inseticidas, rodenticidas e outros produtos necessários para as diversas campanhas profiláticas. Neste serviço foi inaugurado em 21 de maio de 1958 o Laboratório de Produção de Medicamentos (LPM).

Em 1961 o SSP foi transferido da Cidade das Meninas. Na década de 70 passou a denominar-se Instituto de Produção de Medicamentos (IPROMED). Com a criação da Central de Medicamentos (CEME) pelo Decreto nº 68.806, depois consolidado pelo Decreto nº 71.205 de 04/10/71, o IPROMED, junto com outros laboratórios farmacêuticos subordinados ou vinculados aos ministérios da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, da Saúde, do Trabalho e Previdência Social e conveniados, passaram a constituir o sistema oficial de produção.

A CEME, segundo Pinheiro (1997), deveria funcionar como reguladora da produção e distribuição de medicamentos desses laboratórios farmacêuticos, centralizando a compra e distribuição de medicamentos para a rede pública de saúde ambulatorial e parte das necessidades de hospitais, especialmente os universitários. Entretanto, uma política específica para organização da assistência farmacêutica para este setor nunca chegou a ser realizada (Pinheiro, 1997). Ocorreram problemas na distribuição de medicamentos, com entregas à rede pública sempre em quantidade insuficiente e freqüência irregular. A produção, também, não atingiu os níveis esperados, em decorrência de déficit na capacitação e no desenvolvimento tecnológico dos laboratórios.

Em 1976, o IPROMED foi dividido em duas unidades técnicas, uma delas com finalidade de desenvolver tecnologia de produção e elaborar produtos quimioterápicos e profiláticos, constituindo-se em Pharmacy. Um ano depois Pharmacy passou a ter a seguinte estrutura: superintendência, conselho de orientação, coordenadoria de pesquisa e desenvolvimento tecnológico com laboratório de pesquisa em fundamentos de processos e laboratório de desenvolvimento de processos, coordenadoria de produção com laboratórios de produtos farmacêuticos e de produtos defensivos, laboratório de análises e controle de qualidade. Esta estrutura foi determinada pelo item 12 da Norma Regulamentar nº 09/77 de 31 de maio de 1977.

Desde os seus primórdios, esta indústria teve a produção direcionada ao apoio a programas governamentais. Entretanto, sempre houve problemas de ordem financeira. Ainda como SSP, Bijos (1961) relata a falta de autonomia financeira que impedia a execução dos planejamentos traçados. Este autor referiu-se, também, à capacidade produtiva do LPP, que no mesmo ano de sua montagem pagou o custo e adquiriu valor financeiro quatro vezes maior ao inicial. Produziu 5.305.465 unidades de medicamentos, com custo, às vezes, até 300% menor que o idêntico no comércio. Vale a pena destacar que nessa ocasião os trabalhadores dispunham de assistência habitacional, educacional, alimentar, médica, dentária, farmacêutica e recreativa na própria Cidade das Meninas. "Com este conjunto conseguimos manter os funcionários e suas famílias nas melhores disposições de trabalho harmônico e construtivo", declarou Bijos (1961, p. 75). Para a assistência médica, contavam com três médicos, um enfermeiro, uma ambulância e o Hospital Ministro Mário Pinotti.

Como ilustração de fatores que interferem no desenvolvimento tecnológico e nas condições de trabalho em indústria farmacêutica estatal pode-se citar a crise que se instalou em Pharmacy nas décadas de 70 e 80, como conseqüência de uma política de esvaziamento gradual e progressivo das indústrias estatais. Ocorreu subutilização dos equipamentos, falta do pessoal de apoio e de peças de reposição, ausência de manutenção preventiva dos equipamentos e de agilização nos processos administrativos. Como conseqüência, ocorreu déficit nítido na produção e no quadro funcional. A produção caiu de 13 especialidades farmacêuticas em 1976 para cinco, em 1977, e três, em 1978. O quadro funcional caiu de 200 empregados em 1976 para 54, em 1980.

A partir de 85 foram tomadas medidas para recuperação de Pharmacy, entre elas: adoção de procedimentos de reformas e adequação de máquinas, implantação do núcleo de galênica (permitindo o desenvolvimento de pesquisas ligadas à produção de novas formulações de medicamentos e melhora da qualidade dos existentes), início da reforma do almoxarifado (para melhores condições de trabalho e aproveitamento de espaço), aumento do número de projetos de pesquisa (convênios tanto com empresas nacionais como com os órgãos financiadores governamentais FINEP e CEME).

Atualmente, Pharmacy tem a seguinte estrutura física: Laboratório; Administração; Almoxarifado; Produtos Naturais; Inflamáveis; Planta Piloto; Utilidades; Produção; Central de Água Gelada; Central de Ar Comprimido; Manutenção Fabril e Predial; Caldeira e Torre de Água. (Anexos I e II) Estão em fase de projeto, Antibióticos e o Centro de Estudos. Com esta estrutura, presta os serviços de central analítica, controle de qualidade químico e microbiológico, farmacotecnia, produção de medicamentos, ensaios farmacológicos, desenvolvimento e rejuvenescimento de fármacos e desenvolvimento de fitoterápicos. Os remédios ali produzidos são os integrantes da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), bem como medicamentos para atender a programas do Ministério da Saúde, tais quais Endemias Focais, Saúde Ocular, Esquistossomose, Materno Infantil, DST/AIDS, Índio, Doenças Reumáticas, Idoso, Anemia Falciforme, Saúde Mental, Doenças Cardiovasculares, Dermatologia Sanitária e Malária. Encontram-se em fase de desenvolvimento drogas para atender ao Programa de Diabetes. A capacidade instalada para produção é de 729.600.000 comprimidos, 264.000.000 cápsulas e 10.800.000 pomadas. Em 1998, a produção em unidades farmacêuticas foi de 213.646.540 comprimidos, 36.447.360 cápsulas e 5.057.700 pomada.

Nos últimos tempos, Pharmacy tem diversificado sua capacidade de linha de produção. Essas alterações têm ocorrido em função da necessidade de adaptação à Política Nacional de Medicamentos. Esta englobava até dezembro de 1998 a Farmácia Básica de medicamentos que tinha com objetivo garantir tratamento eficaz das populações mais pobres. Compunha-se de 40 medicamentos essenciais, em quantidades suficientes para atender às necessidades de cerca de 3.000 pessoas no período médio de três meses. Pharmacy era um dos centros distribuidores, responsabilizando-se pelas regiões Norte e Sudeste. A partir de 1997, esta indústria passou a produzir antivirais utilizados para o tratamento da AIDS. A sua capacidade atual é de 42 tipos diferentes de produtos (Anexo III). Para efeitos de ilustração da importância do trabalho de Pharmacy, os objetivos atuais são aqui apresentados de forma mais detalhada:

    • Produção de medicamentos, com tecnologia própria, para atender aos programas prioritários do Ministério da Saúde (programas endêmicos e programas de uso contínuo);
    • Ampliação de novas fórmulas para os medicamentos básicos, de acordo com a mais avançada tecnologia;
    • Direcionamento das pesquisas na área de síntese química de fármacos para os produtos que apresentam complexidade tecnológica e estratégica, utilizados nos programas essenciais do Ministério da Saúde e que não possuem fabricantes no país;
    • Investigação na diversificação de suas pesquisas e de sua produção na área de produtos naturais (trabalhar no isolamento de moléculas, na identificação de princípios ativos e no estudo de extrato de plantas que tenham comprovação terapêutica);
    • Desenvolvimento de formulações e processos fermentados específicos às biomassas entomopatogênicas, usando o controle biológico microbiano de larvas de vetores das doenças de interesse da saúde pública e do setor agrícola sustentável;
    • Avaliação da atividade farmacológica de extratos, frações ou substâncias puras obtidas através de vegetais, bem como de novas drogas produzidas por síntese química. Além das atividades de imunossupressão ou imunoestimulação e anti-inflamatória, são também avaliadas atividades em neoplasias, tuberculose, malária, toxoplasmose, hepatite B, HIV e doença de Chagas, visando principalmente o controle de transmissão transfusional;
    • Formação de pessoal para atuação na indústria farmacêutica.

Essas metas evidenciam a importância de Pharmacy no cenário nacional, cobrindo todo o espectro de produção e desenvolvimento no setor de medicamentos que são usados em doenças do âmbito da saúde pública. Exige, para essa atividade diversificada, alto investimento tecnológico e mão-de-obra qualificada em várias funções. Outra decorrência desse fato são as mudanças significativas, para os seus profissionais, no tipo de exposição a produtos químicos. Quanto ao quadro funcional, em julho de 1998 a indústria contava com 297 funcionários, dos quais 175 eram empregados terceirizados, 69 eram servidores da União e os demais bolsistas.

Vários serviços de Pharmacy são terceirizados, como produção, controle da qualidade, manutenção fabril, manutenção predial e laboratórios, serventes, área administrativa, entre outros. Esta modalidade de contrato de trabalho decorre da ampliação da capacidade de produção da instituição e da dificuldade de autorização para admissão, por concurso, de novos funcionários. Além disso, há redução do número de funcionários devido a aposentadorias e remanejamento para outros setores. A forma encontrada para suprir o quantitativo de trabalhadores foi a contratação de uma prestadora de serviços, através de processo de licitação. Os funcionários são contratados por uma empresa e ficam sob supervisão do setor de Recursos Humanos de Pharmacy.

Em Pharmacy, todos os medicamentos produzidos são destinados aos programas especiais do Ministério da Saúde e têm sido investidas grandes somas de recursos na remodelação e atualização da infra-estrutura tecnológica de produção, procurando garantir eficiência e assegurar a qualidade dos seus produtos. A avaliação das condições de trabalho e saúde dos funcionários de Pharmacy em execução pelo CESTEH e pela Coordenação de Saúde do Trabalhador da FIOCRUZ faz parte desse processo de melhoria, tanto da infra-estrutura tecnológica e produtividade da indústria, como das condições de trabalho.

2.3 - Riscos e Dermatoses na Indústria Farmacêutica

Na indústria farmacêutica são detectados riscos para o meio ambiente, para o consumidor e para o profissional envolvido com o processo produtivo. Para o meio ambiente, decorrem do armazenamento de grande quantidade de produtos químicos que podem ser tóxicos, explosivos e inflamáveis. Explosão ou incêndio provocados pelos produtos químicos podem gerar uma combinação de substâncias perigosas, resultando em nuvem tóxica que afetaria não só os trabalhadores de uma indústria, mas também a comunidade vizinha e, dependendo da sua extensão, atingiria dimensão catastrófica. O descarte de produtos químicos também se constitui em um problema grave pelos riscos que pode gerar para a comunidade.

No tocante aos riscos tecnológicos ambientais, Porto & Freitas (1997) comentam sobre a expansão, em nível mundial, da capacidade de produção, armazenamento, circulação e consumo de substâncias químicas. Explicam que a lógica de desenvolvimento industrial e inovações tecnológicas ao ramo químico vêm possibilitando um crescimento dos riscos numa velocidade bem maior do que a capacidade científica e institucional de analisá-los e gerenciá-los. Os autores acrescentam ainda que, nos países de economia semiperiférica como o Brasil, somam-se aos riscos decorrentes da própria industrialização as fragilidades sociais, institucionais e técnicas, que acentuam a vulnerabilidade dessas sociedades frente aos riscos tecnológicos ambientais.

Para os consumidores, os riscos resultam tanto de efeitos adversos dos produtos como da qualidade do seu preparo, indicação ou administração correta, etc. Pode-se ampliar esses riscos para a sociedade devido ao estímulo ao consumo de medicamentos por parte da industria farmacêutica privada - ávida de lucros - que, para isso, investe de forma maciça em propagandas junto ao público e, em especial, ao médico. Em 1977, referindo-se ao mercado farmacêutico, Moura citou que:

Apesar da crescente poluição química e farmacêutica, que põe em risco a economia e a saúde do consumidor brasileiro, tem-se a impressão de que os órgãos oficiais estão mais interessados em não divulgar os riscos, com base em uma aparente política de evitar algum tipo de censura ou boicote dos consumidores às indústrias poluidoras. Embora a omissão de informações oficiais impeça eventuais prejuízos a essas indústrias, aumenta o número de brasileiros desinformados ou desarmados contra possíveis riscos pessoais. [...] (Moura apud Bonfim & Mercucci, 1997, p.9).

Atualmente, depara-se no Brasil com um problema muito mais grave, por infringir questões éticas relacionadas à vida humana. É o caso dos medicamentos falsificados, que se constituem em um risco a mais para a sociedade. Em parte, esse problema é propiciado pela liberalidade de venda de medicamentos sem receita, o que propicia a auto medicação e o estímulo a seu uso. Esse aspecto torna mais atraente o mercado brasileiro, que hoje está entre os maiores do mundo.

Em 10 de fevereiro de 1999 foi sancionada a Lei 9787/99, que dispõe sobre a adoção de nome genérico para os medicamentos no Brasil. Espera-se que, com a redução de gastos em publicidade para o nome de marca, haja barateamento dos preços desses produtos, contribuindo assim para atendimento de princípios da Constituição Federal e também de recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) que tem estimulado a formulação de políticas nacionais de medicamentos essenciais e de genéricos.

Quanto aos riscos para os funcionários da indústria farmacêutica, assumem relevância aqueles relacionados à exposição a substâncias químicas e suas conseqüências sobre os trabalhadores (NR-9). (2) Os outros tipos de riscos também são importantes e, de forma semelhante ao do tipo químico, dependem da tecnologia empregada e da organização do trabalho. Além dos problemas orgânicos diretamente relacionados à exposição a produtos químicos, o processo de trabalho na indústria farmacêutica acarreta riscos no âmbito da saúde mental. Estes riscos relacionam-se aos ajustes necessários que o trabalhador precisa fazer entre o trabalho prescrito e o real, assim como devido aos ritmos impostos em alguns setores de trabalho. Exemplos disso são os setores onde o trabalho é realizado de modo repetitivo e rápido, o que contribui para o surgimento de distúrbios comportamentais.

Neste sentido, Rêgo et al. (1993) procuraram detectar distúrbios que pudessem ter relação com desordens mentais provenientes de condições de trabalho numa indústria farmacêutica. Para tal, utilizaram o Questionário de Morbidade Psiquiátrica do Adulto (QMPA) desenvolvido e aplicado por Santana em estudo epidemiológico das doenças mentais num bairro de Salvador, na Bahia (Santana apud Rêgo, 1993). Foram obtidos os seguintes dados: 43,4% dos trabalhadores avaliados (total de 108) foram classificados como positivos pelo escore adotado para o QMPA. Houve maior prevalência de queixas psiquiátricas entre as mulheres (62,7%) do que entre homens (25,5%). Não foi observada diferença na ocorrência de distúrbios mentais quando foram considerados a idade e os setores da fábrica. A discussão sobre estes achados não foi apresentada neste trabalho e, segundo os autores, seriam objeto de outra publicação.

Quanto aos principais sintomas referidos pelos trabalhadores (Tabela 1), segundo Rêgo et al. (1993), alguns puderam ser considerados decorrentes das condições em que o trabalho era desenvolvido. Admitiram, também, como muito provável, a influência das condições de vida em geral desses trabalhadores, tais como: nível salarial, local de moradia, características do domicílio, alimentação, lazer, etc.

TABELA 1: Distribuição dos trabalhadores de acordo com os principais sintomas referidos, segundo Rêgo et al. (1993)

Sintomas apresentados

N

%

Cansaço físico

60

55,6

Dor nas costas

58

53,7

Cefaléia

56

51,9

Nervosismo

54

50,0

Dor nos membros inferiores

54

50,0

Esquecimento

44

40,7

Cansaço mental

43

39,8

Coceira nos olhos

43

39,8

Fraqueza muscular

38

35,2

Tontura

35

32,4

Dor nos membros superiores

33

30,6

Obstrução nasal

32

29,6

Insônia

30

27,8

Tosse

30

27,8

Fonte: RÊGO et al. "Saúde e Trabalho numa Indústria Farmacêutica" IN: Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 1993, nº 79, vol. 21, p. 45

Outra questão relevante na indústria farmacêutica é a dos riscos ergonômicos que geram para os trabalhadores sobrecarga física, problemas de posturas e lesões osteomusculares. Estes riscos são detectados principalmente no setor de embalagem, mas podem ser encontrados também nos demais, tais como laboratório, administrativo, almoxarifado, etc. Segundo Chavalitsakulchai & Shahnavaz (1993), aspectos ergonômicos de medidas preventivas deveriam incluir seleção apropriada e treinamento de profissionais para as diversas atividades, projeto ergonômico do ambiente e considerações ergonômicas na organização do trabalho, tais como variações e interrupções de tarefas e posturas adequadas. Ainda em relação ao aspecto de postura no trabalho, Rotgoltz et al. (1992) observaram que, dentre 208 empregados de uma indústria farmacêutica, 138 referiam dor nas costas. A posição sentada prolongada e o trabalho na embalagem ou no departamento de produção foram associados - ainda que de modo independente - com esta queixa.

Quanto a acidentes do trabalho, podemos citar o estudo de Rêgo et al. (1993) no qual foi observado que mais de um terço dos trabalhadores avaliados referiu já ter sofrido acidentes do trabalho, incluindo acidentes típicos e de trajeto. Segundo os autores, esse valor em si foi bastante elevado e mesmo preocupante, levando-se em conta a baixa média de tempo trabalhado na fábrica.

Na produção industrial são freqüentes os casos de pequenos acidentes do tipo lacerações, punturas, equimoses e queimaduras. Constituem-se em riscos para o trabalhador devido à possibilidade de propiciarem absorção de produtos tóxicos e surgimento de infecções secundárias. Entretanto, devido ao fato de esses casos geralmente não resultarem em afastamento do trabalho - no máximo provocarem pequena redução da produtividade - terminam por ser neglicenciados e subnotificados. Shmunes (1988) considerou que trauma em microescala pode ser um importante fator predisponente de doença cutânea ocupacional. Citou como exemplos os maquinistas e fabricantes de metais que podem sofrer diminutos cortes em associação a exposição a produtos químicos. Considerou os microtraumas como um risco a mais para inoculação de agentes patógenos nas indústrias com risco biológico.

As substâncias manuseadas na indústria farmacêutica podem ser de origem vegetal, animal e mineral. Vegetais podem ser tóxicos ou transportar fungos patogênicos e/ou ácaros. Schwartz (1957) descreveu casos de dermatite causadas por seivas e óleos essenciais de numerosas plantas como mostarda, piretro, raiz de íris, canela, gengibre, citronela, camomila. Enumerou casos de irritação cutânea por alcalóides, tais como: estricnina, brucina, atropina, morfina, codeína, cocaína, ópio e quinina. Descreveu, também casos de escabiose e outras acaríases de grãos e plantas.

A exposição a agentes biológicos (fungos, bactérias e vírus) pode também ocorrer através de placas de cultivo e de animais de experimentação que são utilizados no controle de qualidade, avaliação de eficácia e pesquisa de medicamentos. Nos processos bioquímicos de fermentação são utilizados microorganismos selecionados e tecnologias microbiológicas para produção de substâncias químicas. São importantes como medidas de redução de riscos biológicos nesse processo a utilização de micróbios não patogênicos, o processo em sistema fechado e o tratamento do material a ser descartado (Tait, 1998). Ressalte-se a possibilidade de exposição dos trabalhadores a bactérias resistentes a antibióticos produzidos no local de trabalho.

Quanto aos riscos químicos, em geral eles advêm do contato com matéria-prima, produtos intermediários ou com medicamento acabado. Eles decorrem principalmente de exposição aos princípios ativos em qualquer das fases do processo produtivo. Ramazzini atentou para os agravos à saúde dos trabalhadores por contato com produtos químicos, dedicando inclusive um capítulo do seu livro para as doenças dos químicos:

Ainda que se jactem de possuir a arte de dominar todos os minerais, tampouco conseguem salvar-se sempre da ação nociva daqueles, pois freqüentemente são atingidos por danos semelhantes aos sofridos por outros artífices que trabalham com minerais, e se estes negam pela palavra, a cor dos seus rostos os desmente amplamente. (Ramazzini, 1988, p.30)

Dedicou outro capítulo para a doença dos farmacêuticos:

Passando a considerar outras oficinas apraz-me chegar às farmácias, nas quais acreditamos se hospede a saúde em lar próprio, a não ser que, às vezes, ocultem a morte numa janela. Interrogados os próprios operários se adoeceram alguma vez, enquanto preparavam remédios para a saúde do próximo, responderam que amiúde se sentiram gravemente afetados, sobretudo durante a elaboração de láudano opiáceo ou pulverizando cantáridas para vesicatórios e outras substâncias venenosas, por causa das sutis partículas desprendidas, que, enquanto as esmagam, penetram pela vias do corpo. (Ramazzini, 1988, p.45)

Mais recentemente, Giuliano et al. referiram que:

Allo stato attuale, nell'industria farmaceutica, l'organizzazione del lavoro è tale che di solito vi è una esposizione simultanea, o sequenziale nello stesso turno lavorativo, a più principi attivi, bem al.di sotto del limite di esposizione professionale (OEL). Ne deriva una micropoliesposizione, che si può arbitrariamente definire come quella esposizione a più sostanze, in cui la concentrazione ambientale di ciascuna di esse sai almeno diece volte inferiore al.proprio OEL o al.proprio livello di azione. (Giuliano et al., 1991, p.84) (3)

O tempo de exposição a produtos químicos pode ser fator contributivo para o surgimento de doenças relacionadas ao trabalho. Foussereau et al. (1982) referiram sobre a capacidade do p-nitrobromo acetofenona, um intermediário na produção de cloranfenicol, causar problemas após exposição prolongada. Wahlberg & Boman (1981) relataram três casos de sensibilização ocupacional a sulfato de quinidina depois de um período curto de exposição (dois a três meses). Moller et al. (1986) verificaram que 45 trabalhadores de uma indústria farmacêutica da Dinamarca, produtora de antibiótico semi-sintético beta-lactâmico pivmecillinam e pivampicillin, desenvolveram dermatites (principalmente nas mãos, nos antebraços, nas panturrilhas e na face) após menos que dois meses de contato com os produtos. Os 19 trabalhadores que apresentaram febre do feno (17 casos) e/ou asma (cinco casos) o fizeram em um período de exposição igualmente curto. Entretanto, quando compararam área de exposição alta e baixa, esses autores não observaram diferença no tempo de exposição antes dos sintomas aparecerem.

Em oposição a esses achados pode-se citar o estudo de Dalton & Peirce (1951), que não encontraram nenhum padrão evidente entre o início de atividade no departamento onde surgiu a doença cutânea e a data de ataque da erupção. Também Rêgo et al. (1993) não encontraram relação entre as queixas do ponto de vista clínico apresentadas pelos trabalhadores e o tempo de trabalho na empresa, exceto para o sintoma "esquecimento", para o qual foi observada um média mais baixa de tempo de trabalho. Os autores advertiram para o fato da difícil interpretação deste resultado.

Quanto à forma de exposição, pode ser de modo direto - como acontece com os químicos, os farmacêuticos, os manipuladores (inclusive de formulações magistrais (4)) e os operadores de máquina e embaladores - ou indireto, nas atividades de limpadores, guardas-noturnos e trabalhadores da manutenção, que manuseiam maquinaria contaminada ou têm contato com material derramado ou aerodisperso no ambiente. O ambiente de trabalho adquire, assim, importância devido ao fato de algumas substâncias se volatilizarem com facilidade e serem aerotransportadas, podendo gerar epidemias como, por exemplo, de dermatoses. A origem dessas epidemias pode ser de difícil detecção e controle (Condé-Salazar et al., 1990).

Como exemplo de exposição por contato de modo indireto, Belliboni (1979) destacou um caso de fotodermatite por fosfato de tetraciclina em um funcionário que trabalhava em escritório anexo à fábrica e recolhia papeletas de controle de produção na seção em que esta substância era produzida. Rembandel & Rudzki (1986) observaram que trabalhadores que estavam distantes cem metros da linha de produção de clordiazepóxido tornaram-se sensíveis a uma quinazolina intermediária. Também Macedo et al. (1991) descreveram casos de urticária de contato e dermatite de contato devido ao albendazol em operadores farmacêuticos. Essas alterações ocorreram em funcionários envolvidos tanto diretamente na manufatura do produto, como indiretamente, através da manutenção, controle e embalagem da droga. Morelli et al. (1988) relataram um caso de granuloma anular nos cotovelos e na face interna dos antebraços da faxineira de uma indústria farmacêutica que estava trabalhando em contato contínuo com pós de corticosteróides. O quadro cedeu com a interrupção do contato. Os autores sugerem como causa da lesão os repetidos microtraumas por pós finamente micronizados. Já haviam sido descritos, anteriormente, casos de acne, eritema, púrpura e episódios de inibição do eixo adrenocortical causados por corticosteróides em faxineiros da mesma indústria farmacêutica (Moroni et al. apud Morelli et al., 1988). Outro exemplo que reforça a importância do contato indireto a medicamentos é o relato de Newton & White (1987) sobre um caso de sensibilização à pasta de Morantel-tartarato (uma pirimidina usada como anti-helmíntico para gado) na esposa de um trabalhador da indústria farmacêutica. A contaminação ocorreu através da barba e da pulseira do relógio do marido.

Pode-se também citar, como exemplo de problemas dermatológicos associados à exposição direta e à atividade exercida, os casos relatados por Fossereau et al. (1982) e Rycroft et al. (1991) sobre dermatite de contato alérgica em farmacêuticos que manuseavam compostos de medicações tópicas contendo bálsamo do Peru, mercuriais ou outros sensibilizantes tópicos. Minelli (1985) fez referência a um caso de dermatose ocupacional em laboratorista e um caso em químico. Sherertz (1994) referiu-se a problemas em trabalhadores que contavam comprimidos de penicilina e fenotiazina.

Outro aspecto a ser considerado é o grau de contaminação do ambiente de trabalho que inclui, além de propriedades físicas das substâncias, aspectos físicos do próprio ambiente, tais como temperatura, umidade e ventilação. Como exemplo pode-se citar Larsen et al. (1989) que relataram um caso de dermatite disseminada pelo corpo em um empregado que trabalhava no departamento onde a thiotiamina era convertida a cloreto de tiamina. Embora esta produção ocorresse de forma enclausurada, a contaminação do ambiente de trabalho se deu devido à deficiência no sistema de ventilação do prédio.

Moller et al. (1986) realizaram investigação de presença de aerodispersóides de antibiótico numa fábrica. Devido ao fato da substância pivampicillin ser a mais produzida pela indústria, utilizaram placa de Petri inoculada com Bacillus stearothermophilus v. calido lactis em agar gel. O teste demonstrou que na área de produção o número de zonas inibidas na placa foi freqüentemente 20, evidenciando o alto grau de contaminação desta área com pós de penicilina. Próximo às áreas de produção havia mais concentração de penicilina do que na área de recreação (banho, sala de café, etc.), mas, mesmo neste local, inibição total na placa pôde ser encontrada no final do dia. Entretanto, não foi observada piora do grau de inibição com o decorrer da semana de trabalho. Em áreas do laboratório externas ao processo de produção, a contaminação foi muito baixa. Este último resultado também foi referido no estudo de Garth et al. (Garth et al. apud Moller, 1986).

O potencial de toxicidade de uma substância também interfere no grau de contaminação ambiental e por isso necessita ser bem avaliado. O desenvolvimento de sinais e sintomas de toxicidade sistêmica é determinado não apenas pela propriedade toxicológica inerente ao produto químico, mas também da sua capacidade para penetrar através da pele. Existem duas vias principais de absorção percutânea: a transfolicular e a transepidérmica. A primeira é considerada uma via de acesso transitório, onde a penetração do produto químico na unidade pilossebácea vai depender da saturação do estrato córneo e da epiderme, assim como das características físicas e químicas do produto em contato com a pele. Já a transepidérmica é considerada permanente, tornando-se a principal via de penetração quando ocorre saturação do estrato córneo e da epiderme (Suskind, 1990).

Ao queimar a pele ou causar dermatite, um produto químico aumenta sua própria absorção e toxicidade sistêmica devido à lesão da barreira protetora do estrato córneo. Ressalte-se que muitas substâncias podem produzir doença sistêmica grave se absorvidas em quantidade suficiente, mesmo sem provocar dermatite clínica. Portanto, inflamação visível da pele não é necessariamente pré-requisito para absorção percutânea significativa (Mathias, 1994). São fatores que podem ainda promover absorção percutânea: o contato prolongado da pele com substância potencialmente tóxica e a hidratação do extrato córneo sob roupas protetoras impermeáveis à água, particularmente quando substâncias potencialmente tóxicas entram em contato com a pele debaixo da roupa.

Convém ressaltar que no caso dos trabalhadores da indústria farmacêutica, independentemente da via de absorção, ela é involuntária e os efeitos biológicos que resultam dessa absorção devem ser considerados potencialmente tóxicos. A pele, como órgão de choque, é facilmente atingida pela poeira de fármacos. Como nesse caso ocorre a associação de substâncias - muitas delas com ações sobre o corpo humano ainda não conhecidas -, existe a possibilidade de efeitos advindos dessas associações, como sinergia e reações cruzadas, assim como ações sistêmicas por absorção cutânea e/ou inalação.

Em relação ao risco ocupacional para câncer, pode-se destacar várias publicações. Um estudo de coorte retrospectivo foi feito entre 3.504 trabalhadores que se expuseram a agentes químicos, farmacológicos ou biológicos no período de pelo menos seis meses entre os anos de 1960 a 1990. Neste trabalho não foi observado risco maior para câncer, assim como para qualquer outra causa específica de morte (Edling et al., 1995). Também Harrington & Goldblstt (1986) realizaram estudo sobre a mortalidade de trabalhadores da indústria farmacêutica inglesa, com ênfase para os canceres e doenças respiratórias. Pretendiam, com isso, detectar um padrão relacionado ao trabalho que pudesse ser associado com uma seção particular da indústria. Entretanto, não foram observadas evidências que sugerissem qualquer excesso de risco de mortalidade na indústria farmacêutica.

Por outro lado, o estudo de Pushpavathi et al. evidenciou aberrações cromossômicas - principalmente gaps e quebras em linfócitos periféricos - em 31 trabalhadores expostos à sulfonamida, sugerindo a possibilidade de aparecimento de câncer ou efeitos genéticos decorrentes desse tipo de exposição (Pushpavathi et al. apud Rêgo et al., 1993). Relatos de efeitos sobre o sistema reprodutivo, tais como morte perinatal, má formação e aborto foram citados por Giuliano et al. (1991).

Sintomas de hiperestrogenismo foram relatados em trabalhadores com exposição ocupacional a estrogênios. Sensibilidade nos mamilos, sensação de pressão na área da mama, hiperplasia mamária, ginecomastia, diminuição da libido e/ou potência sexual foram registrados em homens. Nas mulheres observaram-se irregularidades do ciclo menstrual, náusea, cefaléia, dor nas mamas, leucorréia e edema nos tornozelos (Zaebst, 1998).

Efeitos relacionados com o sistema respiratório, com ou sem acometimento cutâneo, são também freqüentes. Enjalbert et al. relataram casos de asma em trabalhadores da indústria farmacêutica expostos à cefradina e à cimetidina (Enjalbert et al. apud Rêgo, 1993). Já Alenina et al. (1970) referiram manifestações alérgicas das vias aéreas superiores e da pele em trabalhadores em contato com morfina e codeína. Dentre 91 funcionários envolvidos com a produção de cefalosporina e expostos ao intermediário ácido 7-aminocefalosporânico, Briatico-Vangosa et al. (1981) observaram asma brônquica em sete, urticária em três e dermatite em oito. Condé-Salazar et al. (1991) relataram caso de dermatite de contato e alterações respiratórias em um funcionário e dermatite e rinite em outro, por contato ocupacional com ópio alcalóide. Estes autores referiram-se a outros casos registrados por Moran & Pascual (1981), Romaguera & Grimalt (1983) e De Groot & Conemans (1986).

Rêgo et al. (1993) referiram que vasculites alérgicas são apontadas como causa de neuropatia periférica - principalmente sensitiva - em indivíduos expostos a antibióticos. Exemplificaram com o estudo de Bogoslovskaja et al. sobre 64 trabalhadores expostos a antibióticos e que apresentavam sintomas alérgicos, distúrbios da flora bacteriana e desordens autonômicas. Estes autores detectaram incidência significativa de alterações hemodinâmicas, como hipertensão arteriolar, desordens do fluxo venoso e distúrbios microcirculatórios. Rêgo et al. (1993) citaram também, como exemplo de alterações decorrentes de exposição ocupacional a antibióticos, as manifestações cardíacas, hematológicas, cócleovestibulares, hipovitaminose (principalmente do grupo B), resistência bacteriana, disbacteriose intestinal, modificação da virulência da flora saprófita e agressão à medula óssea pelo cloranfenicol.

Tabakova et al. (1995) realizaram uma avaliação multidisciplinar de 541 trabalhadores com história ocupacional de exposição prolongada a antibióticos e produtos químicos. Observaram em 98 pessoas alterações relacionadas às alergias que afetavam pele, conjuntiva ocular e vias aéreas superiores. Foram encontrados ainda casos de hipertensão arterial, hepatite crônica e úlcera.

2.4 - Relatos sobre medicamentos fabricados em Pharmacy

A bibliografia disponível aborda também ocorrências com os mesmos medicamentos e produtos químicos manipulados pelos trabalhadores de Pharmacy. Key (1961) referiu ser comum o desenvolvimento de dermatite de contato por penicilina em trabalhadores da indústria farmacêutica e considerou menos freqüentes as ocorrências de asma e urticária desencadeadas por este produto. No estudo de Rudzki et al. (1989) dentre 107 trabalhadores apresentando dermatite de contato alérgica, o segundo maior sensibilizante foi a penicilina. Alguns pacientes foram sensíveis a várias penicilinas mas, devido ao fato de estarem expostos a todas as penicilinas para as quais os testes foram positivos, os autores não puderam estabelecer se foram múltiplas sensibilizações ou reações cruzadas. No Brasil, ao avaliarem 108 trabalhadores dos setores de produção e pesadores do almoxarifado de uma indústria farmacêutica estatal da Bahia, Rêgo et al. (1993) encontraram o relato, por três trabalhadores, de alergia respiratória à ampicilina.

Alanko (1993) referiu-se a informações sobre ocorrência de erupções cutâneas em 2% a 5% dos pacientes sob terapêutica com carbamazepina. Estas erupções são clinicamente variadas e a mais típica é um exantema maculopapuloso que pode evoluir para eritrodermia, usualmente acompanhada por sintomas gerais de febre e linfadenopatia. Esta autora, através de testes epicutâneos em pacientes com suspeita de reação alérgica não ocupacional a esta droga, concluiu sobre a sua utilidade nos casos de eritrodermia ou de erupção maculopapulosa.

Rudzki et al. (1989) observaram casos de sensibilização à oxiterracina, tetraciclina, doxiciclina e metaciclina, particularmente às duas primeiras drogas. Não puderam estabelecer a existência de reação cruzada, embora uma considerável proporção de pacientes fosse sensível a somente uma ou duas drogas. Quatro pessoas mostraram sensibilidade ao mesmo tempo ao dissulfiram (Anticol, POLFA) e ao tetrametiltiuram-dissulfeto (TMTD). Segundo Rembandel & Rudzki (1990), condições do processo tecnológico favorecem o desenvolvimento de hipersensibilidade às tetraciclinas.

Outro problema que merece destaque refere-se aos ocasionados pela produção de corticosteróides. Symington (1979) relatou supressão adrenocortical em três trabalhadores farmacêuticos expostos a um potente esteróide sintético em forma de pó. Em um dos indivíduos, a exposição constante causou lentidão na sua capacidade de produzir cortisona e o tornou dependente da absorção ocupacional. Este autor relatou também o caso de uma enfermeira do trabalho que havia tratado, por um período de cinco anos, um grande número de casos de dermatite ocupacional, passando a apresentar sinais de absorção de esteróides, quais sejam: adelgaçamento generalizado da pele sobre as mãos e os antebraços, teleangiectasias e equimoses espontâneas. Além disso, ela apresentou ataques de asma de freqüência e severidade aumentadas e fadiga excessiva ao final do dia de trabalho, que regrediram com a descontinuação da exposição.

Newton et al. (1978) encontraram em 12 trabalhadores expostos a pós durante a manufatura de um potente esteróide sintético a presença de pletora facial do tipo cushingóide. Em três outras pessoas foi observada supressão adrenocortical. Em estudo posterior, Newton et al. (1982) verificaram que, para 20 pessoas empregadas na produção de glicocorticóide sintético, tanto em processos utilizando esteróide ativo como naqueles em que o esteróide era considerado fisiologicamente inativo, a média da concentração sérica de cortisol pela manhã foi estatisticamente inferior a de um grupo controle de 19 funcionários. Observaram também neste estudo que melhorias nos cuidados de proteção do trabalhador e proposição de medidas de controle no ambiente de trabalho solucionaram o problema, ou seja, a média da concentração sérica de cortisol em todo o processo produtivo de esteróide foi semelhante ao do grupo controle.

Moroni et al. (1988) estudaram os efeitos da exposição ocupacional a corticosteróides numa indústria químico-farmacêutica. Encontraram casos de acne, rosácea, hipertensão arterial, distúrbios digestivos e síndromes cushingóides. Farina & Aléssio em 1977 identificaram nove casos de síndrome cushingóide em trabalhadores que manipulavam fluocinolona, dexametasona e triamcinolona (Farina & Aléssio apud Rêgo, 1993).

Kellet & Beck (1984) relataram o surgimento de erupção na face, pálpebras e antebraços em decorrência da exposição ocupacional a comprimido e a pós dos componentes de sulfato de cloroquina. Rebandel & Rudzki (1986) encontraram teste epicutâneo positivo para óxido de quinazolina em 29 indivíduos de um grupo de 107 com dermatite e que atuavam em uma indústria farmacêutica na Polônia. Droin et al. (1977) descreveram nove casos de alergia e outras dermatites em funcionários de uma indústria farmacêutica expostos a dietil etoxiymetil lenemalonato, usado, principalmente, como intermediário na síntese de oxicloroquina. Rembandel & Rudzki (1990) referiram que óxido de quinazolina (intermediário na síntese do clordiazepóxido) é considerado como o mais potente alérgeno de contato na indústria farmacêutica. Já Tomei et al. (1995) evidenciaram alterações hepáticas correlacionadas com toxicidade de forma significativamente mais alta entre os trabalhadores que lidavam com iodo-cloro-oxiquinolina, eritromicina, desinfetantes, pequenas quantidades de cortisonas e agentes preservativos (prevan e parabenzoatos) do que no grupo controle do estudo.

Outra questão relacionada com medicamentos é a sensibilização de grupo que pode ocorrer com substâncias estruturalmente relacionadas. Exemplos de grupos de alérgenos na indústria farmacêutica são: aminoglicosídios, intermediários de agentes antitumorais, etilenodiamina, formaldeído, derivados imidazólicos, grupos para-amino (ácido paraminobenzóico, ácido paraminosalicílico, procaína, sulfonamidas), penicilinas; fenotiazinas (clorpromazina, prometazina), piperazina e sais de amônio quartenário (Sherertz, 1994). Outros relatos de sensibilização de grupo foram apresentados por Foussereau et al. (1982), Rembandel & Rudzki (1990) e Condé-Salazar et al. (1991).

2.5 - Dermatoses na indústria farmacêutica: alguns aspectos epidemiológicos

Na indústria farmacêutica, à semelhança do que ocorre em outros setores de produção, as doenças da pele destacam-se em relação às demais enfermidades relacionadas ao trabalho. Nelemans, em 1958, estimou entre 0,1% a 1,0% a incidência de dermatite de contato alérgica ocupacional em trabalhadores de indústria farmacêutica com menos de 3 mil empregados. Considerou que o percentual teria sido maior se na avaliação tivessem sido incluídas as dermatites de contato por irritação, que são mais freqüentes que as dermatites ocupacionais por mecanismo alérgico (Nelemans apud Sherertz, 1994).

Outros autores que avaliaram os casos de dermatite ocupacional foram Van Ufford (1959), que considerou o percentual acima de 6% para a incidência de dermatite de contato alérgica em trabalhadores de pequenas farmácias/unidades farmacêuticas (Van Ufford apud Sherertz, 1994), e Kleine-Natrop & Richter (1980), que analisaram 76 casos de dermatoses ocupacionais registradas após 1962 na indústria farmacêutica do distrito de Dresden, na Alemanha. As dermatites foram classificadas em eczemas de contato alérgico em 52 casos, dermatites irritativas em 14 e causa indeterminada em dez. A taxa de morbidade foi três vezes mais alta quando comparada com outros ramos da indústria química. Também Fisher (1986), Bruze & Emmett (1990) e Rycroft et al. (1991) incluíram o trabalho na indústria farmacêutica entre as ocupações com alto risco para desenvolvimento de dermatite de contato, tanto por irritação como por alergia.

Em oposição, Dalton & Peirce (1951) encontraram incidência baixa de desordens cutâneas entre funcionários de duas fábricas de uma empresa farmacêutica. As fábricas adotavam medidas de controle do ambiente de trabalho e prevenção de danos à saúde do trabalhador. O percentual de consultas dermatológicas independentemente da relação com o trabalho foi de 1,2% (1.488 consultas) de um total de 126.129 atendimentos realizados pela enfermagem do trabalho, incluindo as revisões. Estes autores apontaram como justificativa para a crença de alta incidência de dermatoses ocupacionais na indústria farmacêutica a premissa de que os trabalhadores devam estar necessária e intimamente expostos a um grande número de agentes que podem ser irritantes primários ou sensibilizantes para a pele. Esta conclusão não leva em conta a proteção que a adoção de medidas de controle pode fornecer. Os autores referiram-se também à escassez de publicações que abordem as dermatoses de modo geral na indústria farmacêutica.

Mais recentemente, Sherertz (1994) declarou que dados epidemiológicos novos sobre este tipo de indústria não são facilmente disponíveis. Constatou-se este fato através do levantamento bibliográfico realizado. O que se encontra com freqüência são relatos isolados de um ou vários casos de processos alérgicos cutâneos, quase sempre do tipo dermatite de contato. No Brasil, podem ser apontadas como causas das dificuldades em se conhecer a real situação das dermatoses ocupacionais, em geral e por conseguinte na indústria farmacêutica: autotratamento, classificação incorreta dos distúrbios, falta de registros adequados e de emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), atendimento do funcionário por empresas seguradoras de saúde, resultando em poucos diagnósticos de dermatoses ocupacionais e deficiência no número de serviços especializados no atendimento ao trabalhador. Além disso, estes serviços têm dificuldades em estabelecer o diagnóstico devido à falta de recursos para a realização de exames adequados, tais como micológico, histopatológico, testes epicutâneos, visitas aos locais de trabalho, etc.

Em estudo sobre casos comprovados de dermatoses ocupacionais em 698 pacientes vinculados ao setor industrial em São Paulo, Belliboni (1979) situou a indústria farmacêutica em décimo lugar, com 14 casos. Estes corresponderam a 2% das dermatoses encontradas. Na investigação realizada por Rêgo et al. (1993), foram encontrados, dentre as 108 pessoas avaliadas, três relatos de dermatite de contato.

Em relação à localização das lesões, Sherertz (1994) observou que as doenças cutâneas ocupacionais mais freqüentemente relatadas por trabalhadores da indústria farmacêutica foram as dermatites de contato, localizadas nas mãos e antebraços. As lesões foram associadas ao contato com partículas aerodispersas oriundas de pós de produtos químicos. Entretanto os pós podem atingir outros sítios, tais como face, região cervical e superfícies cobertas do corpo (estas em somente uma pequena percentagem dos casos).

Quanto aos aspectos clínicos, os produtos químicos utilizados na indústria farmacêutica podem ter ação irritante e/ou sensibilizante. Alguns produtos têm baixo grau irritante, assim como sensibilizante, e não chegam a causar problema clínico até que a exposição seja prolongada. Outros produtos são irritantes e alérgenos em concentrações fortes, mas somente alérgenos e não irritantes em concentrações muito diluídas (Sherertz, 1994). Ainda segundo Sherertz, os principais irritantes na indústria farmacêutica são similares aos encontrados em outras indústrias, nas quais trabalhadores estão expostos a solventes, produtos químicos e exposições repetidas e cumulativas à água, com ou sem sabões e detergentes. Numerosas substâncias foram implicadas como irritantes na indústria farmacêutica, como por exemplo diclorodietilamina - um intermediário da mostarda nitrogenada (Deschamps et al., 1988) -, formaldeído, timerosal e brometo (Foussereau et al., 1982; Feinman apud Sherertz, 1994).

Segundo Mathias (1994), a dermatite de contato é a causa mais comum de doença cutânea ocupacional. A do tipo irritativo contribui entre 80 % e 90 % da casuística, sendo originária também entre 80% a 90% dos casos do contato com substâncias químicas. No tocante à indústria farmacêutica, além das dermatites de contato irritativas e alérgicas, sobressai a urticária de contato. Podem-se destacar, também, queimaduras agudas por produtos químicos, traumatismos e cortes devido ao manuseio de maquinaria presente no ambiente de trabalho. Outros tipos de alterações também relatados foram granuloma anular (Morelli et al., 1988), padrões de dermatite seborreica (Romaguera et al., 1988), queimaduras químicas agudas e urticária de contato com ou sem oculorrinite (Moller & Kroman, 1989; Lahti et al., 1990), alergia de contato sistêmica com eritema multiforme e reativação das lesões nos locais previamente acometidos pelo eritema multiforme (Hsu et al., 1992).

Schwartz (1957) descreveu casos de bolhas e erupções tipo pênfigo em pessoas que trabalhavam com quinina. Descreveu também casos de dermatites provocadas por emetina, soluções de emetina, por borato de sódio, arnica, cloreto ácido de fenil hidrazina, morfina, formalina, tintura de cantárida, peróxido de hidrogênio, iodo, intermediários na produção de vitaminas, na manufatura de atrabina, atrabina, brometo de metila, fenotiazina, etc. Já os 14 casos de dermatoses ocupacionais encontrados por Belliboni (1979) na indústria farmacêutica foram associados ao contato com antibióticos (penicilina, estreptomicina, tetraciclina) em cinco casos, com sulfamídicos em três, com antihistamínicos em dois, com estabilizador de pH em dois e com dentifrício (lauril sulfato de sódio) em um. Em dois dos casos a causa não foi identificada.

Cabe aqui uma discussão sobre a urticária de contato pela importância que este tipo de distúrbio dermatológico vem adquirindo, não só devido ao aumento da sua incidência, como pelo risco de comprometimento sistêmico em intensidade variável, podendo culminar com choque anafilático e, por fim, em óbito. Este tipo de urticária é caracterizado por lesões localizadas e transitórias ou por angioedema provocado pelo simples contato de uma substância com a pele ou membrana mucosa. Usualmente ocorre no período de 30 a 60 minutos do contato e desaparece dentro de 24 horas (Burdick & Mathias, 1985).

Kanerva et al. (1996), em estudo sobre urticária de contato ocupacional na Finlândia durante o período de 1990-1994, encontrou o registro de 815 casos para o Finnish Register of Occupational Diseases. As mulheres foram acometidas em 70% dos casos e os homens, em 30%. As enzimas industriais ocuparam o quinto lugar na freqüência, com 14 casos, correspondendo a 1,7% das ocorrências. Macedo et al. (1991) também descreveram casos de urticária e dermatite de contato devido ao albendazol em operadores farmacêuticos expostos tanto diretamente como indiretamente a este produto. Tuft (1975) igualmente relatou um caso de urticária de contato por cefalosporina.

Ainda sobre urticária de contato, sabe-se que pode ocorrer por mecanismo imunológico, não-imunológico ou incerto. A urticária de contato imunológica tem como principal mediador o antígeno específico IgE, que causa degranulação dos mastócitos e basófilos. Pode se apresentar em intensidade variada, de localizada a disseminada, com ou sem outros sintomas sistêmicos tais como, oculorrinite, angioedema, laringoespasmo ou anafilaxia. O tipo não-imunológico é o mais comum de urticária de contato. Provavelmente envolve liberação de histamina ou de outras substâncias vasoativas, tais como leucotrienos, prostaglandinas, cininas e plasminas por mecanismo não-imunológico. Já a urticária por mecanismo incerto pode apresentar sintomas e sinais localizados ou generalizados. Entretanto, testes de transferência passiva são negativos, sugerindo um mecanismo não imunológico para a produção de sintomas generalizados (Burdick & Mathias, 1985).

Casos de urticária por mecanismo não-imunológico foram encontrados por Nethercott et al. (1984) em três trabalhadores de uma indústria farmacêutica expostos a aerodispersóides com benzoato de sódio. A urticária foi transitória relacionada à contaminação da pele com o produto. Métodos de controle de ventilação e higiene - designados para reduzir a contaminação da pele pelo benzoato de sódio - eliminaram o problema. Testes epicutâneos para o produto e para o ácido benzóico, sem oclusão, foram semelhantes aos controles, evidenciando a natureza não-imunológica da reação.

Referindo-se ainda a fatores condicionantes de riscos para a saúde do trabalhador da indústria farmacêutica, duas outras questões se destacam. Uma tem relação com o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e será discutida posteriormente. A outra diz respeito a uma questão atual relacionada ao trabalho de modo geral: a globalização da economia, produtora de uma nova classe de trabalhadores que tem na terceirização da mão-de-obra um elemento cada vez mais crescente. Esta terceirização é uma forma utilizada pelas empresas para alcançar a competitividade no mercado. Através da diminuição do quantitativo de empregados e do aumento do número de colaboradores autônomos e empresários obtêm-se redução dos custos e, principalmente, dos encargos sociais (Leite, 1995).

Em decorrência dessa nova situação de organização da relação de trabalho surgem contratos de trabalho temporários, condições mais precárias quanto aos salários, a alimentação, ao uniforme, aos equipamentos de proteção individual, etc. Isso tem conseqüências importantes porque, além de dificultar a análise da relação trabalho/saúde, dificulta a visibilidade desses problemas. Repercute também na organização dos trabalhadores e de suas representações legais.

Cabe ressaltar que, nas lutas por melhorias das condições de trabalho, é fundamental o nível de organização dos trabalhadores através de suas representações sindicais. Por outro lado:

Apesar do discurso gerencial apresentar a 'subcontratação' como uma 'parceria' entre empresas, esta não se reduz a uma simples transferência de mercado. Constitui um sistema de poder que estabelece relações de subordinação entre esse tipos de empresas e entre seus assalariados, apoiando-se em estratégias de flexibilização da mão-de-obra, de subcontratação em cascata e do recurso a todas formas de emprego precário. Apoia-se, em suma, no desenvolvimento de uma economia subterrânea, à margem de qualquer legislação do trabalho, da saúde e do ambiente. (Thébaud-Mony, 1993, p. 49)

Convém ressaltar que a terceirização na empresa em estudo é decorrente da dificuldade para admissão de funcionários através de concurso, o que faz com que ela não se enquadre em muitos dos aspectos de terceirização acima citados.

Diante do exposto, sobre riscos e dermatoses presentes na indústria farmacêutica, fica claro que, para minimizá-los, medidas de prevenção devem ser adotadas. Estas compreendem ações mais amplas de controle e boas práticas no ambiente de trabalho, além de medidas mais restritas, como as de proteção individual do trabalhador.

2.6 - Métodos de prevenção

Segundo Mathias (1990; 1994), foram identificados oito elementos básicos de uma abordagem multidimensional para prevenir novos casos de dermatite de contato ocupacional. Esta abordagem multidimensional requer ações cooperativas de empregados, empregadores, engenheiros, químicos, higienistas industriais, pessoal de supervisão e segurança, agências governamentais e profissionais de saúde ocupacional.

No Brasil, quando da emissão de laudos e pareceres, além de pesquisa da literatura médica e toxicológica para obtenção de dados adicionais da toxicidade cutânea deve-se recorrer à portaria 3214 de 8 de junho de 1978 que aprova as Normas Regulamentadoras (NR) do capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho. Ressalte-se que a dermatite de contato deve ser considerada um "evento sentinela" e servir como alerta para melhoria das medidas de prevenção no local de trabalho. Estas medidas serão sumarizadas a seguir, mas os comentários referentes a elas serão feitos somente nas situações em que possa contribuir com informações mais detalhadas em relação à prevenção de riscos à saúde para profissionais da indústria farmacêutica.

  1. Reconhecimento de potenciais irritantes e alérgenos cutâneos no ambiente de trabalho.
  2. Controle de riscos através de medidas de engenharia ou substituição química para prevenir exposição cutânea. Caso a substituição não possa ser feita, devem ser adotados controles especiais para o seu manuseio ou o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados.
  3. Proteção pessoal com roupas apropriadas ou cremes de proteção. Controles no processo de trabalho são melhores que o uso de EPI, entretanto, para algumas atividades, eles são as medidas mais convenientes. Compreendem roupas, luvas, calçados, toucas, máscaras, etc., os quais devem estar limpos e disponíveis a cada dia de trabalho. No caso de exposição a pós ou poeira, óculos de proteção são recomendados, a menos que o protetor facial e as máscaras respiratórias sejam os mais indicados. A inspeção do estado dos EPI deve ser periódica.
  4. Higiene pessoal e ambiental.
  5. Normas para prevenção de potenciais irritantes e alérgenos no local de trabalho. Como não estão disponíveis limites de exposição a aerodispersóides baseados nos níveis de contaminação da superfície da pele, exceto para alguns pesticidas, Mathias recomenda adesão rigorosa aos limites adotados para exposição respiratória, por calcular que eles estejam bem abaixo do necessário para provocar dermatite de contato por gases, fumos ou vapores (Mathias, 1990). Refere também que advertência em produtos comerciais contendo substâncias alérgenas ou irritantes perigosas é preconizada quando se encontram em concentrações superiores a 1%. Entretanto, muitos alérgenos podem sensibilizar em concentrações inferiores a esta e, desta forma, o autor sugere que este fato deve ser levado em conta quando do surgimento de processos alérgicos cutâneos. Por outro lado, os limites de tolerância à exposição aos agentes químicos no ambiente de trabalho instituídos pela legislação são questionáveis. Em alguns casos, o ideal seria a ausência de exposição. Também não se tem segurança quanto a exposições simultâneas a múltiplos produtos químicos. Outro fator importante diz respeito à possibilidade de drogas aerodispersas poderem desencadear reações imunológicas imediatas, exigindo que haja controle dos seus níveis no ambiente de trabalho (Moller et al., 1990; Shumunes et al. apud Sherertz, 1994).
  6. Educação para promover conhecimento de potenciais irritantes e alérgenos. O supervisor de pessoal deve ser treinado - da mesma maneira que os empregados - para atuar como professor no local de trabalho. Para o treinamento pode ser necessário o uso de panfletos de instrução, vídeos, leituras e outros instrumentos tradicionais de educação.
  7. Técnicas que motivem o emprego de condições e práticas seguras no trabalho. Ações para ajudar na automotivação devem considerar estilo de vida pessoal e convencer trabalhadores expostos que eles estão sob riscos.
  8. Investigação da saúde através de exame admissional e periódico. O exame admissional é importante para detectar problemas congênitos ou adquiridos que propiciem o desenvolvimento e/ou agravamento, tanto do problema primário como de hipersensibilidade a substâncias farmacêuticas. Deve ser investigada história prévia pessoal ou familiar de dermatite atópica ou outra doença atópica devido ao aumento de predisposição para dermatite de contato irritativa nessas pessoas (Shmunes apud Mathias, 1990). O risco é maior para aqueles com história de dermatite atópica (Rysted apud Mathias, 1990).

Os trabalhadores também devem ser investigados quanto à alergia cutânea prévia para a substância ou similar a que será exposto no trabalho. Testes epicutâneos podem ser aplicados nos casos suspeitos. Há vários relatos de sua utilidade no diagnóstico das reações cutâneas. Como exemplo pode-se citar o trabalho de Martorano & Linari (1966), que investigou o alcance do teste epicutâneo na fase de exame pré-admissional e na prevenção de dermatoses alérgicas ocupacionais entre os trabalhadores de uma indústria farmacêutica. Os autores concluíram que essa medida reduziu marcadamente a incidência de casos de dermatoses alérgicas ocupacionais entre os trabalhadores. Também Milkovic-Kraus & Macan (1996) empregaram teste epicutâneo na fase de exame pré-admissional para uma indústria farmacêutica, concluindo igualmente pela validade desse tipo de pesquisa.

Mesmo esses testes não são totalmente confiáveis para se confirmar a alergia de contato a produtos químicos específicos em um processo de produção. Uma das dificuldades para tal determinação está na concentração e veículo para o teste epicutâneo com a substância suspeita. Testar o material em vários veículos e grupos de empregados e controles pode ser útil (Fumagalli et al., 1992; Rycroft et al., 1990 ). Outro dificultador na investigação é o fato de a sensibilização poder ser ocasionada pelo contato com a medicação em si ou por grupo de medicamentos, ou ainda por produtos intermediários usados na produção de drogas, podendo ser necessária investigação específica nesse sentido. Estes testes são freqüentemente desaconselhados como rotina por grupos de trabalho e por muitas autoridades dermatológicas, uma vez que resultados positivos podem gerar confusão em casos não suspeitos. Além disso, esta investigação deve seguir condutas éticas para evitar penalização do trabalhador.

Outras modalidades de testes referidos são com histamina livre de pacientes alérgicos, testes de transformação de linfócitos, investigação de HLA, etc., os quais não serão comentados por não serem utilizados na investigação de rotina de dermatoses ocupacionais. Os exames periódicos podem detectar mudanças no organismo e permitir a identificação de riscos presentes no ambiente de trabalho. Anamnese detalhada, exame médico e visita à fábrica são elementos essenciais na avaliação do paciente.

2.7 - Prognóstico das dermatoses ocupacionais

São encontrados na literatura relatos de que, nos casos de dermatite de contato profissional, o prognóstico é de cura em 25% dos casos, evolução com recidivas em 50% e persistência da dermatite em 25% dos casos, apesar de modificação no trabalho ou tratamento médico adequado (Hellier apud Mathias, 1994; Burrows, 1972; Fregert, 1975). Os fatores que influenciaram no prognóstico não foram bem compreendidos e este foi ligeiramente melhor para dermatite de contato alérgica do que para dermatite de contato irritativa (Mathias, 1994).

Em adição ao tratamento da dermatite de contato pode haver necessidade de modificação de tarefa ou de remoção temporária ou permanente da atividade. Para cálculos de estimativas do custo de incapacidade devido à doença cutânea ocupacional faz-se necessário avaliar tanto custos indiretos resultantes de perda de produtividade como diretos com despesas médicas, indenização e reabilitação. Mathias (1994) referiu-se a dados estatísticos da Organização Internacional de Saúde (OIT) de 1972 a 1976 indicando que aproximadamente 23,7% de todas as doenças cutâneas ocupacionais resultam em perda, em média, de 11 dias de trabalho.

No tocante à indústria farmacêutica, são encontrados com freqüência relatos de resolução do problema de alergia cutânea com a eliminação do contato com o agente causal, seja simplesmente pela afastamento do empregado da exposição profissional à substância, por alterações tecnológicas no manuseio do produto ou, ainda, por modificações físicas no ambiente de trabalho (Symington, 1979; Condé-Salazar, 1986; Rêgo, 1993; Heidenheim, 1995). Outro problema relacionado com a dermatite de contato refere-se a complicações advindas da terapêutica instituída. Nesse sentido, Ali (1997) declarou que, neste setor, o número de operários sensibilizados aos produtos tópicos ultrapassa a cifra dos 30%.

2.8 - Efeitos adversos associados ao uso de EPI

Ressalte-se que os equipamentos de proteção individual, embora estejam destinados a prevenir doenças ocupacionais, podem determinar dermatite de contato, contribuindo para o aumento ou manutenção do percentual dessas doenças. São apontados no desencadeamento dessas alterações os seguintes mecanismos: irritação inespecífica por obstrução da sudorese e fricção da roupa contra a pele, oclusão acidental de irritantes e alérgenos abaixo da roupa acentuando a absorção cutânea e toxicidade de substâncias e desenvolvimento de alergia de contato a aditivos nas roupas (aceleradores e antioxidantes na borracha, por exemplo). Além disso, as luvas e botas, por provocarem aumento da umidade local, facilitam ou agravam infecções micóticas e bacterianas.

Em relação à proteção das mãos, há duas alternativas: o uso de luvas ou a aplicação de cremes protetores, ambas com numerosas desvantagens, sendo a principal a redução da qualidade do trabalho. Pessoas com dermatite ativa nas mãos, independentemente da causa, com freqüência desenvolvem irritação secundária e agravamento da dermatite ao usar luvas impermeáveis por longos períodos. Esse material pode também aumentar o risco de sensibilização a aditivos da borracha. Plotnick (1990) observou recidiva de disidrose em trabalhadores sob uso prolongado de luvas de borracha ou vinil. Estlander & Jolanki (1988) referiram-se à possibilidade de redução da proteção contra micróbios e danos químicos devido à maceração e irritação conseqüentes da sudorese profusa das mãos e do uso de luvas impermeáveis por longos períodos.

Quanto aos cremes de proteção, tem-se que eles formam um filme protetor e são uma alternativa onde o uso de luvas não é viável. Segundo Orchard (1984), a efetividade clínica de tais preparações é controversa e não se apoia por ensaios clínicos controlados (Orchard apud Mathias, 1990). Cabe ressaltar que tais produtos não devem ser usados em pele que já apresente dermatite, devido à possibilidade de agravamento do problema.

Problema muito freqüente na população geral e associado ao uso de calçados fechados é o intertrigo das pregas dos artelhos. Estudos visando melhor conhecimento desses casos têm sido realizados. Assis et al. (1985), através de exame de indivíduos normais e com intertrigo das pregas dos artelhos, concluíram ser as bactérias mais freqüentes que os fungos nessas localizações. Perret (1987) encontrou somente dez casos de fungos patogênicos em 77 escolares que apresentavam esse tipo de lesão (três casos de candidíase e sete de dermatofícea). Nos restantes encontrou bactérias e/ou fungos saprófitas.

Através do exame de 201 trabalhadores da área industrial que utilizavam calçados de borracha, Grunder et al. (1988) confirmaram a importância do uso deste tipo de material no desencadeamento de lesões entre os artelhos. Encontraram alteração em 107 funcionários, dos quais 45 (22,4%) apresentavam infecção por fungo (tinea intertriginosa). Houve correlação entre o tempo de uso deste calçado e a alteração cutânea. Em 85 (42,4%) trabalhadores foi encontrada colonização por bactéria patogênica, em particular espécies gram negativas (25,8%). Freqüentemente foram localizadas infecções mistas. Segundo os autores, o aspecto de maceração entre os artelhos nem sempre permitiu definir o agente causal, pois foi encontrada em associação com fungos, com coccus gram positivos patogênicos e especialmente com bactérias gram negativas.

Segundo Mathias (1994), dermatófitos podem infectar unhas e mãos de empregados em ocupações com umidade e sugere, no caso de uma erupção descamativa confinada à palma de uma mão, o exame imediato dos pés para pesquisa de fungos, pois o Trichophyton rubrum pode ser encontrado em outros lugares do corpo, particularmente nas unhas dos pés e região plantar e, por razões desconhecidas, acometer mais freqüentemente somente uma mão.

1 - Segundo Santos (1993, p. 1) "A dispensação de medicamentos no Brasil foi reduzida a um simples ato de entrega dos mesmos à população. No entanto, ela não se limita a isto somente. Pressupõe, para além do simples fornecimento, orientação sobre o uso correto, ação farmacológica, possíveis efeitos adversos e relação com o paciente".

2 - NR-9, Lei n.º 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Segurança e Medicina do Trabalho.

3 - No estado atual, na indústria farmacêutica, a organização do trabalho é tal que freqüentemente há uma exposição simultânea ou seqüencial, no mesmo período de trabalho, a diversos princípios ativos bem abaixo do limite de exposição profissional (OEL). Deriva desta situação uma micropoliexposição que pode ser arbitrariamente definida como a exposição substâncias diversas, onde a concentração ambiental de cada uma delas é ao menos dez vezes inferior ao próprio OEL ou ao próprio nível de ação.

4 - Medicamento magistral: que se prepara na farmácia mediante receita, em oposição ao medicamento oficinal, que se vende preparado (Koogan/Houaiss,1992)

Melo, Maria das Graças Mota. Estudo de dermatoses em trabalhadores de uma indústria farmacêutica. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999.

 

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