Farmacodermias graves: síndrome de Stevens-Johnson e síndrome de Lyenn

Praticamente todos os medicamentos são capazes de promover alterações
Praticamente todos os medicamentos são capazes de promover alterações

Farmácia

06/10/2015

1. INTRODUÇÃO

Farmacodermias são também conhecidas como “Erupções por drogas ou reações medicamentosas”. Entende-se por farmacodermias as doenças tegumentares (pele e/ou mucosas) e/ou sistêmicas, produzidas direta ou indiretamente pelo uso de medicamentos, pelos mais variados mecanismos.


Praticamente todos os medicamentos são capazes de promover alterações em diversos órgãos e sistemas. Porém, as reações cutâneas estão entre as mais frequentes reações adversas relacionadas às drogas.


As erupções medicamentosas assumem quase todos os aspectos clínicos, desde lesões isoladas até quadros generalizados que podem ser fatais.


As reações cutâneas medicamentosas são cada vez mais frequentes, porém o tratamento e auxílio também são mais eficientes. Muitas mortes ocorrem por uso de drogas, por isso torna-se primordial o estudo e o conhecimento dos vários mecanismos que promovem estas reações e quais os tipos mais frequentes de erupções que cada medicamento promove.


O objetivo primordial do conhecimento das farmacodermias é o diagnóstico precoce da reação e sua interrupção imediata, para evitar que ocorram complicações indesejadas.


As farmacodermias mais graves são a Síndrome de Stevens-Johsnson (SSJ) e a Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) ou Síndrome de Lyenn. O presente trabalho tem por objetivo apresentar as reações envolvidas nessas farmacodermias, os dados epidemiológicos, os fármacos mais envolvidos assim como seu mecanismo de ação.


2. DESENVOLVIMENTO

Atualmente existe um consenso que as farmacodermias possuem uma prevalência maior em idosos do que em outros grupos etários, provavelmente por uma maior debilidade do organismo como um todo, o que afeta reações de farmacocinética (especialmente a biotransformação de fármacos e a distribuição deles pelo organismo que é feito por proteínas plasmáticas, ações estas prejudicadas pela redução da atividade hepática), mas também existe a questão desses pacientes fazerem o uso de vários medicamentos (polifarmácia) para diversos problemas crônicos, que também sobrecarregam o metabolismo hepático e outros órgãos o que logicamente predispõe a uma série de interações medicamentosas e reações adversas, incluindo as farmacodermias.


As mulheres têm um risco de desenvolver farmacodermias de 1,3 a 1,5 maior que os homens, pela própria fisiologia feminina, com ciclos hormonais que alteram drasticamente a ação de diversas substâncias. Pacientes com infecção por HIV tem uma predisposição aumentada para o desenvolvimento de farmacodermias graves, principalmente pela fragilidade imunológica inerente.

A incidência de SSJ está estimada entre 1,2 a 6 casos por milhão de habitantes por ano e a NET tem incidência de 0,4 a 1,2 casos por milhão por ano.


Os mecanismos que desencadeiam esses processos patológicos podem ter origem imunológica ou não. As reações de natureza imunológica envolvem mecanismos alérgicos, são denominadas de alergias medicamentosas.


Erupções por drogas não são apenas imunologicamente mediados, mas também resultam das variações de metabolismo das drogas, na condição imune, em doença viral coexistente e na estrutura química (alergenicidade) e dosagem da própria medicação.


O mecanismo para ocorrer essas reações, atualmente mais aceito propõe a mediação por linfócitos T citotóxicos, que através das linfocinas IL-6, IL-10 e FNT-α induziriam a apoptose maciça de queratinócitos através dos receptores Fas.
Também se sugere a participação de metabolismo alterado das drogas, por predominância de um genótipo de acetiladores lentos e deficiência nos mecanismos envolvidos na detoxificação de metabólitos intermediários reativos.


Os principais medicamentos envolvidos são antimicrobianos (sulfonamidas de longa duração e penicilina), antirretrovirais (nevirapina), anticonvulsivantes (lamotrigina, barbitúricos, carbamazepina), antiinflamatórios não esteroidais (dipirona), alopurinol.


• Antimicrobianos:

- Sulfonamidas

As sulfonamidas são antimicrobianos que atuam bloqueando a biossíntese de ácido folínico nos patógenos, esgotando as reservas de folato, interferindo na produção de proteínas e ácidos nucleicos. Quando em associação, promove o bloqueio sucessivo e sequencial de duas enzimas que intervenção na produção de folato (efeito sinérgico).


As sulfonamidas podem ser absorvidas e excretadas rapidamente (sulfametoxazol), pouco absorvidas pela via oral (sulfalassazinas), de aplicação tópica (sulfadiazina de prata), de ação longa (sulfadoxina – meia-vida de 100 a 230 horas, usada no tratamento de malária causada por cepas de P. falciparum resistentes a mefloquina).


Seu uso atualmente é mais restrito devido ao desenvolvimento de antimicrobianos mais eficientes e também por causar resistência microbiana. Usada principalmente em associações para o tratamento de infecções do trato urinário (ITU), toxoplasmose, Pneumocystis carinii.


Qualquer sulfa pode produzir hipersensibilidade, mas comumente, as sulfonamidas de longa duração estão mais relacionadas. O sulfametoxazol+trimetoprim tem uma estimativa de causar hipersensibilidade avaliada de 1 a 3 casos em 100.000. Sulfadoxina+pirimetamina causam até 10 casos em 100.000.
- Penicilinas

As penicilinas atuam inibindo a síntese da parede celular bacteriana formada por peptideoglicano, o qual proporciona estabilidade mecânica rígida em virtude de sua estrutura entrelaçada com alto índice de ligação cruzada. É um dos grupos mais importantes de antimicrobianos, amplamente utilizados e primeira escolha no tratamento de diversos tipos de infecções.


Os tipos de penicilina existentes são: penicilinas G e V, penilinas resistentes a penicilinase (meticilina, oxacilina), penicilinas de espectro ampliado (ampicilina, amoxicilina), penicilinas antipseudomonas (carbenicilina, piperaciclina), etc.


Podem ocorrer reações com qualquer forma posológica e tipo de penicilina. Aminopenicilinas podem causar reações a drogas com casos que variam de 1,2 a 8% dos expostos. A maior incidência de erupções cutâneas é com o uso de ampicilina, em torno de 9%.


No tratamento de sífilis secundária com penicilina benzatina também é comum reações cutâneas e outros sintomas causados pela destruição maciça de microorganismos pela droga, causando a liberação de produtos tóxicos ou sensibilizantes ao paciente.


• Antirretrovirais: Nevirapina

A nevirapina é um inibidor não nucleosídico da transcriptase reversa do HIV, induzindo alterações na configuração, que inativam a enzima. É usada no tratamento de HIV-1 em associação com outros antirretrovirais. Tem incidência de causar SSJ de 0,3%.


• Anticonvulsivantes

- Fenitoína

Pertencente à classe das hidantoínas, alentece a taxa de recuperação da inativação dos canais de Na+ ativados por voltagem, limitando o disparo repetitivo de potenciais de ação e não possui efeito sedativo. É amplamente utilizado, sendo eficaz contra convulsões parciais e tônico-clônicas, mas não contra crises de ausência. Possui elevado risco para causar SSJ.
- Fenobarbital

Barbitúrico (sedativo-hipnótico) prolonga o período de abertura dos canais de Cl- do receptor inibitório GABA, mediado pelo GABA, promovendo a hiperpolarização dos neurônios. Anticonvulsivante eficaz de primeira linha em convulsões tônico-clônicas generalizadas e parciais e possui risco médio de causar SSJ.


- Carbamazepina

Medicamento relacionada aos antidepressivos tricíclicos, diminui a ativação repetida dos potenciais de ação atuando nos canais de Na+ voltagem dependentes, assim como a fenitoína. É indicado para convulsões tônico-clônicas generalizadas e parciais, neuralgia do trigêmeo e glossofaríngeo e transtorno bipolar. A ocorrência de NET/SSJ com seu uso é estimada em 14 a cada 100.000 usuários.


- Lamotrigina

Amplo espectro de ações mal compreendidas, porém, apresenta mecanismos semelhantes ao da fenitoína e carbamazepina, retardando a recuperação. É indicado para convulsões tônico-clônicas generalizadas e parciais, inclusive crises de ausência. neuralgia do trigêmeo e glossofaríngeo e transtorno bipolar. A ocorrência de NET/SSJ com seu uso é estimada em 1 a cada 1000 adultos e de 3 em cada 1000 crianças.


• AINES – Dipirona:


Inibe a atividade da ciclooxigenase 1 e 2, e portanto, a síntese de prostaglandinas e tromboxando. É analgésico e antipirético. Podem provocar casos a cada 1 paciente em 200 que utilizem a dipirona.


• Alopurinol

Inibidor seletivo das etapas terminais da biossíntese do ácido úrico (enzima xantina oxidase). É indicado tratamento de hiperuricemia primária da gota e hiperuricemias secundárias. O risco de SSJ e NET está limitado aos 2 primeiros meses de tratamento.


• Diagnóstico de SSJ

A SSJ manifesta-se através de erosões de mucosas e máculas purpúricas cutâneas disseminadas frequentemente confluentes, com o sinal de Nikolsky positivo e descolamento epidérmico limitado a menos de 10% da superfície corporal.


Caracterizada por lesões semelhantes as do eritema multiforme, porém com máculas e bolhas amplamente distribuídas ou mesmo lesões em alvos atípicos dispostos sobre o dorso das mãos, palmas, plantas dos pés, regiões extensoras das extremidades, pescoço, face, orelhas e períneo, sendo proeminente o envolvimento da face e do tronco.
Pode ser precedida por erupção maculo-papulosa discreta, semelhante ao exantema.


O envolvimento de mucosas é de cerca de 90% dos casos. Iniciando com exantema, edema e posterior formação de erosões e pseudomembranas. As mucosas mais afetadas são a oral e a conjuntiva.


10 a 30% dos casos ocorrem com febre, lesões do trato respiratório e gastrintestinal, sinais podrômicos gripais. As crianças são mais acometidas.
• Diagnóstico de NET (Síndrome de Lyenn)

Condição clínica rara, que apresenta alta mortalidade (30%), ocorrendo geralmente de 7 a 21 dias após a administração do medicamento, sendo geralmente desencadeada pela deficiência do gene acetilador das drogas.


Caracteriza-se pelo extenso descolamento da epiderme, secundário a necrose. Evoluem com desequilíbrio hidroeletrolítico, bacteremia, hipercatabolismo e, algumas vezes, síndrome da angústia respiratória aguda (SARA).


Apresenta sintomas inespecífios, semelhantes ao do quadro gripal, febre, dor de garganta, tosse e queimação ocular (1 a 3 dias antes do acometimento mucoso). Erupção eritematosa surge simetricamente na face e na parte superior do tronco, provocando sintomas de queimação e dor da pele. Lesões cutâneas individuais são caracterizadas principalmente por máculas eritematosas de contornos mal definidos e centro purpúrico. Em alguns casos, o exantema inicial pode ser um exantema escarlatiniforme extenso.


O ápice é a desnudação da epiderme necrótica, o que pode determinar o estado de falência cutânea.


O acometimento completo da pele ocorre em 2 a 7 dias, às vezes horas. Pode acometer 100% da superfície cutânea, e 85% a 95% dos pacientes com acometimento mucoso.


Leva a febre alta ou hipotermia, pois compromete o equilíbrio termorregulatório. Há acometimento de órgãos, mostrando um espectro de acometimento sistêmico (esôfago, fígado, intestino e pâncreas, além das vias aéreas superiores e inferiores). As sequelas mais comuns são cicatriz ocular e perda visual.



• Prognóstico e Tratamento

São condições clínicas que exigem grande atenção da equipe de saúde assim como os grandes queimados, e é importante observar fatores determinantes como idade do paciente, intensidade da doença subjacente e a extensão da perda de pele para o prognóstico. O uso de imunossupressores muitas vezes não colabora em nada com a melhoria do quadro.


O tratamento também é similar ao de queimados:

- biópsia cutânea (não é fundamental);
- UTI;
- isolamento e ambiente aquecido;
- suspensão de qualquer droga que não seja essencial a vida;
- reposição de fluidos;
- alimentação inicialmente suspensa e em seguida pastosa;
- corticosteroide sistêmico;
- abordagem multidisciplinar;
- imunoglobulinas endovenosa, ciclosporina, ciclofosfamida, plasmaferese, anticorpos monoclonais, anticitocinas e outros têm sido usados na tentativa de cessar o processo de necrose;
- a IGIV suspende a apoptose dos queratinócitos através do bloqueio de receptor de morte Fas (CD95);
- O infliximab pode cessar rapidamente a NET progressiva numa dose única de 5 mg/kg ao bloquear o FNT-α.

3. REFERÊNCIAS


ANTONIO, J. R. Farmacodermias. Disponível em http://antoniorondonlugo.com/blog/wp-content/uploads/2010/05/74-FARMACODERMIAS.documento-final.d.pdf


SILVA, L. M.; ROSELINO, A. M. Reações de hipersensibilidade às drogas (farmacodermia). In: Simpósio de Urgências e Emergências Dermatológicas e Toxicológicas. Revista de Medicina de Ribeirão Preto, v. 36, p. 460-471, 2003. Disponível em http://www.fmrp.usp.br/revista/2003/36n2e4/38reacoes_hipersensibilidade_a_drogas_teste.pdf


SILVARES, M. R. C.; LAVEZZO, M.; ABBADE, J. F.; ABBADE, L. P. F.; GONÇALVEZ, T. M. Reações cutâneas desencadeadas por drogas. Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 83, n. 3, p. 227-232, 2008. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/abd/v83n3/a06.pdf


TAMBASCO, B. L.; ZANETTI, V. T.; OLIVEIRA, S. C. C. Farmacodermias Graves. Apresentação da VI Jornada de Farmacologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Minas Gerais (FCMMG). Disponível em http://www.fcmmg.br/farmacologia/arquivos/farmacodermiasgraves.pdf


Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Bruna Brasil Rodrigues Furtado

por Bruna Brasil Rodrigues Furtado

Farmacêutica generalista pela Faculdade Assis Gurgacz - FAG, especialista em Microbiologia Agroindustrial e Farmacologia. Atualmente aluna do mestrado em Ciências Farmacêuticas da UNIOESTE. Tem experiência na área de alimentos (pesquisa e indústria), indústria farmacêutica,docência, farmácia comunitária e saúde pública.

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