Toxicocinética, Toxicodinâmica e Medidas de Atendimento ao Paciente Intoxicado

Farmácia

09/01/2016

  1. TOXICOCINÉTICA

 

A fase da toxicocinética é caracterizada como sendo a ação que o organismo realiza sobre a substância toxicante. Atua em 04 níveis distintos e consecutivos: absorção, distribuição, metabolismo e excreção.

A absorção é a primeira fase da toxicocinética caracteriza pela entrada do toxicante no organismo por meio de transporte em membranas. Um toxicante pode ter sua ação tóxica potencializada ou diminuída pela via de absorção, levando-se em consideração suas características físico-químicas e as condições do meio, como hidrossolubilidade ou lipossolubilidade, grau de ionização, área de absorção, pH do meio, etc.

As principais vias de absorção de toxicantes são pela via respiratória (gases, substancias altamente voláteis, etc.) e pela mucosa gastrintestinal (geralmente intoxicação intencional com medicamentos, venenos, etc., mas também acidentais, especialmente no caso de crianças). A absorção de toxicantes pela pele é menos comum, mas ela ocorre com substancias que possuem alta lipossolubilidade como pesticidas do grupo dos organofosforados e organoclorados, substâncias que em animais superiores são responsáveis por crises colinérgicas, aumento do risco do desenvolvimento de neoplasias e leucemias, etc.

A absorção por outras vias é menos comum e conhecida, mas sua existência é possível desde que observadas as características da região que o toxicante se encontra e também as características do mesmo.

A absorção é facilitada por mecanismos de transporte através da membrana como transporte passivo (quando o gradiente de concentração favorece a entrada da substância, que nesse caso deve possuir estrutura molecular pequena), transporte ativo (onde há gasto de energia, pois a entrada da substância vai contra o gradiente de concentração, sendo esta uma via de transporte saturante, envolvendo carreadores de origem protéica), pinocitose (englobamento de substâncias através da membrana celular) e difusão facilitada (transporte passivo mais elaborado, com ou sem a presença de proteínas).

Após a absorção o toxicante é distribuído pelo corpo, onde essa substância busca transpor barreiras biológicas (hematoencefálica, placentária, etc.) e se ligar em proteínas plasmáticas (principalmente a albumina), pois estes são os principais carreadores de substancias químicas.

Enquanto a substância estiver ligada a uma proteína plasmática, ela não desenvolve ação alguma no organismo, porém ela também não é metabolizada e nem excretada. A ligação não é irreversível, geralmente do tipo liga-desliga, pois favorece a ligação com o sítio de ação do toxicante. Quanto maior a taxa de ligação de uma substância às proteínas plasmáticas, maior a meia-vida dessa substância e mais tempo ela permanece circulante.

A compleição física do indivíduo, com especial atenção ao seu estado nutricional e a saúde hepática tem importância significativa nessa fase da toxicocinética. Indivíduos subnutridos ou com distúrbios hepáticos, com poucas proteínas e metabolismo desta é baixo, tem uma fração livre de toxicantes maior do que um mesmo indivíduo saudável, quando expostos ao mesmo tipo de intoxicação. Quanto maior a fração livre da substância, maior serão os efeitos tóxicos no organismo. O fígado é importante, pois ele é o principal órgão produtor de proteínas, hormônios, etc. e toda a albumina circulante é produzida no fígado.

A biotransformação ou metabolismo da substância é a terceira etapa da toxicocinética, ocorrendo nela ação sinérgica de fígado e rim sobre a substância, e com isso, está intimamente relacionada com a excreção.

O fígado por meio de enzimas metabolizadores de fase 1 e fase 2 transforma a substância xenobiótica com pouca solubilidade em meio aquoso, para um produto mais hidrossolúvel facilitando o processo de excreção dos rins.

A classe de enzimas do citocromo P450 (CYP450) metaboliza todas as classes de fármacos e outros xenobióticos (como biomoléculas, toxicantes, etc.) e atua em várias famílias químicas e bioquímicas simultaneamente, surgindo daí o conceito de indução ou inibição enzimática dessas enzimas metabolizadoras, aumentando ou diminuindo a ação farmacológica e, muitas vezes, favorecendo os efeitos tóxicos presentes nos medicamentos, o que é bastante preocupante na prática terapêutica.

As reações de fase 1 do metabolismo  envolvem reações simples de oxidação e redução das substâncias, entre outras reações, tornando-as mais polares e com maior solubilidade em meio aquoso, podendo logo após essa fase ser excretado. É nessa fase que as enzimas do CYP450 atuam principalmente.

As reações de fase 2 são também denominadas de reações de conjugação, pois grupamentos são adicionados nas moléculas, complexando-se em substâncias hidrossolúveis com o auxílio de enzimas (transaminases e glicuronidases).

As reações de biotransformação também podem potencializar (bioativar) o efeito tóxico ou farmacológico de uma substância.

O paracetamol é um fármaco que quando administrado inicialmente é inofensivo ao organismo, mas após a passagem do fígado, ele sofre reações que gera uma estrutura tóxica que geram radicais livres e é prejudicial para os hepatócitos.

O mesmo ocorre com hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAH’s) que após biotransformação no fígado tem sua ação toxicante cancerígena bioativada, além de ser um importante indutor enzimático.

Alguns medicamentos denominados “pró-fármacos” são absorvidos no organismo com uma estrutura com finalidade ou potencialidade terapêutica, mas após a passagem pelo fígado e as reações de biotransformação, um metabólito com atividade farmacológica ativa é liberada para o restante do organismo, para daí realizar a ação pretendida. O agente inibidor de enzima conversora de angiotensina (IECA), enalapril é um pró-fármaco.

É preciso ainda levar em consideração na biotransformação de xenobióticos fatores extra-hepáticos, como a capacidade respiratória, a funcionalidade renal, a ação de pele e mucosas sobre a metabolização dos mesmos, a real interferência de outras substâncias, a discreta ação metabolizadora que a microbiota intestinal tem na biotransformação, etc. Além de fatores como espécie, raça, idade, etnia, sexo, fatores genéticos, estados nutricionais, estados patológicos, etc.

Os rins são os principais órgãos de excreção de xenobióticos após a biotransformação, por meio da produção de urina. Mas os pulmões também têm papel na excreção, especialmente dos metabólitos voláteis e gases. Outras vias que também atuam na excreção  são cabelos, lágrima, suor, leite materno, etc.

 

  1. TOXICODINÂMICA

 

A toxicodinâmica é o estudo da natureza da ação tóxica exercida por substâncias químicas sobre o sistema biológico, sob os pontos de vista bioquímico e molecular. Dois importantes conceitos de toxicodinâmica são toxicidade aguda e toxicidade crônica.

Na toxicidade aguda o indivíduo se expõe a altas doses e os efeitos se desenvolvem em pouco tempo, dentro de 24 horas geralmente, como no caso da intoxicação por cianureto. Na toxicidade crônica o indivíduo se expõe constantemente a doses pequenas do toxicante e desenvolve o efeito tóxico muito tempo depois, às vezes após alguns anos e décadas, como no caso da exposição a metais pesados.

Em fármacos o estudo da toxicodinâmica é importante para definir qual é a dose letal (DL) e qual é a dose efetiva (DE), para daí definir-se o índice terapêutico (IT) e a margem de segurança (MS) na utilização do mesmo.

Define-se como dose letal (DL) de uma substância a dose mínima necessária para a observação do poder mortífero da mesma. A DL mais comumente mensurada é a DL50, onde se avalia a concentração de uma substância química capaz de matar 50% da população de animais testados. Essa dose mede-se em miligramas da substância por quilograma de massa corporal do animal testado. Existe também DL10.

Essa dose letal também depende do modo de exposição do animal ao toxicante.

A dose efetiva (DE) é mensurada quase da mesma forma, porém com o objetivo final de mensurar a quantidade mínima de fármaco para obter-se a resposta terapêutica do fármaco em 50% (DE50) da população ou em 10% da população (DE10).

O índice terapêutico ou intervalo terapêutico (IT) é a razão entre DL50/DE50 e DL10/DE10 quanto mais próxima a DL é da DE em fármacos menor o intervalo terapêutico, pois maior é o risco de intoxicação comprometendo assim a segurança do indivíduo, situação real e preocupante no uso de agentes digitálicos e quimioterápicos.

A margem de segurança (MS) de um fármaco pode ser definida como a quantidade de substância que pode ser administrada sem provocar efeitos tóxicos, numa equação calculada da seguinte forma:

MS = (DL10 - DE90)/DE90 x 100

O efeito tóxico geralmente é causado por alterações biológicas como : interação com receptores (organofosforados), complexação de biomoléculas (radicais livres), inibição da fosforilação oxidativa com parada da respiração celular e produção de ATP (rotenona), alteração da homeostase de íons Na+, K+, Ca++, etc. (toxina botulínica).

  

  1. ATENDIMENTO NA INTOXICAÇÃO

 

Para o estudo da toxicidade, conhecer as características toxicocinéticas e toxicodinâmicas é imprescindível para a avaliação da toxicidade e como reverter o quadro, impedindo a intoxicação, o estado patológico e o óbito.

No Brasil, assim como na maioria dos países, os principais agentes toxicantes relatados pelos sistemas de vigilância epidemiológica são os medicamentos, mas também há casos de intoxicações pela ingestão e exposição a plantas venenosas, produtos de higiene e limpeza, além do ataque de animais peçonhentos, como cobras, aranhas, etc. As crianças são as principais vítimas de intoxicações acidentais, com medicamentos, consumo de plantas venenosas e produtos domissanitário, principalmente pela curiosidade e atração que alguns dos itens mencionados exercem sobre elas, assim como animais domésticos, por motivos semelhantes, levando assim a uma necessidade de conscientização de evitar deixar medicamentos e produtos de limpeza ao alcance destes e também de evitar a presença de plantas tóxicas no domicílio. Há também vários casos envolvendo adultos que se intoxicam com esses itens, seja por desconhecimento, ingestão acidental ou ingestão intencional.

Os sintomas clássicos de intoxicação são coma, convulsão, acidose metabólica, arritmia cardíaca súbita, colapso circulatório, alteração do estado mental, etc.

Para reverter o quadro inicialmente é necessário identificar e caracterizar o estado fisiológico da vítima, o agente causador e as circunstancias da ocorrência.

 

Na identificação do agente é necessário identificar a composição, a quantidade ingerida, tempo e horário de exposição e a via de absorção, definindo-se daí quais são as características toxicocinéticas e toxicodinâmicas da substância.

Identificar e realizar as medidas imediatas a fim de evitar a intoxicação sistêmica, com agente neutralizantes ou adsorventes como carvão ativado.

Deve-se também realizar os exames necessários a fim de avaliar a influencia da intoxicação a nível plasmático e a necessidade do uso de antídotos.

No atendimento médico é importante sempre que possível levar a embalagem do toxicante para avaliação das medidas de controle definidas pelo fabricante e para esclarecimento do médico, assim como manter contato com os centros de informações toxicológicas, além de registro da ocorrência com detalhes pormenorizados da substância.

As principais ações a nível de intoxicação por ingestão de substâncias tóxicas residem na tentativa de impedir ou amenizar a absorção pela mucosa gastrintestinal (com carvão ativado), esvaziamento gástrico (com lavagens) e diurese ionizada, para facilitar a excreção de metabólitos tóxicos pelos rins.

Os antídotos são utilizados em cerca de 5% dos casos, como no caso de intoxicação por organofosforados, metanol, monóxido de carbono, metais pesados, etc.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Bruna Brasil Rodrigues Furtado

por Bruna Brasil Rodrigues Furtado

Farmacêutica generalista pela Faculdade Assis Gurgacz - FAG, especialista em Microbiologia Agroindustrial e Farmacologia. Atualmente aluna do mestrado em Ciências Farmacêuticas da UNIOESTE. Tem experiência na área de alimentos (pesquisa e indústria), indústria farmacêutica,docência, farmácia comunitária e saúde pública.

Portal Educação

UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93