A atuação da fisioterapia na prevenção do Prolapso de Órgão Pélvico Feminino

A região pélvica feminina é bastante complexa
A região pélvica feminina é bastante complexa

Fisioterapia

01/02/2013

O prolapso do órgão pélvico (POP) é caracterizado pelo desequilíbrio de forças e alterações nas estruturas que mantém os órgãos situados normalmente, que resultam em um deslocamento no sentido caudal, em direção ao hiato genital.(1) Apesar de não apresentar risco para a mulher, esta disfunção pode afetar significativamente sua qualidade de vida.(2)

Cerca de 1500 a.C surge a definição e a história do prolapso de órgão pélvico, relatados no papiro de Ebers e posteriormente por Hipócrates, propondo o tratamento clínico, com a utilização de pressários de suporte, e tratamento cirúrgico por volta de 400 a.C. (3)

Estima-se que o POP ocorre em 41 a 65% das mulheres, sendo mais comum em mulheres que geraram vários filhos e com idade mais avançada devido às alterações hormonais e senescentes, quando há o relaxamento das estruturas do assoalho pélvico.(4) A incidência é difícil de estimar, visto que muitas escondem sua condição ou aceitam como conseqüência natural do envelhecimento e dos seus partos naturais.(5)

A incontinência urinária (IU) é uma disfunção uroginecológica que ocorre, muitas vezes, concomitante ao POP, e como a fisioterapia propõe o fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico para a IU, os especialistas discutem este procedimento no tratamento e prevenção do POP.(6, 7)

Quando o tratamento conservador para essas disfunções não obtém êxito, é indicado o tratamento cirúrgico.(2) O POP pode ocorrer devido a vários fatores, não somente por fraqueza muscular do assoalho pélvico, que pode ser uma relação de condições que varia em cada paciente.

Os fatores de riscos mais comuns são: senescência, histerectomia, constipação intestinal, partos naturais e obesidade; no Brasil, os fatores de risco encontrados foram: parto vaginal, macrossomia fetal e histórico familiar.(8) No Reino Unido, cerca de 90 % dos fisioterapeutas assistem pacientes mulheres com POP, utilizando rotineiramente como tratamento o fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico com ou sem biofeedback, demonstrando que este assunto é de interesse dos profissionais e das pacientes.(9)

Anatomia da Pelve e do Assoalho Pélvico

A pelve oferece proteção aos importantes órgãos pélvicos, servindo de suporte para o tronco, transferência de peso corporal para os membros inferiores ao deambular, e ao sentar, através das tuberosidades do ísquio.

Consiste de dois ossos ilíacos, o sacro e o cóccix, que se articulam com a sínfise púbica, articulações sacroilíacas, lombosacral e sacrococcígea para formar um anel ósseo.(10) Na cavidade pélvica encontram-se os órgãos do aparelho urogenital, e a porção final do tubo digestório, além de ser importante porque, nas mulheres, contem o canal do parto.(11) Na parte inferior da pelve, encontra-se o assoalho pélvico, que é formado pelo diafragma pélvico, ligamentos e fáscias, que sustentam órgãos internos, como, o útero, a bexiga e o reto; promovem a ação esfincteriana para a vagina, uretra e reto, e passagem do feto, na hora do parto natural.(12)
O assoalho pélvico é composto de múltiplas camadas musculares que se estende entre o púbis e o cóccix, formando o suporte inferior da cavidade abdominopélvica e é constituído por dois grupos musculares: o diafragma urogenital e diafragma pélvico.(13) O diafragma pélvico é formado pelos músculos elevadores do ânus (pubococcígeo, iliococcígeo e puboretal), pelos músculos isquiococcígeos e suas fáscias de revestimento inferior e superior, que originam do tecido extraperitoneal e forma os ligamentos pubovesical (liga a base da bexiga urinária com o púbis), vesicouterino, retouterino e os transversos do colo, que firmam o colo do útero e as paredes da pelve.

A fáscia de revestimento superior reveste superiormente os músculos levantadores do ânus e isquiococcigeo, enquanto a fáscia inferior reveste inferiormente estes músculos.(11) O diafragma urogenital funciona como suporte mais inferior para o assoalho pélvico, sendo composto pelos músculos: bulboesponjoso, isquiocavernoso, transverso superficial e profundo do períneo; estes músculos estabilizam o corpo perineal, sustentando o esfíncter anal e a porção mais baixa da vagina.(14)

Prolapso do Órgão Pélvico

O prolapso do órgão pélvico (POP) é definido pela descida parcial ou total dos órgãos pélvicos através da vagina ou por debaixo dela, devido à inexistência ou debilidade das estruturas de suporte que fixam os órgãos pélvicos à pelve.15

A Sociedade Internacional de Continência (ICS) define o POP como um deslocamento da parede vaginal anterior ou posterior, bem como o ápice ou cúpula da vagina após histerectomia.(16) O POP é resultado de anormalidades nas estruturas que fixam os órgãos pélvicos à parede pélvica e não dos próprios órgãos.(11)

Os sintomas do POP, uma vez instalado, podem incluir: sensação de peso na vagina, dor abdominal, inguinal e lombar; e quanto mais avançado o estado do prolapso se encontrar, maior será a intensidade dos sintomas.(17)

Quando o POP encontra-se no estágio inicial ou de leve grau, algumas mulheres são assintomáticas; porém, quando apresentam sintomas, são descritos como: incontinência urinária, micção intermitente, esforço para urinar, sensação de esvaziamento incompleto vesical ou retal, sensação de desconforto, pressão e dor na vagina ou no períneo, disfunção sexual, lombalgias, sangramentos e/ou corrimentos. Muitas mulheres não procuram atendimento médico ou tratamento por se sentirem envergonhadas ou acharem natural do envelhecimento.(18)

Estudos apontaram que a idade, o número de partos em que a mulher se submeteu e menopausa, são fatores de risco mais significativos do POP, variando em cada caso e influenciados pela raça.(19) Outro estudo relata que o grau do prolapso pode variar conforme os fatores citados, além da constipação e síndrome do cólon irritável.(20) A função das fáscias e ligamentos desta região pélvica é manter estaticamente os órgãos em suas posições, recebendo o nome de acordo com as estruturas que sustentam e recobrem. As paredes vaginais exercem um papel importante e quando há alterações como, perda de suporte das paredes vaginais, fraqueza dos músculos do assoalho pélvico, distúrbios de colágeno, lesão ligamentar, pode dar início à algum grau de prolapso do órgão pélvico.(11)

A musculatura do assoalho pélvico participa da oclusão do hiato urogenital, que ajudam no suporte estático pélvico, e quando há uma redução do tônus muscular do músculo elevador do ânus, pode acontecer uma dilatação exagerada do hiato urogenital e prolapso urogenital. Logo, os ligamentos da fáscia endopélvica, auxiliam na estática dessas estruturas, interligando-as à parede pélvica.(21)

O prolapso de órgão pélvico é dividido em vários tipos agrupados em: prolapso da parede vaginal anterior, denominado cistocele ou uretrocele (por defeito central, lateral ou combinado); prolapso da parede vaginal posterior, denominado retrocele ou enterocele; prolapso vaginal apical, podendo ocorrer prolapso do útero (histerocele) ou prolapso da cúpula vaginal (após histerectomia); e prolapso com acometimento de vários órgãos.(22)

A classificação do prolapso de órgão pélvico pode ser descrita conforme Baden e Walker, que é a forma mais difundida pela sociedade médica, utilizando denominações distintas para diferentes compartimentos. A uretro ou cistocele (distopia da uretra e da bexiga) é classificada em: grau 0 (posição normal), grau 1(em esforço, há deslocamento da parede vaginal, atingindo 1/3 da vagina inferiormente), grau 2 (ao esforço, a parede vaginal desloca até o intróito vaginal), grau 3 (ao esforço, ultrapassa o limite do grau 2) e grau 4 (quando em repouso, há uma exteriorização). A retocele (distopia da parede vaginal posterior) é classificada em: leve, moderada e grave. O prolapso uterino, com o colo pinçado e tracionado durante o exame, é classificado em: graus 1, 2 e 3.(1)

Em 1996, a ICS em conjunto com a Sociedade de Uroginecologia e Sociedade Americana de Ginecologia, desenvolveram uma nova classificação para avaliar o POP, o pelvic organ prolapse quantification (POP-Q), tratando-se de um sistema descritivo que com vários componentes a serem medidos, neste caso, o hímen é o ponto de referência, onde acima deste (1 a 3cm) é negativo, e abaixo deste (1 a 3cm) é positivo em relação ao prolapso.(3)

Existem seis pontos a serem analisados em relação ao hímen: dois na parede vaginal anterior, dois no ápice da vagina e dois na parede posterior da vagina. São realizadas, ainda, três medidas de comprimento com a paciente realizando esforço: o comprimento total da vagina (CVT), o hiago genital (HG) e o comprimento do corpo perineal (CP).(1, 23)

Tratamento Conservador e Cirúrgico do Pop


Vários procedimentos cirúrgicos são indicados para correção do POP, no entanto, os resultados continuam sendo insatisfatórios, pelo fato do risco de recidiva ocorrer em 22 a 92%, mesmo com o avanço tecnológico e científico acerca da anatomia pélvica.(24) O tratamento para o POP pode ser caracterizado como conservador, para àquelas mulheres com um grau leve, que ainda desejam ter filhos ou que possuem contra indicação para cirurgia; ou cirúrgico, dependendo do seu grau e estrutura envolvida.(2)

A Organização Mundial de Saúde (OMS), através de um documento datado de 1999, recomenda o tratamento fisioterapêutico em pacientes com incontinência urinária ou prolapso de órgão pélvico de grau um como primeira alternativa de tratamento.(25)

Por volta da década de 40, Dr. Arnold Kegel (EUA), desenvolveu os exercícios do assoalho pélvico que normalmente levam seu nome, tendo como fator principal para bons resultados a total compreensão por parte da paciente em como realizá-los, até mesmo em casa.(25)

Os músculos a serem treinados são identificados pela intenção de tentar parar o fluxo urinário, as contrações podem ser feitas rápida ou lentamente. Exercícios "Kegels lentos" são realizados contraindo e mantendo os músculos por três a dez segundos e os "Kegels rápidos" por um segundo; alternando as séries entre os rápidos e lentos.(26)

O tratamento fisioterapêutico utilizando-se da cinesioterapia incluem: o aumento do autoconhecimento perineal e da função da musculatura envolvida, conscientização e isolamento dos músculos agonistas e antagonistas, aumento da ação reflexa dos músculos do assoalho pélvico durante as atividades diárias, bem como o fortalecimento dessa musculatura.(11)

A terapêutica utilizada na incontinência urinária e fecal, que atuam sobre os músculos do assoalho pélvico, tem sido eficaz, pois aumentam o recrutamento das fibras musculares do tipo I e II, aumentando o suporte das estruturas pélvicas e abdominais.(6, 11)

A recomendação para a manutenção do fortalecimento muscular é a repetição de oito a doze contrações voluntárias de máxima intensidade, pelo menos três vezes ao dia. Porém, a duração e a freqüência dos exercícios podem variar. No entanto, o autor ressalta que o treinamento da musculatura do assoalho pélvico tem se mostrado efetivo em estudos com incontinência urinária, não apresentando efeitos colaterais conhecidos, podendo ser utilizados no tratamento do POP.(9)

Na eletroestimulação intravaginal, o impulso elétrico excita e ativa artificialmente as fibras musculares do assoalho pélvico, por ser uma musculatura esquelética passível de fortalecimento. Utilizando correntes bifásicas, despolarizada, a fim de evitar queimaduras locais, com frequências que variam entre 35 a 50Hz, , obedecendo tolerância máxima da paciente. Utiliza-se ainda, uma largura de pulso de 0,2 a 0,5 ms, onde o tempo de repouso proporcional evitando a fadiga muscular correspondendo a, pelo menos, duas vezes o tempo de atuação da corrente.(27)

A eletroestimulação é bastante utilizada no tratamento da incontinência urinária e fecal, atuando sobre a debilidade deste grupo muscular, além de estimular a consciência corporal da maneira correta de utilizar os músculos do assoalho pélvico. A paciente deve compreender a técnica para que haja uma cooperatividade na progressão e evolução da intensidade. Entretanto, a eletroestimulação deve ser evitada em casos de prolapsos em graus elevados, gravidez, processos infecciosos urinários e/ou vaginais ativos e período menstrual.(11) Nos prolapsos em graus mais graves, quando é necessária a cirurgia, é ideal uma intervenção fisioterapêutica três meses antes da cirurgia e 6 meses depois, para que a musculatura mantenha um controle muscular adequado e que esteja mais irrigada, além de manter a função urinária e sexual; mas naqueles casos de simples a moderados, o procedimento cirúrgico pode ser repensado ou até mesmo adiado.(28, 29)

No tratamento cirúrgico do POP, vários aspectos devem ser considerados: a avaliação dos resultados cirúrgicos, a seleção da via cirúrgica dos procedimentos (comparação da via abdominal aberta com a vagina, laparoscópica e robótica), a eficácia dos procedimentos cirúrgicos, a cirurgia concomitante (efeitos da associação de procedimentos cirúrgicos e correção da incontinência) e o papel das redes sintéticas e biológicas.(22)

Discussão

A cinesioterapia do assoalho pélvico fundamenta-se na ideia de que repetidas contrações voluntárias aumentam a força e resistência muscular, resultando em uma melhor atividade funcional destes músculos, propiciando maior sustentação à região pélvica.(9) No entanto, o autor Hay-smith et al.(30) cita que a cinesioterapia obtém sucesso entre 30 a 90% dos casos de fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico.(30)

Os autores Moreno11 e Belo et. al.31 indicam a fisioterapia no treinamento do músculo do assoalho pélvico, através de cinesioterapia, biofeedback, cones vaginais e eletroestimulação. O autor BO(9) justifica a necessidade do treinamento desse grupo muscular devido a um estudo citado que demonstrou que as mulheres com POP possuem cerca de 40% menos força e atrofia do que as mulheres sem este distúrbio. Exercícios associados ao biofeedback, meios utilizados para informar o indivíduo por meio de sinais visuais ou sonoros qual grupo muscular deve ser trabalhado durante o exercício, mostram-se eficazes na melhora da força muscular do assoalho pélvico.(32)

O tratamento do POP com exercícios perineais melhora os sintomas, a força muscular do assoalho pélvico e a qualidade de vida. Sendo bastante eficaz quando associado aos procedimentos cirúrgicos de correção do prolapso. Porém, ainda há controvérsias quando ao treinamento do assoalho pélvico na regressão de um estágio mais avançado do prolapso.(17)

De acordo com o autor Hagen et. al.(2) além dos exercícios específicos, devem-se incluir no processo de tratamento: uma dieta adequada para redução de peso, redução de atividades que aumentem a pressão intra-abdominal e tratamento de constipação. A fisioterapia, através dos exercícios para a musculatura pélvica, pode fazer parte do tratamento oferecido, porém, ainda faltam evidências científicas de sua eficácia.(22) Entretanto, Knorst et. al.(33) realizou um estudo com 48 mulheres com incontinência urinária com e sem associação de POP, utilizando eletroestimulação e cinesioterapia, e verificou sucesso em 87,5% das pacientes, concluindo que a fisioterapia foi eficaz para tratar e/ou curar os sintomas de IU, associados ou não ao prolapso pélvico. Um estudo, realizado por Bernardes(34), com um grupo de 58 mulheres com POP e divididas em três grupos, onde um grupo foi utilizado como controle, sem intervenção da fisioterapia, demonstrou que a área de secção transversal do músculo levantador do ânus, mensurado por ultrassonografia, aumentou significativamente com o tratamento fisioterapêutico, utilizando treinamento dos músculos do assoalho pélvico e exercícios hipopressivos (que alia a contração da musculatura abdominal com a musculatura do assoalho pélvico).

Conforme uma pesquisa realizada por Jarvis et al.(35), envolvendo 60 mulheres em pré-operatório para cirurgia corretiva de POP ou incontinência urinária, que receberam tratamento com exercícios para os músculos do assoalho pélvico, foi constatada melhora tanto na força muscular desse grupo muscular quanto os sintomas associados ao POP, melhorando, assim, a qualidade de vida destas mulheres.

Considerações Finais

A região pélvica feminina é bastante complexa, constituída por estruturas ósseas, musculares, e órgãos, que fornecem suporte estrutural e funcional adequada, No entanto, o comprometimento destas estruturas podem ocasionar condições para o desenvolvimento de disfunções pélvicas.

A fisioterapia vem empregando com sucesso recursos para o tratamento da incontinência urinária feminina, com o objetivo de fortalecer o assoalho pélvico. Dentre eles destacam-se, principalmente, os exercícios de treinamento para a musculatura do assoalho pélvico, biofeedback, e eletroestimulação intravaginal (apesar de poucos estudos relatando este recurso).

Analisando os fatores de riscos e o caráter do prolapso de órgão pélvico, relacionado com a idade e alterações comportamentais da musculatura do assoalho pélvico, a fisioterapia pode direcionar o mesmo tratamento realizado para incontinência urinária ao POP, com o objetivo de fortalecer esta musculatura e minimizar ou tratar os sintomas causados por tal distúrbio. Pois se acredita que, melhorando o suporte das estruturas pélvicas, o tratamento fisioterapêutico evite a progressão do prolapso.

Os resultados da pesquisa apontam a cinesioterapia como recurso mais utilizado para o tratamento e prevenção do prolapso e que mostra resultados iniciais positivos, melhorando a qualidade de vida da mulher, as rotinas urinárias e intestinais e, até mesmo, a vida sexual. Entretanto, são necessários estudos mais controlados, quantitativos e qualitativos, com protocolos de treinamento apropriados para avaliar o efeito dos exercícios de treinamento dos músculos do assoalho pélvico na prevenção do prolapso de órgão pélvico na mulher. Referências Bibliográficas

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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Paulo Adrian Assunção da Silva

por Paulo Adrian Assunção da Silva

Possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Paulista - Campus Manaus (2012). Pós-graduado em Estética e Cosmetologia. Desde 2010, exerce a função de diretor da empresa Centro de Formação Profissional Leduc, além de ministrar aulas de massoterapia e cursos voltados para terapias corporais e estética.

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