Pneumologia - Pneumopatias na gestação: Pneumonias Comunitárias, Derrame Pleural

A gestação induz a algumas das mais extremas adaptações fisiológicas
A gestação induz a algumas das mais extremas adaptações fisiológicas

Fisioterapia

02/05/2008

Resumo: As pneumopatias sofrem grande influência pelas alterações fisiológicas próprias da gestação, dessa forma fatores como: diagnóstico, tratamento, evolução e prognóstico, devem ser de conhecimento do clínico e do obstetra.
O artigo a seguir que esta sendo divulgado em 3 partes (1.ª Parte - Boletim n.º 04 / 2.ª Parte - Boletim n.º 05 (atual) e 3.ª e última parte - Boletim n.º 06 (aguarde divulgação), relaciona uma revisão dos principais aspectos desse tema.

A gestação induz a algumas das mais extremas adaptações fisiológicas. Fatores como a distensão abdominal, aumento do volume das mamas, modificações cardiovasculares, hormônios e outros agentes bioquímicos, são considerados responsáveis pelas alterações na fisiologia respiratória nas gestantes. A grande variedade de modificações mecânicas, bioquímicas e cardiovasculares, próprias da gestação, influencia na função respiratória, causando dispneia ou afetando o curso de doenças pulmonares, manifestas ou sub-clínicas.

Entre as modificações fisiológicas na gestação, encontram-se o aumento do volume-minuto , devido à hiperventilação . Este fenômeno é resultado da ação da progesterona sobre o centro respiratório , aumentando sua sensibilidade. Como consequência, as mulheres gestantes têm tendência, já no primeiro trimestre, a apresentar queda da PCO2, alcalose respiratória leve e aumento da eliminação de bicarbonato pela urina (1). Considerando-se que a alcalose altera a curva de dissociação da hemoglobina, mulheres gestantes que apresentam doenças pulmonares com hipoxemia, terão pioradas a liberação de oxigênio a nível tecidual , com efeitos deletérios próprios e para o feto (2).

Em 1996, estudamos a função pulmonar em gestantes normais. Observamos redução na capacidade residual funcional e no volume de reserva expiratório, com elevação compensatória do volume de reserva inspiratório, mantendo a capacidade pulmonar total dentro dos limites da normalidade. Esse fato é resultado do aumento da incursão inspiratória do diafragma, mais evidente no terceiro trimestre. Os volumes e fluxos forçados mostraram-se normais em todo o curso da gestação. A capacidade de difusão do CO encontrava-se elevada nos segundo e terceiro trimestres, estando normal no primeiro trimestre (3).

Na avaliação das manifestações respiratórias em mulheres grávidas, é importante considerar-se a dispneia fisiológica da gestação. Trata-se de sintoma presente em 60 a 70% das gestantes, iniciando-se já no primeiro trimestre, momento em que as modificações mecânicas não são evidentes, nem influenciam na função ventilatória. A sensação determinada pela hiperventilação fisiológica, mediada pela progesterona, tem sido considerada como fator etiológico mais importante da dispneia da gestação(4). O aumento do volume abdominal induz à necessidade de maior força muscular respiratória, determinando maior percepção da demanda ventilatória, resultante das alterações metabólicas própria da gestação (5). A interação daqueles fatores faz com que a maioria das gestantes manifeste o sintoma de dispneia. A melhora do sintoma, verificada em mais de 70 % das gestantes no terceiro trimestre, deve-se à aclimatação progressiva às modificações metabólicas e ao alívio da pressão do feto sobre o diafragma, devido ao encaixe do feto na pélvis. Além dos processos fisiológicos acima relatados, a gravidez pode precipitar ou piorar doenças prévias Cardiopatias, doenças pulmonares obstrutivas e intersticiais, colagenoses e distrofias da coluna vertebral, podem piorar durante a gestação, sendo a dispneia o sintoma predominante ou inicial. O conhecimento do que é próprio da gestação tem importância para o diagnóstico preciso dos estados mórbidos cardíacos e pulmonares, prevenindo intervenções impróprias, decorrentes de diagnósticos falso-positivos em gestantes normais.

O objetivo deste capítulo é salientarmos as particularidades decorrentes da gestação, que interferem nas doenças pulmonares mais frequentes. Evidenciaremos as modificações clínicas e adaptações terapêuticas observadas nas principais pneumopatias em mulheres grávidas.

Pneumonias Comunitárias


Estima-se que a pneumonia bacteriana é a principal causa não obstétrica de morte no período peri-parto (17). A infecção respiratória pré-parto estão associadas ao óbito fetal, complicações respiratórias e sépticas na gestante e partos pré-termo. A gestante e o feto toleram menos a hipoxemia, alcalose respiratória febre e taquicardia, manifestações frequentes nas pneumonias graves. A deterioração das condições socioeconômicas, o fato da infecção pelo HIV se acelerar durante a gestação e a imunodepressão transitória observada nas mulheres gestantes, explicam a elevação da morbimortalidade por pneumonias durante este período. A imunidade celular é a primeiramente afetada nas gestantes. Redução da resposta proliferativa de linfócitos e do número relativo dos linfócitos CD -4 são observados especialmente nos segundo e terceiro trimestres da gestação. Essa observação explica o aumento da morbidade, não só das pneumonias bacterianas, mas também da tuberculose, infecções virais e fúngicas.

Embora nenhuma síndrome congênita tenha sido diretamente atribuída à pneumonia durante a gestação, febre, taquicardia e hipoxemia podem ser danosas ao desenvolvimento fetal. O parto pré-termo pode ser resultado da resposta uterina aos mediadores inflamatórios advindos da infecção. Considera-se que as fosfolipases, proteases e prostaglandinas aumentam a contratilidade uterina induzindo o trabalho de parto prematuro. Diagnóstico e tratamento precoces das pneumonias durante a gestação são fatores importantes para se amenizar aquela complicação.

As pneumonias são mais frequentes em mulheres gestantes com história de doenças respiratórias, tabagistas e portadoras de anemia com hemoglobina abaixo de 10 g.

As manifestações clínicas das pneumonias durante a gestação não diferem substancialmente daquelas observadas em mulheres não grávidas, exceto pela tendência de evolução desfavorável observada no primeiro caso. As complicações têm sido mais vistas em gestantes nas quais o exame radiológico foi protelado, por temor do médico ou da própria paciente, retardando o diagnóstico e início do tratamento. Tem-se sugerido que o exame radiológico deva ser efetuado em gestantes com sinais e sintomas persistentes ou progressivos de infecção das vias aéreas superiores, para evitar-se a omissão no diagnóstico precoce de uma doença potencialmente grave. A pneumonia pode ocorrer no período pós-parto, sendo a aspiração durante o trabalho de parto a causa mais comum. O agente etiológico mais frequente neste caso é a bactéria anaeróbia.

O Streptococcus pneumoniae seguido pelo H. influenza, são os agentes bacterianos mais comumente responsabilizados pelas pneumonias comunitárias durante a gestação. A incidência de pneumonias atípicas por Mycoplasma pneumoniae, Legionella pneumophila e Chlamydia penumoniae é semelhante à da população geral. A escolha do antibiótico deve levar em consideração dentro do possível, a segurança de seu uso durante a gestação. Penicilinas, cefalosporina, eritromicinas (exceto estolato) e clindamicina têm sido utilizados com frequência sem relato de efeitos deletérios para a mãe ou feto. Todos os antibióticos Beta-lactâmicos são classificados como reconhecidamente seguros pelo FDA. Outros antibióticos estão relacionados com alta incidência de efeitos colaterais. As tetraciclinas podem causar hepatite fulminante na mãe e deformidades dentárias no neonato. Sulfas estão relacionadas com Kernicterus fetal.

Aminoglicosídeos e vancomicina podem promover oto e nefrotoxicidade no feto. A utilização de cloranfenicol próximo ao termo, pode causar a síndrome do "bebe cinzento" constituída de fácies cinzenta, flacidez generalizada e cardiomiopatia. A utilização desses últimos antibióticos dotados de efeitos deletérios deve ser analisada com extremo critério. Sempre que possível, sua substituição por medicações mais seguras deve ser considerada (18). As pneumonias virais durante a gestação são causadas mais frequentemente pelo vírus da influenza e da varicela. Não raras essas infecções são complicadas pelo S. aureus e S. pneumoneae, com graves manifestações respiratórias e sistêmicas. A infecção pelo vírus da varicela esta relacionada com a ocorrência lesões fetais neurológicas como microftalmia, além de deformidades digitais e cataratas. O tratamento deve ser realizado com a administração de Acyclovir, cuja toxicidade é menos grave do que as manifestações da doença. A vacinação contra a influenza no final do primeiro trimestre deve ser realizada em gestantes com cardiopatias, doenças pulmonares crônicas e diabetes melitus e outras afecções que promovem imunodepressão.

Derrame Pleural

Os derrames pleurais da gestação, embora raros quando comparados às outras afecções, devem ser compreendidos quanto à fisiopatologia e ao diagnóstico diferencial, uma vez que, quando associados a doenças pleuro-pulmonares, podem trazer sérias consequências para o bem estar materno e fetal.

As condições fisiopatológicas do período peri-parto parecem favoráveis ao desenvolvimento de derrame pleural benigno, sem significar existência de processo patológico pleuro-pulmonar. A gestação normal é caracterizada por aumento do volume sanguíneo associado a diminuição da pressão coloidosmótica. Durante repetidas manobras de Valsalva durante o parto, a pressão intratorácica se eleva, aumentando a pressão venosa sistêmica, reduzindo, portanto a drenagem linfática pleural. Essas condições podem promover a transudação passiva de líquido hipoproteico para dentro do espaço pleural.

Hughson e colaboradores realizaram estudo prospectivo de 30 puérperas sem evidências clínicas de acometimento cárdiopulmonar, submetendo-as a avaliação radiológica do tórax 24 horas após o parto. Vinte das 30 mulheres (67%) apresentaram derrame pleural que variaram de leve a moderado. Em nenhum dos casos estudados foi observado correlação positiva com idade, peso, pré-eclâmpsia, proteína sérica hematócrito, duração do período expulsivo, uso de fluidos endovenosos e administração de oxitocina. Além disso, a presença de derrame pleural não se correlacionou com sofrimento fetal ou complicações obstétricas. O autor concluiu que pequenos derrames pleurais em puérperas que não apresentem sinais e sintomas de manifestações cardiopulmonares, não necessitam de pronta avaliação invasiva, devendo apenas ser observadas quando ã remissão do derrame (19).

Alguns processos patológicos preexistentes podem exacerbar-se durante a gestação, manifestando-se com derrame pleural. A linfangiomiomatose caracteriza-se pela proliferação intrapulmonar de músculo liso imaturo, levando à obstrução linfática. A ação de estrogênio e progesterona em receptores existentes nas portadoras desta doença favorece à maior proliferação muscular e aumento da obstrução linfática. A consequência é a ocorrência de quilotórax verdadeiro, com os característicos distúrbios respiratórios e nutricionais. Embora relativamente raro essa manifestação deve entrar no diagnóstico diferencial dos derrames pleurais da gestação, devido ao grande comprometimento para a mãe e o feto. O tratamento deve ser imediato com drenagem pleural e dieta hipogordurosa (20).

A neurofibromatose caracteriza-se pela proliferação de tecido fibroso na pele e vísceras, incluindo o pulmão. Durante a gestação observa-se nítida piora do processo, com grande infiltração parenquimatosa pulmonar e arterial. As manifestações clínicas mais comuns neste caso são hemotórax espontâneo e insuficiência respiratória (21).

O trabalho de parto prolongado pode causar manifestações pleurais traumáticas. As mais descritas são ruptura de diafragma, pneumomediastino e pneumotórax. Essas manifestações são raras, porém graves, dever estar incluídas no diagnóstico diferencial das insuficiências respiratórias agudas no pós-parto imediato em gestantes principalmente primíparas.

As desordens da pleura durante a gestação representam um grupo heterogêneo de manifestações clínicas. A ocorrência de pequena efusão pleural no período pós-parto pode resultar das modificações fisiológicas sem representar doença pleuro-pulmonar. Derrames pleurais moderados ou grandes devem ser prontamente avaliados e diagnosticados, quase sempre com a necessidade de toracocentese e/ou biópsia pleural.

Referências Bibliográficas:

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Dr. Roberto Stirbulov - Chefe da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Pneumologista do Hospital Samaritano - SP.

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