Avaliação postural em crianças respiradoras bucais e com Síndrome de Down

A maioria dos SD tem um desempenho na faixa de retardo mental entre leve e moderado
A maioria dos SD tem um desempenho na faixa de retardo mental entre leve e moderado

Fisioterapia

16/04/2014

A Síndrome de Down (SD) é a causa mais comum de retardo mental, compreendendo 18% do total de deficientes mentais em instituições especializadas (1,2,3,4).

A SD é uma anomalia cromossômica ligada à presença de um cromossomo a mais, idêntico aos que formam o par 21, resultado da triplicação da parte distal do braço longo deste cromossomo, sendo também a mais conhecida e a mais frequente das anomalias cromossômicas em seres humanos (3,5,6).

Estudos demonstram que a idade materna é um importante fator de risco para o desenvolvimento da SD, principalmente acima dos 40 anos (5,6,7,8).

Segundo Moreira et al. (2), John Langdon Down chamou a condição de idiotia mongolóide e caracterizou a SD da seguinte forma: cabelos de cor castanha, liso e escasso; face achatada e longa; olhos posicionados em linha oblíqua com cantos internos afastados e fenda palpebral muito curta; lábios grossos, com fissuras transversais; língua grande e larga; nariz pequeno; pele ligeiramente amarelada possuindo elasticidade deficiente; prega palmar única (simiesca); falange média do quinto quirodáctilo curva e curta; reflexo de Moro ausente (1,5,9).

A maioria dos SD tem um desempenho na faixa de retardo mental entre leve e moderado, alguns apresentando desenvolvimento intelectual limítrofe ou mesmo normal (2).

Além de atraso no desenvolvimento, os SD podem apresentar cardiopatia congênita, hipotonia, problemas de audição, de visão, alterações na coluna cervical, distúrbios da tireóide, problemas neurológicos, complicações respiratórias, obesidade e envelhecimento precoce, pescoço curto e grosso, abdome protuberante, baixa estatura e pé pequeno, largo e grosso (2,5,10,11).

A incidência na população geral é de um em 600 a 800 nascidos vivos. Mais da metade dos fetos, com Trissomia do Cromossomo 21, sofrem aborto espontâneo no início da gestação, se fossem considerados todos os conceptos, a incidência aumentaria em duas vezes. No entanto, a incidência de portadores de SD tem aumentado em consequência do aumento de sua sobrevida devido aos avanços tecnológicos na medicina (2,6,8).

A maioria dos portadores de SD possui respiração bucal (Figura 1) devido as alterações craniofaciais características como: macroglossia, língua fissurada, hipertrofia papilar, língua geográfica, palato duro ogival, língua protratil, hipofuncionalidade muscular facial, mordida aberta anterior e mordida cruzada (16,21).

Qualquer obstáculo à passagem do ar, pelas vias aéreas superiores, seja por malformação, por inflamação da mucosa nasal (rinite), por desvio de septo nasal ou por hipertrofia do anel de Waldeyer, ocasiona obstrução nasal levando o paciente a respirar pela boca, fazendo com que a respiração bucal substitua o padrão nasal de respiração, porém erroneamente (12,13,14,15).

A respiração predominantemente bucal desencadeia necessidades posturais adaptativas, como o posicionamento inferiorizado da mandíbula e a condução a um padrão de crescimento vertical, na tentativa de equilibrar a respiração, favorecendo processos infecciosos das vias aéreas. Esta tentativa de equilibrar a respiração leva a uma relação de compensação entres as cinturas escapular e pélvica, a fim de proporcionar o reequilíbrio entre os segmentos para vencer a ação da gravidade (16,17,18,19).

A respiração bucal não deve ser considerada uma alternativa fisiológica e sim uma condição patológica, que provocará alterações morfológicas em todo o organismo, dando ao paciente aspecto geral de criança abobalhada, distraída e ausente (18,20).

Com base nas alterações posturais causadas pela respiração bucal em portadores de SD, o proposto trabalho tem como objetivo relatar as principais alterações posturais encontradas em crianças respiradoras bucais portadoras de SD, através do software de análise postural S.A.P.O..

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram selecionadas 10 crianças, portadoras de SD que apresentavam respiração bucal, escolhidas aleatoriamente numa faixa etária entre 5 e 12 anos, sendo 5 do sexo feminino e 5 do sexo masculino, frequentadoras da Escola de Educação Especial Anne Sullivan – APAE de Guarapuava – PR.

Os indivíduos foram incluídos no estudo somente após a concordância com os termos de consentimento livre e esclarecido de seus responsáveis legais, de acordo com as normas do COMEP da UNICENTRO-PR. Todos os procedimentos aqui relatados foram aprovados pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição.

Foram capturadas de cada criança quatro fotos, uma em cada plano, sendo uma anterior, uma posterior, uma lateral direita e outra em lateral esquerda. Durante a captura das fotos, todos os indivíduos permaneceram em posição ortostática anatômica e os pontos analisados seguiram o protocolo do software de avaliação postural S.A.P.O. (22).

O programa de avaliação postural utilizado é um software gratuito que tem a função de complementar o trabalho do avaliador, sendo possível realizar a comparação entre medidas e ângulos encontrados nos pacientes com os valores de normalidade.

Foram utilizadas esferas de poliestireno, com 35 mm de diâmetro, fixadas sobre os pontos de avaliação (Figura 2). Os pés foram posicionados igualmente em todas as posições de acordo com um gabarito, no qual o indivíduo deveria posicionar seus pés.

As fotos foram capturadas com a câmera fotográfica digital Olympus, D-435, 5.1 megapixel. A câmera foi posicionada sobre um tripé, segundo o protocolo do software utilizado, a três metros de distância e a meia altura de cada indivíduo.

Para a obtenção do relatório gerado pelo software, as fotos de cada indivíduo são analisadas uma a uma ordenadamente, segundo as indicações do programa. Nos relatórios são observadas as medidas das regiões analisadas, juntamente com valores de normalidade, possibilitando observar os desvios posturais presentes em cada análise.

RESULTADOS

Segundo o relatório gerado pelo software S.A.P.O. após a análise (Figura 3), foram encontradas 4 hipercifoses torácicas (40%), 8 hiperlordoses lombares (80%), 6 escolioses (60%), 9 anteriorizações de cabeça (90%), 7 propulsões de ombro (70%), 5 escápulas aladas (50%), 5 hiperextensões de joelho (50%), 7 pés planos (70%).

Também foi possível observar que 57,14% dos pés planos apresentavam conjuntamente incidência de joelho valgo, e 14,3% apresentavam joelho varo. No total 40% das crianças apresentaram joelho valgo e apenas 10% da amostra apresentou joelho varo.

DISCUSSÃO

A respiração bucal é desencadeada quando há algum tipo de obstrução do trato respiratório. Os indivíduos com SD tornam-se respiradores bucais em decorrência principalmente da macroglossia. A língua grande causa problema de "conteúdo-continente", protraindo para frente e mantendo a boca sempre entreaberta, facilitando assim a entrada de ar. Como consequência, é realizada uma protusão de cabeça visando à manutenção da via aérea, pela necessidade de melhorar a respiração. Através da retificação do trajeto das vias respiratórias, a chegada do ar aos pulmões encontra menor resistência (12,15,19).

A alteração postural em consequência da respiração bucal é causada pelos mecanismos de cadeias e grupos musculares e articulares. Existe uma relação entre a cabeça, a cintura escapular e a cintura pélvica no reequilíbrio entre os segmentos durante o ortostatismo e sua manutenção perante a ação da gravidade (19,23).

Sá (24) cita como principais alterações musculoesqueléticas nos respiradores bucais os ombros propulsados e rodados para frente, escápulas aladas, hipercifose, hiperlordose, escoliose e pés planos, alterações também encontradas neste trabalho.

Em relação às anormalidades posturais encontradas, a protusão de cabeça esteve presente em 90% da amostra. Krakauer et al (27) comenta em seu estudo que o pescoço do respirador bucal está projetado para frente na tentativa de diminuir a resistência das vias e o tempo de chegada do ar aos pulmões. Essa postura incorreta influencia no posicionamento do restante do corpo, tornando a respiração mais curta e rápida, devido à alteração do movimento do músculo diafragma, levando a nova adaptação postural.

Segundo Carvalho (25), a cabeça posicionada para frente acentua a lordose cervical e a cifose torácica. Os ombros ficam rodados para frente e comprimem o tórax, tornando sua expansão difícil durante os movimentos respiratórios. Esses movimentos incorretos da caixa torácica modificam o equilíbrio das escápulas, tornando-as aladas.

As escápulas aladas, encontradas em 50% das crianças avaliadas no presente estudo, são resultado da ausência de uma boa estabilização escapular, causada normalmente pelo desequilíbrio de forças entre musculatura de rotação interna e externa. Com o passar do tempo, a musculatura anterior fica retraída ao mesmo tempo em que a musculatura posterior alonga e enfraquece, aumentando cada vez mais a deformidade, e acarretando uma série de adaptações dos outros segmentos do corpo para se estabilizar perante a gravidade (25).

A propulsão de ombros, encontrada em 70% das crianças avaliadas, também foi observada por Breda et al. (15), em um estudo com crianças portadoras da síndrome do respirador bucal, relatando grande frequência de propulsões de ombros nos avaliados. Abrantes et al. (23) afirma que a anteriorização de cabeça ocasiona a propulsão e rotação anterior dos ombros por acompanharem o movimento.

Como mecanismo de compensação, pela hiperlordose cervical, a coluna torácica adota uma posição de hipercifose (14). Isto se deve à hiperatividade dos músculos acessórios da respiração, que alteram a mecânica ventilatória. Os músculos acessórios passam a ser mais fortes do que os protagonistas da respiração, desenvolvendo fraqueza muscular generalizada, induzindo à adoção de novas posturas compensatórias, como a hipercifose torácica. Esta nova postura se torna mais confortável ao indivíduo por diminuir o esforço respiratório (20). Foi observada cifose torácica em 40% dos indivíduos avaliados neste trabalho. Também, segundo Krakauer et al (27), a posição incorreta do tronco ocorre devido à desarmonia entre músculos flexores e extensores.

Foi observado que 60% dos indivíduos avaliados apresentaram escoliose. Tal como relatado por Tecklin (1), a escoliose é muito comum em crianças com SD, devido à assimetria de forças musculares. Essa deformidade tende a aumentar com o estirão do crescimento, na puberdade e durante a adolescência, exigindo, assim, uma verificação regular e frequente durante o crescimento da criança. A escoliose pode interferir diretamente na respiração devido às modificações na mecânica ventilatória que serão necessárias a fim de compensar a diminuição da expansibilidade torácica (27).

Segundo os achados deste estudo, foi observado que a hiperlordose lombar foi encontrada em 80% das crianças avaliadas. De acordo com Abrantes et al. (23), a hiperlordose lombar, assim como as outras alterações, ocorre com o objetivo de compensação postural, porém é proveniente também, da deglutição excessiva de ar, levando a distensão da musculatura do abdômen e estômago, tracionando a coluna para frente.

Filus et al. (14) relata em seu estudo que joelhos valgos ou varos podem levar ao o posicionamento inadequado dos pés. Foi observado neste estudo que 70 % dos indivíduos apresentaram pés planos. Desses indivíduos, 57 % apresentaram joelho valgo, 14,3 % apresentaram joelho varo e 28,5 % não apresentaram deformidades no joelho. Segundo Tecklin (1), a hiperfrouxidão ligamentar e hipotonia muscular também estão entre as causas de pés planos em crianças com SD, sendo uma das principais deformidades encontradas nessa síndrome.

Breda et al. (15) afirma ter encontrado poucos casos na sua amostra de joelho valgo e joelho em hiperextensão. Entretanto, Pignatari et al. (28) afirma que o joelho valgo é bastante comum dentre as alterações posturais, tendo encontrado 74 % numa amostra de 176 crianças respiradoras bucais. Dados similares aos encontrados no presente estudo, onde 40 % dos avaliados apresentaram joelho valgo.

Krakauer et al. (27) observou em seu trabalho a presença de hiperextensão de joelho durante avaliação postural de respiradores bucais. Esta mesma deformidade também pode ser observada em 50% das crianças avaliadas.

As alterações posturais encontradas nos indivíduos avaliados neste trabalho podem estar relacionadas com a respiração bucal, porém o agravamento dessas deformidades se deve ao fato dessas crianças apresentarem em seu código genético uma predisposição a alterações posturais (1).

CONCLUSÃO

A utilização do software S. A. P. O se mostrou eficiente na avaliação postural de crianças respiradoras bucais com SD, por permitir a rápida avaliação do paciente, principalmente pela dificuldade em manter crianças em posição estática por tempo prolongado, permitindo avaliação precisa. Outro fator importante se dá pela quantificação da avaliação feita, onde o programa fornece um relatório das análises, permitindo assim que o avaliador possa fazer comparações numéricas dos achados.

Analisando o relatório gerado pelo software S.A.P.O., foi possível observar alterações posturais, tais como: hipercifose torácica, hiperlordose lombar, escoliose, anteriorização de cabeça, propulsão de ombro, escápula alada, hiperextensão de joelho, pés planos, joelho varo e joelho valgo.

As alterações posturais encontradas neste estudo, em crianças respiradoras bucais com SD, são similares as alterações encontradas em indivíduos apenas respiradores bucais, porém não se pode afirmar se essas alterações são provenientes da respiração bucal, da SD ou ainda da associação de ambas.

REFERÊNCIAS 

1 Tecklin JS. Fisioterapia Pediátrica. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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15 Breda D, Moreira HSB. Avaliação postural e da função respiratória em crianças com rinite alérgica, hipertrofia de adenóide e síndrome do respirador bucal. Fisioterapia Brasil 2003; 4(4): 247-252.

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22 Duarte M. Portal do projeto software para avaliação postural. Disponível em: <http://www.sapo.incubadora.fapesp.br/portal>. Acesso em 2 de jun 2008.

23 Abrantes CT, Braga IP, Silva HJ. da. Alterações posturais nos respiradores orais. J Bras Fonoaudiol 2002; 3 (12): 233-236.

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28 Pignatari S, Yi LC, Guedes ZCF, Weckx LLM. Avaliação postural em crianças de 5 a 12 anos que apresentam respiração oral. Fisioterapia em Movimento 2003; 16 (3): 29-33

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Priscila Menon dos Santos

por Priscila Menon dos Santos

Graduada em Fisioterapia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná - UNICENTRO Pós-Graduada em Terapia Manual e Postural pelo Instituto Salgado - Cesumar-PR Pós-Graduanda em Fisioterapia em UTI pela UNIRON-RO Formação em Terapia Craniossacral pelo Instituto Upledger Brasil

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