Mielomeningocele: Correlacionando a literatura e o quadro clínico de uma criança

A lesão medular é um tipo de deficiência física
A lesão medular é um tipo de deficiência física

Fisioterapia

09/10/2014

MIELOMENINGOCELE: CORRELACIONANDO A LITERATURA E O QUADRO CLÍNICO DE UMA CRIANÇA COM MIELOMENINGOCELE


1- INTRODUÇÃO

O enfoque exaustivo e profundo da fisiopatologia das afecções é o começo e o melhor meio de disponibilizar um bom atendimento aos pacientes. Tendo em vista esta perspectiva esse estudo objetivou-se a conhecer a fisiopatologia da Mielomeningocele relacionando-a ao quadro clínico encontrado no atendimento de uma criança do sexo feminino de 02 anos e 10 meses.


2- MIELOMENINGOCELE

A lesão medular é um tipo de deficiência física que compreende um universo amplo é uma agressão a medula espinhal que pode resultar em perda da capacidade motora e sensível do paciente. Neste contexto a Mielomeningocele ocorrida por volta da quarta semana de gestação, quando se dá o fechamento do tubo neural, compreende a deficiência física mais comum entre as crianças (CAMBIER; MASSON; DEHEN, 2005).


Andrade e Augusto (2007, p. 29) definem a Mielomeningocele como
um tipo de Espinha Bífida Cística, que consiste numa malformação congênita devida a um erro no desenvolvimento da coluna vertebral. Não ocorre a fusão dos arcos vertebrais, resultando em fechamento incompleto do canal vertebral. A medula espinhal, as raízes nervosas e as meninges podem projetar-se através da falha da coluna vertebral. O tecido nervoso é anormal e encontra-se, às vezes, preso à superfície interna de uma das membranas e, outras vezes, está exposto a céu aberto, quando há mielosquise (ausência completa de fechamento do tubo neural). A incidência geralmente ocorre entre 1 e 4 casos por 1.000 recém-nascidos vivos. O tipo e a intensidade das deficiências neurológicas e funcionais dependem da localização e da extensão da falha. A região mais freqüente da Mielomeningocele é a lombossacra, tendo como manifestações clínicas: hipotonia (paralisia flácida); diminuição da força muscular; hipotrofia muscular; diminuição ou abolição dos reflexos tendíneos; diminuição ou abolição da sensibilidade exteroceptiva e proprioceptiva; incontinência dos esfíncteres de reto e bexiga; deformidades de origem paralítica e congênita; hidrocefalia.


Moura et al. (2011) acrescentam que a exposição do tecido nervoso ocorrido na Mielomeningocele resulta no crescimento displásico de estruturas do sistema nervoso central, formando a bolsa cística, revestida por epiderme, podendo conter meninges anormais, líquido cefalorraquidiano, nervos e elementos da medula espinhal, característicos dessa patologia e que aparece próximo ao nível da lesão.

A Mielomeningocele pode ocorrer em qualquer região da medula espinhal, mas essa abertura ocorre 75% das vezes na região lombossacra (BRANDÃO; FUJISAWA; CARDOSO, 2009).


Sua causa ainda é obscura, porém sabe-se que existe a interação de fatores genéticos e ambientais denominados de herança multifatorial. Vários genes estão envolvidos no fechamento do tubo neural conferindo forte função específica ou produzindo efeitos e interagindo com outros genes (AGUIAR et al., 2003).


A incidência mundial é variável sendo em média 1: 1000 podendo chegar a alguns lugares a 8: 1000 nascidos vivos. Os estudos da prevalência no Brasil são escassos.


O diagnóstico pode ser feito intra-útero através da ultrassonografia morfológica de alta resolução, no intuito de observar o alargamento do canal vertebral e da análise bioquímica e citogenética do líquido amniótico, através da dosagem dos níveis de alfafetoproteína produzido pelo fígado fetal e eliminada pela urina e pele, que devido ao defeito do fechamento do tubo neural atinge o líquido amniótico e o sangue materno em níveis mais elevados do que o normal, realizando-se assim a amniocentese, processo invasivo realizado entre a 14ª e 16ª semana de gestação para a retirada de uma amostra do líquido amniótico para observação em laboratório dos níveis séricos maternos, a fim de se obter a confirmação diagnóstica (FROEMMING, 1999).


Confirmado o diagnóstico de Mielomeningocele é recomendada a realização do fechamento da bolsa o mais precocemente possível para reduzir o risco de infecções. A cirurgia para correção de Mielomeningocele consiste no restabelecimento das barreiras naturais que isolam o tecido nervoso do meio externo (BRONZERI et al., 2011).


Rocco, Saito e Fernandes, 2007 recomendam que a realização da cirurgia deve ser feita logo após o nascimento, se possível antes da primeira mamada a fim de não permitir a colonização intestinal por bactérias do leite. Procedimento ainda mais precoce consiste na realização da correção intra-útero da Mielomeningocele, através da cirurgia fetal. Este procedimento só é realizado se o risco de morte ou alta incapacidade para o feto for maior se não houver a intervenção e se o risco materno se permanecer baixo (BRAGA et al., 2005).


A Mielomeningocele é a mais comum e mais complexa malformação congênita do sistema nervoso central e se associa a várias patologias, anomalias, déficits e disfunções dos sistemas. Dentre as incapacidades crônicas que a criança pode apresentar estão:

paralisia ou deformidades dos membros inferiores e da coluna vertebral, distúrbios da sensibilidade cutânea, descontrole urinário e fecal, disfunção sexual, hidrocefalia, dificuldade de aprendizagem e risco de desajustes psicossociais (BRONZERI et al., 2011).

Nos membros inferiores e na coluna vertebral é comum a presença de distúrbios ortopédicos, tais como pé torto congênito apresentando características de pele sensível, paralisia muscular, ausência de propriocepção e rigidez, instabilidade do quadril por desequilíbrio muscular congênito ou adquirido ou por complicações como a medula presa, joelhos flexos ou recurvos, presença de escoliose congênita ou adquirida, hiperlordose lombar e cifose congênita que podem dificultar ou impedir a deambulação, comprometer a função respiratória e apresentar problemas cardiopulmonares, úlceras de pressão, infecções ósseas e outras (FERNANDES et al., 2005).


Anomalias do trato urinário e fecal associado à Mielomeningocele ocorrem em uma frequência de 7%, sendo essa possibilidade maior nos dois primeiros anos de vida (SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA, 2006). Devido à displasia medular ocorrida na Mielomeningocele ocorrem patologias como bexiga neurogênica, incontinência urinária, infecção urinária, refluxo vésico-uretral e malformações renais (FROEMMING, 1999).


A Hidrocefalia é a malformação associada mais frequente da Mielomeningocele, segundo o Incesu (2000)50 a98% das crianças com Mielomeningocele apresentam hidrocefalia (PEREIRA; BICHARA; OLIVEIRA; COSTA, 2007).
Tendo em vista a quantidade e a complexidade dos problemas decorrentes da Mielomeningocele e que não podem ser tratados isoladamente se faz necessário a atuação de equipe transdisciplinar holística especializada a fim de estabelecer o maior grau de autonomia, de independência da criança, o qual facilitará sua inclusão social (NUNES et al., 2006).



3- CASUÍSTICA E DISCUSSÃO DO QUADRO CLÍNICO ENCONTRADO EM UMA CRIANÇA COM MIELOMENINGOCELE.



A criança participante deste estudo é do gênero feminino e atualmente possui 03 (três) anos de idade. Segundo vários estudos, observa-se, a ligeira prevalência de ocorrência de Mielomeningocele no sexo feminino de 1:1,2 a 1:1,5. (ROCCO; SAITO; FERNANDES, 2007; BRANDÃO; FUJISAWA; CARDOSO, 2009). No caso estudado a criança é a primeira filha e nasceu com2.560 kg, recebeu nota 09 (nove) no apagar ao 1º minuto e 09 (nove) no 5º minuto. Seu peso contradiz a literatura que relata maior incidência em recém-nascidos de baixo peso (<2.500 kg) e concorda ao dizer que a prevalência é menor em filhos de mulheres multíparas (AGUIAR et al., 2003; BRONZERI et al., 2011).


Quanto ao quadro clínico verifica-se que a região anatômica acometida pela lesão foi a lombossacra, concordando com a prevalência de 75% a 80% encontrado na literatura, como exemplifica o estudo realizado por Bergamaschi, Faria e Santos (2011) em Mogi das Cruzes encontrando a região lombar baixa acometida em 75% dos casos analisados durante o estudo. (BRANDÃO; FUJISAWA; CARDOSO, 2009; AGUIAR et al., 2003; COELHO; SLVA; EGASHIRA; RIBEIRO, 2009; BRONZERI et al., 2011).


A criança apresenta hidrocefalia como patologia associada, sendo esta a patologia com incidência de 50% a 98% de prevalência de associação com a Mielomeningocele (ANDRADE; AUGUSTO, 2007; PEREIRA et al., 2007) e a paciente realizou a cirurgia para derivação ventrículo peritoneal – DVP e a cirurgia para a correção e fechamento da ferida de Mielomeningocele em 24 horas de vida como recomenda a literatura (BRONZERI et al., 2011; ROCCO; SAITO; FERNANDES, 2007).


Foi verificado que a criança apresenta pé torto congênito como a deformidade esquelética associada à Mielomeningocele e assim como a literatura relata a maior prevalência de escoliose em pacientes com lesão torácica, a paciente não apresenta escoliose (BERGAMASCHI; FARIA; SANTOS, 2011; BRANDÃO; FUJISAWA; CARDOSO, 2009).


A criança possui incontinência urinária e bexiga neurogênica, fazendo o uso de cateterismo intermitente de 4 em 4 horas usando sonda uretral número 10. Concordando com Froeming (1999), Andrade e Augusto (2007), que relatam a presença de distúrbios urológicos associados à Mielomeningocele devido à displasia medular.
A criança participante desse estudo é possuidora de marcha, concordando com Fernandes et al. (2005) que definiram as lesões em nível lombar baixo e sacral com prognósticos bom e ótimo para a deambulação respectivamente.


A criança não consegue pular, por mais que realize os movimentos ela não consegue sair do chão, pois suas reações de equilíbrio ainda não são totalmente refinadas. Bem como ainda não possui a capacidade de se equilibrar em uma só perna, pela falta de adequação aos desequilíbrios sofridos por essa atividade. As dificuldades encontradas pela mãe da criança na realização de algumas atividades de vida diária são as mesmas apresentadas por Mancini et al. (2002) apud Golle (2006, p.15) referentes ao impedimento ou limitação da criança ao “[...] levantar da cama, ir ao banheiro, jogar bola, andar de bicicleta [...]” resultantes da perda da função motora e sensível do paciente pela agressão sofrida na medula espinhal (CAMBIER; MASSON; DEHEN, 2005), o que acaba restringindo a convivência social da criança.



4- CONSIDERAÇÕES FINAIS


Após a análise qualitativa dos dados foi possível concluir que a criança possui a maioria dos sintomas e patologias associadas a este tipo de defeito do fechamento do tubo neural, porém as conclusões não podem ser generalizadas, diante disso um estudo com maior número de amostras traria conclusões mais minuciosas.

5- REFERÊNCIAS


AGUIAR, Marcos J. B. et al. Defeitos de fechamento do tubo neural e fatores associados
em recém-nascidos vivos e natimortos. Jornal de Pediatria 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jped/v79n2/v79n2a07.pdf> Acesso em 25 de julho de 2012.


ANDRADE, M. C. P. AUGUSTO, V. Efeitos da utilização do cavalo como recurso terapêutico na motricidade de crianças portadoras de Mielomeningocele. Pensamento Plural. 2007. Disponível em <http://www.fae.br/plural/Vol_1_n_1_2007/Unifae_documento_efeitosdautilizacaodocavalo.pdf>. Acesso em 15 de maio de 2012.


BERGAMASCHI, Alessandra MolteniTrautwein. FARIA, Tereza Cristina Carbonari de. SANTOS, Carlos Alberto dos. Perfil dos pacientes portadores de Mielomeningocele na cidade de Mogi das Cruzes. RevNeurocienc 2011. Disponível em:< http://www.revistaneurociencias.com.br/inpress/644%20original.pdf> Acesso em 04 de setembro de 2012.


BRAGA, Angélica de Fátima de Assunção. et al. Anestesia para correção intra-útero de Mielomeningocele: relato de caso. Rev. Bras. Anestesiol. [online]. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rba/v55n3/v55n3a09.pdf > Acesso em 25 de julho de 2012.


BRANDÃO, Aline Dias. FUJISAWA, Dirce Shizuka. CARDOSO, Jefferson Rosa. Características de crianças com Mielomeningocele: implicações para a fisioterapia. Fisioter. Mov., Curitiba. 2009. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/RFM?dd1=2618&dd99=view> Acesso em 25 de julho de 2012.


BRONZERI, Fernanda Graciano. et al. Mielomeningocele e nutrição: proposta de protocolo de atendimento. O Mundo da Saúde, São Paulo: 2011. Disponível em:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/Mielomeningocele_nutricao_proposta_protocolo_atendimento.pdf> Acesso em 15 de maio de 2012.


CAMBIER, Jean. MASSON, Maurice. DEHEN, Henri. Neurologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.


COELHO, Cynthia Müller. SILVA, Regina Célia da. EGASHIRA, Elizabeth Miyeko. RIBEIRO, Sandra Maria Lima. Evolução do estado nutricional de crianças com Mielomeningocele em período de três anos. 2009. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/69/347a351.pdf> Acesso em 25 de julho de 2012.


FERNANDES, Antonio Carlos. et al. Mielomeningocele. In: Fisioterapia aspectos clínicos e práticos da reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, 2005.


FROEMMING, Cristine. Resposta urodinâmica ao cateterismo vesical intermitente e cloreto de oxibutinina em crianças com Mielomeningocele. Porto Alegre, 1999. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6120/000436938.pdf?sequence=1> Acesso em 25 de julho de 2012.


MOURA, Renata Calhes Franco de. et al. Alteração espirométrica em crianças com Mielomeningocele é dependente do nível de lesão funcional. Fisioter. Mov., Curitiba, 2011. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/fm/v24n2/a04v24n2.pdf > Acesso em 25 de julho de 2012.


NUNES, Adriana Porto. et al. Mielomeningocele torácica: repercussões e formas de prevenção. Rev. Paul. Pediatria 2006. Disponível em: <http://www.spsp.org.br/Revista_RPP/24-41.pdf > Acesso em 01 de agosto de 2012.


PEREIRA, Edmundo Luís Rodrigues. BICHARA, Cléa Nazaré Carneiro. OLIVEIRA, Ana Carolina Santos. COSTA, Márcio Alexandre Teixeira da. Epidemiologia de pacientes com Malformação de Chiari II internados no Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Rev. Para. 2007. Disponível em: < http://scielo.iec.pa.gov.br/pdf/rpm/v21n2/v21n2a03.pdf> Acesso em 31 de julho de 2012.


ROCCO, Fernanda Moraes. SAITO, Elizabete Tsubomi. FERNANDES, Antonio Carlos. Perfil dos pacientes com Mielomeningocele da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) em São Paulo – SP, Brasil. ACTA FISIATR 2007. Disponível em:
<http://www.actafisiatrica.org.br/v1/controle/secure/Arquivos/AnexosArtigos/1FC214004C9481E4C8073E85323BFD4B/acta_14_03_130-133.pdf> Acesso em 25 de julho de 2012.


SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA. Mielomeningoceles: Tratamento Urológico. Projeto Diretrizes. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. 2006. Disponível em: <http://www.projetodiretrizes.org.br/6_volume/34-Mielomenincelestratur.pdf > Acesso em 31 de julho de 2012.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Pâmela Stelle

por Pâmela Stelle

Graduada em Fisioterapia pela Faculdade Cidade de João Pinheiro - FCJP (2012). Pós graduanda em Fisioterapia em Neurologia pela Uniasselvi - Instituto Máximo (2014); Pós graduanda em Fisioterapia em Ortopedia pela Uniasselvi - Instituto Máximo (2014); possui formação básica em Kinesio Tapping e Dry Nedlling.

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