Fonoaudiologia e apneia obstrutiva do sono

Pacientes com apnei podem acometer-se de problemas fonoaudiológicos
Pacientes com apnei podem acometer-se de problemas fonoaudiológicos

Fonoaudiologia

06/07/2013

INTRODUÇÃO
O equilíbrio do sistema estomatognático é muito importante para a saúde do indivíduo, já que suas funções se integram de forma interdependente. A função respiratória é fundamental para a realização de todas as outras as ações que compõe o sistema estomatognático. Com isso, pode-se estabelecer que as alterações no fluxo respiratório de pessoas que desenvolveram a síndrome da apneia obstrutiva do sono podem ser percebidas mesmo fora do complexo estomatognático.

A respiração alterada de forma intensa e duradoura deixa marcas expressivas no corpo, pois promove uma modelação alterada da musculatura da orofaringe, da postura do indivíduo, da relação entre o cansaço – sono – atenção – bom humor, chegando a atingir até a audição.

O objetivo desse trabalho é analisar a síndrome da apneia obstrutiva do sono, enfatizando as principais desordens que essa doença pode ocasionar no paciente e as possibilidades de intervenção da fonoaudiologia. Para isso, realizou-se pesquisa bibliográfica através dos autores Balbani e Formigoni (1999), Burger (2004), Lemos (2009), Reimão e Joo (2000), Queiroz (2010), Silva (2007), Veigas e Oliveira (2006) e Zillotto (2006).



RESULTADOS/DISCUSSÃO
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é a desordem do sono mais comum na atualidade, caracterizada por obstruções nas vias aéreas superiores. Para que a pausa respiratória possa ser classificada enquanto apneia obstrutiva do sono, faz-se necessário que ela determine uma obstrução total da passagem de ar pelas vias respiratórias superiores. O diagnóstico da apneia requer um estudo minucioso do fluxo de ar durante o sono no indivíduo, para que esta síndrome não seja confundida com as reduções da passagem de ar, as hipopneias. Enquanto as hipopneias se caracterizam por uma redução de no mínimo 50% do fluxo oronasal por um período igual ou superior a 10 segundos, a apneia apresenta um grau de severidade maior para o indivíduo, pois cessa completamente o fluxo aéreo por um tempo superior a 9 segundos (BURG et. al, 2004, p. 266).

Segundo Burg et. al. (2004), durante as pausas respiratórias ocorre a dessaturação do oxigênio e o micro despertar do indivíduo. Eles apontam que a obesidade favorece o desenvolvimento da síndrome, bem como o gênero masculino e fatores de hereditariedade, como pode-se observar a seguir:

A prevalência da SAOS é de 9% da população masculina de meia idade (30 – 60 anos) e 4% da população feminina após a menopausa. Também é observada uma certa predisposição familiar. Em sua grande maioria, os indivíduos acometidos são homens de meia idade. O gênero masculino é mais afetado devido a diferenças anatômicas das vias aéreas superiores, perfil hormonal e distribuição adiposa do tipo central nos homens (tronco e pescoço) (BURG et. al, 2004, p. 267).

Há indícios que os hormônios femininos podem atuar como fatores inibidores ou atenuantes do desenvolvimento da síndrome. Com isso, a partir da menopausa, quando há uma redução na produção dos hormônios femininos, ocorre um aumento na incidência de mulheres acometidas pela SAOS (BURG et. al, 2004, p. 267).

A apneia, apesar de se apresentar durante o sono acaba por produzir sintomas que acompanham o indivíduo mesmo quando está acordado. Um dos principais sintomas da síndrome é o ronco, produzido de forma involuntária pela vibração da úvula, palato mole, paredes faríngeas, epiglote e língua. Tal vibração pode produzir sons com loudness que chegam a 85 db, fato que gera graves problemas sociais para o indivíduo (BURG et. al, 2004, p. 267).

A apneia, durante o sono, além do ronco e das pausas respiratórias, determina um sono agitado com múltiplos despertares, noctúria e sudorese. Essa má qualidade do sono ocasiona sintomas que os indivíduos apresentam durante o dia como sonolência excessiva, cefaleia matinal, déficits neurocognitivos, alterações de personalidade, redução da libido, sintomas depressivos e ansiedade (BURG et. al, 2004, p. 267). Portanto é possível observar que a SAOS apresenta graves danos que podem acometer a vida do indivíduo nas esferas orgânica, psíquica e social.

Burger et. al. (2004), ao produzir uma pesquisa sobre a relação entre a apneia obstrutiva do sono, o ronco e suas relações com a respiração oral, analisaram 45 pacientes, dos quais 34 homens e 11 mulheres, com faixa etária entre 18 e 60 anos, concluíram que a característica hipotônica da musculatura orofaríngea dos respiradores orais contribui para o desenvolvimento da apneia e, portanto, a intervenção mioterápica é perfeitamente viável como parte do tratamento da síndrome.
Queiroz (2010), afirma que a SAOS também está associada a problemas cardiovasculares dentre eles a hipertensão arterial sistêmica (HAS), arritmias, principalmente noturnas, taquiarritmias, insuficiência cardíaca e disfunção diastólica, como pode-se verificar a seguir:

Dentre elas, destaca-se a hipertensão arterial sistêmica, presente em cerca de 50% dos pacientes. Em pacientes hipertensos, a prevalência de SAOS é de 30% em contrapartida à prevalência geral de 2 a 4%, já citada anteriormente. Arritmias são frequentes em pacientes com SAOS, sendo as mais comuns bradicardia sinusal severa e bloqueios atrioventriculares – principalmente noturnas, associadas às apneias com dessaturação. [...] Taquiarritmias (extrassístoles polimórficas, taquicardia ventricular e supraventricular) também são descritas, embora, em pacientes com SAOS sem outras morbidades, esta prevalência seja baixa. Distúrbios respiratórios do sono também são prevalentes em pacientes com insuficiência cardíaca e vice-versa. Também há bastante variação entre os diversos estudos devido a diferenças epidemiológicas, mas estima-se que pelo menos 50% dos pacientes com FE (fração de ejeção) < 45% tenham apneia do sono (incluindo respiração de Cheyne-Stokes e SAOS). Trabalhos recentes mostram que a SAOS está presente em 55% dos pacientes com insuficiência cardíaca diastólica e, em contrapartida, 37% dos pacientes com SAOS têm disfunção diastólica. (QUEIROZ, 2010, p.3).

Balbani e Formigoni (1999), ao tratarem das características anatômicas e fisiológicas das vias aéreas nos pacientes com SAOS apontam que fatores como a deposição de gordura na região cervical, hipoplasia da maxila ou mandíbula, macroglossia, hipertrofia das amígdalas, adenoide, secreções respiratórias de volume aumentado contribuem para a instalação da síndrome.

Reimão e Joo (2000), afirmam que apesar da apneia possuir uma sintomatologia caracterizada por ronco, sonolência excessiva diurna e pausas respiratórias durante o sono, é fundamental o monitoramento realizado pela polissonografia para a definição do diagnóstico. Segundo elas, esse exame permite que parâmetros fisiológicos sejam monitorados durante o sono noturno como o eletroencefalograma, eletrocardiograma, eletroculograma, eletromiograma, medida de fluxo aéreo bucal e nasal e esforço respiratório.

Veigas e Oliveira (2006) realizaram uma pesquisa com 262 motoristas profissionais de ônibus interestadual do Distrito Federal, objetivando a verificação dos fatores de risco da SAOS, identificaram que essa população apresentava obesidade, acúmulo de gordura na região do pescoço, uso de tabaco e álcool, sono agitado, sensação de sufocamento, paradas respiratórias e ronco. Cerca de 48% dos participantes relataram sentir sono ao dirigir e 42% deles já se envolveram e acidentes de trânsito, fato que para as autoras pode estar relacionado com a hipersonolência ocasionada pela apneia, como pode-se observar a seguir:

Temos assim a SAOS e a hipersonolência diurna como fatores propiciadores de acidentes de trânsito. A SAOS irá causar déficits neurocognitívos e problemas psicológicos, incluindo prejuízo da memória, concentração e função executiva. Estes exemplos ilustram o fato de que, durante a hipersonolência diurna, há redução do nível de vigília e alterações na coordenação psicomotora, como demonstrado neste trabalho. (VEIGAS e OLIVEIRA, 2006, p. 148).
Os motoristas de caminhão também apresentam um índice de prevalência superior a da população, fato que sugere uma associação entre a SAOS e o tipo de trabalho desempenhado pelo indivíduo (LEMOS et. al., 2009). Segundo a pesquisa realizada por Lemos et.al.(2009), com uma população de 209 motoristas de caminhão, do sexo masculino, com idade média de 38,8 anos, observou-se que 11,5% apresentavam a síndrome, 34,5% relataram ter dormido ao volante enquanto dirigiam e 38,7% roncavam ao dormir.

Em crianças, a SAOS geralmente está associada a obstruções estruturais como a hipertrofia de tonsilas, a laringomalácia, alterações nas estruturas craniofaciais, também é comum a influência de fatores neuromotores como a hipotonia da musculatura faríngea e síndromes neurológicas. A apneia ao se desenvolver em crianças ocasiona um padrão de obstrução com características parciais e persistentes, devido ao aumento da tonicidade neuromotora faríngea, especialmente do genioglosso. Tais configurações são determinantes para que a sintomatologia da apneia infantil apresente diferenças em relação ao padrão apresentado nos adultos. Em crianças, dificilmente ocorre o rompimento completo do fluxo aéreo que ocasiona os despertares noturnos, conforme Valera et. al. (2004):

Na SAHOS, as vias aéreas superiores em crianças apresentam aumento de tônus neuromotor faríngeo, em especial do músculo genioglosso, originando um padrão predominante de obstrução parcial e persistente de vias aéreas superiores, além da hipercapnia e da hipóxia (chamado de hipoventilação obstrutiva). Esse padrão tende a se estender em tempo devido à não ocorrência do despertar. Assim, as crianças são menos sujeitas a apneias cíclicas, com rompimento completo do fluxo aéreo e consequentes despertares, mais comuns em adultos. Acordares em crianças são infrequentes, sendo mais raro quanto menor a idade da criança. Os períodos prolongados e ininterruptos de hipoventilação obstrutiva em crianças ocorrem também devido ao aumento do limiar para acordares em resposta à SAHOS. (VALERA, 2004, p.233).

Ziliotto et. al. (2006), no período de maio de 2001 a julho de 2002, avaliaram 30 indivíduos entre 05 e 11 anos, divididos em três grupos: grupo I - respiradores orais, grupo II – SAOS e grupo III – respiradores nasais. Na avaliação otorrinolaringológica, observou-se que as crianças com SAOS apresentavam maior número hipertrofia de cornetos nasais de grau II e III e hipertrofia de tonsilas palatinas de grau II e IV. Na polissonografia 60% das crianças do grupo II possuíam alteração leve e 40% tinham alterações de graus moderado e severo. Já nos testes de processamento auditivo, o grupo da apneia apresentou pior desempenho que os respiradores nasais durante o teste dicótico de dígitos. No teste de memória para sons não verbais, o desempenho do grupo da apneia foi inferior ao do grupo de respiradores orais. A partir dos resultados dessa pesquisa, os autores concluem que as alterações no processamento auditivo correspondem a manifestações decorrentes da SAOS.

Balbani (1999), afirma que o tratamento para a síndrome pode ser classificado nas categorias: comportamental, clínico e cirúrgico. O objetivo do tratamento para a SAOS visa promover uma ventilação e oxigenação normais durante o sono, atenuar o ronco e extinguir a fragmentação do sono. No tratamento comportamental se combate os fatores de risco para a síndrome através da higiene do sono. O tratamento clínico/farmacológico se baseia na utilização de drogas como a protriptilina e os progetágenos que estimulam a ventilação. Já a intervenção cirúrgica apresenta algumas alternativas como a traqueotomia, que visa favorecer a permeabilidade da via aérea, a septoplastia, a exérese de pólipos ou massas nasais, a adenoidectomia que corrigem as anomalias nasais, a uvulopalatofaríngoplastia que objetiva promover a remoção do tecido redundante do véu palatino juntamente com a úvula.

Silva et. al. (2007), ao relatarem um caso de intervenção fonoaudiológica em um paciente do sexo feminino, de sessenta anos de idade, com apneia obstrutiva do sono de grau grave, expõem que o plano terapêutico aplicado buscou promover o relaxamento da região cervical e da musculatura supra-hióidea, a melhora na aeração nasal, reposicionar e aumentar da força da língua, fortalecer o véu palatino, aumentar dos músculos envolvidos na mastigação, abaixar o osso hioideo e desenvolver a mastigação bilateral alternada. Ao final da terapia o paciente relatou melhora significativa no cansaço diurno, a polissonografia indicou que a quantidade de eventos da apneia/hipopneia teve uma redução de 44 eventos/hora de sono para 03 eventos/hora de sono, fato que permitiu a mudança no diagnóstico para distúrbio respiratório de grau baixo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os danos a saúde do indivíduo ocasionados pela Apneia obstrutiva do sono extrapolam o período do sono. Ao desajustar a função estomatognática da respiração de forma frequente, a SAOS deixa sequelas que comprometem o aparelho cardiorrespiratório, a audição e a vida social do paciente.

Para uma reabilitação eficaz é fundamental a eliminação ou atenuação de fatores de risco, principalmente a obesidade. A literatura relata que a uvulopalatofaríngoplastia tem obtido importantes resultados ao remodelar as estruturas faríngeas.

A atuação da fonoaudiologia frente a síndrome da apneia obstrutiva do sono está ligada ao fortalecimento da musculatura faríngea, ao correto funcionamento do véu palatino e ao reposicionamento de alterações que possivelmente são resultado de irregularidades no fluxo respiratório, como postura cervical alterada, osso hioide alterado e musculatura lingual flácida e alterada.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALBANI, A.P.S. e FORMIGONI, G.G.S. Ronco e síndrome da apneia obstrutiva do sono. Revista Associação Médica Brasil, 1999.
BURGER, Ruth Cristina Petraconi et. al. A relação entre apnéia do sono, ronco e respiração oral. Revista CEFAC. São Paulo, v.6, n.3, p.266-271, 2004.
LEMOS, Lucia Castro et. al. Síndrome da apneia obstrutiva do sono em motoristas de caminhão. São Paulo: USP,2009.
REIMÃO, R. e JOO, S.H. Mortalidade da apnéia obstrutiva do sono. Revista da Associação Médica Brasileira. vol. 146, n. 01, São Paulo, 2000.
QUEIROZ, Eduardo Lyra de. Apneia obstrutiva do sono. Medicina NET. Porto Alegre, 2010, disponível em: www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/3728/apneia_obstrutiva_do_sono.htm
SILVA, Letícia Maria de Paula et. al. Atuação fonoaudiológica na síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono: relato de caso. REVISTA CEFAC. São Paulo, v.9, n.4, p. 490-496, 2007.
VEIGAS, Carlos Alberto de Assis e OLIVEIRA, Haroldo Willuweit. Prevalência de fatores de risco para a síndrome da apnéia obstrutiva do sono em motoristas de ônibus interestadual. In: JORNADA BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA. UNB. Anais... Brasília, 2006.
ZILLIOTTO, Karvin Neves et. al. Avaliação do processamento auditivo em crianças com síndrome da apneia/hipopneia obstrutiva do sono. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 72, n.3, p. 321-327, 2006

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Gladson de Oliveira Santos

por Gladson de Oliveira Santos

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010), especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Castelo Branco-RJ (2007), graduado em História/Licenciatura (2004), graduado em História/Bacharelado (2010), ambas pela Universidade Federal de Sergipe e acadêmico em fonoaudiologia/bacharelado da Universidade Federal de Sergipe.

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