Nos últimos tempos, a televisão tem sentado no banco dos réus como a principal suspeita pelas inversões de valores, violência e descalabros sociais. Defensores afiados em suas críticas contra os programas televisivos têm anunciado a presença de uma sociedade acéfala, incapaz de refletir e analisar os programas assistidos, aceitando compassivamente todas as ideias propostas por esse instrumento de comunicação.
A mesma crítica é feita sobre o uso da internet, hoje, o meio de comunicação mais usado por nossa sociedade. Credita-se à esse instrumento a possibilidade de bestializar os usuários que buscam apenas futilidades, inversões de valores e fim da criticidade. Os brados são muitos e chegam a propor, de forma saudosista, programas antigos que não exponham e não deturpam a moralidade.
Gritam os moralistas que os adolescentes são as principais vítimas, pois são os mais suscetíveis a essa ameaça. Dizem também, que a camada popular, porque ignorante e não dotadas de senso crítico, são vítimas dos interesses megalômanos e capitalistas das grandes corporações e empresas capitaneadas pelas classes ricas. Procuram, por meio desses argumentos, a censura de programas e meios de comunicação que expõem a comunidade aos pensamentos "inadequados" que reproduzem.
Mas até que ponto tudo isso é correto? Por que atribuir à televisão a culpa por todas as mazelas sociais? Por que dizer que o acesso democrático da internet pode ser considerado empecilho ao desenvolvimento intelectual e crítico do indivíduo? Então, a educação, a moralidade, a ética e os valores em geral foram transformados pelos programas de televisão? Eles têm tanto poder assim? E por que não fazer uma análise mais profunda e compreender se os pressupostos elencados acima são realmente validados?
Essa discussão com toda certeza daria muitos elementos e, por isso, seria demasiadamente longa. No entanto há como discutir, refutar ou aceitar certos pressupostos. Não devemos delegar à televisão e à todo sistema de comunicação e informação toda a dificuldade e problemática presente em nossa sociedade. Não devemos creditar o sucesso da televisão, a propagação e democratização do acesso à internet e a situação social, econômica e cultural de uma camada populacional à ignorância e falta de senso crítico. Não devemos generalizar e indicar que todos os programas televisivos são de mau gosto e, por fim, mesmo aceitando que a televisão traz certos malefícios aos adolescentes, ela também é (e poderá ser) um grande instrumento de educação, cultura e lazer.
De mesmo modo, a internet é a possibilidade de trazer mais acesso e poder de intervenção dos indivíduos em sua comunidade. A televisão e o computador são instrumentos e, como todo instrumento, seus efeitos serão de acordo com o uso que se faz deles. Se abandonarmos o pensamento mítico e usarmos de nossa criticidade, poderemos "despersonificar" o aparelho "televisão" e atribuir aos verdadeiros culpados às transformações que vivenciamos.
Somos nós que devemos cobrar qualidade e, quando não há, somos nós que devemos nos negar a participar. Agora, participamos quando reconhecemos que algo faz sentido e parte de nossa vida. Oras, se encontramos audiência para a banalidade, será que a banalidade não está presente em nossa vida e fazendo sentido? Será que a televisão não vem apenas refletir o que já está presente em nós. Será que o grande número de brasileiros usando Facebook ou Orkut, escrevendo e "curtindo" certos conteúdos não reflete o que somos enquanto consumidores?
A dimensão criativa da televisão não é tão grande a ponto de transformar toda a sociedade num sopro só. Seria até mítico dá ao instrumento inanimado e/ou controlado por nós o poder de perverter a sociedade. Senão, seria muito fácil "consertar". Então exibiríamos sempre um programa considerado de "qualidade" e a sociedade tornaria uma sociedade de "qualidade".
Acredito que os tempos de censura tentaram e não lograram. Mas não é bem assim que funciona. Há muito elemento envolvido. É apropriando-se adequadamente de um instrumento que teremos respostas adequadas. E os adjetivos "adequados" e "qualidade" são muito pessoal, subjetivo que não me atrevo a determinar padrões. O que para mim é qualidade, para outros, não.
Se somos críticos a ponto de reconhecer a baixa qualidade, a violência e as inversões de valores em determinados programas televisivos, devemos ser críticos o bastante para reconhecer que muitos programas trazem neles uma consciência coletiva do que somos, de como estamos e para onde vamos. Se realmente estamos preocupados com as qualidades discursivas dos jovens nas redes sociais, devemos, também, reconhecer que esse meio de comunicação possibilita, por outro lado, a interação educacional da sociedade.
O que não é surpresa para todos ao perceber o avanço dos cursos EAD. O que isso indica? Que diante desses programas e possibilidades comunicativas possuímos vários e sérios instrumentos reflexivos sobre a nossa realidade. Agora, seria de um mau gosto e acrítico “culpabilizar” a camada popular pelo sucesso dos programas de "baixa qualidade" devido à "ignorância" e falta de "cultura" ou pelo Brasil já ser o segundo país em uso da internet e redes sociais. Quem, ainda hoje, usa esses adjetivos para indicar uma determinada classe ou povo, tem muito que aprender e conhecer melhor esse mesmo povo.
Não podemos aceitar esse discurso reducionista e generalizado, pois quem carrega esse discurso, tem pouca vivência e desconhece a sabedoria popular e as habilidades forjadas na vida de um ser humano. Como ser humano, não devemos repudiar ou excluir outro ser humano, diferenciando pelo poder intelectual, pelo grau de erudição ou escolarização. Esse artifício é o mesmo usado para encontrar, (não sei se é o termo adequado) uma raça perfeita.
Como crítico, defensor da ética humana, não aceito ouvir um falar tão preconceituoso e cheios de maus ditos. Se nossa sociedade não caminha bem, se não temos mais respeito um pelo outro, se nossa cultura decaiu e nossa moralidade extinta, se nossos filhos não sabem mais respeitar os valores que tanto preservamos e se a nossa vida anda muito complicada, não é “culpabilizando” a televisão que teremos uma resposta. Não é delegando aos jovens facebookers a culpa do retrocesso intelectual de uma sociedade. Não teremos meios de compreender enquanto usarmos do artifício da “culpabilização”. Porque culpando alguém, tira-nos a responsabilidade de se envolver e de, junto, buscar uma solução. Porque culpando alguém ou alguma coisa, podemos, temporariamente, dizer-nos que estamos livres da responsabilidade dos efeitos que a sociedade nos apresenta. E isso não é ser crítico e sim comodista. Não é ser sábio e sim traidor.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Valdir dos Santos Lopes
Sou Valdir dos Santos Lopes, mais conhecido como Dir. Sou formado em Letras, especializado em Psicopedagogia Clinica e Institucional e graduando em Pedagogia pela Unesp.
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