Fundamentos da Medicina do Trabalho, Saúde Ocupacional e Saúde do Trabalhador

Surgiu como fruto de uma crítica ao modelo trabalhista-previdenciário histórico
Surgiu como fruto de uma crítica ao modelo trabalhista-previdenciário histórico

Medicina

09/07/2014

Embora a relação trabalho e saúde tenha sido relatada desde a Antiguidade, as primeiras abordagens formais desta relação tiveram início na Europa, no século XIX, com a criação da Medicina do Trabalho e a implantação dos serviços médicos dentro das empresas. Eram estruturas centradas na figura do médico, que, por meio de uma atuação focada no trabalhador, assumiam a responsabilidade pela prevenção dos acidentes e das doenças. Mas o interesse principal não era o de promover a saúde dos trabalhadores, mas, sim, o bom funcionamento dos processos de trabalho.


As práticas mais disseminadas eram a seleção de pessoal que, em tese, fosse menos propenso a se acidentar e adoecer, o controle da saúde para evitar problemas de absenteísmo e os esforços para proporcionar retorno rápido ao trabalho nos casos de afastamentos.


A medicina do trabalho tornou-se a variável técnica para solucionar os danos à saúde provocados pelos processos produtivos, sem possibilidade de interferir além dos preceitos normativos estabelecidos no contrato de trabalho firmado entre patrões e empregados. Inaugurava-se um campo médico subserviente ao contrato e ao interesse do capital produtivo (VASCONCELLOS, 2011; VASCONCELLOS; PIGNATTI, 2006).


Conforme afirma Mendes (1980), a medicina do trabalho e a higiene tornaram-se insuficientes para apreender as agora cada vez mais complexas relações entre trabalho-saúde havendo a necessidade de uma racionalidade científica mais abrangente consubstanciada na saúde ocupacional – melhor elaborada conceitualmente e que absorve contribuições da higiene industrial, da toxicologia, da epidemiologia e da própria saúde pública, momento em que a medicina do trabalho confunde-se, conceitualmente, com a saúde ocupacional.


Segundo Leon e Almeida (2011), a história da Saúde Ocupacional demonstra o interesse do Estado Capitalista no retorno financeiro do investimento na prevenção de doenças associadas ao trabalho. A força motriz da construção da Medicina Ocupacional, com a criação dos Departamentos Médicos nas empresas provém do impulso de minimizar os prejuízos decorrentes dos afastamentos e absenteísmo dos empregados.


Conforme destaca Vasconcellos (2011), tanto a saúde ocupacional como a saúde do trabalhador retratam campos de ação sobre as relações saúde-trabalho, na perspectiva de prevenção e reparação dos danos à saúde no trabalho, que implicam a construção de conhecimentos e de intervenção sobre os problemas gerados nessas relações. E complementa afirmando que embora ambas se assentem em raízes históricas comuns, os campos de ação de cada uma são profundamente marcados por diferenças conceituais, ideológicas, institucionais, normativas, culturais, sociopolíticas e econômicas que acabam por estabelecer políticas públicas distintas em suas diretrizes de ação e de comportamento dos agentes públicos por elas responsáveis.


A incorporação da lógica da Saúde Pública, de prevenção de riscos e de promoção da saúde com a participação dos trabalhadores, em uma perspectiva coletiva, constituindo o que se denomina como Saúde do Trabalhador, efetivou-se no Brasil a partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988.

Segundo Vasconcellos (2011), a saúde do trabalhador surgiu como fruto de uma crítica ao modelo trabalhista-previdenciário histórico, cuja identidade está fortemente vinculada aos campos técnicos da medicina do trabalho e da saúde ocupacional. Como parte integrante do campo da saúde coletiva, propõem-se a ultrapassar as articulações simplificadas e reducionistas de causa e efeito de ambas as concepções que são sustentadas por uma visão monocausal, entre a doença e um agente específico; ou multicausal, entre a doença e um grupo de fatores de risco (físicos, químicos, biológicos, mecânicos), presentes no ambiente de trabalho (LACAZ, 1996, 2007; MENDES; DIAS, 1991).


A saúde do trabalhador agrega um amplo espectro de disciplinas. Como campo de saber próprio da saúde coletiva, está composta pelo tripé epidemiologia, administração e planejamento em saúde e ciências sociais em saúde, ao que se somam disciplinas auxiliares como demografia, estatística, ecologia, geografia, antropologia, economia, sociologia, história e ciências políticas, toxicologia, engenharia de produção, ergonomia, enfermagem, odontologia, entre outras.


Ao superar a visão de saúde ocupacional, a saúde do trabalhador se situa na perspectiva da “saúde como direito”, conforme a tendência internacional e a que foi plasmada no SUS, de universalização dos direitos fundamentais (VASCONCELLOS, 2007, 2011).


Contrariamente aos marcos da saúde ocupacional, em que os trabalhadores são vistos como pacientes ou como objetos da intervenção profissional, na visão da saúde do trabalhador eles constituem-se em sujeitos políticos coletivos, depositários de um saber emanado da experiência e agentes essenciais de ações transformadoras. A incorporação desse saber é decisiva, tanto no âmbito da produção de conhecimentos como no desenvolvimento das práticas de atenção à saúde (MINAYO-GOMEZ, 2011).


Finalizando, o campo da saúde do trabalhador compreende um corpo de práticas teóricas interdisciplinares – técnicas, sociais, políticas, humanas -, multiprofissionais e interinstitucionais no âmbito da saúde coletiva. Diversos atores, situados em lugares sociais distintos e informados por uma perspectiva comum de produção de saúde, desenvolvem ações com vistas à promoção da saúde, sempre no âmbito de atuação das políticas públicas de saúde.
REFERÊNCIAS

LACAZ, F.C. O campo Saúde do Trabalhador: resgatando conhecimentos e práticas sobre as relações trabalho-saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, p. 757 - 766, abr. 2007.

LACAZ, F. A. C. Saúde do trabalhador: um estudo sobre as formações discursivas da academia, dos serviços e do movimento sindical. 1996. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996.

LEON, E.B.; ALMEIDA, A.R. Breve histórico da saúde ocupacional. Revista Negócios e Tecnologia da Informação, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 2 - 7, ago./dez. 2011.

MENDES, R. Medicina do Trabalho e Doenças Profissionais. São Paulo: Sarvier, 1980. 573 p.

MENDES, R.; DIAS, E.C. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 25, n. 5, p. 341 - 349, 1991.

MINAYO-GOMEZ, C. Campo da Saúde do Trabalhador: trajetória, configuração e transformações. In: MINAYO-GOMEZ, C.; MACHADO, J.M.H.; PENA, P.G.L. (orgs.). Saúde do Trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. p. 320 - 350.

VASCONCELLOS, L.C.F.; PIGNATI, W.A. Medicina do trabalho: subciência ou subserviência? Uma abordagem epistemológica. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 1105 - 1115, 2006.

VASCONCELLOS, L.C.F. Saúde, trabalho e desenvolvimento sustentável: apontamentos para uma política de Estado. 2007. Tese (Doutoradoem Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2007.

VASCONCELLOS, L.C.F. Entre a saúde ocupacional e a saúde do trabalhador: as coisas nos seus lugares. In: VASCONCELLOS, L.C.F.; OLIVEIRA, M.H.B. Saúde, Trabalho e Direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Rio de Janeiro: Educam, 2011, p. 401 - 422.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Rejane Maria de Santana

por Rejane Maria de Santana

Mestre em Saude Publica, Especialista em Enfermagem do Trabalho e Saude Publica. Docente da Faculdade IBGM, preceptora da Escola Tecnica Estadual Almirante Soares Dultra.

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