O comportamento das crianças pode indicar que algo não vai bem
Educação e Pedagogia
05/02/2013
Uma amiga me pediu para passar em sua casa. Fiquei curioso com a aflição em sua voz. Chegando lá, me levou para ver a filha.
- O que você acha?
- Do quê?
- Você acha que ela tem déficit de atenção?
- O que aconteceu?
Ela me explicou que a escola levou um psiquiatra para fazer exame nas crianças e recomendou que sua filha fizesse uma avaliação mais detalhada, pois havia indícios de déficit de atenção. Assustada, marcou consulta no mesmo psiquiatra e, como resultado, saiu com uma receita de Ritalina. Diagnóstico? "Déficit de atenção".
Enquanto conversávamos, a menina pintava, delicadamente, um pano de prato.
- Faz quanto tempo que está concentrada desse jeito?
- Uns 40 minutos.
Aos 11 anos, corpo maior que a média das amigas e, portanto, um pouco estabanada nas brincadeiras, aquela era uma menina com muita energia. Corria alegre na escola e brincava de pique-esconde com as crianças da rua. Não fazia o estilo princesa, mas era capaz de ficar 40 minutos absorta na pintura de um pano de prato.
- Cuida bem dos brinquedos?
- Do jeito de uma criança, né?
E lá fui eu fazer as perguntas de praxe: É esquecida? Não presta atenção ao que você fala? Perde as coisas? Tem dificuldade de aceitar as regras de um jogo, por exemplo? Perde a concentração facilmente? Cansa quando tem que se concentrar? Faz muita bagunça? Deixa as tarefas pela metade? Não consegue prestar atenção aos detalhes?
Nem muito esquecida, nem muito bagunceira, não parecia haver sinais evidentes de "déficit de atenção" de acordo com os critérios que se costuma usar para uma avaliação inicial.
Com relação à hiperatividade, via-se que ela não tinha dificuldade em ficar parada, muito menos saía dos lugares sem razão aparente. Agitada era: gostava de explorar e correr, mas também brincava de casinha. Só falava sem parar quando a novidade era muita. Não era precipitada ao responder, a não ser quando já sabia de cor e salteado o que a mãe ia dizer.
Mas não era boa aluna. Considerada indisciplinada, aborrecia-se fácil em sala de aula. A escola a definiu como "desafiadora": questionava demais as regras da escola.
Não pude deixar de rir:
- Então ela questiona as regras?
Acontece que a mãe é advogada, treinada em contestar desmandos e exigir direitos. Inúmeras vezes a vi protestar frente ao mau atendimento de um serviço ou lutar por creche pública ou, ainda, lutar pelos direitos das mulheres, em intermináveis reuniões na periferia. Não poucas vezes, a filha ia com ela.
Arrematei:
- Parece que ela aprendeu a contestar! Ela quer saber o porquê das coisas...
Minha amiga riu. Lembrou-se de que, volta e meia, a filha a contesta:
- Ela fala que também tem direitos. Que toda criança tem direito e que eu devo respeitar isso, disse rindo.
- Quem pariu Matheus, que o embale!, sorri de volta.
- Aliás, com que direito essa escola leva um médico para examinar minha filha sem a minha permissão?
- Tá vendo de onde vem esse "lado desafiador" que a escola diz que ela tem?
Mais tranquila e já pensando em talvez protestar pelo exame sem autorização feito pelo médico, minha amiga aceitou a sugestão de levar a filha para uma segunda opinião com outro psiquiatra.
No final das contas, a menina não tomou o remédio, mas trocou de escola. No fim do ano passado, conversamos:
- Ela é outra agora! Na escola, faz horta e atividades ao ar livre! Nada é planejado sem que os pais saibam. E as regras da escola são combinadas com os alunos. Eles têm até assembleia, imagine!
De fato, o comportamento das crianças pode indicar que algo não vai bem. Mas as soluções exigem uma visão mais ampla e complexa da situação. Eventualmente, medicar o comportamento pode encobrir o problema e piorar o quadro.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Adriano Gosuen
Psicólogo atuando em educação e direitos da criança e adolescente. Livro: "Os Fazeres na Educ. Infantil". Esp.: Saúde Mental e Dir. Humanos (OMS/Índia) e Mediação de Conflitos (Familiae). Trabalhou na Secr. Mun. Educ. SP, Min. Público SP, University of New Hampshire (EUA) e African Network Campaign on Education for All. Projetos: Fund Telefônica/Inst Pró-menino, Petrobrás Fome Zero, Min. Justiça
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