Políticas públicas na educação: Análise da Lei 12.711 de 29 de agosto de 2012

Política educacional deve desempenhar importante papel na democratização
Política educacional deve desempenhar importante papel na democratização

Educação e Pedagogia

22/07/2013

Introdução

Ao olharmos o cenário brasileiro constata-se que ainda há muitos desafios educacionais. Por mais que se atue, lute, há ainda muitos problemas no acesso, na universalização e qualidade da educação. E mais, há escolas com estrutura física em estado precário, professores atuando sem licenciatura, problemas com transporte e financiamento. Enfim, temas esses que estão sempre em pauta quando se fala em educação no país.
Ao se fazer uma retrospectiva do processo de colonização, começa-se a compreender o quadro em que hoje se encontra educação brasileira. O legado histórico de injustiças e desigualdades imprime na atualidade um dos mais importantes desafios que o Brasil necessita encarar e superar, na certeza de que sem corrigir isso, os sujeitos de direito na sociedade terão muita dificuldade em se sentirem verdadeiramente cidadãos nesse país que sempre esteve a serviço da classe dominante.

Ao mesmo tempo se percebe que, na última década, a educação do Brasil melhorou muito em detrimento a outrora. O país hoje busca suplantar, com muitas dificuldades ainda, uma enorme dívida social que, lenta e gradativamente, foi-se formando ao longo de sua história. Para isso, o Brasil tem implementado políticas educacionais.

Essas políticas públicas devem ser articuladas com as demandas da sociedade e devem se voltar para a construção de direitos sociais. Educação é um direito social. Esse direito essencial está garantido na Constituição Federal, capitulo III; seção I; Artigo 205 que diz: – "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania  e sua qualificação para o trabalho".

Sendo a educação um direito, ela deve ser ofertada a todos. A educação é uma política pública social de responsabilidade do Estado. Sua forma de oferta e seu modo de implementação podem ser aceitos, rejeitados, incorporada pela sociedade. É aí que se encontra a explicação do sucesso ou fracasso de uma política pública.

Primeiro é importante expor o conceito de política pública: Conforme Collares (1996 apud COLLARES, MOYSÉS e GERALDI, 1999, p. 210):

Uma política é pública quando é de domínio público: quando é publicamente estabelecida, isto é, são explicitados a análise das diferentes necessidades, os instrumentos para sua percepção, os critérios para o estabelecimento de prioridades [...]. Os projetos e ações que visam concretizar uma política pública devem igualmente ser objeto de análise, críticas e debates; para tanto, sua fundamentação teórica, seus objetivos reais, os resultados esperados e critérios de avaliação, sua forma de implantação, devem ser também de domínio público.

Podemos destacar que o Brasil possui grandes desigualdades sociais e percebemos ainda mais essa desigualdade quando olhamos ao acesso para o ensino público superior e quando comparamos pessoas que se autodeclaram de pele branca e não branca. Segundo ANDRADE, “as diferenças são menos acentuadas entre aqueles que concluíram, ao menos, o ensino fundamental (24% dos brancos e 30% dos não brancos) e aqueles que lograram atingir a conclusão do ensino médio (34% dos brancos e 31% dos não brancos)”.

Fonte: (http://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/acesso-ao-ensino-superior-no-brasil-equidade-e-desigualdade-social)

A partir dessas considerações entendemos a importância da pesquisa aqui proposta, pois sua relevância científica encontra-se na temática atual e pelo foco do objeto de estudo, pois nos últimos anos o governo tem implementado políticas afirmativas de modo a corrigir as negações históricas que sofreu determinada parcela da população. Um exemplo é a recente implantação da Lei 12.711 de 2012.

Assim, traremos para discussão, neste artigo, num primeiro momento um pouco da história da educação no país. Na sequência destacaremos os principais aspectos da Lei supracitada fazendo uma análise dos pontos fundamentais esclarecendo aspectos sobre como se dá a distribuição das vagas.

Como metodologia de pesquisa nos pautamos na pesquisa bibliográfica. Para esse tipo de pesquisa algumas tarefas forma essenciais, entre elas destacamos a exploração das fontes bibliográficas: livros, sites oficiais, entre outros; a leitura do material selecionando o que é importante para o entendimento do processo educacional no país; a elaboração de fichas com partes importantes do material lido; e conclusões obtidas a partir da análise dos dados.

Com essas ações, pretendia-se ter uma ideia de como se deu o processo educacional no país e entender a importância das políticas públicas sociais e o porquê da criação da Lei das cotas.
Assim, na tentativa de compreender a educação no país, comecemos em expor sobre o processo histórico do país.

A história contada pelo dominado não é a história contada pelo dominador...

O nativo (índio) conta que a história do Brasil é anterior à chegada do europeu, mas que toma um viés muito diferente quando este em 1500 aporta na “Terra de Santa Cruz” (Brasil). O colonizador, desconhecendo o habitante do espaço e negando a tradição cultural dos índios do local, teve como principal intenção exportar do Brasil suas riquezas naturais (Pau Brasil, açúcar, ouro...). Aqueles tinham interesses em organizar o país colonizado de modo que este servisse para ampliar a riqueza do seu mundo, considerado o berço da civilização.

Na continuidade de uma história que desconheceu e negou pessoas e culturas, chegaram os padres jesuítas com a missão civilizatória para converter os índios à fé católica. Com eles não vieram somente a moral, os costumes e a religiosidade europeia, trouxeram também os métodos pedagógicos, dedicando-se fortemente ao trabalho educativo para uma integração cultural, nos parâmetros europeus e não no respeito à diversidade cultural e espiritual.

No ano de 1759, os jesuítas, que haviam catequizado os índios e produzido literatura em língua indígena, foram expulsos do país por Pombal, o que resultou na paralisação de 17 colégios, 36 missões, seminários menores e escolas elementares.
O povo empobrecido, colonizado e subjugado conta que ano seguinte (1760), Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado que, então, assume a educação, mas nelas só estudaram os filhos de fazendeiros, senhores de engenho, militares, enfim, os donos do poder. Dos poucos que estudaram, ¼ foram para a Europa fazer nível superior. A decisão de Pombal fez que no princípio do século XIX, a educação brasileira estivesse praticamente nula. O sistema jesuítico foi desmantelado e nada que pudesse chegar próximo deles foi organizado para dar continuidade a um trabalho de educação. Povo e educação à deriva. Sem voz nem vez!

Após a independência (1822) do Brasil, em 1824 é outorgada a primeira Constituição que preconizava a "instrução primária e gratuita para todos os cidadãos“, ou seja, somente 324 anos após a chegada do colonizador europeu. E em 1834 as províncias passariam a ser responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Diz a mulher que somente em de 15 de outubro 1827 foi instituído o ensino primário para o sexo feminino. Nesse ano foi criada uma Lei Geral sobre as escolas de primeiras letras, fixando-lhes o currículo. Naquele momento o Brasil contava com uma população de 10 milhões de habitantes e apenas 150.000 alunos matriculados em escolas primárias. O índice de analfabetismo era de 66,4%. Em 1900, o percentual de analfabetos (segundo o Anuário Estatístico do Brasil) já estava em 75%.

O negro, escravo trazido para o Brasil à época da colônia conta que do século XV ao século XIX, a escravidão foi responsável, em todo o continente americano, pelo trânsito de mais de 10 milhões de pessoas que aportaram no país para suprir a necessidade de um grande número de trabalhadores para as grandes fazendas produtoras de cana-de-açúcar, para a mineração e nas demais atividades agrícolas. E mais, a escravidão do negro foi explicada, inclusive, pelo discurso religioso cristão da época, que dizia que o trabalho escravo era um tipo de “castigo” que aproximava os negros do cristianismo. A força das armas e da violência transformavam os castigos físicos em um elemento eficaz na dominação.

Em 1854, o decreto n°13331 estabelecia que não seriam admitidos escravos nas escolas públicas do país e a previsão para a instrução de adultos negros dependia da disponibilidade de professores. O resultado é que essas práticas cristalizaram o abuso e a discriminação dos negros com reflexos ainda presentes em nossa sociedade. Entre estas, destacamos o índice de acesso à educação ao negro na educação básica e ensino superior, bem como o racismo como as mais evidentes.

No ano de 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e os alunos matriculados nas escolas correspondem a 30% da população em idade escolar. No ano de 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário. Somente em 1934 foi criada a Universidade de São Paulo, com o instituto de educação.

Os pioneiros da Educação Nova manifestam, em 1932, que o Brasil tem de garantir um sistema público de educação básica de qualidade para todos. Para esses educadores, nenhum país avança e nenhuma sociedade se torna verdadeiramente democrática, sem uma escola cidadã de qualidade que inclua todos, sem discriminação ou formas de preconceitos que agridem o propósito de desenvolvimento humano integral.

Os dados mostram que em 1936, os poderes públicos mantêm e controlam 73,3% das escolas do país. Vinte e quatro por cento das escolas particulares não obedecem aos padrões oficiais de ensino. Nessa época é criado o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação (que só vão começar a funcionar em 1934). Entre os anos de 1937 a 1945 é outorgada uma nova Constituição que enfatiza o ensino pré-vocacional e profissional e mantém ainda a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário. É criada a União Nacional dos Estudantes - UNE e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP.

Já a Nova República (1946-1963) traz fortemente um movimento a favor da escola pública, universal e gratuita – A Constituição de 1946 determina a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Somente em 1953 a educação passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação e Cultura – MEC. Ainda em 1962 é criado o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire que se propunha a alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos.

O que os signatários do Manifesto dos pioneiros não podiam imaginar é que a ditadura impediria que o sonho de uma educação laica, pública e gratuita para o povo fosse impedida de acontecer. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Almeida Júnior, Paschoal Lemme e tantos outros tiveram que esperar mais um pouco para ter o sonho novamente emergido, pois um governo autoritário iria deixar mais uma vez os sujeitos sem sonhos, sem voz, sem vez, à deriva.

Os perseguidos pela ditadura contam que nesse período, os sonhos dos pioneiros da educação começam a ficar mais difíceis, pois a partir de 1964 muitos educadores passaram a ser perseguidos em função de posicionamentos ideológicos. A União Nacional dos Estudantes é proibida de funcionar, há fechamento das faculdades de História, excluem-se as disciplinas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia, que são substituídas por Educação Moral e Cívica e OSPB – Organização Social e Política do Brasil. Preconiza-se a Formação educacional de cunho profissionalizante.

Apesar de todas as dificuldades apresentadas, é nessa época que ocorre a expansão (ainda de modo tímido) das universidades no Brasil. Criam-se agências de apoio à pesquisa e à pós-graduação e o ensino obrigatório é ampliado de quatro a oito anos. Nessa mesma época é criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral - com a intenção de erradicar o analfabetismo, mas não obteve êxito.
Pelo exposto, o que a história nos conta, então, é que no Brasil Colônia, no Império e na República a estrutura do país sempre foi determinada pela orientação econômica, pouco para muitos e muito para poucos. Um país de economia relativamente forte e com uma grande parcela da população empobrecida é o que se sobressai. A república reproduzia o estado da corte que centrava na burocracia, inspirados nos valores católicos e um estado capitalista. O Império optou, desde a lei geral de 1827, pela divisão do que caberia às províncias, que é o caso da educação primária, e o governo central à universidade. Esses parâmetros favoreceram a elite social, daí se compreende porque no Brasil a universidade foi fortalecida em detrimento à educação básica, mas com acesso àqueles que historicamente eram da elite.

a) Abertura política e democracia: 1986-2006 - A Utopia por uma educação para todos começa, finalmente, se tornar realidade, mas ...

Sabendo que a sociedade brasileira é socialmente desigual e heterogênea, a política educacional deve desempenhar um importante papel em relação à democratização do acesso à educação, sem discriminação ou formas de preconceitos que agridem o propósito de desenvolvimento humano integral. Sujeitos de direitos nos contam que na CF/1988 em seu art. 6° está escrito: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (CF, 1988). Portanto, a Constituição de 1988, considerada “Constituição Cidadã”, procurou superar a herança colonialista e patrimonialista brasileira.

Pode-se dizer que hoje, em certo sentido, o atual estágio da educação brasileira representa uma retomada dos ideais do manifesto de 1932:

“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade.” (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 1932)

É a época das conferências, planos, fervilhar de legislações e resoluções, numa continuidade do que se inicia com a Constituição de 1988 que procura contemplar as demandas educativas historicamente negadas.

Para compreender como se dá a oferta da educação é importante conhecer a forma de organização Político-Administrativa do Brasil.
Na CF, em seu artigo art. 18 está posto que A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição sendo que a cada um deles compete organizar seu sistema de ensino, cabendo, ainda, à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva (artigos 8º, 9º, 10 e 11).

E, no que se refere à matéria educacional, esta é conferida pela LDB 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A formulação de Diretrizes Curriculares Nacionais constitui, portanto, atribuição federal, que é exercida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), nos termos da LDB e da Lei nº 9.131/95, que o instituiu.

b) Novas leis, novas resoluções, novas conquistas...

Mesmo com uma Constituição e com uma LDB que preconizam os diretos do cidadão, houve a necessidade de mudanças e complementos às legislações. Essas têm uma enorme relevância social, porque além de reorganizarem aspectos da Educação Básica, ampliam o acesso dos diversos sujeitos ao mundo letrado, asseguram-lhes outros benefícios concretos que contribuem para o seu desenvolvimento pleno.

Assim, em relação ao nível superior, o país nesse momento tenta reparar essa desigualdade com diversos programas de acesso a educação, um deles e talvez o mais famoso seja o Programa Universidade para Todos – ProUni. Instituído em 2004 o ProUni tem objetivo de que o estudante carente consiga ingressar em uma instituição de ensino superior através da oferta de bolsas de estudo integrais ou parciais, que segue algumas regras básicas como, o estudante não pode ter outra graduação e a renda per capita não pode ultrapassar 1,5 salário mínimos. Para bolsa parcial a renda não pode ultrapassar 3 salários mínimos por pessoa. Também é necessário ter estudado todo o ensino médio em escola pública ou em instituição privada com bolsa integral. Também há outros casos particulares. Enfim, o ProUni é uma tentativa de restaurar gradativamente parte dessa injustiça histórica com os menos favorecidos brasileiros, que em grande parcela se refere a população negra e parda do país.

Outra alternativa que tem como objetivo aumentar a quantidade de estudantes no ensino superior é o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Criado em 1999 é um programa que financia parcial ou integralmente, com baixa taxa de juros, a graduação em faculdades onde o estudante não tem condições de arcar com os custos de sua formação.

Esses programas citados foram criados observando a necessidade que o Brasil tem em conseguir diminuir sua desigualdade social, mais especificamente entre os menos favorecidos socialmente. E visto que uma grande desigualdade é notada entre os brancos e não brancos, nasce, então, a necessidade de tentar realizar essa igualdade também no ingresso do ensino superior público e a Lei de cotas nº 12.711 de 2012 é mais uma importante política pública. Conforme BRANDÃO (2008, p. 34)

O primeiro passo, contudo, é reconhecer um certo débito social com algumas minorias, em especial negros, mulheres e índios, alijados há séculos das melhores chances de desenvolvimento social. Nos dias que correm, tal desigualdade se manifesta no acesso ao ensino superior e, também, ao mercado de trabalho, na remuneração e ascensão profissional.

c) LEI 12.711 de 2012: novas conquistas, novas possibilidades...

Passamos, a seguir, a expor partes da Lei, fazendo análises de recortes da mesma.

Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Como podemos perceber neste artigo, pelo menos 50% das vagas devem ser destinadas a estudantes que estudaram todo o ensino médio em escola pública. Note que são no mínimo 50%, nada impede que a instituição aumente essa porcentagem que pode chegar a até 100%.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Neste parágrafo percebemos a preocupação do estado em incluir uma classe menos favorecida ainda, definindo que a metade das vagas das cotas seja para estudantes de baixa renda.

Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No Art. 3º notamos que o governo procura fortalecer a proposta no sentido de incluir ainda mais os menos favorecidos historicamente, nesse caso, os pretos, pardos e indígenas. Atendendo a porcentagem dos mesmos no estado, segundo o IBGE.

Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Aqui há mais uma explicação de que, caso as vagas estabelecidas pelo art. 3º não sejam preenchidas, devem ser preenchidas pelos cotistas que são tratados no art.1º.

Art. 4o As instituições federais de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso em cada curso, por turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 5o Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser preenchidas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escola pública.

Nos art. 4 e 5 são estabelecidas as mesmas regras que estavam nos artigos anteriores, porém, para o ensino médio.
A lei de cotas está regulamentada pelo decreto 7.824 de 2012. Ressalto a seguir algumas partes importantes do regulamento que são importantes para a seleção dos cotistas.

Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.

Parágrafo único. Os resultados obtidos pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM poderão ser utilizados como critério de seleção para o ingresso nas instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação que ofertam vagas de educação superior.

Nesse processo de ingresso, o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) é um facilitador dessa triagem, pois é uma ferramenta de qualidade que o governo federal oferece para seleção por meio do SISU (Sistema de Seleção Unificada).

Art. 4o Somente poderão concorrer às vagas reservadas de que tratam os arts. 2o e 3o:
I - para os cursos de graduação, os estudantes que:
a) tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de Educação de Jovens e Adultos; ou
b) tenham obtido certificado de conclusão com base no resultado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, de exame nacional para certificação de competências de jovens e adultos ou de exames de certificação de competência ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino; e
II - para os cursos técnicos de nível médio, os estudantes que:
a) tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escolas públicas, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de Educação de Jovens e Adultos; ou
b) tenham obtido certificado de conclusão com base no resultado de exame nacional para certificação de competências de jovens e adultos ou de exames de certificação de competência ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino.
Parágrafo único. Não poderão concorrer às vagas de que trata este Decreto os estudantes que tenham, em algum momento, cursado em escolas particulares parte do ensino médio, no caso do inciso I, ou parte do ensino fundamental, no caso do inciso II do caput.

Podemos destacar aqui que o parágrafo único nos mostra que, se algum aluno em algum instante tenha estudado pelo menos um ano em escola particular, o mesmo não poderá ser considerado candidato cotista, mesmo que tenha repetido o período estudado em instituição pública.

A portaria nº 18 de 11 de outubro de 2012 dispõe sobre a implementação das reservas de vagas, esclarecendo a parte mais burocrática da lei. Nesta portaria é definida a documentação necessária para comprovação da origem do estudante. Também é mostrado o método utilizado para o cálculo das reservas de vagas, método este que sempre procura beneficiar a classe menos favorecida, como nos mostram os seguintes artigos:

Art. 10. O número mínimo de vagas reservadas em cada instituição federal de ensino que trata esta Portaria será fixado no edital de cada concurso seletivo e calculado de acordo com o seguinte procedimento:
I - define-se o total de vagas por curso e turno a ser ofertado no concurso seletivo;
II - reserva-se o percentual de 50% (cinquenta por cento) do total de vagas definido no inciso I, por curso e turno,
para os estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental ou médio, conforme o caso, em escolas públicas;
III - reserva-se o percentual de 50% (cinquenta por cento) do total de vagas apurado após a aplicação da regra do inciso II, por curso e turno, para os estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 (um vírgula cinco)salário-mínimo per capita;
IV - reservam-se as vagas aos estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita, da seguinte forma:
a) identifica-se, no último Censo Demográfico divulgado pelo IBGE, o percentual correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição;
b) aplica-se o percentual de que trata a alínea "a" deste inciso ao total de vagas apurado após a aplicação do disposto no inciso III;
V - reservam-se as vagas destinadas aos estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas com renda familiar bruta superior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita, da seguinte forma:

a) apura-se a diferença entre os números de vagas encontrados após a aplicação do disposto nos incisos II e III;

b) identifica-se, no último Censo Demográfico divulgado pelo IBGE, o percentual correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição;

c) aplica-se o percentual de que trata a alínea "b" deste inciso ao número de vagas apurado após a aplicação do disposto na alínea "a" deste inciso.

§ 1o Os cálculos de que tratam os incisos do caput serão efetuados a partir da aplicação das fórmulas constantes do Anexo I a esta Portaria.

§ 2o Diante das peculiaridades da população do local de oferta das vagas, e desde que assegurado o número mínimo de vagas reservadas à soma dos pretos, pardos e indígenas da unidade da Federação do local de oferta de vagas, apurado na forma deste artigo, as instituições federais de ensino, no exercício de sua autonomia, poderão, em seus editais, assegurar reserva de vagas separadas para os indígenas.

Art. 11. Sempre que a aplicação dos percentuais para a apuração da reserva de vagas de que trata o art. 10 implicar resultados com decimais, será adotado, em cada etapa do cálculo, o número inteiro imediatamente superior.

Parágrafo único. Deverá ser assegurada a reserva de, no mínimo, uma vaga em decorrência do disposto em cada um dos incisos IV e V do art. 10.

Observamos que tanto na lei, resolução e portaria não existe nenhum instrumento em que se tenha de colocar a comprovação de cor/raça, basta um preenchimento de autodeclaração.

No artigo 11 percebemos que há uma procura em se beneficiar os estudantes menos favorecidos, pois, se no cálculo das vagas acarretar a oferta de, por exemplo, ‘x’ vaga, em que 0<x<1, para aluno autodeclarado preto, pardo ou indígena, essa vaga obrigatoriamente tem de subir para 1, ou seja, será ofertada uma vaga para esse segmento. Também podemos concluir, através desse artigo, que se for ofertada uma quantidade ímpar de vagas, necessariamente, a maior quantidade de vagas será atribuída para a classe menos favorecida. Exemplificando, oferta de 35 vagas para um curso de uma universidade federal.

Vamos analisar passo a passo. Quando temos o Total de 35 vagas, temos um número ímpar. De acordo com a lei, 50% das vagas devem ser destinadas às escolas públicas, portanto como, dividindo 35 por 2 encontramos 17,5, devemos arredondar para cima as vagas da classe menos favorecida, colocando então 18 vagas para candidatos oriundos de escola pública. Definidas as vagas do acesso universal, as mesmas não têm procedimentos seguintes. As vagas de escola pública são em seguida divididas em vagas para quem tem renda menor ou igual e maior a um salário-mínimo e meio per capita. Quando calculamos as vagas para os candidatos com renda menor ou igual a um salário-mínimo e meio, ocorre a separação final das vagas, nesse momento, é aplicado a porcentagem de Pretos, Pardos e Indígenas da unidade federativa, neste caso as 9 vagas são multiplicadas por 0,611. Então resultaria em 5,499 vagas para PPIS. Como devemos arredondar sempre para cima, teremos 6 vagas, as restantes (3 vagas), ficam para os não autodeclarados PPIs. De mesma forma acontece para os que têm renda maior que um salário-mínimo e meio per capita.

Dessa maneira, está sendo asseguradas as vagas para todos os tipos de cotistas, como está sendo ratificado no parágrafo único do artigo 11 da portaria 18.

O que se observa é que, de modo geral, a organização de distribuição de vagas preconiza estudantes que historicamente ficaram de fora das políticas públicas educacionais. Tudo isso nos leva a observar que há clara intencionalidade na proposta de que os menos favorecidos sejam contemplados no acesso público ao nível superior.

Conclusão

Fazer uma retrospectiva da educação no país para entender como se encontra o Brasil hoje nos mostrou pessoas em momentos de aprendizagem em escola multisseriada, nos mostrou que muito tardiamente mulheres, negros e empobrecidos tiveram acesso à educação. Mostrou pessoas dando aula para crianças e jovens que tinham um mundo de esperanças e sonhos diante deles, gente fugindo da polícia na época da ditadura. Pessoas fazendo greve, muitas greves, por salário decente e por condições mínimas de trabalho. Percebeu-se porque tantos brasileiros são ainda analfabetos e outros tantos não tiveram e não têm acesso a educação com qualidade social e tudo o que ela implica em termos de conceitualização.

Porém percebeu-se que a partir da Constituição cidadã (1988) e, principalmente na última década, o Brasil tem implementado políticas educacionais inclusivas e afirmativas que buscam superar o legado de invisibilidade de pessoas e negação de direitos educacionais. Há Fóruns, conferências, lutas por mais financiamento para a educação. E nesse espaço há muitos sonhos para serem conquistados coletivamente, e que as vozes do povo, de todos(a)s, podem, finalmente, começar a ser ouvidas e reconhecidas em seus desejos mais profundos por um Brasil que acolha gentes com suas diferenças culturais, de credo, ideologia, de sonhos, de alegrias e de cidadania fraternalmente conquistada e instituída.

O que se observa é que o país está tentando superar a herança colonialista e patrimonialista que sempre esteve a serviço da classe dominante. Políticas sociais importantes têm sido implementadas. Hoje o acesso à educação básica está praticamente universalizado, em que pese, ainda se tem de buscar avançar na qualidade dessa etapa de ensino. E mais, as várias ações para o acesso ao nível superior como Prouni e Fies são importantes proposições para o acesso ao nível superior. No entanto, se pensarmos em correção dessa negação histórica ao nível superior para os menos favorecidos, não podemos deixar de falar da 12711/2012. Ela se constitui uma política que tem intencionalidades bem definidas: o acesso ao nível superior a sujeitos que tiveram negados seus direitos no país.

Nesse momento, essa Lei está em implementação. Daqui a menos de cinco anos teremos reflexos dela na sociedade brasileira. O que se deseja, nesse momento, é que o Brasil continue avançando na oferta de uma educação que procure suplantar todas as negações e proporcione uma vida com mais qualidade a cada brasileiro deste nosso país.

Todos e todas têm certeza de que o Brasil não avançará e nenhuma sociedade se tornará verdadeiramente democrática, sem uma escola cidadã de qualidade que inclua cada pessoa, sem discriminação ou formas de preconceitos que agridem o propósito de desenvolvimento humano integral, mas na luta e na construção de cenários de igualdade social almejados com a participação e a voz de cada um e cada uma desse país. Esperancemos juntos.

Referenciais
BRASIL, Governo Federal. Constituição Federal Brasileira. Brasília: Governo Federal Brasileiro, 1988
BRASIL, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira - Inep Disponíveis em http://portal.inep.gov.br acessado em 12 de Maio de 2013.
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Daniel Dunck Cintra

por Daniel Dunck Cintra

Licenciado em Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso. Especialista em Gestão Pública pelo Centro Universitário Claretiano. Graduando em Engenharia da Computação pelo Instituto Federal de Mato Grosso. Assistente em Administração no Instituto Federal de Mato Grosso.

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