A LINGUAGEM TEATRAL - FERRAMENTA NO LETRAMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Educação e Pedagogia

16/10/2014

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A LINGUAGEM TEATRAL COMO FERRAMENTA  NO  LETRAMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – PROEJA

 

 

 

 

MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA BORGES

cidaborgeslara@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                     

 

 

 

 

2014

A LINGUAGEM  TEATRAL COMO FERRAMENTA NO  LETRAMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – PROEJA

 

Maria Aparecida de Oliveira Borges¹

 

 

 

 

RESUMO

 

O artigo tem a  finalidade demonstrar a eficácia das atividades teatrais para o letramento em Língua Portuguesa, bem como, observar  a importância desses métodos e técnicas de ensino inovadoras,  aplicadas aos alunos do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), Câmpus Uruaçu, como auxiliares na aprendizagem das outras disciplinas e, pela consequente elevação da autoestima, os mantivesse na escola até o final do curso. Os principais dados da pesquisa foram levantados a partir da aplicação de questionários junto aos discentes e gestores, bem como pela realização de entrevistas com discentes e professores do curso Técnico Integrado em Manutenção e Suporte em Informática. A amostra foi abrangente. A população foi constituída por 25 alunos, 10 professores e 01 assistente social. A pesquisa foi do tipo estudo de caso e teve a abordagem quali-quantitativo.Com base na análise das atividades realizadas pode-se perceber a eficácia da metodologia aplicada ao ensino-aprendizagem de Língua materna. Neste sentido, o estudo apontou que atividades como o jogo teatral, o jogo dramático, a apreciação artística e a retextualização, contribuem para a elevação da autoestima e a compreensão dos gêneros textuais dissertativos/argumentativos da Língua Portuguesa. Em face disso, pode-se perceber que o teatro aplicado à educação demonstra ser uma ferramenta pedagógica inovadora e apropriada para desenvolver habilidades tanto acadêmicas quanto sociais, em pessoas jovens e adultas, facilitando-lhes a aprendizagem de conteúdos como também, possibilitando-lhes o desenvolvimento das competências atitudinais, isto é, aquelas que se relacionam com a capacidade de agir no mundo e refletir de forma menos ingênua sobre suas próprias ações. 

 

Palavras-chave:  Ensino-aprendizagem língua portuguesa. Acesso e Permanência. Educação de Jovens e Adultos. Proeja. Teatro e letramento.

 

 

 

 

[1]

 

RESUMEN

 

El artículo tiene como objetivo verificar la eficacia del teatro para actividades de alfabetización en portugués, así como la importancia de estos métodos y técnicas de enseñanza innovadoras, aplicadas a los estudiantes del Programa Nacional de Integración de la Educación Profesional con la Modalidad de Educación de Jóvenes y Educación Básica de Adultos ( Proeja ), del Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Goiás (IFG ), Campus Uruaçu. La muestra utilizada para la recolección de datos de la investigación fue obtenida de los cuestionarios, aplicados a los estudiantes y los administradores, y mediante la realización de entrevistas con estudiantes y profesores en el Curso Técnico Integrado de Mantenimiento y Soporte Técnico. La muestra fue exhaustiva. La población del estudio realizado comprendió 25 alumnos, 10 egresados, 03 profesores y 01 asistente social. La pesquisa fue del tipo estudio de caso y tuve el enfoque quali-quantitativo. La presente investigación arrojó como principales conclusiones: la eficacia de la metodología aplicada para la enseñanza de determinados contenidos de la lengua nativa. Que las actividades como juego teatral,  juego dramático, la apreciación artística y refacción, contribuyeron  al aumento de la autoestima y la comprensión de determinados contenidos de la lengua portuguesa como los del género expositivo  y también del género argumentativo. Así, se puede notar que el teatro aplicado a la educación ha demostrado ser una herramienta pedagógica innovadora y apropiada para desarrollar tanto a nivel académico y social, en las habilidades de jóvenes y adultos, facilitando su aprendizaje, y  que  permita el desarrollo de competencias actitudinales.

 

Palabras clave: acceso y permanencia. Jóvenes y Adultos. Proeja. Teatro y alfabetización.

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Introdução

 

A pesquisa da qual faz parte este artigo pretende responder a seguinte pergunta: qual a influência da linguagem teatral no letramento, para a promoção da qualidade do ensino-aprendizagem e a permanência dos alunos do Programa de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja) na escola?

Conhecendo  os fatores que determinam a evasão dos alunos dessa modalidade,  a resposta é negativa para a parte da questão que busca descobrir a influência da linguagem teatral para a permanência deles na escola. Por outro lado, influencia positivamente na aprendizagem de diversas habilidades que resultam no letramento, tanto escolar quanto social, daqueles que conseguem  permanecer.

O público da Educação de Jovens e Adultos (EJA) retorna à escola com graves problemas de leitura e escrita e, ainda, com dificuldades de compreensão dos conceitos linguísticos mais abstratos, necessitando por isso de métodos e técnicas de ensino diferenciadas e apropriadas para sua condição de adultos.  As representações teatrais feitas através de jogos e dinâmicas podem materializar, de forma lúdica, alguns conteúdos, bem como elucidar comportamentos que dificultam tanto a relação com o ensino quanto as relações sociais.

Outra questão importante é saber o modo específico como esses  alunos aprendem, suas principais  dificuldades  de aprendizagem e como trabalhar com essas dificuldades, pressupondo que, pensar as aulas de Português num curso de PROEJA e executá-las dentro de um conceito de letramento requer envolvimento do professor com aspectos internos e externos  que compõem a realidade  dos alunos.

Portanto, a pesquisa visa ampliar o conhecimento de como o entrelaçamento das atividades artísticas com as linguísticas pode, pela  articulação de diferentes gêneros textuais com determinados recursos teatrais,  facilitar o ensino-aprendizagem de alguns conteúdos de língua portuguesa na educação de jovens e adultos. Utilizando-se do processo de retextualização, do fazer artístico, da apreciação e  da recepção da obra de arte nos seus aspectos histórico-sociais, através do ensino da história, da estética e do exercício crítico de leitura, acreditamos que o processo expressivo do aluno possa ser  ampliado.

Dessa forma,  o  aluno adquire  a  prática de olhar criticamente para os textos escritos e para a própria  vida ,  o que é algo bem mais  abrangente  do que apenas aprender a ler e a escrever. Fazer parte do mundo letrado significa usufruir, em menor ou maior grau, de toda a produção de cultura e de conhecimento que temos ao nosso redor, incluindo as artes, a ciência, a tecnologia e a cultura popular.

Para trabalhar com o teatro nesta modalidade de ensino é preciso que se considere  a educação sob a perspectiva de  uma proposta global de formação do indivíduo, em que o preparo do  professor é fundamental.  Para isso, leva-se em conta, além dos fatores cognitivos, o aspecto moral, social e emocional do estudante, com isso significando um desenvolvimento em todas as suas potencialidades.

Segundo Vygotsky(1988), "a aprendizagem resulta da interação entre as estruturas do pensamento e o contexto social, num processo de construção pela ação do sujeito sobre o objeto a ser conhecido". Para ocorrer a aprendizagem é necessário o enfrentamento de situações desafiadoras que propiciem ao aluno chegar a patamares mais elaborados de conhecimento, necessitando da intervenção de outros sujeitos.

Assim, a questão central desta investigação está baseada no diálogo entre os princípios inspiradores da andragogia, a ciência do ensino para adultos e  o teatro aplicado à educação como  tentativa de, pelo desafio,  ampliar tanto o letramento social quanto o escolar dos alunos do Proeja. Pressupõe-se que todos os sujeitos, independentemente da idade e da etapa em que se encontra sua escolarização, devem dispor das condições de aprendizagem oferecidas pelas instituições de ensino.

Nesse artigo, serão descritos a metodologia utilizada na pesquisa  seguindo uma breve descrição das atividades teatrais desenvolvidas na disciplina de língua portuguesa que mais tiveram efeito sobre  o letramento, tanto o  social  quanto o  escolar da população pesquisada.

 

2 Fundamentos teórico-práticos de uma proposta para  o ensino através do teatro na educação de jovens e adultos/PROEJA

A pesquisa, por seu foco estar centrado no processo de letramento dos  alunos da Educação de Jovens e Adultos, auxiliado por atividades do gênero teatral,  está fundamentada nos pressupostos pedagógicos de Miguel Arroyo e Paulo Freire, educadores que orientam o ensino aprendizagem desse  público para sua emancipação política e social;  na teoria da aprendizagem de Vygotsky, o teórico do ensino como processo social, cuja parte mais conhecida da sua extensa obra produzida  converge para o tema da criação da cultura e desenvolvimento intelectual atribuindo um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo.

Ingedore Koch também contribui na fundamentação teórica relacionada à importância da argumentatividade, uma vez que o gênero argumentativo, tanto as habilidades de  leitura quanto as de escrita, foi  o principal conteúdo trabalhado. A autora registra aspectos de argumentação em língua portuguesa oferecendo alguns subsídios para o aprimoramento do ensino dessas habilidades, mostrando que o objeto de estudo da Pragmática é a interação social do homem com a linguagem, concluindo que a  argumentatividade se dá pela interação social por intermédio da língua.

Já as concepções de letramento pelo teatro é enfocado pela visão das autoras Viola Spolin e Koudela  que apresentam  os jogos teatrais como possibilidades de prática de letramento. Augusto Boal explica  as atividades relacionadas ao Teatro do Oprimido e, Japiassu, a metodologia do ensino de teatro.

2.1 O teatro enquanto gênero discursivo e o processo de retextualização

É importante lembrar que um texto teatral é uma obra literária específica para o teatro, contém os diálogos e as indicações de cena. Sozinho, o texto é apenas literário, transformando-se em teatro quando encenado.

Uma das possibilidades de trabalhar o teatro na escola é através da atividade de retextualizar, isto é, produzir um novo texto a partir de um ou mais textos-base, como postula Matêncio (2002). Para tal  é preciso ter clareza das condições de funcionamento do  novo texto o que permitirá ao retextualizador planejar  sua escrita, em função do propósito discursivo, do interlocutor e do circuito comunicativo previsto.

Em outro trabalho,  Matencio (2003, p. 3-4) explica que:

Textualizar é agenciar recursos linguageiros e realizar operações linguísticas, textuais e discursivas. Retextualizar, por sua vez, envolve a produção de um novo texto a partir de um ou mais textos-base, o que significa que o sujeito trabalha sobre as estratégias linguísticas, textuais e discursivas identificadas no texto-base para, então, projetá-las tendo em vista uma nova situação de interação, portanto um novo enquadre e um novo quadro de referência. A atividade de retextualização envolve, dessa perspectiva, tanto relações entre gêneros e textos – o fenômeno da intertextualidade – quanto relações entre discursos – a interdiscursividade. (MATENCIO, 2003, p. 3-4)

 

Certamente, o propósito de refazer um texto, como no nosso caso, passar de um conto a uma peça teatral, é o que orienta as operações empreendidas na refacção,  assim como as relações tipológicas nos gêneros de partida e chegada. Os processos de formulação do texto oral e do texto escrito também redirecionam fortemente o que será mudado.  

 

2.2  Relação entre teatro e educação no PROEJA

O trabalho do professor de língua portuguesa tem o objetivo  de criar as condições adequadas para tornar o aluno adulto  competente para ler e escrever e poder se sentir parte da cultura letrada, e ainda,  ter acesso aos bens culturais. Uma das mais importantes habilidades desenvolvidas pelas disciplina é  a capacidade argumentativa.  Para isso, as artes têm um papel fundamental – o de despertá-los para um mundo até então desconhecido, o da criticidade, o das representações e dos símbolos. Dá-lhes o sentido de pertencimento cultural e o alargamento da compreensão de si, não apenas como objeto da história, da educação, da sociedade, mas também como sujeitos-autores da própria  história de vida, de seu “estar no mundo”.

Os cursos do Proeja associam o ensino médio a uma profissão, no entanto, há diretrizes que orientam para  uma educação que não manipule o aluno para a mera exploração de seu trabalho, mas que imprima nele a capacidade para o desenvolvimento sensível da sua essência criadora. “[...] e estimuladora da criatividade, da beleza e da ousadia, qualidades ainda raras, mas que se tornarão progressivamente hegemônicas. (PARECER CNE Nº 16/99 – CEB)

A arte, no entanto, especialmente o teatro, é ainda visto no Brasil, tanto pela maioria dos professores quanto pelos responsáveis pela elaboração dos conteúdos programáticos dos cursos para formação de professores em todos os níveis, como algo supérfluo, caracterizado como lazer, recreação ou luxo – apenas permitido a pessoas das classes economicamente mais favorecidas. (KOUDELA, 2003)

Segundo Vygotsky (1972): 

é perfeitamente admissível a opinião de que as Artes representam um adorno à vida, mas isso contradiz radicalmente as leis que sobre elas descobre a investigação psicológica. Esta mostra que as Artes representam o centro de todos os processos biológicos e sociais do indivíduo na sociedade e que se constituem no meio para se estabelecer o equilíbrio entre o ser humano e o mundo nos momentos mais críticos e importantes da vida. Isso supõe uma refutação radical do enfoque das Artes como adorno (p.316).

 

No Brasil, essa visão da arte como adorno pode se dar pelo  fato de que as classes menos favorecidas  sempre estiveram distanciadas desse tipo de  expressão  artística e cultural, destinadas, exclusivamente,  à elite intelectual. Aprenderam, talvez por isso mesmo, a apreciar o lazer nas formas mais próximas de suas condições financeiras e intelectuais. Acrescenta-se que os professores das escolas públicas geralmente saem também dessas camadas menos favorecidas, com pouca ou nenhuma experiência com as expressões artísticas, por isso, não  lhes  dão a devida  importância no trabalho pedagógico.

2.3  O Teatro como prática de letramento

Magda Soares (2003)  vê uma progressão da alfabetização para o letramento quando os sujeitos, que  após  a alfabetização, têm a necessidade de irem além, participando de práticas sociais de leitura e escrita. Assim, ela  distingue essas duas concepções enfatizando que

(...) alfabetização e letramento são dois processos distintos, de natureza interdependente e indissociável. A alfabetização não precede, nem é pré-requisito para o letramento, pois pessoas analfabetas por estarem inseridas no contexto letrado, possuem um nível de letramento, o que pode ser visto como uma consequência da imersão na cultura letrada. A alfabetização faz parte de um contínuo linear, com limites claros. Passa-se de analfabeto a alfabetizado. Já o letramento é um processo contínuo não-linear, multidimensional, ilimitado, sempre em permanente construção (p.93).   

 

Já Mollica e Leal, 2009,  mencionam duas formas de letramento, o  social e o escolar.  É interessante observar que na maioria dos casos, os alunos da Eja não dominam satisfatoriamente  nem uma nem outra forma de letramento.  É claro que pela vivência e experiência de vida, possuem um letramento social suficiente para que sobrevivam, movendo-se no mundo letrado,  sem o domínio satisfatório da leitura e da escrita.  

Compreendidos esses conceitos cabe pensar as questões metodológicas apropriadas para criar as situações de letramento, em especial, ao público do Proeja, como já visto, formado por pessoas com graves lacunas de aprendizagem e grandes distorções de idade/série.  O desafio, portanto, é encontrar estratégias que facilitam o processo de inserção desse público no mundo letrado com toda sua complexidade.  

O teatro aplicado à educação se apresenta como instrumento eficaz de letramento, conforme Barbosa afirma em seu artigo intitulado “O teatro na Educação”:

Percebido como um mecanismo inteligente, capaz de criar e recriar situações, intervir nas realidades, quebrar e reconstruir conceitos de espaço, tempo, estética, linguagem e comunicação, o teatro configura-se em um movimento que dá possibilidades de penetrar nas dimensões transcendentes do mundo das ideias. Dá ao ser humano o domínio sobre a construção, desconstrução e reconstrução de realidades (ou realidades imaginárias) e conhecimentos que o envolvem e a si mesmo. (BARBOSA, p.2)

 

Nesta visão pode-se considerar que para garantir real inclusão social, o processo de escolarização de pessoas jovens e adultas pressuporia a progressiva e permanente inserção dos sujeitos em situações de letramento. Há, entretanto, algumas práticas equivocadas quando se busca promover a inserção plena dos alunos adultos, como por exemplo, a seleção de conteúdos e de métodos de ensino inadequados para esses alunos cuja maturidade e papel social requerem métodos que considerem seus saberes e necessidades mais imediatas. Quando isso não acontece efetivamente, a alternativa mais utilizada por eles é a da evasão, uma vez que se sentem incapazes de aprender ou mesmo desrespeitados, de alguma forma. 

 

2.4 Atividades teatrais na escola

 De forma sucinta, podemos analisar algumas dessas atividades práticas que compõem a linguagem teatral na sala de aula servindo como elementos básicos para desenvolver o letramento dos alunos da EJA. São elas: atividades de liberação, apreciação estética, jogos teatrais / improvisações, jogos dramáticos, ensaios e apresentações cênicas.

Segundo Japiassu (2003), as atividades de liberação objetivam envolver os alunos de modo a integrá-los ao novo grupo, e ainda visa liberar energias e emoções, de modo que todo o grupo se entregue na atividade teatral de forma inteira, sem restrições ou inibições.

Vale acrescentar que tais atividades em sala de aula, dentro do contexto da educação de jovens e adultos, são ainda mais importantes no sentido de criar condições para que eles soltem suas emoções, quase sempre reprimidas pelo medo da exposição ao julgamento do outro. Por isso mesmo, muitos deles não participam das primeiras atividades de liberação.

Nessa perspectiva, nos apoiamos em Ratto (2008) ao afirmar que:

Historicamente determinado, o estigma de “sujeito menor’’ parece inerente ao sistema que rege as regras das relações entre letrados e iletrados. E o analfabeto se ressente da desigualdade, deixando marcas que permeiam o seu discurso e que permitem entrever a percepção da diferença (p. 267).

 

O aluno dessa modalidade, em decorrência da sua baixa autoestima, procura de alguma forma, desculpas, para não participar de forma ativa nas diversas disciplinas apresentadas pelo currículo, principalmente, quando se trata daquelas que o deixam em evidência diante da turma. Muitos se isolam e se recusam terminantemente a participar  das atividades que impliquem exposições individuais, trabalhos em grupo e apresentações coletivas.

Já a apreciação de um espetáculo teatral, no caso desses sujeitos, se torna algo  rico e profundo para a maioria. Uma experiência ímpar de pertencimento ao mundo letrado. No entanto, apreciam um espetáculo na medida em que  conseguem compreender a forma como os personagens se relacionam com as situações cênicas ali apresentadas, articulando as ações suscitadas pelos personagens com as que ele próprio realiza em seu cotidiano. Ainda assim,  em alguma medida, desperta-lhe  um olhar crítico sobre si, sobre o outro e sobre as próprias  situações vividas. 

Esses alunos, em sua grande maioria, nunca foram a um teatro nem sequer sabem, em sua cidade, onde se encontra as casas de espetáculo. Portanto, a ida ao teatro se torna um objeto de desvelamento, onde um mundo novo, entre razão e emoção, lhes é apresentado. JAPIASSU (2003)

Enfim, assistir a uma peça teatral  revela-se como outro caminho teórico metodológico dentro e fora da sala de aula. É necessário, então, conceituar e refletir não apenas a importância, mas como se dá o processo de ensino-aprendizagem através da apreciação estética no contexto escolar, em especial a Educação de Jovens e Adultos.

Aqui se insistirá, pois, na necessidade atual e algo urgente de se dar  maior atenção a uma educação do sensível, a uma educação do sentimento, que poder-se-ia muito bem denominar educação estética. Contudo, não nesse sentido um tanto desvirtuado que a expressão parece ter tomado no âmbito escolar, onde vem se resumindo ao repasse de informações teóricas acerca da arte, de artistas consagrados e de objetos estéticos. Trata-se, antes, de um projeto radical: o de um retorno à raiz grega da palavra “estética” – aisthesis, indicativa da primordial capacidade do ser humano de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado.” (DUARTE JR, 2003, p.13)

 

Fazer emergir as sensações, os sentimentos, as emoções dentro do contexto escolar, principalmente em alunos da Eja, cuja história de vida é uma  justificativa para sua alienação cultural não é tarefa fácil. As linguagens artísticas, no entanto,  possuem um caminho próprio que, de certa forma, alcançam com mais facilidade o mundo particular do sujeito.

Os jogos dramáticos apresentam-se, também, como uma técnica importante  através da qual são desenvolvidas diversas habilidades humanas como as interpessoais,  atitudinais,  cognitivas. Em sala de aula no âmbito da educação de jovens e adultos, aprendem a planejar, trabalhar  e decidir em grupo. Para tanto, é preciso elucidá-lo, de forma sucinta, em sua trajetória histórica e em seu lugar perante a educação. Os jogos dramáticos, segundo Japiassu (2003), são jogos inerentemente  humanos; neles, o sujeito encontra-se em uma linha tênue que divide o mundo real do mundo da imaginação.

Os jogos dramáticos oferecem  relevante contribuição ao ensino-aprendizagem de língua portuguesa, pois, até o momento da apresentação teatral, passa por diversas etapas, em que uma sequência didática é desenvolvida iniciando no momento em que se escolhe o texto que será retextualizado em uma peça teatral,  se definem personagens, cenário e, os  ensaios. Todo esse processo enriquece a aprendizagem, desperta-lhes as emoções e o entusiasmo.  Duarte (2003), assim se reporta:

A arte é, por conseguinte, uma maneira de despertar o indivíduo para que este dê maior atenção ao seu próprio processo de sentir. O intelectualismo de nossa civilização - reforçado no ambiente escolar - torna relevante apenas aquilo que é concebido racionalmente, logicamente. Deve-se aprender aqueles conceitos já “prontos”, “objetivos”, que a escola veicula a todos, indistintamente, sem levar em conta as características existenciais de cada um. Nesse processo, os educandos não têm oportunidade de elaborar sua “visão de mundo”, com base em suas próprias percepções e sentimentos. Através da arte pode se, então, despertar a atenção de cada um para sua maneira particular de sentir, sobre a qual se elaboram todos os outros processos racionais. (DUARTE JR., 2003, p.66)

 

O aluno de Eja, geralmente, chega à escola visivelmente cansado depois de um dia de trabalho duro. As atividades lúdicas são como um alívio para o cansaço. Eles sentem prazer em realizar o jogo dramático, o que pode não acontecer nas  aulas de procedimentos tradicionais que são monótonas e  previsíveis. Ainda segundo este autor,

O jogo dramático apresenta-se, também, como um instrumento de análise do mundo: as situações cotidianas são vistas e revistas, moldadas e modificadas no jogo, e o indivíduo pode sempre parar, voltar atrás e tentar de novo. (DESGRANGES, 2006, p. 95)

 

Assim, o jogo dramático, direcionado para a formação social do aluno, revela-se como importante instrumento político-pedagógico em sala de aula da Eja, pela assimilação e reflexão que podem fazer das cenas dramatizadas, que muitas vezes representam questões importantes da sua  própria vida, e que eles podem analisar criticamente, ainda que refletem e analisam, muitas vezes, para um outro, sabe no seu íntimo  que aquela bem que poderia ser sua própria história.

 

2.5 O Teatro do oprimido de Boal

O termo Teatro do Oprimido surge como título da primeira obra de Boal, em que o autor refere-se explicitamente a Paulo Freire, tomando-lhe emprestada a expressão utilizada por Paulo Freire  para designar  sua radical proposta  educativa  - a pedagogia do oprimido. O aspecto pedagógico desse teatro aparece em primeiro plano. O projeto político destaca-se com força e impõe-se através de um processo análogo ao que deu luz à Pedagogia da Libertação. Consiste, basicamente, num conjunto de procedimentos de atuação teatral improvisada, com o objetivo de, em suas origens, transformar as tradicionais relações de produção material nas sociedades capitalistas pela conscientização política do público ( Boal 1979).

O “Teatro do Oprimido”, de acordo com o próprio Boal, pretende transformar o espectador  em sujeito atuante, transformador da ação dramática que lhe é apresentada, de forma que ele mesmo, espectador, passe a protagonista e transformador da ação dramática. A ideia central é que o espectador ensaie a sua própria revolução sem delegar papeis aos personagens, desta forma conscientizando-se da sua autonomia diante dos fatos cotidianos, indo em direção a sua real liberdade de ação, sendo todos “espect-atores”.

Para isso, Boal traçou um plano para conversão do espectador em ator estruturado em quatro etapas distintas, sintetizado por Japiassu (2003). Nesse plano, a parte  que mais e aplica à execução de atividades para a construção do letramento  é o Teatro como discurso, que  consiste em formas dramáticas e teatrais de atuação originalmente formuladas por Boal, cuja atividade mais apropriada ao letramento social é a chamada  “Quebra de Repressão”,  uma técnica de ensaio para resistência a uma repressão futura. Consiste em solicitar a um participante que relembre um momento ao qual tenha sido vítima de uma repressão. Então esta pessoa escolhe outras presentes para lhe auxiliar na reconstrução da cena já vivenciada. Após a dramatização da vivência, pede-se que o protagonista resista a tal opressão e que os outros espect-atores mantenham as ações repressivas.

 Boal apresenta  o teatro como uma forma de expressão e comunicação que deve ser apropriada por não-atores, como instrumento político para reflexão e transformação social.

2.6 Metodologia

Como um dos  objetivos  é comparar índices de evasão escolar com  técnicas de ensino inovadores, utilizando o teatro como ponto de partida para atividades que possibilitam a quebra de repressão, a compreensão de conteúdos como os textos argumentativos, a  metodologia, portanto,  consiste na aplicação de questionários,  entrevistas e em observações do desempenho das atividades  da sala de aula.

Os documentos oficiais compreenderam as Leis, Decretos, Projeto do Curso, bem como o Projeto Político Pedagógico da Instituição, Plano de Desenvolvimento da Escola, entre outros relatórios produzidos por órgãos governamentais como MEC/SETEC e IBGE.

Através da observação sistemática registrei inicialmente as falas dos sujeitos do Proeja 1/2010 no decorrer das aulas de teatro propostas no Livro Didático; posteriormente nas aulas de Teatro, nas Visitas Técnicas a teatros, cinemas, museus  e exposições de arte   e na apresentação final do projeto FIC/Teatro e Letramento, das quais alguns deles participaram em horário diferenciado.

Os registros também foram importantes no fim de cada atividade teatral desenvolvida na sala de aula regular, anotando os avanços na compreensão da leitura e escrita dos textos dos gêneros dissertativos, em que o teatro foi utilizado como estratégia de ensino de conteúdos como construção da tese oral e escrita, pois o objetivo principal da atividade era fazer com que aprendessem a organizar os passos da argumentação em esquemas mentais e escritos trabalhando conjuntamente, no sentido de construir uma argumentação coesa e uniforme.

 Para avaliar a eficácia das atividades de apreciação no letramento  propiciadas pelas visitas técnicas, além da observação,   aplicamos um questionário que possibilitou conhecer o impacto causado sobre eles e qual a visão que tiveram sobre a arte e a história, esta em função da visita a Museus, Exposições de Arte, Senado, dentre outros.

As técnicas utilizadas para a obtenção de informações são bastante diversas, destacando-se os questionários, as entrevistas e as observações do tipo Survey, mesclado com observação.

Na primeira fase de registro de dados analisei  as anotações feitas durante  todo o período do curso FIC – Teatro em que trabalhamos, além da parte teórica,  a expressividade na fala e na expressão corporal, a desinibição, etc., a retextualização no processo de preparo para interpretação e  produção das duas peças e, das demais apresentações, como a coreografia, declamações e esquetes.

Na segunda fase apliquei os  questionários e as entrevistas que buscavam compreender a eficácia das atividades teatrais para o letramento e a aprendizagem dos conteúdos específicos de argumentatividade nos textos de opinião.  Estes  foram aplicados diretamente aos alunos no próprio ambiente da sala de aula. As entrevistas foram realizadas individualmente, no decorrer do 2º semestre de 2012 e no 1º de 2013. A segunda fase do registro de dados incluiu também uma professora que participou do projeto FIC Teatro.

A terceira fase do registro de dados tinha, primeiramente, o objetivo de traçar o perfil de identidade dos alunos, destacando suas características pessoais e profissionais, assim como alguns dados da sua história de vida. Em seguida, foi conduzida uma reflexão coletiva sobre cada uma das peças e, individualmente, através das entrevistas, os alunos foram questionados sobre suas opiniões e perspectivas em referência às atividades de teatro e suas implicações tanto no letramento escolar quanto no social.

Dessa forma, seria possível identificar o nível de consciência que os alunos demonstram sobre o papel socioeducativo desempenhado pela disciplina Teatro em EJA.

2.7 Resultados

Baseada nos estudos de Viola Spolin sobre a eficácia do teatro no letramento e cidadania dos jovens e adultos os  dados coletados fornecem pistas valiosas que possibilitam a reflexão  sobre a influência que as atividades desenvolvidas tiveram sobre o seu letramento, aqui compreendido como veículo de promoção de acessibilidade às instituições sociais, de conscientização das relações de poder e, em consequência, de formação de cidadania.

 

As atividades de  Jogo Teatral / “quebra de repressão” do Teatro do Oprimido de Boal demonstraram ser de grande importância para o desenvolvimento da autoestima e do letramento social. Diversas situações, realmente vivenciadas por eles, foram encenadas e eles puderam perceber que há uma outra forma de resolver problemas e, que, ser bem sucedido,  depende do conhecimento de direitos humanos e da capacidade individual de argumentar.

A análise dos dados de registro de Ingresso e Evasão dos alunos do Proeja – Técnico em Informática do primeiro período de 2010 ao segundo período de 2012, mostra um índice de evasão de 60% dos alunos matriculados nesse curso. Já o primeiro período de 2013, com a troca do curso para Técnico em comércio apresenta um índice de apenas 12%, menor do que o primeiro período de 2010, que apresenta um índice de 19%. Isso demonstra que o curso de Informática não atendia às expectativas dos alunos adultos com relação à possibilidade de ingresso nessa área do  mercado de trabalho. Isso, em função da idade avançada da maioria e da dificuldade em aprender a lidar com o computador em suas funções mais básicas.

A análise mostra que o fator principal está relacionado às questões do trabalho, isto é, quando o aluno não consegue conciliar os horários de saída do trabalho com a entrada na escola. Interessante notar que no primeiro ano de funcionamento do Proeja( 2008-2), 07 alunos reprovaram por falta e desistiram do curso. Isso mostra que os professores lidavam com esse público da mesma forma, ou seja, com a mesma exigência e rigor com que lidavam com alunos dos cursos regulares, exigindo horário de entrada (19h15min), não permitindo que entrassem ou não retirando as faltas mesmo que assistissem metade da aula, o que é comum no caso desse público. A partir do segundo ano, 2009-1, pode-se observar que não houve mais reprovação/desistência por essa causa. Isso se deve ao trabalho de conscientização da realidade com a qual os professores vindos, principalmente de escolas e universidades particulares para o câmpus Uruaçu,  teriam que conviver. Perceberam que se fossem rigorosos com a pontualidade não teriam alunos na sala ao final do ano.

 

3. Conclusão

O propósito desta pesquisa foi analisar a influência da linguagem teatral no letramento, para a promoção da qualidade do ensino-aprendizagem e a permanência dos alunos do Proeja na escola. Para isso, este estudo tinha as seguintes perguntas de pesquisa:

 

  1. Quais as atividades próprias do gênero teatro adequadas ao desenvolvimento do letramento dos alunos do PROEJA?
  2. Qual o desempenho dos educandos na leitura e na escrita através do gênero teatro?
  3. Qual o índice de permanência dos alunos do PROEJA na escola, a partir do uso do gênero teatro no letramento?

 

Conforme já apontado anteriormente, os resultados indicaram que a aplicação das técnicas teatrais atingiu seus objetivos, isto é, os alunos demonstraram que as atividades pedagógicas ilustradas pelos jogos dramáticos e pelos jogos teatrais foram componentes relevantes para gerar motivação e materializar os conceitos relativos à compreensão e a produção dos textos do gênero dissertativo/argumentativo.

Entretanto, o letramento não se restringe à apropriação das habilidades e competências cognitivas, relativas ao letramento escolar, mas também, das referentes ao letramento social, ou seja, daquelas que se relacionam com à ética e o mundo do trabalho, que incluem a participação social, a criatividade, a capacidade de solucionar problemas, o sendo crítico, dentre outros. Essas duas competências (cognitiva e social) se articulam com o conhecimento extraescolar que, como pessoas experientes, trazem consigo.

As atividades do gênero teatral que se revelaram mais apropriadas ao letramento, considerando as duas competências acima mencionadas, foram: as atividades de apreciação (a ida ao teatro), a quebra de repressão, o júri simulado, a improvisação de cenas sobre notícia e conto, a retextualização. Ao analisar os resultados das produções e interpretações textuais após a aplicação dessas técnicas teatrais percebi, claramente, a ampliação do letramento escolar na construção da argumentação e na capacidade de fundamentação dos argumentos, bem como, do letramento social pela elevação da autoestima, possibilitando-lhes intervenções no meio social, observado nas diversas situações propostas.

É nesse sentido que o Teatro, tanto na expressão quanto na apreciação, é uma prática de arte politizadora que abre espaço para a manifestação expressiva dos participantes.  Por seu caráter popular e participativo, propicia um procedimento educacional junto aos alunos e alunas de Proeja, homens e mulheres, que normalmente retornam para a escola em busca de algo que não foi alcançado durante a trajetória “normal” de escolarização.

É interessante ressaltar, no entanto, que na execução de algumas atividades de jogo teatral, como as de quebra de repressão, do Teatro do Oprimido de Boal, por exemplo, aqueles que pareciam mais fechados em si mesmos, menos comunicativos, os quais deveriam passar por aquela atividade, eram justamente os que não se dispunham a participar do jogo. Isso, mesmo com muitas tentativas e exemplos da própria pesquisadora. Em outras palavras, não foi possível atingir a todos.

Mesmo em face disso, pude perceber que o teatro aplicado a educação demonstra ser uma ferramenta pedagógica inovadora e apropriada para desenvolver habilidades tanto acadêmicas quanto sociais, em pessoas jovens e adultas, facilitando-lhes a aprendizagem de conteúdos como também, possibilitando-lhes o desenvolvimento das competências atitudinais, isto é, aquelas que se relacionam com a capacidade de agir no mundo e refletir de forma menos ingênua sobre suas próprias ações. 

Nesse sentido, os resultados mostraram que, mesmo os alunos com maiores dificuldades de aprendizagem, conseguiram desenvolver ou ampliar importantes habilidades e competências de leitura e escrita que certamente lhes servirão de subsídios para superar as dificuldades advindas da interrupção das etapas escolares normais.  Outros conhecimentos se agregarão àqueles e então, podemos imaginá-los cidadãos conscientes de suas funções, críticos e capazes de agir na sociedade de forma a transformá-la.

Por outro lado, para compreender as causas da evasão desse público, é fundamental apreender  que o Proeja é formado por alunos oriundos da classe trabalhadora, os quais vivem uma condição socioeconômica que lhes determina inúmeras restrições que devem ser consideradas na análise de suas dificuldades, tanto  de aprendizagem quanto  de permanência na escola.  Invariavelmente, os que compõem o alunado desta modalidade de ensino não são aqueles que frequentam uma exposição de arte, que  assistem a uma peça teatral, ou mesmo que têm acesso à leitura de um livro literário, mas, os que desde muito cedo deixam a escola para se dedicarem ao trabalho.

O que os motiva  tanto a retornar quanto a deixar a sala de aula são  questões que ultrapassam metodologias, relacionamentos e dificuldade de aprendizagem. Tampouco estão condicionados às próprias decisões do aluno, mas, em grande maioria,  está diretamente ligado às exigências da sociedade capitalista e à possibilidade de conseguir um emprego melhor. Isso, contraditoriamente, tanto o traz para a escola  quanto o retira. 

Os dados referentes à evasão confirmaram que tão importante quanto repensar as práticas pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos é reconhecer e refletir profundamente sobre as causas socioeconômicas que dificultam e/ou impedem a aprendizagem e a permanência desse público na escola, na fase adequada.   Ou seja, a educação não consegue  resolver um problema gerado pelas  péssimas condições de vida em que muitos se encontram e que influenciaram no passado e continuam influenciando  decisivamente em sua desistência agora.

Portanto, a metodologia inovadora é apenas um coadjuvante no processo de permanência deles. Questões relacionadas ao trabalho de subsistência   são fatores determinantes para a reprovação e evasão desse público.

Em que pese essa constatação, é importante perceber que a realidade social é histórica, e como tal, transformável; se feita pelos homens, por eles pode ser mudada. É aí que se situa a possibilidade do exercício autônomo da escola e, em especial, dos professores. As inter-relações entre aluno e professor configuram-se nesse contexto muito particular que é a escola, na qual, enquanto instituição, pode exercer a função de prepará-los omniliteralmente, possibilitando-lhes a construção de uma consciência cultural e política mais elaborada.

Na minha percepção de educadora, o trabalho com esses alunos, também seria mais exitoso, na medida em que houvesse parâmetros oficiais para se traçar o perfil do professor dessa modalidade.  O que se nota ainda é a ausência de critérios de escolhas para os que vão atuar diretamente na sala de aula do Proeja. Alguns, por intuição, atuam satisfatoriamente, outros, demonstram ser totalmente despreparados para lidar com adultos.

É importante ressaltar ainda, que não apenas a mediação imprópria dos professores (a pedagógica e não a andragógica) e as condições socioeconômicas são responsáveis pelo fracasso escolar desse público, mas que vários outros fatores contribuem para a desistência deles. Acrescento aqui os conteúdos e a abordagem tradicional sobre alunos da EJA, que não combina com o ritmo e os interesses  desse público, uma vez que não foram pensados para o operário, a dona de casa, a manicure, etc.

Prova disso é que, apropriando os conteúdos e aplicando uma metodologia adequada há uma resposta positiva. O desempenho dos alunos na leitura e na escrita através do gênero teatro melhora significativamente. As atividades de jogos dramáticos, como que materializam para eles os conceitos até então abstratos, possibilitando-lhes a identificação e compreensão da estrutura do gênero textual argumentativo. Aprendem a apresentar e defender uma tese usando argumentos e provas consistentes.

Em que pese o visível  sucesso no desenvolvimento das habilidades que se  referem ao domínio de linguagens, compreensão de fenômenos, enfrentamento e resolução de situações-problema, capacidade de argumentação e elaboração de propostas, o  índice de permanência da população trabalhada na pesquisa não subiu,  a partir do uso do gênero teatro no letramento, mas,  permaneceu inalterado.

Daí, depreende-se que há uma estreita relação entre situação financeira e desistência principalmente para os homens e as mulheres que são chefes de família. Para as mulheres casadas o que mais influencia, são as questões familiares relacionadas com a maternidade, a doença de filhos, separação, etc.

Enfim, cabe ressaltar que, ainda que pese o conjunto dos problemas constatados no processo de ensino-aprendizagem e na frequência com que se evadem, os egressos conseguem movimentar-se em direção a uma vida mais digna, internalizando,  até mesmo,  a ideia de pertencimento aos bens culturais do seu país.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 REFERÊNCIAS

 

 

AMARAL, Heloisa.  Gêneros Textuais: Mais dicas de Aula por Projetos. Escrevendo o Futuro.  2009. Disponível em: <http://leromundo.arteblog.com.br/127356/Generos-Textuais-3-mais-dicas-de-aula-porprojetos/>Acesso em: 18 de janeiro de 2013.

 

ARROYO, Miguel Gonzalez. Formação de educadores de jovens e adultos. Belo Horizonte: Secretaria da Educação, 2006.

 

BARBOSA, Claudinéia da Silva. O teatro na educação. [S.l.]: Virtual Books, 2000. Disponível em: <http://www.slideshare.net/azulestrelar/o-teatro-na-educao-artigo-claudineia-da-silva-barbosa >. Acesso em: 03 out. 2013.

 

BOAL. Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticasCivilização Brasileira, 1988.

 

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

 

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO RIO GRANDE DO

NORTE. Projeto de reestruturação curricular. Natal: CEFET-RN, 1999.DIETERICH, H. Globalización, educación y democracia. 4. ed. In: DIETERICH, H. La aldea global. Tafalla: Txalaparta, 1999.

 

DELL’ISOLA, R. Retextualização de gêneros escritos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

 

DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.

 

EISNER, Elliot. Educating Artistic Vision. New York, Macmillan, 1972, p.9

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

 

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do Ensino de Teatro. 2.ed. Campinas: Papirus, 2003 (Coleção Àgere).

 

KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

 

KOUDELA, Ingrid D. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2011.

 

________, Ingrid D.. Jogos Teatrais na Pedagogia do Teatro. FAEB 2011. Disponível em <http://www.faeb.com.br/livro/Conferencias/jogos%20teatrais%20na%20pedagogia.pdf> Acesso em 05. out.2013

 

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Cientifica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

 

MARCUSCHI, L.A.  Da Fala para a Escrita: Atividades de Retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

 

MATENCIO, M. L. M. Referenciação e retextualização de textos acadêmicos: um estudo do resumo e da resenha. Anais do III Congresso Internacional da ABRALIN, março de 2003.

 

MOURA, Dante Henrique. O PROEJA e a Rede Federal de educação profissional e tecnológica. Natal: 2006. Disponível em: < http://www.cefetrn.br/ensino/cursos-oferecidos/posgraduacao/especializacao-

 

PACHECO, Eliezer Moreira. Os Institutos Federais. Uma revolução Profissional e Tecnológica.1 ed. Natal: IFRN, 2010.

 

RATTO, Ivani. Ação política: fator de constituição do letramento do analfabeto

adulto. In: KLEIMAN, Ângela (Org.). Os significados do Letramento: uma nova

perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2008.

 

ROCCO, Gaetana Maria Jovino Di. Educação de Adultos – Uma contribuição para seu estudo no Brasil.1 ed. São Paulo: Loyola. 1979.

 

ROJO, R. H. R. (2002) A concepção de leitor e produtor de textos nos PCNs:“Ler é melhor do que estudar”. In M. T. A. Freitas & S. R. Costa (orgs) Leitura e

Escrita na Formação de Professores, pp. 31-52. SP: Musa/UFJF/INEPCOMPED.

 

SOARES, L.  Formação de educadores de jovens e adultos / organizado por Leôncio Soares. Belo Horizonte : Autêntica/ SECAD-MEC/UNESCO, 2006.

 

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

 

SPOLIN,Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1992.  

 

 

VYGOTSKY, L.S. Educational Psychology. Boca Raton: St.Lucie Press, 1997.        [ Links ]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Licenciada  em Letras Português/Inglês pela UEG,  especializada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade Salgado de Oliveira – Rio de Janeiro, em Língua Inglesa pela Unievangélica – Ceres – Goiás,  Docente do IFG – Câmpus Uruaçu-Go.  Mestra em Ciências da Educação – Trabalho orientado pelo professor Dr. Roberto Wagner Scherr. Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidad Americana. Assunção – Py.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A LINGUAGEM TEATRAL COMO FERRAMENTA  NO  LETRAMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – PROEJA

 

 

 

 

MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA BORGES

cidaborgeslara@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                     

 

 

 

 

2014

A LINGUAGEM  TEATRAL COMO FERRAMENTA NO  LETRAMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – PROEJA

 

Maria Aparecida de Oliveira Borges¹

 

 

 

 

RESUMO

 

O artigo tem a  finalidade verificar a eficácia das atividades teatrais para o letramento em Língua Portuguesa, bem como, observar  a importância desses métodos e técnicas de ensino inovadoras,  aplicadas aos alunos do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), Câmpus Uruaçu, como auxiliares na aprendizagem das outras disciplinas e, pela consequente elevação da autoestima, os mantivesse na escola até o final do curso. Os principais dados da pesquisa foram levantados a partir da aplicação de questionários junto aos discentes e gestores, bem como pela realização de entrevistas com discentes e professores do curso Técnico Integrado em Manutenção e Suporte em Informática. A amostra foi abrangente. A população foi constituída por 25 alunos, 10 professores e 01 assistente social. A pesquisa foi do tipo estudo de caso e teve a abordagem quali-quantitativo.Com base na análise das atividades realizadas pode-se perceber a eficácia da metodologia aplicada ao ensino-aprendizagem de Língua materna. Neste sentido, o estudo apontou que atividades como o jogo teatral, o jogo dramático, a apreciação artística e a retextualização, contribuem para a elevação da autoestima e a compreensão dos gêneros textuais dissertativos/argumentativos da Língua Portuguesa. Em face disso, pode-se perceber que o teatro aplicado à educação demonstra ser uma ferramenta pedagógica inovadora e apropriada para desenvolver habilidades tanto acadêmicas quanto sociais, em pessoas jovens e adultas, facilitando-lhes a aprendizagem de conteúdos como também, possibilitando-lhes o desenvolvimento das competências atitudinais, isto é, aquelas que se relacionam com a capacidade de agir no mundo e refletir de forma menos ingênua sobre suas próprias ações. 

 

Palavras-chave:  Ensino-aprendizagem língua portuguesa. Acesso e Permanência. Educação de Jovens e Adultos. Proeja. Teatro e letramento.

 

 

 

 

[1]

 

RESUMEN

 

El artículo tiene como objetivo verificar la eficacia del teatro para actividades de alfabetización en portugués, así como la importancia de estos métodos y técnicas de enseñanza innovadoras, aplicadas a los estudiantes del Programa Nacional de Integración de la Educación Profesional con la Modalidad de Educación de Jóvenes y Educación Básica de Adultos ( Proeja ), del Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Goiás (IFG ), Campus Uruaçu. La muestra utilizada para la recolección de datos de la investigación fue obtenida de los cuestionarios, aplicados a los estudiantes y los administradores, y mediante la realización de entrevistas con estudiantes y profesores en el Curso Técnico Integrado de Mantenimiento y Soporte Técnico. La muestra fue exhaustiva. La población del estudio realizado comprendió 25 alumnos, 10 egresados, 03 profesores y 01 asistente social. La pesquisa fue del tipo estudio de caso y tuve el enfoque quali-quantitativo. La presente investigación arrojó como principales conclusiones: la eficacia de la metodología aplicada para la enseñanza de determinados contenidos de la lengua nativa. Que las actividades como juego teatral,  juego dramático, la apreciación artística y refacción, contribuyeron  al aumento de la autoestima y la comprensión de determinados contenidos de la lengua portuguesa como los del género expositivo  y también del género argumentativo. Así, se puede notar que el teatro aplicado a la educación ha demostrado ser una herramienta pedagógica innovadora y apropiada para desarrollar tanto a nivel académico y social, en las habilidades de jóvenes y adultos, facilitando su aprendizaje, y  que  permita el desarrollo de competencias actitudinales.

 

Palabras clave: acceso y permanencia. Jóvenes y Adultos. Proeja. Teatro y alfabetización.

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Introdução

 

A pesquisa da qual faz parte este artigo pretende responder a seguinte pergunta: qual a influência da linguagem teatral no letramento, para a promoção da qualidade do ensino-aprendizagem e a permanência dos alunos do Programa de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja) na escola?

Conhecendo  os fatores que determinam a evasão dos alunos dessa modalidade,  a resposta é negativa para a parte da questão que busca descobrir a influência da linguagem teatral para a permanência deles na escola. Por outro lado, influencia positivamente na aprendizagem de diversas habilidades que resultam no letramento, tanto escolar quanto social, daqueles que conseguem  permanecer.

O público da Educação de Jovens e Adultos (EJA) retorna à escola com graves problemas de leitura e escrita e, ainda, com dificuldades de compreensão dos conceitos linguísticos mais abstratos, necessitando por isso de métodos e técnicas de ensino diferenciadas e apropriadas para sua condição de adultos.  As representações teatrais feitas através de jogos e dinâmicas podem materializar, de forma lúdica, alguns conteúdos, bem como elucidar comportamentos que dificultam tanto a relação com o ensino quanto as relações sociais.

Outra questão importante é saber o modo específico como esses  alunos aprendem, suas principais  dificuldades  de aprendizagem e como trabalhar com essas dificuldades, pressupondo que, pensar as aulas de Português num curso de PROEJA e executá-las dentro de um conceito de letramento requer envolvimento do professor com aspectos internos e externos  que compõem a realidade  dos alunos.

Portanto, a pesquisa visa ampliar o conhecimento de como o entrelaçamento das atividades artísticas com as linguísticas pode, pela  articulação de diferentes gêneros textuais com determinados recursos teatrais,  facilitar o ensino-aprendizagem de alguns conteúdos de língua portuguesa na educação de jovens e adultos. Utilizando-se do processo de retextualização, do fazer artístico, da apreciação e  da recepção da obra de arte nos seus aspectos histórico-sociais, através do ensino da história, da estética e do exercício crítico de leitura, acreditamos que o processo expressivo do aluno possa ser  ampliado.

Dessa forma,  o  aluno adquire  a  prática de olhar criticamente para os textos escritos e para a própria  vida ,  o que é algo bem mais  abrangente  do que apenas aprender a ler e a escrever. Fazer parte do mundo letrado significa usufruir, em menor ou maior grau, de toda a produção de cultura e de conhecimento que temos ao nosso redor, incluindo as artes, a ciência, a tecnologia e a cultura popular.

Para trabalhar com o teatro nesta modalidade de ensino é preciso que se considere  a educação sob a perspectiva de  uma proposta global de formação do indivíduo, em que o preparo do  professor é fundamental.  Para isso, leva-se em conta, além dos fatores cognitivos, o aspecto moral, social e emocional do estudante, com isso significando um desenvolvimento em todas as suas potencialidades.

Segundo Vygotsky(1988), "a aprendizagem resulta da interação entre as estruturas do pensamento e o contexto social, num processo de construção pela ação do sujeito sobre o objeto a ser conhecido". Para ocorrer a aprendizagem é necessário o enfrentamento de situações desafiadoras que propiciem ao aluno chegar a patamares mais elaborados de conhecimento, necessitando da intervenção de outros sujeitos.

Assim, a questão central desta investigação está baseada no diálogo entre os princípios inspiradores da andragogia, a ciência do ensino para adultos e  o teatro aplicado à educação como  tentativa de, pelo desafio,  ampliar tanto o letramento social quanto o escolar dos alunos do Proeja. Pressupõe-se que todos os sujeitos, independentemente da idade e da etapa em que se encontra sua escolarização, devem dispor das condições de aprendizagem oferecidas pelas instituições de ensino.

Nesse artigo, serão descritos a metodologia utilizada na pesquisa  seguindo uma breve descrição das atividades teatrais desenvolvidas na disciplina de língua portuguesa que mais tiveram efeito sobre  o letramento, tanto o  social  quanto o  escolar da população pesquisada.

 

2 Fundamentos teórico-práticos de uma proposta para  o ensino através do teatro na educação de jovens e adultos/PROEJA

A pesquisa, por seu foco estar centrado no processo de letramento dos  alunos da Educação de Jovens e Adultos, auxiliado por atividades do gênero teatral,  está fundamentada nos pressupostos pedagógicos de Miguel Arroyo e Paulo Freire, educadores que orientam o ensino aprendizagem desse  público para sua emancipação política e social;  na teoria da aprendizagem de Vygotsky, o teórico do ensino como processo social, cuja parte mais conhecida da sua extensa obra produzida  converge para o tema da criação da cultura e desenvolvimento intelectual atribuindo um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo.

Ingedore Koch também contribui na fundamentação teórica relacionada à importância da argumentatividade, uma vez que o gênero argumentativo, tanto as habilidades de  leitura quanto as de escrita, foi  o principal conteúdo trabalhado. A autora registra aspectos de argumentação em língua portuguesa oferecendo alguns subsídios para o aprimoramento do ensino dessas habilidades, mostrando que o objeto de estudo da Pragmática é a interação social do homem com a linguagem, concluindo que a  argumentatividade se dá pela interação social por intermédio da língua.

Já as concepções de letramento pelo teatro é enfocado pela visão das autoras Viola Spolin e Koudela  que apresentam  os jogos teatrais como possibilidades de prática de letramento. Augusto Boal explica  as atividades relacionadas ao Teatro do Oprimido e, Japiassu, a metodologia do ensino de teatro.

2.1 O teatro enquanto gênero discursivo e o processo de retextualização

É importante lembrar que um texto teatral é uma obra literária específica para o teatro, contém os diálogos e as indicações de cena. Sozinho, o texto é apenas literário, transformando-se em teatro quando encenado.

Uma das possibilidades de trabalhar o teatro na escola é através da atividade de retextualizar, isto é, produzir um novo texto a partir de um ou mais textos-base, como postula Matêncio (2002). Para tal  é preciso ter clareza das condições de funcionamento do  novo texto o que permitirá ao retextualizador planejar  sua escrita, em função do propósito discursivo, do interlocutor e do circuito comunicativo previsto.

Em outro trabalho,  Matencio (2003, p. 3-4) explica que:

Textualizar é agenciar recursos linguageiros e realizar operações linguísticas, textuais e discursivas. Retextualizar, por sua vez, envolve a produção de um novo texto a partir de um ou mais textos-base, o que significa que o sujeito trabalha sobre as estratégias linguísticas, textuais e discursivas identificadas no texto-base para, então, projetá-las tendo em vista uma nova situação de interação, portanto um novo enquadre e um novo quadro de referência. A atividade de retextualização envolve, dessa perspectiva, tanto relações entre gêneros e textos – o fenômeno da intertextualidade – quanto relações entre discursos – a interdiscursividade. (MATENCIO, 2003, p. 3-4)

 

Certamente, o propósito de refazer um texto, como no nosso caso, passar de um conto a uma peça teatral, é o que orienta as operações empreendidas na refacção,  assim como as relações tipológicas nos gêneros de partida e chegada. Os processos de formulação do texto oral e do texto escrito também redirecionam fortemente o que será mudado.  

 

2.2  Relação entre teatro e educação no PROEJA

O trabalho do professor de língua portuguesa tem o objetivo  de criar as condições adequadas para tornar o aluno adulto  competente para ler e escrever e poder se sentir parte da cultura letrada, e ainda,  ter acesso aos bens culturais. Uma das mais importantes habilidades desenvolvidas pelas disciplina é  a capacidade argumentativa.  Para isso, as artes têm um papel fundamental – o de despertá-los para um mundo até então desconhecido, o da criticidade, o das representações e dos símbolos. Dá-lhes o sentido de pertencimento cultural e o alargamento da compreensão de si, não apenas como objeto da história, da educação, da sociedade, mas também como sujeitos-autores da própria  história de vida, de seu “estar no mundo”.

Os cursos do Proeja associam o ensino médio a uma profissão, no entanto, há diretrizes que orientam para  uma educação que não manipule o aluno para a mera exploração de seu trabalho, mas que imprima nele a capacidade para o desenvolvimento sensível da sua essência criadora. “[...] e estimuladora da criatividade, da beleza e da ousadia, qualidades ainda raras, mas que se tornarão progressivamente hegemônicas. (PARECER CNE Nº 16/99 – CEB)

A arte, no entanto, especialmente o teatro, é ainda visto no Brasil, tanto pela maioria dos professores quanto pelos responsáveis pela elaboração dos conteúdos programáticos dos cursos para formação de professores em todos os níveis, como algo supérfluo, caracterizado como lazer, recreação ou luxo – apenas permitido a pessoas das classes economicamente mais favorecidas. (KOUDELA, 2003)

Segundo Vygotsky (1972): 

é perfeitamente admissível a opinião de que as Artes representam um adorno à vida, mas isso contradiz radicalmente as leis que sobre elas descobre a investigação psicológica. Esta mostra que as Artes representam o centro de todos os processos biológicos e sociais do indivíduo na sociedade e que se constituem no meio para se estabelecer o equilíbrio entre o ser humano e o mundo nos momentos mais críticos e importantes da vida. Isso supõe uma refutação radical do enfoque das Artes como adorno (p.316).

 

No Brasil, essa visão da arte como adorno pode se dar pelo  fato de que as classes menos favorecidas  sempre estiveram distanciadas desse tipo de  expressão  artística e cultural, destinadas, exclusivamente,  à elite intelectual. Aprenderam, talvez por isso mesmo, a apreciar o lazer nas formas mais próximas de suas condições financeiras e intelectuais. Acrescenta-se que os professores das escolas públicas geralmente saem também dessas camadas menos favorecidas, com pouca ou nenhuma experiência com as expressões artísticas, por isso, não  lhes  dão a devida  importância no trabalho pedagógico.

2.3  O Teatro como prática de letramento

Magda Soares (2003)  vê uma progressão da alfabetização para o letramento quando os sujeitos, que  após  a alfabetização, têm a necessidade de irem além, participando de práticas sociais de leitura e escrita. Assim, ela  distingue essas duas concepções enfatizando que

(...) alfabetização e letramento são dois processos distintos, de natureza interdependente e indissociável. A alfabetização não precede, nem é pré-requisito para o letramento, pois pessoas analfabetas por estarem inseridas no contexto letrado, possuem um nível de letramento, o que pode ser visto como uma consequência da imersão na cultura letrada. A alfabetização faz parte de um contínuo linear, com limites claros. Passa-se de analfabeto a alfabetizado. Já o letramento é um processo contínuo não-linear, multidimensional, ilimitado, sempre em permanente construção (p.93).   

 

Já Mollica e Leal, 2009,  mencionam duas formas de letramento, o  social e o escolar.  É interessante observar que na maioria dos casos, os alunos da Eja não dominam satisfatoriamente  nem uma nem outra forma de letramento.  É claro que pela vivência e experiência de vida, possuem um letramento social suficiente para que sobrevivam, movendo-se no mundo letrado,  sem o domínio satisfatório da leitura e da escrita.  

Compreendidos esses conceitos cabe pensar as questões metodológicas apropriadas para criar as situações de letramento, em especial, ao público do Proeja, como já visto, formado por pessoas com graves lacunas de aprendizagem e grandes distorções de idade/série.  O desafio, portanto, é encontrar estratégias que facilitam o processo de inserção desse público no mundo letrado com toda sua complexidade.  

O teatro aplicado à educação se apresenta como instrumento eficaz de letramento, conforme Barbosa afirma em seu artigo intitulado “O teatro na Educação”:

Percebido como um mecanismo inteligente, capaz de criar e recriar situações, intervir nas realidades, quebrar e reconstruir conceitos de espaço, tempo, estética, linguagem e comunicação, o teatro configura-se em um movimento que dá possibilidades de penetrar nas dimensões transcendentes do mundo das ideias. Dá ao ser humano o domínio sobre a construção, desconstrução e reconstrução de realidades (ou realidades imaginárias) e conhecimentos que o envolvem e a si mesmo. (BARBOSA, p.2)

 

Nesta visão pode-se considerar que para garantir real inclusão social, o processo de escolarização de pessoas jovens e adultas pressuporia a progressiva e permanente inserção dos sujeitos em situações de letramento. Há, entretanto, algumas práticas equivocadas quando se busca promover a inserção plena dos alunos adultos, como por exemplo, a seleção de conteúdos e de métodos de ensino inadequados para esses alunos cuja maturidade e papel social requerem métodos que considerem seus saberes e necessidades mais imediatas. Quando isso não acontece efetivamente, a alternativa mais utilizada por eles é a da evasão, uma vez que se sentem incapazes de aprender ou mesmo desrespeitados, de alguma forma. 

 

2.4 Atividades teatrais na escola

 De forma sucinta, podemos analisar algumas dessas atividades práticas que compõem a linguagem teatral na sala de aula servindo como elementos básicos para desenvolver o letramento dos alunos da EJA. São elas: atividades de liberação, apreciação estética, jogos teatrais / improvisações, jogos dramáticos, ensaios e apresentações cênicas.

Segundo Japiassu (2003), as atividades de liberação objetivam envolver os alunos de modo a integrá-los ao novo grupo, e ainda visa liberar energias e emoções, de modo que todo o grupo se entregue na atividade teatral de forma inteira, sem restrições ou inibições.

Vale acrescentar que tais atividades em sala de aula, dentro do contexto da educação de jovens e adultos, são ainda mais importantes no sentido de criar condições para que eles soltem suas emoções, quase sempre reprimidas pelo medo da exposição ao julgamento do outro. Por isso mesmo, muitos deles não participam das primeiras atividades de liberação.

Nessa perspectiva, nos apoiamos em Ratto (2008) ao afirmar que:

Historicamente determinado, o estigma de “sujeito menor’’ parece inerente ao sistema que rege as regras das relações entre letrados e iletrados. E o analfabeto se ressente da desigualdade, deixando marcas que permeiam o seu discurso e que permitem entrever a percepção da diferença (p. 267).

 

O aluno dessa modalidade, em decorrência da sua baixa autoestima, procura de alguma forma, desculpas, para não participar de forma ativa nas diversas disciplinas apresentadas pelo currículo, principalmente, quando se trata daquelas que o deixam em evidência diante da turma. Muitos se isolam e se recusam terminantemente a participar  das atividades que impliquem exposições individuais, trabalhos em grupo e apresentações coletivas.

Já a apreciação de um espetáculo teatral, no caso desses sujeitos, se torna algo  rico e profundo para a maioria. Uma experiência ímpar de pertencimento ao mundo letrado. No entanto, apreciam um espetáculo na medida em que  conseguem compreender a forma como os personagens se relacionam com as situações cênicas ali apresentadas, articulando as ações suscitadas pelos personagens com as que ele próprio realiza em seu cotidiano. Ainda assim,  em alguma medida, desperta-lhe  um olhar crítico sobre si, sobre o outro e sobre as próprias  situações vividas. 

Esses alunos, em sua grande maioria, nunca foram a um teatro nem sequer sabem, em sua cidade, onde se encontra as casas de espetáculo. Portanto, a ida ao teatro se torna um objeto de desvelamento, onde um mundo novo, entre razão e emoção, lhes é apresentado. JAPIASSU (2003)

Enfim, assistir a uma peça teatral  revela-se como outro caminho teórico metodológico dentro e fora da sala de aula. É necessário, então, conceituar e refletir não apenas a importância, mas como se dá o processo de ensino-aprendizagem através da apreciação estética no contexto escolar, em especial a Educação de Jovens e Adultos.

Aqui se insistirá, pois, na necessidade atual e algo urgente de se dar  maior atenção a uma educação do sensível, a uma educação do sentimento, que poder-se-ia muito bem denominar educação estética. Contudo, não nesse sentido um tanto desvirtuado que a expressão parece ter tomado no âmbito escolar, onde vem se resumindo ao repasse de informações teóricas acerca da arte, de artistas consagrados e de objetos estéticos. Trata-se, antes, de um projeto radical: o de um retorno à raiz grega da palavra “estética” – aisthesis, indicativa da primordial capacidade do ser humano de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado.” (DUARTE JR, 2003, p.13)

 

Fazer emergir as sensações, os sentimentos, as emoções dentro do contexto escolar, principalmente em alunos da Eja, cuja história de vida é uma  justificativa para sua alienação cultural não é tarefa fácil. As linguagens artísticas, no entanto,  possuem um caminho próprio que, de certa forma, alcançam com mais facilidade o mundo particular do sujeito.

Os jogos dramáticos apresentam-se, também, como uma técnica importante  através da qual são desenvolvidas diversas habilidades humanas como as interpessoais,  atitudinais,  cognitivas. Em sala de aula no âmbito da educação de jovens e adultos, aprendem a planejar, trabalhar  e decidir em grupo. Para tanto, é preciso elucidá-lo, de forma sucinta, em sua trajetória histórica e em seu lugar perante a educação. Os jogos dramáticos, segundo Japiassu (2003), são jogos inerentemente  humanos; neles, o sujeito encontra-se em uma linha tênue que divide o mundo real do mundo da imaginação.

Os jogos dramáticos oferecem  relevante contribuição ao ensino-aprendizagem de língua portuguesa, pois, até o momento da apresentação teatral, passa por diversas etapas, em que uma sequência didática é desenvolvida iniciando no momento em que se escolhe o texto que será retextualizado em uma peça teatral,  se definem personagens, cenário e, os  ensaios. Todo esse processo enriquece a aprendizagem, desperta-lhes as emoções e o entusiasmo.  Duarte (2003), assim se reporta:

A arte é, por conseguinte, uma maneira de despertar o indivíduo para que este dê maior atenção ao seu próprio processo de sentir. O intelectualismo de nossa civilização - reforçado no ambiente escolar - torna relevante apenas aquilo que é concebido racionalmente, logicamente. Deve-se aprender aqueles conceitos já “prontos”, “objetivos”, que a escola veicula a todos, indistintamente, sem levar em conta as características existenciais de cada um. Nesse processo, os educandos não têm oportunidade de elaborar sua “visão de mundo”, com base em suas próprias percepções e sentimentos. Através da arte pode se, então, despertar a atenção de cada um para sua maneira particular de sentir, sobre a qual se elaboram todos os outros processos racionais. (DUARTE JR., 2003, p.66)

 

O aluno de Eja, geralmente, chega à escola visivelmente cansado depois de um dia de trabalho duro. As atividades lúdicas são como um alívio para o cansaço. Eles sentem prazer em realizar o jogo dramático, o que pode não acontecer nas  aulas de procedimentos tradicionais que são monótonas e  previsíveis. Ainda segundo este autor,

O jogo dramático apresenta-se, também, como um instrumento de análise do mundo: as situações cotidianas são vistas e revistas, moldadas e modificadas no jogo, e o indivíduo pode sempre parar, voltar atrás e tentar de novo. (DESGRANGES, 2006, p. 95)

 

Assim, o jogo dramático, direcionado para a formação social do aluno, revela-se como importante instrumento político-pedagógico em sala de aula da Eja, pela assimilação e reflexão que podem fazer das cenas dramatizadas, que muitas vezes representam questões importantes da sua  própria vida, e que eles podem analisar criticamente, ainda que refletem e analisam, muitas vezes, para um outro, sabe no seu íntimo  que aquela bem que poderia ser sua própria história.

 

2.5 O Teatro do oprimido de Boal

O termo Teatro do Oprimido surge como título da primeira obra de Boal, em que o autor refere-se explicitamente a Paulo Freire, tomando-lhe emprestada a expressão utilizada por Paulo Freire  para designar  sua radical proposta  educativa  - a pedagogia do oprimido. O aspecto pedagógico desse teatro aparece em primeiro plano. O projeto político destaca-se com força e impõe-se através de um processo análogo ao que deu luz à Pedagogia da Libertação. Consiste, basicamente, num conjunto de procedimentos de atuação teatral improvisada, com o objetivo de, em suas origens, transformar as tradicionais relações de produção material nas sociedades capitalistas pela conscientização política do público ( Boal 1979).

O “Teatro do Oprimido”, de acordo com o próprio Boal, pretende transformar o espectador  em sujeito atuante, transformador da ação dramática que lhe é apresentada, de forma que ele mesmo, espectador, passe a protagonista e transformador da ação dramática. A ideia central é que o espectador ensaie a sua própria revolução sem delegar papeis aos personagens, desta forma conscientizando-se da sua autonomia diante dos fatos cotidianos, indo em direção a sua real liberdade de ação, sendo todos “espect-atores”.

Para isso, Boal traçou um plano para conversão do espectador em ator estruturado em quatro etapas distintas, sintetizado por Japiassu (2003). Nesse plano, a parte  que mais e aplica à execução de atividades para a construção do letramento  é o Teatro como discurso, que  consiste em formas dramáticas e teatrais de atuação originalmente formuladas por Boal, cuja atividade mais apropriada ao letramento social é a chamada  “Quebra de Repressão”,  uma técnica de ensaio para resistência a uma repressão futura. Consiste em solicitar a um participante que relembre um momento ao qual tenha sido vítima de uma repressão. Então esta pessoa escolhe outras presentes para lhe auxiliar na reconstrução da cena já vivenciada. Após a dramatização da vivência, pede-se que o protagonista resista a tal opressão e que os outros espect-atores mantenham as ações repressivas.

 Boal apresenta  o teatro como uma forma de expressão e comunicação que deve ser apropriada por não-atores, como instrumento político para reflexão e transformação social.

2.6 Metodologia

Como um dos  objetivos  é comparar índices de evasão escolar com  técnicas de ensino inovadores, utilizando o teatro como ponto de partida para atividades que possibilitam a quebra de repressão, a compreensão de conteúdos como os textos argumentativos, a  metodologia, portanto,  consiste na aplicação de questionários,  entrevistas e em observações do desempenho das atividades  da sala de aula.

Os documentos oficiais compreenderam as Leis, Decretos, Projeto do Curso, bem como o Projeto Político Pedagógico da Instituição, Plano de Desenvolvimento da Escola, entre outros relatórios produzidos por órgãos governamentais como MEC/SETEC e IBGE.

Através da observação sistemática registrei inicialmente as falas dos sujeitos do Proeja 1/2010 no decorrer das aulas de teatro propostas no Livro Didático; posteriormente nas aulas de Teatro, nas Visitas Técnicas a teatros, cinemas, museus  e exposições de arte   e na apresentação final do projeto FIC/Teatro e Letramento, das quais alguns deles participaram em horário diferenciado.

Os registros também foram importantes no fim de cada atividade teatral desenvolvida na sala de aula regular, anotando os avanços na compreensão da leitura e escrita dos textos dos gêneros dissertativos, em que o teatro foi utilizado como estratégia de ensino de conteúdos como construção da tese oral e escrita, pois o objetivo principal da atividade era fazer com que aprendessem a organizar os passos da argumentação em esquemas mentais e escritos trabalhando conjuntamente, no sentido de construir uma argumentação coesa e uniforme.

 Para avaliar a eficácia das atividades de apreciação no letramento  propiciadas pelas visitas técnicas, além da observação,   aplicamos um questionário que possibilitou conhecer o impacto causado sobre eles e qual a visão que tiveram sobre a arte e a história, esta em função da visita a Museus, Exposições de Arte, Senado, dentre outros.

As técnicas utilizadas para a obtenção de informações são bastante diversas, destacando-se os questionários, as entrevistas e as observações do tipo Survey, mesclado com observação.

Na primeira fase de registro de dados analisei  as anotações feitas durante  todo o período do curso FIC – Teatro em que trabalhamos, além da parte teórica,  a expressividade na fala e na expressão corporal, a desinibição, etc., a retextualização no processo de preparo para interpretação e  produção das duas peças e, das demais apresentações, como a coreografia, declamações e esquetes.

Na segunda fase apliquei os  questionários e as entrevistas que buscavam compreender a eficácia das atividades teatrais para o letramento e a aprendizagem dos conteúdos específicos de argumentatividade nos textos de opinião.  Estes  foram aplicados diretamente aos alunos no próprio ambiente da sala de aula. As entrevistas foram realizadas individualmente, no decorrer do 2º semestre de 2012 e no 1º de 2013. A segunda fase do registro de dados incluiu também uma professora que participou do projeto FIC Teatro.

A terceira fase do registro de dados tinha, primeiramente, o objetivo de traçar o perfil de identidade dos alunos, destacando suas características pessoais e profissionais, assim como alguns dados da sua história de vida. Em seguida, foi conduzida uma reflexão coletiva sobre cada uma das peças e, individualmente, através das entrevistas, os alunos foram questionados sobre suas opiniões e perspectivas em referência às atividades de teatro e suas implicações tanto no letramento escolar quanto no social.

Dessa forma, seria possível identificar o nível de consciência que os alunos demonstram sobre o papel socioeducativo desempenhado pela disciplina Teatro em EJA.

2.7 Resultados

Baseada nos estudos de Viola Spolin sobre a eficácia do teatro no letramento e cidadania dos jovens e adultos os  dados coletados fornecem pistas valiosas que possibilitam a reflexão  sobre a influência que as atividades desenvolvidas tiveram sobre o seu letramento, aqui compreendido como veículo de promoção de acessibilidade às instituições sociais, de conscientização das relações de poder e, em consequência, de formação de cidadania.

GRÁFICO 1 – Atividades mais apropriadas ao letramento na visão da professora/pesquisadora

Fonte: Elaboração própria

 

As atividades de  Jogo Teatral / “quebra de repressão” do Teatro do Oprimido de Boal demonstraram ser de grande importância para o desenvolvimento da autoestima e do letramento social. Diversas situações, realmente vivenciadas por eles, foram encenadas e eles puderam perceber que há uma outra forma de resolver problemas e, que, ser bem sucedido,  depende do conhecimento de direitos humanos e da capacidade individual de argumentar.

GRÁFICO 2 – Estatística de alunos por situação

 

FONTE: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS CAMPUS URUAÇU PRÓ-REITORIA DE ENSINO.

A análise dos dados de registro de Ingresso e Evasão dos alunos do Proeja – Técnico em Informática do primeiro período de 2010 ao segundo período de 2012, mostra um índice de evasão de 60% dos alunos matriculados nesse curso. Já o primeiro período de 2013, com a troca do curso para Técnico em comércio apresenta um índice de apenas 12%, menor do que o primeiro período de 2010, que apresenta um índice de 19%. Isso demonstra que o curso de Informática não atendia às expectativas dos alunos adultos com relação à possibilidade de ingresso nessa área do  mercado de trabalho. Isso, em função da idade avançada da maioria e da dificuldade em aprender a lidar com o computador em suas funções mais básicas.

 

 

 

 

 

 

 

GRÁFICO 3 -  Fatores de desistência dos alunos PROEJA: Período de  2008-2 A 2013-1 (135 EVADIDOS)

 

 

Fonte: Coordenação de Assistência ao Estudante – Setor de Serviço Social, em 05.set.2013.

 

            A análise do gráfico mostra que o fator principal está relacionado às questões do trabalho, isto é, quando o aluno não consegue conciliar os horários de saída do trabalho com a entrada na escola. Interessante notar que no primeiro ano de funcionamento do Proeja( 2008-2), 07 alunos reprovaram por falta e desistiram do curso. Isso mostra que os professores lidavam com esse público da mesma forma, ou seja, com a mesma exigência e rigor com que lidavam com alunos dos cursos regulares, exigindo horário de entrada (19h15min), não permitindo que entrassem ou não retirando as faltas mesmo que assistissem metade da aula, o que é comum no caso desse público. A partir do segundo ano, 2009-1, pode-se observar que não houve mais reprovação/desistência por essa causa. Isso se deve ao trabalho de conscientização da realidade com a qual os professores vindos, principalmente de escolas e universidades particulares para o câmpus Uruaçu,  teriam que conviver. Perceberam que se fossem rigorosos com a pontualidade não teriam alunos na sala ao final do ano.

 

3. Conclusão

O propósito desta pesquisa foi analisar a influência da linguagem teatral no letramento, para a promoção da qualidade do ensino-aprendizagem e a permanência dos alunos do Proeja na escola. Para isso, este estudo tinha as seguintes perguntas de pesquisa:

 

  1. Quais as atividades próprias do gênero teatro adequadas ao desenvolvimento do letramento dos alunos do PROEJA?
  2. Qual o desempenho dos educandos na leitura e na escrita através do gênero teatro?
  3. Qual o índice de permanência dos alunos do PROEJA na escola, a partir do uso do gênero teatro no letramento?

 

Conforme já apontado anteriormente, os resultados indicaram que a aplicação das técnicas teatrais atingiu seus objetivos, isto é, os alunos demonstraram que as atividades pedagógicas ilustradas pelos jogos dramáticos e pelos jogos teatrais foram componentes relevantes para gerar motivação e materializar os conceitos relativos à compreensão e a produção dos textos do gênero dissertativo/argumentativo.

Entretanto, o letramento não se restringe à apropriação das habilidades e competências cognitivas, relativas ao letramento escolar, mas também, das referentes ao letramento social, ou seja, daquelas que se relacionam com à ética e o mundo do trabalho, que incluem a participação social, a criatividade, a capacidade de solucionar problemas, o sendo crítico, dentre outros. Essas duas competências (cognitiva e social) se articulam com o conhecimento extraescolar que, como pessoas experientes, trazem consigo.

As atividades do gênero teatral que se revelaram mais apropriadas ao letramento, considerando as duas competências acima mencionadas, foram: as atividades de apreciação (a ida ao teatro), a quebra de repressão, o júri simulado, a improvisação de cenas sobre notícia e conto, a retextualização. Ao analisar os resultados das produções e interpretações textuais após a aplicação dessas técnicas teatrais percebi, claramente, a ampliação do letramento escolar na construção da argumentação e na capacidade de fundamentação dos argumentos, bem como, do letramento social pela elevação da autoestima, possibilitando-lhes intervenções no meio social, observado nas diversas situações propostas.

É nesse sentido que o Teatro, tanto na expressão quanto na apreciação, é uma prática de arte politizadora que abre espaço para a manifestação expressiva dos participantes.  Por seu caráter popular e participativo, propicia um procedimento educacional junto aos alunos e alunas de Proeja, homens e mulheres, que normalmente retornam para a escola em busca de algo que não foi alcançado durante a trajetória “normal” de escolarização.

É interessante ressaltar, no entanto, que na execução de algumas atividades de jogo teatral, como as de quebra de repressão, do Teatro do Oprimido de Boal, por exemplo, aqueles que pareciam mais fechados em si mesmos, menos comunicativos, os quais deveriam passar por aquela atividade, eram justamente os que não se dispunham a participar do jogo. Isso, mesmo com muitas tentativas e exemplos da própria pesquisadora. Em outras palavras, não foi possível atingir a todos.

Mesmo em face disso, pude perceber que o teatro aplicado a educação demonstra ser uma ferramenta pedagógica inovadora e apropriada para desenvolver habilidades tanto acadêmicas quanto sociais, em pessoas jovens e adultas, facilitando-lhes a aprendizagem de conteúdos como também, possibilitando-lhes o desenvolvimento das competências atitudinais, isto é, aquelas que se relacionam com a capacidade de agir no mundo e refletir de forma menos ingênua sobre suas próprias ações. 

Nesse sentido, os resultados mostraram que, mesmo os alunos com maiores dificuldades de aprendizagem, conseguiram desenvolver ou ampliar importantes habilidades e competências de leitura e escrita que certamente lhes servirão de subsídios para superar as dificuldades advindas da interrupção das etapas escolares normais.  Outros conhecimentos se agregarão àqueles e então, podemos imaginá-los cidadãos conscientes de suas funções, críticos e capazes de agir na sociedade de forma a transformá-la.

Por outro lado, para compreender as causas da evasão desse público, é fundamental apreender  que o Proeja é formado por alunos oriundos da classe trabalhadora, os quais vivem uma condição socioeconômica que lhes determina inúmeras restrições que devem ser consideradas na análise de suas dificuldades, tanto  de aprendizagem quanto  de permanência na escola.  Invariavelmente, os que compõem o alunado desta modalidade de ensino não são aqueles que frequentam uma exposição de arte, que  assistem a uma peça teatral, ou mesmo que têm acesso à leitura de um livro literário, mas, os que desde muito cedo deixam a escola para se dedicarem ao trabalho.

O que os motiva  tanto a retornar quanto a deixar a sala de aula são  questões que ultrapassam metodologias, relacionamentos e dificuldade de aprendizagem. Tampouco estão condicionados às próprias decisões do aluno, mas, em grande maioria,  está diretamente ligado às exigências da sociedade capitalista e à possibilidade de conseguir um emprego melhor. Isso, contraditoriamente, tanto o traz para a escola  quanto o retira. 

Os dados referentes à evasão confirmaram que tão importante quanto repensar as práticas pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos é reconhecer e refletir profundamente sobre as causas socioeconômicas que dificultam e/ou impedem a aprendizagem e a permanência desse público na escola, na fase adequada.   Ou seja, a educação não consegue  resolver um problema gerado pelas  péssimas condições de vida em que muitos se encontram e que influenciaram no passado e continuam influenciando  decisivamente em sua desistência agora.

Portanto, a metodologia inovadora é apenas um coadjuvante no processo de permanência deles. Questões relacionadas ao trabalho de subsistência   são fatores determinantes para a reprovação e evasão desse público.

Em que pese essa constatação, é importante perceber que a realidade social é histórica, e como tal, transformável; se feita pelos homens, por eles pode ser mudada. É aí que se situa a possibilidade do exercício autônomo da escola e, em especial, dos professores. As inter-relações entre aluno e professor configuram-se nesse contexto muito particular que é a escola, na qual, enquanto instituição, pode exercer a função de prepará-los omniliteralmente, possibilitando-lhes a construção de uma consciência cultural e política mais elaborada.

Na minha percepção de educadora, o trabalho com esses alunos, também seria mais exitoso, na medida em que houvesse parâmetros oficiais para se traçar o perfil do professor dessa modalidade.  O que se nota ainda é a ausência de critérios de escolhas para os que vão atuar diretamente na sala de aula do Proeja. Alguns, por intuição, atuam satisfatoriamente, outros, demonstram ser totalmente despreparados para lidar com adultos.

É importante ressaltar ainda, que não apenas a mediação imprópria dos professores (a pedagógica e não a andragógica) e as condições socioeconômicas são responsáveis pelo fracasso escolar desse público, mas que vários outros fatores contribuem para a desistência deles. Acrescento aqui os conteúdos e a abordagem tradicional sobre alunos da EJA, que não combina com o ritmo e os interesses  desse público, uma vez que não foram pensados para o operário, a dona de casa, a manicure, etc.

Prova disso é que, apropriando os conteúdos e aplicando uma metodologia adequada há uma resposta positiva. O desempenho dos alunos na leitura e na escrita através do gênero teatro melhora significativamente. As atividades de jogos dramáticos, como que materializam para eles os conceitos até então abstratos, possibilitando-lhes a identificação e compreensão da estrutura do gênero textual argumentativo. Aprendem a apresentar e defender uma tese usando argumentos e provas consistentes.

Em que pese o visível  sucesso no desenvolvimento das habilidades que se  referem ao domínio de linguagens, compreensão de fenômenos, enfrentamento e resolução de situações-problema, capacidade de argumentação e elaboração de propostas, o  índice de permanência da população trabalhada na pesquisa não subiu,  a partir do uso do gênero teatro no letramento, mas,  permaneceu inalterado.

Daí, depreende-se que há uma estreita relação entre situação financeira e desistência principalmente para os homens e as mulheres que são chefes de família. Para as mulheres casadas o que mais influencia, são as questões familiares relacionadas com a maternidade, a doença de filhos, separação, etc.

Enfim, cabe ressaltar que, ainda que pese o conjunto dos problemas constatados no processo de ensino-aprendizagem e na frequência com que se evadem, os egressos conseguem movimentar-se em direção a uma vida mais digna, internalizando,  até mesmo,  a ideia de pertencimento aos bens culturais do seu país.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 REFERÊNCIAS

 

 

AMARAL, Heloisa.  Gêneros Textuais: Mais dicas de Aula por Projetos. Escrevendo o Futuro.  2009. Disponível em: <http://leromundo.arteblog.com.br/127356/Generos-Textuais-3-mais-dicas-de-aula-porprojetos/>Acesso em: 18 de janeiro de 2013.

 

ARROYO, Miguel Gonzalez. Formação de educadores de jovens e adultos. Belo Horizonte: Secretaria da Educação, 2006.

 

BARBOSA, Claudinéia da Silva. O teatro na educação. [S.l.]: Virtual Books, 2000. Disponível em: <http://www.slideshare.net/azulestrelar/o-teatro-na-educao-artigo-claudineia-da-silva-barbosa >. Acesso em: 03 out. 2013.

 

BOAL. Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticasCivilização Brasileira, 1988.

 

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

 

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO RIO GRANDE DO

NORTE. Projeto de reestruturação curricular. Natal: CEFET-RN, 1999.DIETERICH, H. Globalización, educación y democracia. 4. ed. In: DIETERICH, H. La aldea global. Tafalla: Txalaparta, 1999.

 

DELL’ISOLA, R. Retextualização de gêneros escritos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

 

DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.

 

EISNER, Elliot. Educating Artistic Vision. New York, Macmillan, 1972, p.9

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

 

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do Ensino de Teatro. 2.ed. Campinas: Papirus, 2003 (Coleção Àgere).

 

KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

 

KOUDELA, Ingrid D. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2011.

 

________, Ingrid D.. Jogos Teatrais na Pedagogia do Teatro. FAEB 2011. Disponível em <http://www.faeb.com.br/livro/Conferencias/jogos%20teatrais%20na%20pedagogia.pdf> Acesso em 05. out.2013

 

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Cientifica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

 

MARCUSCHI, L.A.  Da Fala para a Escrita: Atividades de Retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

 

MATENCIO, M. L. M. Referenciação e retextualização de textos acadêmicos: um estudo do resumo e da resenha. Anais do III Congresso Internacional da ABRALIN, março de 2003.

 

MOURA, Dante Henrique. O PROEJA e a Rede Federal de educação profissional e tecnológica. Natal: 2006. Disponível em: < http://www.cefetrn.br/ensino/cursos-oferecidos/posgraduacao/especializacao-

 

PACHECO, Eliezer Moreira. Os Institutos Federais. Uma revolução Profissional e Tecnológica.1 ed. Natal: IFRN, 2010.

 

RATTO, Ivani. Ação política: fator de constituição do letramento do analfabeto

adulto. In: KLEIMAN, Ângela (Org.). Os significados do Letramento: uma nova

perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2008.

 

ROCCO, Gaetana Maria Jovino Di. Educação de Adultos – Uma contribuição para seu estudo no Brasil.1 ed. São Paulo: Loyola. 1979.

 

ROJO, R. H. R. (2002) A concepção de leitor e produtor de textos nos PCNs:“Ler é melhor do que estudar”. In M. T. A. Freitas & S. R. Costa (orgs) Leitura e

Escrita na Formação de Professores, pp. 31-52. SP: Musa/UFJF/INEPCOMPED.

 

SOARES, L.  Formação de educadores de jovens e adultos / organizado por Leôncio Soares. Belo Horizonte : Autêntica/ SECAD-MEC/UNESCO, 2006.

 

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

 

SPOLIN,Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1992.  

 

 

VYGOTSKY, L.S. Educational Psychology. Boca Raton: St.Lucie Press, 1997.        [ Links ]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Licenciada  em Letras Português/Inglês pela UEG,  especializada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade Salgado de Oliveira – Rio de Janeiro, em Língua Inglesa pela Unievangélica – Ceres – Goiás,  Docente do IFG – Câmpus Uruaçu-Go.  Mestra em Ciências da Educação – Trabalho orientado pelo professor Dr. Roberto Wagner Scherr. Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidad Americana. Assunção – Py.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Maria Aparecida de Oliveira Borges

por Maria Aparecida de Oliveira Borges

Graduada em Letras com habilitação em língua portuguesa e inglesa. Especialista em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universo - Rio de Janeiro e em Língua Inglesa pela Unievangélica- Anápolis. Mestre e doutoranda em Ciências da Educação pela Universidad Americana em Asunción - Paraguai. Professora de Língua Portuguesa e Inglesa do Ensino Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Goiás, inclu

Portal Educação

UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93